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CENTRO DE ESTUDOS JUDICIÁRIOS

PROVA ESCRITA DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

2010 - 1ª CHAMADA

CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO

Em todas as respostas é valorado positivamente o seu grau de desenvolvimento e


aprofundamento teórico, em especial ao nível da teoria da infracção quando se tratem
de questões de direito substantivo. Para além dos critérios de correcção que a seguir se
indicam, serão valoradas positivamente as respostas que, respeitando as premissas da
factualidade na hipótese, estejam dogmaticamente sustentadas.

Grupo I-1 11 valores

Pretende-se uma análise dos pressupostos típicos de cada crime indiciado, em função da
factualidade colocada na hipótese, analisando posteriormente a responsabilidade penal dos
participantes nos mesmos, nos seguintes termos:

299º CP - associação criminosa:


Um grupo com mais do que três pessoas, agindo de modo organizado no tempo para a prática
de crimes de roubo e falsificação de viaturas, sob as ordens de indivíduos determinados.
[afastar aqui e nos factos de dia 13 a prática de furtos ou furtos qualificados (203º e 204º CP),
pois a violência contra bens jurídicos pessoais, incompatível com a mera tutela do património,
está bem patente nas expressões “vítimas que não resistissem” ou “carjacking”, não sendo
exigido pela violência típica do roubo a existência de “feridos ou mortos”; no caso do roubo
de que Sara é vítima, a violência é clarificada, com esta a ser agarrada pelo braço no veículo,
intimidada verbalmente, amedrontada pelo comportamento e corpulência, agarrada na sala, e
privação da liberdade de locomoção]
- Autolino e Bisga fundaram e, em simultâneo, dirigem o grupo que actua sob as suas ordens,
pelo que são punidos como autores pelo nº3 (prevalece sobre o nº1 por consumpção);
- Cachorrão e Danado fazem parte do grupo, cometendo actos dos roubos e falsificações,
pelo que são punidos como autores pelo nº2;
- Embustim apoia o grupo, cometendo actos das falsificações, pelo que é punido pelo nº2
como autor.

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210º nº2 CP, com refª 204º nº1 e nº2 CP - roubo qualificado:
[afastar a agravação pelo resultado (210º nº3 Código Penal), pois a morte de Sara não resulta
do “facto”, ou seja, da violência empregue para roubar, nem sequer a violação do dever de
cuidado pressuposta se insere no processo causal do roubo]
[afastar o sequestro, enquanto “crime-meio”, pois a privação da liberdade de Sara, é adequada
e proporcional aos actos de subtracção do veículo e posteriormente das jóias que integram
roubo; o qual se mantém em execução durante todo o período da privação da liberdade]
- Autolino e Bisga são co-instigadores, por determinarem Cachorrão e Danado (são os
“cérebros” com uma determinação inicial genérica, que se mantém ao longo do tempo por
sucessivos actos de direcção); ou eventualmente co-autores mediatos (os “homens de trás”
numa situação de “fungibilidade” na organização). É de afastar a co-autoria, pois não tomam
parte directa na execução do roubo.
Cometem um crime de roubo qualificado, apenas quanto ao veículo [valor 7.500€ - 204º nº1
al. a) CP], uma vez que a entrada no domicílio e a subtracção de valores no seu interior não
se inclui no conjunto dos factos realizados pelo grupo, estando fora do âmbito da sua
determinação/direcção. Ao se apoderarem de parte das jóias, posteriormente, cometem antes
um crime de receptação (cfr. abaixo).
- Cachorrão e Danado são co-autores materiais. Cometem um único crime de roubo
qualificado, embora quanto ao veículo e quanto às jóias [valor 107.500€ - 204º nº1 al. f), nº2
al. a) e nº3 CP], devido à unidade de resolução criminosa e pela ligação espácio-temporal na
subtracção de todos os objectos subtraídos, sendo a vítima a mesma.
Caso a conduta descrita no 1º parágrafo não tenha sido subsumida ao crime de associação
criminosa, o roubo deve ser também qualificado pela alínea g) do 204º nº2 CP, cometido por
membros de “bando”.

163º nº1 ou 164º nº1 al. a) CP, em qualquer caso com refª 22º nº1 al. c) CP, coacção
sexual ou violação na forma tentada
Há início da tentativa, pois os actos praticados, segundo a experiência comum, são de
natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos que preenchem o tipo respectivo.
- Danado é o único autor material.

154º nº1 CP, com refª ao 32º CP, coacção, justificado por legítima defesa
- Cachorrão seria o único autor material, mas a sua conduta, ao agarrar e puxar Danado,
encontra-se justificada, para legítima defesa de terceiro, face à conduta daquele que se
encontra em curso. O meio empregue é adequado e proporcional para remover o perigo.

143º nº1 CP, com refª 147º nº1 CP – ofensa à integridade física simples agravada pelo
resultado; ou
137º nº1º – homicídio negligente
- O crime é cometido por Danado, havendo erro de execução (aberratio ictus) ao atingir com
o murro outra pessoa. Caso perfilhada a “teoria da concretização”, realiza uma ofensa tentada
(não punível – art. 23º nº1 CP), praticando apenas um crime de homicídio negligente. Caso
perfilhada a teoria da equivalência, a identidade da pessoa é irrelevante para o preenchimento

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típico do crime de ofensa, pelo que comete um crime de ofensa à integridade física simples
agravada pelo resultado morte.
Não há dolo quanto ao resultado morte, nem sequer a título de dolo eventual (Sara não era a
destinatária do murro), pelo que restará a responsabilização pelo resultado a título de
negligência, caso a morte fosse no mínimo previsível e se verifiquem os demais requisitos
objectivos e subjectivos do tipo de negligência.

256º nº1 al. a) e nº3 – Falsificação de documento autêntico:


É jurisprudência constante desde o Assento nº 3/98 STJ, proferido no âmbito da redacção
original do Código Penal/82, que a chapa de matrícula de um veículo automóvel, quando nele
aposta, é um documento com igual força à de um documento autêntico.
Apesar da troca de duas chapas de matrícula (um par) trata-se de um único crime, porque a
identificação de um veículo exige duas chapas, pela unidade de resolução criminosa e pela
proximidade espácio-temporal entre as condutas.
- Cachorrão e Danado são co-autores materiais, ao colocar as matrículas falsas no veículo;
- Embustim é co-autor material, por fornecer um dos componentes do documento falso – a
matrícula (al. a) do art. 256º nº1, na nova redacção dada pela Lei nº59/2007, de 4 de
Setembro). Poderá ainda ser autor de um crime de auxílio material, previsto no art. 232º
nº1 Código Penal, devendo debater-se a questão do concurso quanto à falsificação.
- Bisga é instigador ou autor mediato (cfr. acima roubo).
- Autolino é autor material, ao circular com a viatura nessa noite (256º nº1 al. e) e nº3), o que
consome a instigação ou autoria mediata antecedente.

254 nº1 al. a) e nº 2 CP, com refª 22º nº1 al. a) e 23º nº3 CP – ocultação de cadáver, na
forma tentada;
367º nº3 CP, com refª 22º nº1 al. a) e 23º nº3 CP - Favorecimento pessoal, na forma
tentada:
Em ambos os casos, a ocultação e o favorecimento, seriam relativamente ao crime de
homicídio negligente ou ofensa agravada pelo resultado morte.Quanto ao favorecimento
pessoal, este não seria punível relativamente a Danado, enquanto autor material daquele
crime. Quanto à ocultação de cadáver, uma vez que este sabia que o cadáver ficara em casa, o
mesmo não comete este crime. Nem qualquer dos crimes poderia ser cometido por Bisga que
só posteriormente teve conhecimento desses factos, mesmo que diga apoiá-los.
- Cachorrão seria instigador do crime de ocultação de cadáver, mas não havendo início da
execução não é punível (art. 26º in fine CP).
- Autolino seria autor material, mas a tentativa não é punível, pois o cadáver não se
encontrava na mala da viatura, inexistindo o objecto essencial à consumação do crime.
Considerando não ser manifesta a inexistência do objecto, aceita-se a resposta contrária,
fundada na teoria da impressão, atento o desvalor social da acção e numa perspectiva
objectiva-subjectiva.

231º nº1 – Receptação:


- Autolino e Bisga são autores materiais, relativamente às jóias com que cada um ficou.

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Grupo I-2 3 valores

Análise do regime das declarações para memória futura, previsto no 271º CPP e 356º nº1
al. a) CPP.
Em princípio este meio de prova será admissível, pois a vizinha é uma testemunha e vai
deslocar-se para o estrangeiro (271º nº1 CPP); podendo as declarações ser lidas em
julgamento (356º nº1 al. a) CPP). Todavia, inexistindo arguidos constituídos torna-se
impossível assegurar o contraditório mínimo previsto pelo instituto (nº3), para que a prova
possa valer em julgamento. A resposta deverá ter em consideração que o processo penal
assegura todas as garantias de defesa ao arguido e valoriza o princípio do contraditório (32º
nº1 e nº5 CRP), fazendo a concordância prática entre os direitos do arguido com os interesses
comunitários também constitucionalmente tutelados da justiça penal, segundo o princípio da
proporcionalidade (18º CRP). Neste contexto, quer a afirmativa quer a negativa serão aceites.

Grupo II-1 3,5 valores

277º nº1 al. a) CP com refª 285º CP – infracção de regras de construção, dano em
instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte
Em concurso aparente com um crime de homicídio negligente - 137º CP.
Nenhum dos intervenientes é penalmente responsável, pois quer o resultado de perigo
concreto (perigo de queda) quer o resultado de dano (a morte) são exclusivamente imputáveis
ao próprio trabalhador falecido que, contrariamente às instruções expressas do responsável
pela segurança, infringiu as regras técnicas relativas à sua própria segurança, colocando a sua
vida em risco.
Da parte dos vários intervenientes foram cumpridas e promovidas todas as regras técnicas de
segurança, com excepção das relativas à colocação das redes exteriores. Contudo, não há nexo
de imputação objectiva a esse facto (omissivo) da situação de perigo criada ou da morte
consequente. a colocação da rede não era adequada a evitar o resultado (“causalidade
hipotética” ou “adequação hipotética”), nem a sua colocação em concreto (“comportamento
lícito alternativo”) o teria evitado. Acresce, no mesmo sentido, que a protecção de quedas dos
trabalhadores não cabia na “esfera de protecção” da “norma de cuidado” que exige a
colocação da rede.
Não obstante, a resposta não poderá deixar de analisar os pressupostos típicos do crime, cuja
indiciação é contrariada apenas na sequência dos actos de inquérito.

Grupo II-2 2,5 valores

A diligência é processualmente válida no âmbito das competências cautelares e de polícia,


próprias dos órgãos de polícia criminal, concretamente as previstas nos artigos 55º nº2, 249º
nº1 e nº2, als. a) e b), 171º nº1 nº2 e nº4, e 173º, todos do CPP.

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Grupo III-1 2,5 valores

160º nº1 al. d) CP – Tráfico de Pessoas


[afastar o lenocínio agravado 169º nº1 e nº2 al. d) CP, por não resultar da hipótese a prática de
prostituição, tal como exigida por essa norma incriminatória]
Pretende-se uma análise dos pressupostos típicos do crime, em função da situação colocada,
sendo valorizada a análise do alargamento típico resultante da última revisão penal,
designadamente ao nível dos instrumentos internacionais que obrigavam o Estado português.
Deverá também ser analisada a questão relativa ao momento da consumação do crime
O conceito de “exploração sexual” é, actualmente, suficientemente amplo para incluir a
situação descrita.
Verifica-se uma situação de aproveitamento objectivo por Adão da situação de especial
vulnerabilidade resultante da toxicodependência da sua condição económica, familiar e de
ilegalidade.
A instrumentalização ou coisificação de Evelina, que não vê outra alternativa real e aceitável
a aceitar a proposta de Adão, é indiciada ainda na desproporção nos pagamentos efectuados,
confirmando a irrelevância do seu consentimento.

Grupo III-2 3,5 valores

Trata-se de uma busca domiciliária nocturna, uma vez que nessa “sala” pernoitam algumas
mulheres e o Adão, após o fecho do estabelecimento. É irrelevante que o estabelecimento
ainda esteja aberto aquando da busca, pois o carácter domiciliário do local mantém-se.
Nos termos do art. 177º nº2 al. a) CPP, a busca nocturna encontra-se expressamente prevista
para a criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, como é o caso do
tráfico de pessoas (art. 1º al. m) CPP). Todavia, nestes casos, a busca não pode ser realizada
pelo OPC sem autorização judicial (art. 177º nº1 e nº2 al. a) e 269º nº1 al. c), ambos do CPP),
o que não sucedeu.
Restam as situações previstas no art. 177º nº2 als. b) e c), ex vi nº3 al. b) do mesmo artigo
do CPP, ou seja, o consentimento documentado do visado ou flagrante delito do crime de
tráfico de pessoas.
Equacionando a inexistência de consentimento que teria de ser dado por Adão, único visado
com a diligência, no sentido constitucionalmente relevante (que deve ser indicado), haveria de
analisar se o crime indiciado, por se tratar de um crime permanente, apresentava “sinais que
mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar” (256º
nº3 CPP). Aceitam-se os dois sentidos de resposta, desde que adequadamente fundamentados.
A resposta positiva quanto à competência do OPC, permitiria concluir pela admissibilidade da
prova recolhida; enquanto que a resposta negativa implicaria concluir que a prova não poderia
ser valorada, por se verificar a proibição de prova prevista no art. 126º nº3 CPP.

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