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As Equações de Maxwell

As chamadas equações de Maxwell (em homenagem a James Clerk


Maxwell) descrevem os fenômenos eletromagnéticos (elétricos e
magnéticos). Para dar uma idéia do alcance dos fenômenos regidos
pelas equações de Maxwell basta lembrarmos que a luz é um
fenômeno de origem eletromagnética! Desde quando formuladas, há
mais de um século, estas equações passaram pelos mais severos
testes experimentais e sem dúvida constituem-se num dos pilares da
Física.

Estas equações foram originalmente escritas por Maxwell na forma de


oito equações. São estas as equações:

Estas equações podem ser encontradas no livro "A Treatise of


Electricity and Magnetism", que constitui-se em uma das grandes
obras da humanidade - a primeira edição é de 1873. Na verdade
Maxwell utilizou símbolos diferentes, e os usados acima
correspondem ao uso moderno. Não cabe aqui explicar o significado
destes símbolos; primeiro porque não é importante para o que segue,
e segundo pois não deve interessar mesmo ao não-especialista. O
fato é que ao escrever estas equações, Maxwell sintetizou todo o
conhecimento da época acerca dos fenômenos elétricos e magnéticos
na forma de um conjunto de equações relativamente simples. Apenas
esse fato já mereceria destaque, mas o mais importante é que
partindo destas equações Maxwell pode ir mais adiante e antecipar do
ponto de vista puramente teórico descobertas experimentais que só
viriam anos depois pelas mãos de Hertz.

Paralelamente (na verdade um pouco antes) ao descobrimento das


equações de Maxwell desenvolvia-se na Matemática uma ferramenta
chamada "cálculo vetorial". Utilizando este cálculo vetorial, as
equações de Maxwell escritas acima podem ser escritas como

As equações são as mesmas, mas escritas numa forma muito mais


simples quando comparadas com as originais (ao invés de oito
equações agora temos quatro!). As segunda, terceira e quartas
equações anteriores estão agora escritas na forma da segunda
equação acima, assim como a sexta, sétima e oitava estão na quarta
das equações acima. Novamente cada símbolo nestas equações tem
um significado que não discutiremos. A questão é: se as equações
são as mesmas, o que foi feito foi trocar seis por meia-dúzia? Sim e
não! Sim pois de fato as equações foram escritas de uma maneira
diferente utilizando um cálculo diferente, embora bem mais simples.
Mas tambem não! Não pois foi baseada na simplicidade destas
equações (face às originais) que muitos desenvolvimentos foram
possíveis. Nesse ponto o nome mais importante talvez tenha sido o
de Heaviside. Embora não tenha sido ele o inventor propriamente dito
do cálculo vetorial, foi ele quem primeiro o utilizou sistematicamente
e conseguiu com isso obter avanços e descobertas que, senão
impossíveis, seriam muito difíceis de obter usando as equações na
forma original. A idéia equivale a dizer que como as equações são
mais simples em forma então podemos compreende-las melhor e daí
explorar melhor suas consequências. Se fosse apenas um trocar seis
por meia-dúzia isso não seria de valor, e as pessoas continuariam
escrevendo as equações de Maxwell na sua forma original.
Após o advento do cálculo vetorial, desenvolveu-se um outro tipo de
cálculo em Matemática chamado "cálculo tensorial". Utilizando este
cálculo tensorial, as equações de Maxwell podem ser escritas como

Sim! Estas são as mesmas equações escritas anteriormente. Eram


oito, depois quatro, e agora duas! A primeira e a segunda equações
anteriores estão contidas na primeira das equações acima, enquanto
a terceira e a quarta estão contidas na outra. Esquecendo o
significado dos símbolos, vamos perguntar: isso é trocar seis por
meia-dúzia? Novamente a resposta é sim e não! Sim pois são de fato
as mesmas equações - mas num cálculo diferente. E não pois foi
utilizando este cálculo tensorial que inúmeros avanços foram
possíveis. Em particular, a teoria da gravitação de Einstein só foi
possível de ser formulada por Einstein porque ele estudou cálculo
tensorial! Com relação especifica às equações de Maxwell, o uso do
cálculo tensorial permitiu compreendermos claramente a chamada
covariância destas equações e o fato da eletricidade e magnetismo
não serem fenômenos isolados mas sim diferentes aspectos do
mesmo fenômeno eletromagnético. Esse último fato já estava claro
nas equações originais de Maxwell, mas é nesta forma que a idéia
torna-se mais clara pois os símbolos "E" e "B" usados naquelas
equações estão agora englobados em um único símbolo "F".
Novamente a simplicidade com que as equações de Maxwell podem
ser escritas refletem o quão mais natural é uma ferramenta
matemática dentro da atividade de pesquisa científica, no caso
através do cálculo tensorial.

Embora a invenção do cálculo vetorial - o cálculo tensorial deve-se


essencialmente a Ricci e Levi-Civita - esteja muitas vezes associada
ao nome de Gibbs, isso é apenas meia-verdade, pois as grandes
contribuições vieram mesmo de Hamilton e de Grassmann. O
trabalho de Grassmann, porém, mostrou-se avançado demais para a
sua época (a primeira edição de sua obra fundamental - Die
Ausdehnungslehre - é de 1844), e embora tenha exercido uma certa
influência sobre Gibbs (o trabalho de Gibbs é de 1881), o fez não
através dos pontos mais importantes do seu trabalho. Estes pontos
fundamentais só foram recuperados por Cartan quase 1 século depois
de Grassmann! Fundamentando-se na estrutura algébrica
desenvolvida por Grassmann, Cartan desenvolveu o cálculo de formas
diferenciais, que é a base da geometria diferencial moderna.
Utilizando o cálculo de formas diferenciais, as equações de Maxwell
são escritas como

É sem dúvida espantosa a simplicidade destas equações, sobretudo


quando comparamos com a forma inicial que estas mesmas equações
foram escritas! E novamente não se trata apenas de trocar seis por
meia-dúzia! O fato das equações serem mais simples reflete também
o quão mais poderosa é a estrutura que estamos considerando, e nos
permite obter novos resultados e ampliar nossos conhecimentos. Por
exemplo, essa estrutura - a álgebra de Grassmann - é a base do
conceito de super-simetria da Física Moderna, e a super-simetria é
fundamental dentro de teorias como por exemplo a das super-cordas,
que alguns acreditam ser a "theory of everything" - a explicação final
de todos os fenômenos!.

Bem, mais simples do que estas duas equações, só mesmo uma,


certo? Por isso não, eis então as equações de Maxwell:

Sim, esta equação contém a mesma informação que aquelas oito


iniciais e as outras formas subsequentes. Para escrevê-las usamos
uma estrutura construída sobre a da álgebra de Grassmann, a
chamada álgebra de Clifford - aliás Clifford foi um dos poucos que
compreendeu na época a importância do trabalho de Grassmann e
por isso pode dar um passo a mais. O que essa estrutura tem a mais,
além de simplificar tanto assim as equações de Maxwell? Dentre
outras coisas, é nas álgebras de Clifford que aparecem objetos
chamados "spinors", que são necessários para descrevermos objetos
como o elétron.

Pois bem, se ao escrevermos as equações de Maxwell numa forma


mais simples sempre acabamos ganhando "algo mais" ao longo da
história, você pode estar se perguntando o que ganhamos com esse
formalismo que nos permite escrever "as equações" como "a
equação". De fato, é para suspeitarmos que haja algo por detrás de
toda essa simplicidade, não? Pois é... tudo o que está por detrás
disso ainda não sabemos exatamente, mas uma das ferramentas
matemáticas mais poderosas desenvolvida ultimamente baseia-se
nessa álgebra de Clifford e no operador de Dirac que aparece nessa
equação de Maxwell. Trata-se da chamada "Geometria não-
comutativa" - devida em muito a A. Connes (ganhador da Medalha
Fields, maior honra quem um matemático pode receber!) - que
encontra várias aplicações, por exemplo, na física de altas energias.
O que mais está por detrás disso é o que devemos investigar!

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