Você está na página 1de 18

ARTIGO ARTICLE 723

Possibilidades de aplicação do enfoque


estratégico de planejamento no nível local de
saúde: análise comparada de duas experiências

Applicability of the strategic planning approach


to local health organizations

Elizabeth Artmann 1
Creuza da Silva Azevedo 1
Marilene de Castilho Sá 1

1 Departamento de Abstract This paper presents the preliminary results from a study on the limits and possibili-
Administração e
ties of the strategic planning approach for local health organizations. A comparative analysis is
Planejamento em Saúde,
Escola Nacional de Saúde developed between two experiences concerning the application of the strategic situational plan-
Pública, Fundação ning method (PES method) in the management of a health center and hospital. Questions in-
Oswaldo Cruz.
clude the following: difficulties with the use of the category actor in local health organizations;
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
Rio de Janeiro, RJ possibility of drafting a collective project based on the multiple rationalities existing in such or-
21041-210, Brasil. ganizations; possibility of improving communications processes with the use of the PES method;
difficulties related to organizational culture; and low levels of responsibility, as well as difficul-
ties pertaining to the method’s complexity and the possibility of simplifying it, maintaining
strategic situational analysis and improving organizations’ managerial capacity.
Key words Health Planning; Strategic Planning; Public Health

Resumo Este artigo apresenta os resultados preliminares de uma pesquisa sobre os limites e
possibilidades de aplicação do enfoque de planejamento estratégico em organizações de saúde
de nível local. Desenvolve-se uma análise comparada de duas experiências de adoção do método
de Planejamento Estratégico-Situacional (PES) para a gestão de um Centro de Saúde e de uma
unidade hospitalar. Entre as questões discutidas destacam-se: a de dificuldade de aplicação da
categoria ator no nível local de saúde; a possibilidade de construção de um projeto coletivo a
partir da multiplicidade de racionalidades presentes em organizações de saúde; a possibilidade
de se ampliarem os processos comunicativos a partir da adoção do PES; as dificuldades relativas
à cultura organizacional e aos baixos níveis de responsabilidade, além daquelas inerentes à
complexidade do método, e à possibilidade de simplificá-lo, garantindo-se a análise estratégica-
situacional e a ampliação da capacidade gerencial das organizações.
Palavras-chave Planejamento em Saúde; Planejamento Estratégico; Saúde Pública

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


724 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

Introdução logia e cirurgia torácica, vinculado ao Ministé-


rio da Saúde e posteriormente inserido na cha-
Este artigo é resultado de um projeto de pes- mada Campanha de Combate à Tuberculose.
quisa que vem sendo por nós desenvolvido em Sofreu progressiva desativação dos leitos de ti-
função, principalmente, de duas preocupações: siologia e implantação do tratamento ambula-
a primeira está relacionada com a especificida- torial, passando então a operar voltado para
de das organizações de saúde e dos problemas atendimento de outras pneumopatias. Na dé-
de saúde e a conseqüente necessidade de um cada de 80, tentou-se transformá-lo em hospi-
enfoque metodológico de planejamento adap- tal de clínicas básicas, recebendo uma mater-
tado a esta especificidade; a segunda, consi- nidade, que foi posteriormente desativada no
derando a urgência de se avançar no processo Governo Collor, sendo reaberta em 94, quando
de descentralização do SUS, tem a ver com a passou a ser administrada em regime de co-
necessidade de um enfoque de planejamento gestão com a Secretaria Municipal de Saúde.
adaptado ao nível local de saúde. Atualmente, o HRPS conta com 150 leitos e
A rigor, tais preocupações já estavam pre- atendimento ambulatorial em pneumologia,
sentes em trabalhos anteriores e remetem às Aids, clínica médica, pediatria, ginecologia,
reflexões desenvolvidas em nossas teses de obstetrícia, neonatologia, cirurgia geral e de
Mestrado (Artmann, 1993; Azevedo, 1993; e Sá, tórax.
1993), mas foi a partir de maio de 1995 que se Nossa investigação tem os seguintes objeti-
iniciou uma investigação mais sistemática so- vos: examinar os limites e possibilidades de
bre os limites e possibilidades de aplicação do aplicação do enfoque de Planejamento Estra-
enfoque estratégico de planejamento no nível tégico no nível local de saúde; testar propostas
local de saúde, envolvendo o Centro de Saúde- metodológicas adaptadas à especificidade do
Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF), da Es- nível local; desenvolver o método de Planeja-
cola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, e um mento Estratégico no sentido de incorporar ca-
hospital do Ministério da Saúde localizado no tegorias analíticas, conceitos operacionais e
Rio de Janeiro, o Hospital Raphael de Paula e outros instrumentais mais compatíveis com os
Souza (HRPS). problemas de saúde; investigar as possibilida-
A escolha do CSEGSF como um dos focos de des e limites do PES com relação às particulari-
análise se deu pela articulação das atividades dades das organizações de saúde e contribuir
de pesquisa e docência, atendendo simultanea- para ampliar a capacidade gerencial das insti-
mente a uma demanda antiga do CSE por as- tuições envolvidas.
sessoria. O CSE faz parte da estrutura da Escola Até o momento, o trabalho está centrado na
Nacional de Saúde Pública (Ensp) desde 1968, abordagem do Planejamento Estratégico-Si-
tendo sido criado com o objetivo de servir à Es- tuacional de Carlos Matus, especialmente na
cola como campo de prática para o ensino e a compreensão comunicativa aportada por Rive-
pesquisa. Hoje, atendendo a uma população de ra (1995). Soma-se a este enfoque, a compreen-
cerca de trinta mil habitantes, predominante- são relativa às particularidades das organiza-
mente residentes em favelas, no bairro de Man- ções de saúde, enquanto processo produtivo e
guinhos, o CSE procura fortalecer seu caráter de de divisão de poder (Mintzberg, 1989) e suas
unidade integrante de uma instituição de Ciên- conseqüências para a prática de planejamento
cia e Tecnologia como a Fiocruz, desenvolven- e processos de mudança gerencial.
do sua atividade de assistência como base para O enfoque de Planejamento Estratégico-Si-
o desenvolvimento de linhas de pesquisa, no- tuacional – PES (Matus, 1993, 1994b e c) surge
vas tecnologias em saúde e também para a for- no âmbito mais geral do planejamento econô-
mação de recursos humanos no campo da Saú- mico-social e vem sendo crescentemente utili-
de Coletiva (Tavares et al., 1996; Fonseca, 1996). zado no campo da saúde. Parte do reconheci-
Concomitantemente, através de Coopera- mento da complexidade e da incerteza da rea-
ção Técnica entre a Ensp e um hospital do Mi- lidade social, que se assemelha a um sistema
nistério da Saúde localizado no Rio de Janeiro, de final aberto e probabilístico, onde os pro-
o Hospital Raphael de Paula Souza (HRPS), blemas se apresentam, em sua maioria, não es-
criaram-se as condições para a ampliação dos truturados e o poder se encontra compartido.
objetos de estudo, reforçando o caráter com- Matus (1993), apoiado em Ian Mitroff, utiliza as
parativo da pesquisa, o que, até então, só havia noções de problemas bem estruturados, quase
sido possível por meio da análise de relatos de estruturados e não estruturados. Os primeiros
experiências. são problemas que, em geral, podem ser trata-
O HRPS foi inaugurado em 1952, tendo co- dos segundo modelos determinísticos de aná-
mo missão ser um hospital voltado para tisio- lise, pois se conhecem todas as variáveis inter-

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 725

venientes e suas formas de articulação. Por ou- mentas metodológicas específicas, que podem,
tro lado, os dois outros tipos de problemas só no entanto, ser retomadas nos demais.
podem ser tratados a partir de modelos proba- • A Teoria das Macroorganizações, onde Ma-
bilísticos e de intervenções criativas, já que fa- tus (1994a) aplica a Teoria da Produção Social à
zem parte de situações de incerteza quantitati- análise das organizações, permitindo-nos ava-
va e/ou qualitativa, nas quais não se podem liá-las, seja através de seus fluxos de produção,
enumerar todas as variáveis envolvidas e seus suas acumulações ou das regras que as regem
respectivos pesos na geração do problema. (regras de direcionalidade, departamentaliza-
Para enfrentar tal complexidade, o Método ção, governabilidade e responsabilidade). Des-
se apóia em um enfoque teórico bastante con- ta forma, oferece maneiras de se pensar a re-
sistente, do qual podem ser destacados os se- forma organizacional.
guintes elementos: Aliado a este enfoque, utilizamos, para nos
• O conceito de situação e de explicação si- aproximarmos da especificidade e complexi-
tuacional, onde a situação é um recorte proble- dade das organizações de saúde, de outro refe-
mático da realidade feito por um ator em fun- rencial teórico, conformado especialmente pe-
ção de seu projeto de ação e é constituída pelo lo trabalho de Mintzberg (1989), cuja produção
ator-eixo da explicação situacional, por outros inclui a compreensão do mundo organizacio-
atores, pelas suas ações, e pelas estruturas eco- nal e a definição de uma tipologia das organi-
nômica, política, ideológica, social etc. zações.
• A Teoria da Produção Social, que explica a As organizações de saúde, particularmente
realidade para além dos fatos mais aparentes, os hospitais, são identificados em sua tipologia
através de três níveis: o nível dos fatos propria- como organizações profissionais, caracterizan-
mente ditos ou fenoprodução (fatos de qual- do-se por sua grande dependência dos profis-
quer natureza), o nível das acumulações ou fe- sionais responsáveis pela execução das ativi-
noestruturas (capacidades de produção) e o ní- dades finalísticas da organização. Estas ativi-
vel das regras ou leis básicas que regulam uma dades, devido a sua complexidade, são execu-
formação social. Os diferentes processos e fe- tadas e controladas diretamente por esses pro-
nômenos da realidade articulam-se dinamica- fissionais, especialistas com alto nível de quali-
mente, tanto no interior de cada um desses ní- ficação, que requerem autonomia para o de-
veis, como entre eles, havendo uma maior de- senvolvimento de seu trabalho.
terminação do último nível – as regras – sobre Como o processo de trabalho é muito com-
os demais. A aplicação concreta desta teoria se plexo e especializado, os resultados do traba-
dá no momento de explicação de um problema lho profissional não podem ser mensurados fa-
quando, através da montagem do Fluxograma cilmente. As decisões, em grande parte, depen-
Situacional, localizam-se as causas nesses três dem de julgamento profissional. O poder em
níveis, estabelecendo-se uma rede de relações organizações deste tipo advém essencialmente
causais, o que contribui para uma visão mais dos experts, sendo conseqüência da perícia e
ampla do problema explicado e, conseqüente- não da hierarquia. Neste contexto, o papel dos
mente, para uma atuação mais efetiva. gerentes/planejadores é mais limitado para
• A Teoria da Ação, que distingue uma forma coordenar ou normalizar o trabalho profissio-
de ação não interativa, instrumental ou com- nal. Além disso, destaca-se o desafio de inte-
portamental – própria do planejamento nor- gração da dupla estrutura, profissional e admi-
mativo – e aplicável a problemas bem-estrutu- nistrativa, bem como entre os diversos espe-
rados, e uma forma de ação interativa, referida cialistas, principalmente no sentido do com-
ao espaço social e político, que fundamenta a promisso com os objetivos organizacionais.
necessidade do cálculo interativo ou raciocínio A partir da compreensão de Mintzberg, evi-
estratégico – aplicável a problemas quase-es- dencia-se a particularidade da distribuição de
truturados. poder nas organizações de saúde, onde os pro-
• O conceito de momento, formulado para su- fissionais jogam importante papel em sua di-
perar a idéia de ‘etapas’ rígidas, implicando uma nâmica. Como conseqüência, torna-se claro
visão dinâmica do processo de planejamento, que as estratégias gerenciais devem incluir
que se caracteriza pela permanente interação processos participativos, de negociação e co-
de suas fases ou momentos e pela constante re- municação intensa com os diversos grupos in-
tomada dos mesmos. O Método PES prevê qua- ternos (Azevedo, 1995).
tro momentos para o processamento técnico- A estas discussões, somam-se nossas preo-
político dos problemas: os momentos explicati- cupações com a complexidade dos problemas
vo, normativo, estratégico e tático-operacional. de saúde (Sá, 1993; Sá & Artmann, 1994). Aqui
Cada um desses momentos possui suas ferra- destacam-se duas ordens de questões. Por um

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


726 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

lado, as diferentes formas de representação, de de simplificá-lo para facilitar a operaciona-


valoração e compreensão dos problemas de lização.
saúde pelos diversos grupos sociais envolvidos, 6) Como vencer o desafio de transitar, no pro-
incluindo a população, o que apresenta, como cessamento dos problemas, entre a linguagem
um dos principais desafios, a necessidade de especializada e a linguagem comum, numa
articulação das diferentes racionalidades en- perspectiva participativa?
volvidas em um processo concreto de planeja- 7) Em que medida o processo e a metodologia
mento. Por outro lado, a particular complexi- podem favorecer a ampliação do olhar sobre os
dade dos fenômenos, processos e leis que ca- problemas de saúde?
racterizam a realidade sanitária aponta para 8) Em que medida o processo favorece a arti-
diversas possibilidades de ‘recorte’ desses pro- culação das diferentes racionalidades que per-
blemas, em termos de unidades de análise e in- passam as organizações de saúde?
tervenção. Cada uma dessas possibilidades de
recorte apresenta distintas implicações opera-
cionais sobre a capacidade de apreensão e O processo de aplicação do enfoque
compreensão das necessidades de saúde, bem de planejamento estratégico-situacional
como de cumprimento dos princípios de eqüi-
dade e integralidade. O quadro abaixo sintetiza a análise comparati-
A partir deste marco de referência, foram le- va das experiências. Para uma melhor com-
vantadas algumas questões que têm servido de preensão, é importante considerar a natureza
base para as reflexões teórico-metodológicas de da pesquisa – que contém uma dimensão de
nossa investigação, embora nem todas tenham cooperação técnica/assessoria, e por isso de
sido desenvolvidas plenamente até o momento. intervenção no objeto de estudo –, bem como
1) Quem são os atores que planejam em orga- seus objetivos, que incluem um componente
nizações de saúde em nível local? Do ponto de de adaptação do método. Isto faz com que, por
vista operacional, encontramos certa dificul- um lado, parte das variáveis de comparação só
dade em aplicar no nível local a categoria ator, possam ser selecionadas ao longo do processo
de Matus, que exige a combinação de três cri- e, por outro lado, algumas apresentem uma
térios: representatividade ou base organizati- dupla dimensão: ao mesmo tempo em que re-
va, controle de recursos relevantes para a situa- metem a questões teórico-metodológicas rele-
ção e projeto político definido. vantes, referem-se também a características
Nesta mesma perspectiva, e considerando específicas dos processos nas diferentes insti-
os projetos nem sempre homogêneos no inte- tuições.
rior de uma organização, as diferentes raciona- Inicialmente, é importante destacar algu-
lidades que a perpassam e as diversas visões mas características que marcam diferenças
dos grupos de funcionários/profissionais, até com relação ao início do processo de planeja-
que ponto o enfoque pode contribuir para a mento estratégico nas duas instituições.
constituição de um ator capaz de expressar um No caso do CSE, havia uma demanda por
projeto coletivo? assessoria na área de planejamento estratégi-
2) Como potencializar o processo comunicati- co, embora pouco definida quanto aos objeti-
vo com a utilização do PES, considerando a dis- vos perseguidos. Definimos, então, como estra-
tribuição de poder presente em organizações tégia para dar início ao trabalho, a formação de
de saúde? um grupo mais orgânico de coordenação que,
3) Como ampliar a capacidade do método em ao longo do processo, pudesse vir a se consti-
processos onde pactuar/negociar objetivos é tuir na equipe de direção do CSE. A expectativa
fundamental? era de que a formação deste grupo pudesse se
4) Como distinguir, no desenvolvimento e ava- dar através da apropriação teórico-metodógi-
liação de experiências, entre as dificuldades ca do PES e de sua aplicação. Este caminho não
inerentes ao próprio método, aquelas decor- se revelou, no entanto, muito linear, encontran-
rentes da forma de utilizá-lo? A forma de apli- do-se este grupo ainda em fase de constitui-
cação do método depende tanto de capacida- ção.
des cognitivas, quanto de sensibilidade para li- Quanto ao HRPS, o início do processo de
dar com situações de impasse e para transmitir planejamento estratégico foi precedido pela
os conteúdos metodológicos. inserção de uma pesquisadora da Ensp, co-au-
5) Como tornar o método mais acessível sem tora deste artigo, na equipe de direção do hos-
empobrecê-lo, garantindo a riqueza da análise pital. A estratégia inicial do trabalho, conside-
estratégico-situacional? Esta questão refere-se rando o contexto de início de gestão e da expe-
à complexidade do método versus a necessida- riência de gestão colegiada, foi a de introduzir

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 727

algumas discussões sobre o processo decisório, diu que em ambas as experiências estes, além
o sistema de direção e as dificuldades para de- da condução metodológica, tivessem impor-
finição de responsabilidades. Ao mesmo tem- tante papel nas discussões de condução políti-
po, definiu-se a participação de dois membros ca e de conteúdo técnico. Deve ser também va-
da equipe de direção em um curso de gestão lorizado o papel do assessor como mediador
hospitalar oferecido pela Ensp e que adota a das relações entre os membros dos grupos,
metodologia do PES. Junto com a direção foi destacando-se a necessidade de desenvolver
amadurecido como e quando introduzir a me- sua capacidade de leitura e intervenção nos
todologia do PES. processos comunicativos/intersubjetivos que
É importante destacar que as duas expe- se estabelecem. Com relação a este último as-
riências tiveram como objetivo explícito elabo- pecto, é importante salientar que, com o pas-
rar um plano de ação estratégica, de forma par- sar do tempo e a crescente proximidade com a
ticipativa, e que pudesse contribuir para a vida e o cotidiano das instituições, temos vi-
construção da identidade do grupo de direção venciado uma relativa diminuição do olhar ex-
em torno dos problemas estratégicos das res- terno do assessor e um aumento correspon-
pectivas instituições (Tabela 1). dente de sua vivência como membro da orga-
Inicialmente, pode-se observar que as duas nização. Isto, de certo modo, pode ser vantajo-
primeiras variáveis – participantes e adesão – so, do ponto de vista de sua legitimidade, mas
buscam traduzir a estratégia adotada e as difi- pode, por outro lado, comprometer sua capaci-
culdades para a construção de um processo dade de mediação.
mais coletivo de enfrentamento de problemas. A quinta variável, que trata das estratégias
O cumprimento das tarefas pelos participan- adotadas para possibilitar a apropriação pela
tes e seu nível de autonomia – enquanto ex- equipe do enfoque metodológico do PES, per-
pressões ainda que parciais da capacidade or- mite, em uma análise comparativa, destacar a
ganizativa, de formulação de propostas, de ade- insuficiência da estratégia de se utilizar apenas
são ao processo e responsabilidade com seu do processo de assessoria como forma de ca-
andamento – podem ser tomados como indi- pacitação da equipe. A partir das diferenças de
cadores, entre outros, da construção de um treinamento/formação tanto gerencial como
ator. Esta é uma das principais questões teóri- no método PES entre as equipes das duas insti-
cas da pesquisa, qual seja, a da possibilidade tuições, conclui-se pela necessidade de inser-
de construção de atores que expressem proje- ção de alguns elementos-chave em programas
tos coletivos, tendo em vista a multiplicidade específicos de capacitação para efetivo aumen-
de racionalidades em jogo na vida institucio- to da capacidade de governo da equipe envol-
nal, os diferentes projetos e a peculiar distri- vida com o processo. A capacidade de governo,
buição de poder presente em organizações de conceito trabalhado por Matus (1993), consti-
saúde. tui-se num dos vértices de seu Triângulo de
Outro aspecto que merece destaque diz res- Governo (os outros dois são projeto de gover-
peito ao papel do diretor no processo. Cabe no e governabilidade sobre o sistema) e se ex-
lembrar que as organizações de saúde, en- pressa, em nível organizacional, no conjunto
quanto organizações profissionais, caracteri- de recursos cognitivos, tecnológicos, nas expe-
zam-se por uma situação de poder fortemente riências das equipes e dos dirigentes, nos sis-
compartido, adquirindo importância a partici- temas e métodos disponíveis etc. Os três vérti-
pação do conjunto de seus profissionais na de- ces se condicionam mutuamente. Assim, por
terminação de seus rumos. Desta forma, a di- exemplo, quanto maior a capacidade de gover-
reção, neste tipo de organização, possui menor no maior a governabilidade sobre o sistema e
governabilidade. Observa-se, no entanto, que maior a possibilidade de implementação do
variações com relação ao estilo de direção e ti- projeto de governo. Nessa perspectiva, desta-
po de envolvimento do diretor com o processo ca-se em particular a importância de sensibili-
condicionam diferenças quanto ao andamento zar e capacitar os profissionais ligados à assis-
do mesmo (adesão de outros profissionais, tência, especialmente aqueles que exercem fun-
cumprimento das tarefas, qualidade dos resul- ções gerenciais, considerando-se que nos ser-
tados, por exemplo), destacando-se, portanto, viços de saúde depende-se, em grande medida,
o papel estratégico deste ator para viabilizar o desses profissionais para obtenção de bons re-
processo. sultados.
Considerando agora o papel do assessor, A conjuntura institucional é uma variável
vale destacar que a diferença nas formas de in- que expressa características particulares das
serção nas duas instituições – no hospital, co- instituições, que podem condicionar o anda-
mo membro da equipe de direção – não impe- mento dos processos. No início do processo no

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


728 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

Tabela 1

Quadro comparativo das experiências (maio de 1995 até agosto de 1996).

Variáveis Centro de Saúde-Escola Germano Sinval Faria/Ensp Hospital Raphael de Paula e Souza

1) “Atores”/Participantes

Composição • Chefe do CSE • Direção do hospital (diretor e equipe central)


• Coordenadores das áreas assistencial e de ensino e pesquisa
• Chefias intermediárias • Chefias intermediárias (área assistencial
e área administrativa)
• Outros funcionários (participações voluntárias) • Representantes da enfermagem
• Todos os funcionários durante o momento • Funcionários especialmente convidados em função
de levantamento geral de problemas e 1ª hierarquização do domínio de conteúdos relativos aos problemas

Total de participantes • 56 pessoas na 1ª oficina (identificação e seleção de problemas) • 40 pessoas em média (9 por grupo de trabalho
ao longo do momento explicativo e normativo)
• 19 pessoas em média ao longo do processo • Reuniões com equipe de direção – 10 participantes
de explicação situacional dos problemas
• Cerca de 12 participantes a partir do momento normativo • Na realização das operações/ações, atividades
envolvendo equipes dos serviços, portanto novos
participantes (cerca de 30 pessoas)

2) Adesão/Participação

Assiduidade e • Flutuações no número de participantes ao longo do processo, • Boa assiduidade no geral, com flutuações nos
cumprimento das tarefas com freqüência em geral regular às reuniões (cerca de 60%) diferentes grupos (média de 70% de freqüência)
• Tarefas cumpridas, embora com atrasos, até o desenho • Cumprimento de 100% das tarefas até o momento
das operações. Dificuldade no cumprimento de tarefas normativo. Dificuldade na implementação
relativas à execução das operações de operações

Motivação para • Média a alta em todos os participantes no início • Alta motivação domina em três dos quatro grupos
discussão do processo. Diminuição da motivação de alguns deles ao de trabalho. Oscilações da motivação ao longo do
longo do processo processo.

Autonomia • Grupos ainda muito dependentes da orientação • Boa autonomia dos coordenadores de grupo e de
(e presença) das assessoras uma parcela dos participantes, variando o grau
Obs. Nenhum participante conhecia a metodologia de autonomia geral dos diferentes grupos
Obs. Participação de alunos do curso de gestão
hospitalar e residentes (r2 – estágio em gestão
hospitalar)

3) Papel do diretor

Estilo de direção • Pouca rigidez na cobrança de assiduidade • Cobrança de participação e do cumprimento de


e cumprimento de tarefas tarefas. Alta capacidade de comunicação
e liderança

Formação para gerência • Conhecimento de algumas experiências de planejamento • Boa capacidade de análise estratégica; formação
estratégico e pouco conhecimento sobre a metodologia em gestão hospitalar; conhecimento da
do PES no início do processo. Especializando-se em Curso metodologia do PES através do acompanhamento
para Gerentes Locais de Saúde de algumas experiências e cursos

Envolvimento • Experiências anteriores em cargos de direção/gerência • Idem


com o processo • Participação constante • Condução do processo
• Contribuições técnicas • Contribuições técnicas e na análise estratégica

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 729

Tabela 1 (continuação)

Variáveis Centro de Saúde-Escola Germano Sinval Faria/Ensp Hospital Raphael de Paula e Souza

4) Papel do assessor

Tipo de inserção • Assessoria à direção do CSE, sem inserção direta • Inserção como membro da equipe de direção
(ator no processo)

Envolvimento • Em tempo parcial, condução geral do processo • Cotidiano, condução geral do processo, definição
de planejamento, definição de estratégias para de estratégias de desenvolvimento do processo
o desenvolvimento do processo, coordenação das oficinas, com a Direção, pré-processamento dos problemas,
monitoria e supervisão dos grupos de trabalho revisão dos produtos com os coordenadores
de grupo

Interferência • Condução metodológica, política e participação • Condução metodológica, política e de


no processo nas discussões sobre conteúdo conteúdo/técnica

5) Apropriação metodológica pela equipe

Formas de capacitação • Preparação de um grupo coordenador do processo: • Equipe de coordenação: curso na Ensp (Gestão
quatro seminários teóricos e de discussão metodológica Hospitalar) e participação de residentes em Gestão
(até Momento Explicativo) Hospitalar; debates com assessor sobre
o desenvolvimento do trabalho
• Posteriormente a discussão teórico-metodológica passa • Participantes: discussão teórico-metodológica
a integrar as oficinas de processamento dos problemas, no início do processo
com todos os participantes. Introdução de alguns conceitos • debates nos grupos de trabalho sobre
simultaneamente à sua aplicação seu desenvolvimento

Intrumentos • Roteiros de trabalho e utilização de caso ilustrativo • Roteiros de trabalho com caracterização
de uma SMS (M. Explicativo e Normativo) e explicação dos momentos, objetivos
e técnicas até desenho de operações

6) Conjuntura institucional

Momento da gestão • Início do processo a seis meses do término do mandato, • Início do processo no início da gestão.
e forma de acesso com perspectivas de reeleição. Processo eleitoral Diretor indicado internamente, nomeado pelo MS,
ao cargo com 3 candidatos. Reeleição da Chefia por grande sem mandato definido
margem de votos. Mandato de dois anos (este foi
o horizonte de tempo definido para o plano)

Receptividade da • Inicialmente, grande receptividade à proposta; funcionários • Grande receptividade à proposta, com algumas
instituição à proposta e chefias com muitas expectativas. Atualmente a receptividade dificuldades em um dos grupos (até o desenho
continua boa dentro de um grupo mais restrito de participantes de operações). Dificuldade para difundir e ampliar
(reconhecimento da importância do processo para maior o alcance do trabalho para além dos níveis gerenciais
organicidade do grupo). No entanto, há dificuldades de
envolvimento de outros profissionais

Centro de Saúde, houve certa dificuldade de todo para o nível local, ao mesmo tempo con-
adesão de profissionais que se colocavam em siderando as especificidades deste nível e pro-
oposição à direção. Ao longo do processo, hou- curando tornar o método mais acessível sem,
ve gradativamente um aumento da adesão, contudo, empobrecê-lo.
ainda que no período eleitoral as relações te- Foram utilizadas várias técnicas que não
nham ficado mais tensas e os grupos de traba- pertencem ao PES, para facilitar a participa-
lho mais esvaziados. Hoje observa-se um mo- ção nos grupos de trabalho e a busca do con-
vimento de reaglutinação em torno do plano. senso na seleção dos problemas. Dentre estas,
Já no Hospital, o fato de o processo de planeja- destacamos o Diagrama de Afinidades – uma
mento ter começado no início da gestão do ferramenta da abordagem da Qualidade To-
atual diretor, parece ter contribuído para uma tal – por sua utilidade no agrupamento de pro-
maior adesão e agilidade. blemas.
As opções metodológicas buscaram res- Das adaptações feitas no interior do méto-
ponder às necessidades de adaptação do mé- do, vale a pena destacar a introdução do exer-

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


730 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

Tabela 1 (continuação)

Variáveis Centro de Saúde-Escola Germano Sinval Faria/Ensp Hospital Raphael de Paula e Souza

7) Opções metodológicas mais relevantes (até agosto de 1996)

Momento explicativo • Exposição e discussão da situação atual do CSE • –


e das condições de saúde da população da área
• Construção de uma imagem de futuro • Idem
• Levantamento de problemas através da técnica de • Idem
brainstorm, considerando a imagem de futuro construída.
• Agrupamento dos problemas através da • Idem
técnica de Diagrama de Afinidades
• Seleção dos problemas a serem enfrentados, através da • Idem
técnica de grupo nominal, adaptada, e do Protocolo de
Seleção proposto por Matus, com adaptações
• Explicação dos problemas com utilização das noções • Utilização das noções de causas diretas e indiretas,
de regras, acumulações e fluxos de forma simplificada com a Teoria da Produção Social implícita
• Utilização das noções de espaço fronteira, conseqüências • Noções não utilizadas
e espaço de governabilidade (este último para os nós
críticos apenas)
• – • Análise estratégica informal, considerando o
contexto, para desencadear algumas ações
estratégicas e implementação de ações menos
sensíveis aos cenários

Momento normativo • Mesa redonda, com convidados representativos de grupos • Discussão com um representante do MS sobre
de variáveis mais importantes, para a construção dos cenários variáveis relevantes para a construção dos cenários.
• Apresentação da proposta de Reforma
Administrativa do Governo Federal

Momento estratégico • Implementação de algumas ações menos sensíveis aos cenários • Idem
• Construção dos cenários (otimista, central e pessimista) com
um grupo menor, de maior adesão ao processo
• Dificuldade para iniciar análise estratégica das operações • Pouco sistemática. Discussão em dois momentos:
propostas. Análise estratégica sistemática apenas de uma no nível da equipe de direção e no nível
operação desenhada pelo ator “Presidência da Fiocruz”, dos gerentes (seminário)
de alto impacto sobre a missão do CSE

Momento • Ainda não iniciado • Bem desenvolvido para o problema mais


tático-operacional estratégico (objetivos)

8) Organização/Dinâmica do processo

• Seminários de discussão teórico-metodológica • Apresentação sintética do enfoque do PES


com grupo de coordenação (início do processo) ao colegiado de gestão
• Oficinas para a seleção e processamento dos problemas, • Oficinas para seleção e processamento dos
as primeiras com todos os funcionários e as demais com problemas, as primeiras com todas as chefias,
grupos de trabalho representantes da população e associação
de funcionários e as demais em grupos de trabalho
• Diluição dos grupos de trabalho em um só grupo, a partir
do momento normativo, por insuficiência de pessoal. Retomada
da organização por grupos de trabalho a partir de junho
(execução de operações relativas aos problemas de missão
e gerência)
• Reuniões com todos os funcionários para repasse do • Assembléias para discussão dos resultados parciais
andamento dos trabalhos (só até a conclusão do momento • Reuniões com grupo de direção ampliado
explicativo).
• Cartazes/murais para divulgação dos resultados (só no início • Idem
do processo)
• Seminário com todos os funcionários para discussão • Seminário com todos os gerentes
da Missão do CSE.

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 731

cício de construção de uma ‘imagem de futuro’ tos da explicação situacional dos problemas.
que serviria de parâmetro para a seleção de Do mesmo modo, apenas parte das operações
problemas enquanto obstáculos ao alcance foram incluídas.
do futuro desejado. Contudo, observamos nas O segundo refere-se a resultados mais ge-
duas instituições que os problemas identifica- rais e finalísticos, que remetem à possibilida-
dos são, principalmente, o resultado da aplica- de de ampliação da capacidade gerencial das
ção do brainstorm (tempestade de idéias), não instituições a partir do processo de planeja-
se relacionando diretamente a obstáculos para mento estratégico. Estamos utilizando o termo
o alcance da imagem de futuro. Posteriormen- ‘capacidade gerencial’ com um significado
te avaliamos que esta dissociação pode ter sido mais amplo, equivalente ao conceito de capa-
decorrente de contradições entre as duas téc- cidade de governo trabalhado por Matus
nicas, já que a primeira pressupõe um exercí- (1993) (Tabela 2).
cio mais racional de identificação de proble- Com relação aos resultados do processa-
mas, enquanto a outra estimula a livre asso- mento técnico-político dos problemas, várias
ciação. questões devem ser observadas.
Outra adaptação importante foi feita no Em primeiro lugar merecem atenção os ti-
Protocolo de Seleção de Problemas sugerido pos de problemas selecionados. Nas duas ex-
por Matus, introduzindo-se o critério de im- periências, observamos que a quase totalidade
pacto na qualidade da assistência à saúde e dos problemas diz respeito a aspectos internos
não utilizando outros critérios que avaliamos à instituição, ou melhor, ao que Matus deno-
como mais adequados para a perspectiva do mina “problemas intermediários”. O único pro-
nível central de governo (maturação; inovação blema que não se encaixa totalmente nesta ca-
ou continuidade; impacto regional e balanço tegoria foi aumento da demanda reprimida, se-
político). lecionado pelo Centro de Saúde, e que pode ser
Por fim, uma última observação refere-se à situado na fronteira entre um ‘problema final’,
noção de momento trabalhada por Matus, que ou seja, ligado à missão da instituição e um
destaca a não-linearidade, ou seja, a interpe- problema intermediário. É importante desta-
netração dos mesmos. Este fenômeno se verifi- car que no Hospital foram levantados alguns
cou nas duas experiências, conforme pode ser problemas finais, agrupados nos enunciados
visto no quadro apresentado. No Hospital, esta produção e qualidade assistencial deficiente e
foi uma estratégia especialmente adotada no inserção deficiente do HRPS no SUS e na co-
processo, o que permitiu maior aproximação munidade. Embora não priorizados naquele
entre o tempo metodológico e o tempo institu- momento, a identificação destes problemas in-
cional. Por exemplo, ao mesmo tempo em que dica a sensibilidade dos profissionais para as
se desenvolvia o desenho do plano (momento questões finais da organização.
normativo), algumas operações menos sensí- Contudo, consideramos que, do ponto de
veis aos cenários já iam sendo implementadas vista da capacidade gerencial, a dificuldade em
(momento tático-operacional) e outras passa- identificar e/ou priorizar problemas finais re-
vam pela análise de viabilidade (momento es- vela uma limitação, na medida em que pode
tratégico). Isto possibilitou aumentar a veloci- significar restrições na compreensão da missão
dade de respostas, bem como a coesão em tor- e, conseqüentemente, prejuízos para a qualida-
no do plano, uma vez que permitiu a visualiza- de das propostas de intervenção, inclusive para
ção do ‘fazer’. aquelas relativas aos problemas intermediários.
Com relação à natureza dos problemas se-
lecionados nas duas instituições, observamos
Resultados várias semelhanças, embora a forma de recor-
te, ou seja, sua abrangência ou maneira de de-
Os quadros a seguir sintetizam os resultados finição tenham sido diferentes. Tomemos co-
obtidos com o processo de planejamento es- mo exemplo o primeiro problema, que em am-
tratégico nas duas instituições. O primeiro tra- bas as instituições refere-se à gerência, mas,
ta particularmente dos resultados do processa- enquanto o Centro de Saúde definiu-o como
mento técnico-político dos problemas selecio- um problema amplo de planejamento e gestão,
nados e também expressa, através da qualida- o recorte dado pelo Hospital envolve questões
de deste processamento, a capacidade geren- referentes à missão, já que seu enunciado rela-
cial das instituições. Em função dos limites de ciona a gerência aos objetivos e resultados. Por
espaço para a publicação, o quadro só contém outro lado, o Centro de Saúde trata a questão
os vetores de descrição dos problemas e os nós da missão como um problema à parte, embora
críticos, tendo-se excluído os demais elemen- na explicação de ambos os problemas – gerên-

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


732 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

Tabela 2

Quadro comparativo dos principais resultados do processamento técnico-político dos problemas (de maio de 1995 até agosto de 1996).

Centro de saúde Hospital

Problema 1: deficiência dos mecanismos de gerência, Problema 1: gerência sem definição de objetivos
planejamento, controle e avaliação e não voltada para resultados

Vetor de Definição do Problema (VDP): Vetor de Definição do Problema (VDP):

Desequilíbrio entre as atividades planejadas e emergenciais; Lentidão na tomada de decisões; dia-a-dia repleto de urgências;
ausência de acompanhamento e avaliação das atividades; produção, custos e faturamento hospitalares desconhecidos; vigilância e
desorganização do trabalho na área administrativa; desinformação limpeza inadequadas; alto percentual de suspensão de cirurgias; baixa
dos funcionários quanto às decisões tomadas; representatividade taxa de ocupação nas clínicas cirúrgicas; tmp elevado; pacientes com
qualitativamente deficiente do CD/CSE; absentísmo e escaras nas enfermarias; alta taxa de mortalidade neonatal; inadequação
impontualidade; descumprimento das atividades e decisões sem da formação de residentes; desconhecimento das expectativas e opiniões
justificativas aceitáveis; saída não planejada de pessoal para da clientela
participação em cursos, treinamento etc.; processos de trabalho
lentos e ineficazes; espaços coletivos esvaziados; falta de material
de consumo

Nós Críticos: Nós Críticos:

Nc1: inexistência de um projeto específico para o CSE que articule Nc1: missão do hospital não compartilhada internamente.
ensino, pesquisa e assistência
Nc2: falta de um sistema de planejamento Nc2: planejamento precário nos diversos setores e serviços
Nc3: despreparo dos profissionais para a gerência Nc3: inexistência de sistema de monitoramento e prestação de contas
Nc4: sistemas de informação inadequado Nc4: inexistência de incentivo por desempenho
Nc5: falta de mecanismos eficientes de comunicação
Nc6: falta de um sistema de acompanhamento, avaliação, supervisão
e cobrança do trabalho

Operações: Operações:

Op1: definir um projeto específico para o CSE contemplando as Op1: definir e divulgar a missão do HRPS internamente (ação1.6: definir
atividades de assistência, ensino e pesquisa (ação 1.1: realizar um objetivos e metas para os diversos serviços de acordo com a missão
seminário para definição do projeto) (esta operação é comum aos traçada para o hospital)
problemas 1 e 2)
Op7: criar um sistema de planejamento Op2: montar sistema de informações gerenciais: desenvolver subsistemas
de avaliação da produção e qualidade dos serviços.
Op8: definir um programa de capacitação de gerentes nas diversas Op3: montar sistema de informações gerenciais: desenvolver subsistema
áreas do CSE de avaliação de custos e faturamento
Op11: criar uma coordenação técnica (...) para a avaliação contínua Op5: implantar programa de capacitação gerencial (ação5.1: realizar
do CSE seminário de desenvolvimento gerencial com chefes de serviço)

cia e missão – apareça a forte inter-relação en- recortado – abrangendo planejamento, contro-
tre eles através de ‘nós explicativos’ (causas) le e avaliação – é resultado de uma orientação
comuns. da assessoria no processo de agrupamento dos
A descrição do problema de gerência/obje- problemas. Ainda que todos os problemas rela-
tivos – VDP – realizada pela equipe do hospital tivos à avaliação ou controle tenham sido le-
valorizou em especial resultados finais da pró- vantados pelos próprios participantes, não ha-
pria assistência, talvez para compensar a não- via por parte do grupo, no início, uma visão in-
seleção do problema sobre deficiência na qua- tegrada da relação entre eles.
lidade. Já no Centro de Saúde, chama a atenção, No que diz respeito ao problema relativo à
na descrição do problema de gerência, a preo- missão, destaca-se em sua descrição a dificul-
cupação com a representatividade do Conselho dade que o Centro de Saúde vivencia em desen-
Departamental e com o esvaziamento de ou- volver as áreas de ensino e pesquisa e realizar
tros espaços coletivos, indicando uma com- sua articulação com a assistência. Esta questão
preensão estratégica sobre a gerência por uma é muito importante na medida em que expres-
parte do grupo encarregado do processamento sa os desafios que se apresentam em função de
do problema. Por outro lado, é importante des- sua inserção num centro de excelência em
tacar que a amplitude com que o problema foi ciência e tecnologia como a Fiocruz. Cabe tam-

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 733

Tabela 2 (continuação)

Centro de saúde Hospital

Problema 2: indefinição dos objetivos do CSE em relação à missão


institucional (da Fiocruz)

Vetor de definição do problema:

Parte dos funcionários não valorizam as atividades de ensino e


pesquisa; baixos índices de produtividade segundo os critérios de
uma unidade somente assistencial; baixos índices de produção
científica, desarticulação da atividade assistencial em relação ao
ensino e à pesquisa; falta de critérios para a utilização do tempo para
as práticas de assistência, ensino e pesquisa; inexistência de critérios
de prioridade para a organização da atividade assistencial; falta
de entrosamento das atividades extra-muro com as intra-muro;
limitação das atividades de vigilância epidemiológica ao controle
das doenças infecciosas e dst; redução do trabalho das agentes
de saúde

Nós Críticos:

Nc1: indefinição do perfil assistencial do CSE


Nc2: indefinição de um projeto de ensino e pesquisa próprio do CSE
Nc3: inexistência de mecanismos de acompanhamento e avaliação
das condições de vida e saúde da população alvo
Nc4: falta de controle, acompanhamento e avaliação das ações
de saúde

Operações:

Além da op1, definida para o problema 1 acima, foi desenhada, após


o seminário de missão, a seguinte operação (op13): Analisar os
produtos do CSE nas áreas de assistência, ensino e pesquisa

Problema 3: política de recursos humanos inadequada Problema 2: precariedade da política de recursos humanos no HRPS

Vetor de Definição do Problema: Vetor de Definição do Problema:


Insuficiência qualitativa e quantitativa de pessoal (desdobrado em Recursos humanos despreparados, má distribuição de rh; desvio de
16 indicadores); absenteísmo, insatisfação financeira, pessoal função muito freqüente; desempenho insatisfatório das tarefas;
e profissional não-cumprimento da carga horária

Nós Críticos: Nós Críticos:

Nc1: falta de critérios definidos para seleção, recrutamento e Nc1: ausência de mecanismos de coordenação entre rh e os setores
liberação dos servidores externa e internamente
Nc2: inexistência de política de educação continuada Nc2: indefinição das funções e atribuições da divisão de rh
Nc3: sistema de avaliação de desempenho inexistente Nc3: falta de um sistema de incentivo por produção
Nc4: falta de profissionais com preparo em rh
Nc5: não reposição de pessoal
Nc6: processo de trabalho desgastante e desumanizado

Operações: Operações:

(não foram desenhadas operações para este problema) Op1: definir as funções e atribuições e elaborar plano de trabalho
para o drh

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


734 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

Tabela 2 (continuação)

Centro de saúde Hospital

Problema 4: processo de trabalho inadequado e desorganizado Problema 3: inadequada organização do processo de trabalho
inter e intra-setorial

Vetor de Definição do Problema: Vetor de Definição do Problema:

Não-cumprimento de algumas rotinas (como preenchimento de Lentidão nos processos administrativos; descontrole de recursos materiais
exames e prontuários, normas de programas, marcação de consultas e financeiros; serviços desorganizados (arquivo, almoxarifado, lavanderia
e agendamento, prazos para solicitação de serviços administrativos); etc.); conflito entre os serviços
processos indefinidos e inadequados (inexistência de padronização
de conduta na assistência, interrupção constante das atividades etc.)

Nós Críticos: Nós Críticos:

Nc1: falta de mecanismos de controle e avaliação das rotinas Nc1: mecanismos de coordenação inter e intra-setorial insuficientes
e processos de trabalho
Nc2: desinformação e despreparo no desempenho do trabalho Nc2: indefinição de responsabilidades
Nc3: rotinas e normas de serviços desatualizadas e/ou inexistentes Nc3: normas e rotinas inadequadas intra e interserviços

Operações: Operações:

Optou-se por conhecer melhor o problema através de um Op1: redefinição de mecanismos de coordenação e comunicação
levantamento dos processos de trabalho
Op2: definição de atribuições e responsabilidades dos níveis gerenciais
(a1: realização do seminário gerencial)
Op3: revisão dos processos de trabalho, buscando revisão com
perspectiva de descentralização e não-fragmentação de
responsabilidades

Problema 4: inadequação dos processos de aquisição de materiais


e equipamentos e sua manutenção

Vetor de definição do problema:

Lentidão no conserto de equipamentos; equipamentos obsoletos


ou inexistentes; falta de material de consumo; materiais de má qualidade

Nós críticos:

Nc1: inadequada política de manutenção preventiva e corretiva


de equipamentos
Nc2: inexistência de uma política de aquisição de equipamentos
Nc3: deficiência no sistema de abastecimento
Nc4: ausência de mecanismos de controle de qualidade de materiais

Operações:

Op1: normalização/definição do que comprar


Op2: definição do quantitativo de materiais
Op3: definição da periodicidade das compras
Op5: implantar comissão de controle de qualidade de materiais
Op6: implantar gerenciamento da manutenção preventiva e corretiva
de equipamentos biomédicos

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 735

Tabela 2 (continuação)

Centro de saúde Hospital

Problema 5: aumento da demanda reprimida

Vetor de Definição:

Aumento da fila; diminuição da capacidade de atendimento


da demanda espontânea; diminuição da capacidade de atendimento
de consulta agendada

Nós Críticos:

Nc1: modelo de agendamento inadequado


Nc2: falta de canais de informação/comunicação do CSE com o usuário
Nc3: falta de sistema de cadastramento contínuo (dos usuários)
Nc4: não-estabelecimento de prioridades no atendimento

Operações:

Op2: reorganizar o atendimento (ação 2.1: revisar, redefinir e implantar


normas de agendamento por ações programáticas)
Op3: rever os mecanismos e canais de comunicação (operação comum
aos problemas 1 e 5)
Op4: criar um sistema de cadastramento contínuo

bém destacar o fato de o Centro de Saúde ter fortemente no âmbito da missão/objetivos, o


selecionado como um dos nós críticos deste que envolve uma dimensão estratégica para o
problema a inexistência de mecanismos de desenvolvimento da organização e andamento
acompanhamento e avaliação das condições do plano. Do ponto de vista teórico, vale a pe-
de vida e saúde da população alvo, expressan- na ressaltar como fundamental, na compreen-
do uma preocupação com o objetivo último, são de Matus sobre o funcionamento das orga-
que é a situação de saúde da população. nizações, as regras de direcionalidade, ou seja,
Analisando as propostas de intervenção so- aquelas que dizem respeito aos objetivos e fun-
bre os problemas de gerência e missão nas ções das organizações.
duas instituições, nota-se que alguns nós críti- A questão de recursos humanos foi enun-
cos indicam a intervenção sobre áreas seme- ciada de forma muito semelhante, embora a
lhantes. Neste sentido, podem ser ressaltados a descrição feita pelo Centro de Saúde tenha si-
precariedade do sistema de planejamento, co- do muito detalhista e englobado a insatisfação
mo também o sistema de monitoramento e dos profissionais, o que não aparece na descri-
avaliação, que tiveram propostas parecidas. No ção do Hospital.
Hospital, a velocidade e o nível de responsabi- O problema referente a processos de traba-
lidade na implementação das ações relaciona- lho teve um enunciado semelhante nas duas
das ao problema de missão foram maiores instituições, observando-se, no entanto, dife-
comparativamente aos demais problemas. As renças com relação a sua descrição. No caso do
operações foram desdobradas até o nível de Centro de Saúde, houve certa dificuldade na
atividade. Como exemplo, o alto percentual de descrição, que acabou por se superpor ao pró-
suspensão de cirurgias, que foi um dos descri- prio enunciado. No Hospital, a descrição des-
tores deste problema, passou a ser monitorado tacou aspectos que se aproximam do problema
por clínica e por causa. Algumas intervenções de gerência tal como descrito pelo Centro de
foram desencadeadas e após quatro meses Saúde.
houve queda significativa do percentual. No Vale a pena comentar ainda que, em ambas
Centro de Saúde, embora apontada como prio- as instituições, houve dificuldades para a cons-
ritária a questão da missão, não se chegou ain- trução da explicação e, conseqüentemente, pa-
da a uma definição mais clara dos objetivos da ra a elaboração de propostas de intervenção
instituição, mesmo após realização de seminá- sobre o problema de processo de trabalho, em
rio previsto para este fim. parte devido ao conhecimento insuficiente dos
As ações desenvolvidas nos últimos seis participantes sobre o problema e também, por
meses, nas duas instituições, foram centradas outro lado, às limitações do próprio método

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


736 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

PES para intervir na organização propriamente postas em vários problemas. Tal fato pode ser
dita de processos de trabalho. Isto levou à bus- explicado, por um lado, pela existência de nós
ca de outras estratégias para a continuidade do críticos comuns a vários problemas, como, por
processamento. No hospital, partindo-se de exemplo, ‘falta de um sistema de incentivo por
uma discussão teórica sobre metodologias de produção’, comum aos problemas de Recursos
intervenção nos processos de trabalho, optou- Humanos e Gerência sem Definição de Objeti-
se por analisar e reorganizar, como experiência vos, do Hospital, e ‘inexistência de um projeto
piloto, o processo relacionado a contratos de específico para o Centro de Saúde que articule
serviços, por envolver diversos setores e repre- ensino, pesquisa e assistência’, do problema de
sentar um desafio para aumentar a responsa- Gerência, que, por sua vez, superpõe-se a dois
bilidade e integração institucional. No Centro nós críticos do problema de missão. Por outro
de Saúde, ao contrário, a estratégia utilizada lado, este impacto pode ser explicado também
inicialmente foi a realização de um levanta- pela estreita inter-relação entre os diversos
mento, setor por setor, de todos os fluxos e pro- problemas selecionados.
cessos de trabalho, de modo a obter melhor co- Passaremos agora a considerar os resulta-
nhecimento dos problemas existentes previa- dos a partir da possibilidade de impacto na ca-
mente à intervenção. Em ambos os casos, no pacidade gerencial das instituições (Tabela 3).
entanto, essas estratégias foram posteriormen- O primeiro comentário a ser destacado re-
te complementadas, associando-se análises fere-se aos tempos gastos nesses processos de
segmentadas de processos de trabalho a recor- planejamento estratégico, já que a velocidade é
tes mais integradores/intersetoriais, onde tais um fator importante a ser considerado na ca-
processos aparecem mais nitidamente relacio- pacidade de resposta aos problemas das orga-
nados aos produtos/objetivos das instituições. nizações. Nos dois casos estudados, o que se
É importante ressaltar que, tanto no Hospital, observa, de um modo geral, é que o tempo dis-
como no Centro de Saúde, a intervenção sobre pendido na elaboração e execução do plano
este problema passou a ser realizada em con- tem sido maior que o inicialmente esperado.
junto com as propostas relativas ao problema Ainda que vários fatores possam ser associados
de missão/objetivos. a esta situação – a complexidade da metodolo-
Outra observação relevante diz respeito ao gia, as respectivas estratégias de apropriação
problema de inadequação dos processos de do método pela equipe de coordenação e a di-
aquisição de materiais e equipamentos e sua ficuldade de constituição de um grupo de dire-
manutenção, selecionado pelo Hospital talvez ção mais orgânico, entre outras –, é importante
devido à importância que esta questão tenha levar em conta que dificilmente uma mudança
representado para a instituição naquele mo- de cunho mais profundo, que impacte o coti-
mento. Este problema, no nosso entendimen- diano da organização, possa acontecer num
to, é um desdobramento daquele relativo à or- período curto de tempo. As resistências às mu-
ganização do processo de trabalho interno, danças, as questões relacionadas a hábitos e à
constituindo-se num segmento mais estrutu- cultura organizacional devem ser considerados
rado deste. No entanto, dependendo da forma com a devida importância. Matus, embora en-
como é recortado e explicado, podem ser res- fatize a necessidade de mudar a cultura das or-
saltados aspectos mais ou menos passíveis de ganizações, não oferece elementos teóricos su-
intervenções normatizadas. No caso do hospi- ficientes para a análise e intervenção neste âm-
tal, o que se observou é que o processamento bito, sendo importante buscar o aporte de ou-
do problema deu origem a uma explicação tros autores, como Habermas (Artmann, 1993).
abrangente, compreendendo nós críticos, em Admitindo-se, portanto, que essa mudança
sua maioria, pouco estruturados. Todavia, o tem um caráter social/cultural, não dependen-
único nó crítico que até o momento teve ope- do exclusivamente do método adotado, é im-
rações implementadas é o de deficiência no portante reconhecer que uma das condições
abastecimento de materiais de consumo, o para que ela ocorra reside na possibilidade do
mais estruturado dos quatro, embora muito es- processo de planejamento ser permeado pelos
tratégico, já que de sua solução depende a pos- problemas e prioridades da vida real e cotidia-
sibilidade de cumprimento da missão do hos- na das organizações, não sendo apenas a ex-
pital. De todo modo, a abrangência do recorte pressão de uma formalidade. Este é um desafio
e da explicação do problema deu origem a um que vem sendo enfrentado nos dois casos tra-
plano de intervenção muito amplo, dificultan- balhados. Observamos que a complexidade do
do a implementação das operações. método e as exigências que apresenta para o
Uma observação geral importante diz res- processamento dos problemas têm representa-
peito ao impacto simultâneo de algumas pro- do um certo descompasso entre o tempo ne-

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 737

Tabela 3

Quadro comparativo de resultados gerais (de maio de 1995 até agosto de 1996).

Variáveis de Centro de saúde Hospital


comparação

1) ‘Os tempos’ • Abril a dezembro/95 (60 turnos): reuniões teóricas, • Julho a dezembro/95 (62 turnos): oficinas de
do processo reuniões plenárias e oficinas de processamento, processamento, plenária, concluindo
até o desenho das operações o momento normativo
• Janeiro a maio/96: reuniões mais espaçadas, • Janeiro a maio/96: reuniões mais espaçadas,
implementação de algumas operações, formulação de implementação de operações, avaliação
cenários, adequação de operações, avaliações estratégicas e adequação do plano, análise estratégica informal.
informais e pontuais
• Maio a julho/96: reuniões semanais com assessoras para • Maio a julho/96: implementação de operações.
discussão dos encaminhamentos e execução de operações Ênfase no trabalho com o grupo de direção
relativas a dois problemas, desenvolvidas ao longo da semana ampliado que se formou. Realização de seminário
pelos grupos de trabalho com gerentes.

2) Impacto nas • Ampliação da comunicação entre grupos divergentes • Busca, pelo diretor, de uma agenda com menos
práticas gerenciais urgências e mais voltada para assuntos estratégicos
• Envolvimento progressivo de profissionais da assistência • Colegiado ampliado, com participação de todos os
com as questões gerenciais chefes, responsáveis por unidades de produção
• Discussão do plano de objetivos e metas (Fiocruz) à luz • Envolvimento progressivo dos gerentes da área
das operações já definidas no processo de planejamento assistencial com a questão da missão institucional
estratégico-situacional
• Ampliação da discussão sobre a missão do CSE e seus • Redirecionamento de demandas para níveis
processos de trabalho gerenciais intermediários
• Construção progressiva de um grupo de gestão para o CSE • Desenho de estratégias de descentralização
e aumento das responsabilidades das gerências
intermediárias (gestão por programas; seminário de
gerentes; pacto sobre o papel dos gerentes)
• Elaboração de projetos por serviço

3) Dificuldades • Afastamento da chefia por problemas de saúde por 1 mês, • Resistência de alguns membros importantes da
no início do processo, além de greves e outras interrupções equipe de direção (muito voltados para as
atividades operacionais)
• Pouca participação de pessoas estrategicamente • Desencontros entre tempos institucionais e tempos
importantes metodológicos (problemas de abastecimento;
crise na área de cirurgia torácica)
• Não-designação, no início, de pessoas responsáveis • Dificuldades para desenvolver o conjunto de
pelo registro dos trabalhos e tarefas/cultura de baixa operações propostas. Restrições de tempo.
responsabilidade Abandono de algumas operações
• Dificuldade de alguns profissionais p/reflexão • Projeto muito amplo
teórico-metodológica
• Dificuldade da assessoria em traduzir alguns conceitos • Dificuldades para conciliar as operações propostas
e noções do PES com o trabalho cotidiano
• Conhecimento insuficiente dos participantes sobre alguns • Não-desenvolvimento de uma trajetória estratégica
conteúdos dos problemas
• Restrições de tempo e pessoal para executar e atualizar
o conjunto de operações propostas

cessário para a sistematização e a dinâmica mente, de velocidade de resposta aos proble-


institucional cotidiana. O resultado deste de- mas. Em contrapartida, na experiência do hos-
sencontro tem sido, por vezes, um esvaziamen- pital, o PES se constituiu no modo de trabalhar
to dos espaços de maior sistematização meto- da direção, onde, além da interpenetração dos
dológica, com ausência dos problemas priori- momentos, outra estratégia voltada para maior
tários ou emergentes a serem enfrentados pela agilidade do processo foi a utilização de pré-
organização. Essa situação revelou-se mais processamento dos problemas pela equipe de
presente no Centro de Saúde, por apresentar coordenação, o que reduziu significativamente
entre outros fatores explicativos, uma menor o tempo de discussão e processamento nos
capacidade de processamento e, conseqüente- grupos mais ampliados.

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


738 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

Examinando agora as experiências com ba- significativa do plano, que incluía operações
se em seu grau de sistematicidade com relação voltadas para o enfrentamento de outros pro-
à aplicação da metodologia, é possível obser- blemas.
var dois grandes momentos diferenciados. Os fatos acima nos remetem a algumas
Um primeiro, que correspondeu ao mo- considerações. Por um lado, evidencia-se a re-
mento explicativo e parte do normativo, carac- lativa abrangência dos planos comparativa-
terizou-se por uma aplicação mais sistemática mente à capacidade de processamento das
dos instrumentos metodológicos, nas duas ins- equipes envolvidas, o que pode ser explicado
tituições, sendo que, no Centro de Saúde, o de- por fatores que vão desde a orientação meto-
senvolvimento da proposta buscou maior rigor dológica no recorte e seleção dos problemas a
conceitual e metodológico, com menos adap- questões relativas à insuficiência quantitativa e
tações que no Hospital. qualitativa de pessoal e aos ainda baixos níveis
A partir do final do momento normativo de responsabilidade – no sentido trabalhado
(análise das operações nos diferentes cená- por Matus na Teoria das Macroorganizações
rios), incluindo também o estratégico e o táti- (Matus, 1993; Rivera, 1995; Artmann, 1993). Por
co-operacional, observou-se uma segunda fase outro lado, é necessário reconhecer – como
neste processo, quando as duas experiências, inerente à introdução de processos de mudan-
coincidentemente, passaram a se caracterizar ça de forma participativa nas organizações – a
por um processo mais informal, menos siste- real sobrecarga advinda da necessidade de
mático, do ponto de vista da aplicação da me- compatibilizar a execução das atividades rela-
todologia. tivas à continuidade do funcionamento da or-
Ainda que consideremos necessária a ma- ganização com as novas demandas oriundas
nutenção de certo grau de sistematicidade e do processo de mudança.
rigor metodológico, observamos que é impor- De todo modo, embora seja necessário evi-
tante que os participantes não se deixem apri- tar um aprisionamento ao formalismo proces-
sionar ou subordinar pelos aspectos formais sual do método, deve ser considerado que um
do método. Esse aprisionamento seria inver- dos objetivos dessa metodologia é aumentar a
samente proporcional à autonomia e capaci- capacidade de governo das equipes envolvidas,
dade propositiva dos participantes e, por ou- para o que o emprego de seus instrumentos
tro lado, à flexibilidade na condução metodo- pode ser uma das condições. Nas duas expe-
lógica. riências não se conseguiu, até o momento, de-
Assim, pelas características dos dois pro- senvolver o plano de forma mais sistemática
cessos, observou-se, na primeira fase, uma após o desenho das operações. Assim, não se
maior subordinação dos profissionais do Cen- chegou a analisar, por exemplo, o impacto dos
tro de Saúde ao formalismo processual, com- cenários sobre as operações. Do mesmo modo,
parativamente aos profissionais do hospital. as análises estratégicas não sistemáticas não
Estes últimos, com maior freqüência, abriram conduziram à montagem de uma trajetória es-
mão de alguns passos metodológicos na busca tratégica mais global para a execução do plano.
de maior agilidade de respostas e aprofunda- As conseqüências podem se manifestar, entre
mento de proposições, bem como souberam se outros aspectos, na falta de ligação ou coerên-
utilizar do espaço de discussão para clara ne- cia entre as decisões do dia-a-dia e a situação-
gociação política. No caso do Centro de Saúde, objetivo pretendida.
o maior formalismo pode estar ligado à menor Nesta discussão em torno da necessidade
organicidade do grupo de coordenação, ao de maior ou menor sistematização, não se po-
pouco conhecimento técnico sobre o conteúdo de deixar de considerar também a capacidade
de alguns problemas trabalhados, à menor ex- de análise estratégica e gestão já acumulada
periência gerencial, bem como ao encaminha- pelas equipes. No caso do Hospital, a despeito
mento do processo dado pela assessoria. de existirem condições mais favoráveis a um
Já na segunda fase, observamos, nas duas processo mais sistemático, do ponto de vista
experiências, um processo de revisão informal metodológico, dadas pela inserção da assesso-
do plano, que se expressou na reformulação de ra como membro da equipe de direção, aca-
algumas operações sem a correspondente revi- bou-se optando, de certo modo, por um proces-
são dos conteúdos explicitados anteriormen- so mais informal, na medida em que a equipe
te nos diversos instrumentos metodológicos de direção formada reunia um grupo de profis-
(‘formatos’). Neste processo, ocorreu também, sionais com boa capacidade de análise estraté-
nas duas instituições, uma priorização, em ter- gica e formulação, o que, esperava-se, minimi-
mos de execução, das operações relativas à zaria as perdas possíveis relativas a processos
missão institucional e um ‘abandono’ de parte menos sistemáticos.

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


ENFOQUE ESTRATÉGICO DE PLANEJAMENTO 739

Considerando finalmente a possibilidade terferir no processo, obstaculizando por vezes


de construção de um ator que expresse um a implementação de propostas importantes.
projeto coletivo, deve ser ressaltado que na ex- Do ponto de vista da constituição de um
periência do Hospital foi visível o processo de ator capaz de expressar um projeto coletivo
ampliação do grupo de coordenação, consti- partindo de diferentes racionalidades, visões e
tuindo uma instância de gestão com um proje- interesses presentes na organização, é impor-
to definido. No caso do Centro de Saúde, ob- tante destacar que as duas experiências sinali-
serva-se que o compromisso e identificação do zam positivamente neste sentido. Observa-se a
grupo em torno do processo tem sido construí- criação e/ou ampliação de canais de comuni-
do mais lentamente. cação internos e a progressiva formação de gru-
Observamos, nas duas experiências, difi- pos mais orgânicos em torno de problemas ins-
culdades em maior ou menor grau com relação titucionais relevantes. No entanto, não pode-
ao aumento do nível de responsabilidade para mos perder de vista que este é o desafio princi-
com o processo, ritmo e cumprimento das ta- pal das experiências que buscam imprimir mu-
refas acordadas, bem como dificuldades quan- danças substantivas nos processos institucio-
to à explicitação e até mesmo a formulação dos nais. Nos casos estudados, as dificuldades já re-
diferentes projetos em jogo no interior das or- latadas ao longo deste artigo – como os ainda
ganizações. Poderíamos considerar como prin- baixos níveis de responsabilidade institucional,
cipais hipóteses explicativas a pouca organici- o domínio de uma prática de improvisação so-
dade política dos grupos e sua dificuldade em bre o planejamento, entre outras – expressam a
se constituírem enquanto atores e, ainda, o pre- complexidade desses processos de mudança.
domínio da cultura da não-responsabilidade Outro aspecto que merece ser considerado
como regra nas instituições públicas (Matus, refere-se à relação entre a abrangência do pla-
1992). no, a capacidade de processamento das equi-
Por fim, consideramos importante destacar pes e a possibilidade de se implementar um
que existem diferentes formas de envolvimen- plano estratégico de ação. Ainda que se reco-
to dos profissionais com o processo de plane- nheçam as limitações na capacidade de pro-
jamento e o projeto institucional. A adesão ao cessamento dos problemas vividas pelas insti-
projeto/plano não pode ser construída com tuições, não se pode deixar de considerar as
base apenas na participação dos profissionais inter-relações entre os diversos problemas e,
nos momento de discussão mais sistemática conseqüentemente, o risco de diminuição e até
do plano/projeto, mas deve expressar-se tam- mesmo perda do impacto das intervenções so-
bém no seu envolvimento cotidiano com a rea- bre os processos institucionais, quando estas se
lização das operações/ações e com a busca dos reduzem ao enfrentamento de apenas um ou
resultados. dois problemas. Este é um ponto crítico que,
nas experiências estudadas, merece ser mais
bem acompanhado com a continuidade da in-
Considerações finais vestigação.
Outra questão importante diz respeito à re-
Uma consideração mais geral diz respeito à ca- lação entre o grau de sistematicidade com que
tegoria ator. Ao longo das experiências aqui re- se desenvolve o processo de planejamento e a
latadas, sentimos dificuldades para trabalhar capacidade de análise estratégica. Se, por um
com esta categoria do ponto de vista intra-ins- lado, a sistematização pode contribuir para
titucional. Matus dá pouca ênfase, em sua con- ampliar a visão estratégica, por outro lado, a
ceituação, ao papel desempenhado por ‘atores- necessidade de respostas velozes e a complexi-
personalidade’ no interior das organizações – dade do método, entre outros fatores, às vezes
profissionais que individualmente apresentam não permitem o aprofundamento da análise a
forte capacidade de influência e condução de partir do instrumental metodológico. Assim,
determinados processos, em função, não ne- ainda que se reconheça a boa capacidade de
cessariamente, dos cargos que ocupam. Outro análise estratégica de alguns participantes,
aspecto que mereceria um tratamento mais di- permanece como desafio – não só do ponto de
ferenciado na identificação dos atores intra- vista das experiências relatadas – a busca de
institucionais seria o critério – imprescindível mecanismos ou formas de simplificação do
para Matus – de existência de um projeto polí- método que, ao mesmo tempo em que permi-
tico claramente definido. O que observamos tam sua apropriação por um maior número de
são situações em que ‘atores-personalidade’, participantes, elevem a capacidade de análise
nem sempre com um projeto político muito e formulação estratégica das equipes. Tal sim-
claramente definido, têm capacidade para in- plificação deve ser compreendida, portanto,

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997


740 ARTMANN, E.; AZEVEDO,C. S. & SÁ, M. C

como fator essencial para a ampliação da co- veis diferenças quanto aos limites e possibili-
municação interna e, conseqüentemente, para dades de adoção do enfoque de planejamento
a possibilidade de construção de um projeto estratégico em organizações de saúde de dis-
coletivo e estratégico. tintos níveis de complexidade e o estudo da es-
Além das questões acima, ficam especial- pecificidade que o caráter público das organi-
mente registradas, como intenção de continui- zações possa conferir aos processos de plane-
dade de nossa investigação, o exame de possí- jamento e gestão.

Referências

ARTMANN, E., 1993. O Planejamento Estratégico Si- MATUS, C., 1994a. Sobre la Teoria de las Macroorga-
tuacional: A Trilogia Matusiana e uma Proposta nizaciones. Revista Pes, 3.
para o Nível Local de Saúde (Uma Abordagem Co- MATUS, C., 1994b. El PES en la Practica. Caracas:
municativa). Dissertação de Mestrado, Rio de Ja- Fundación ALTADIR (mimeo.)
neiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Funda- MATUS, C., 1994c. Guia de Analisis Teórico. Curso de
ção Oswaldo Cruz. Governo e Planificação. Caracas: Fundación AL-
AZEVEDO, C. S., 1993. A Gerência Hospitalar: A Visão TADIR.
dos Diretores de Hospitais Públicos do Município MINTZBERG, H., 1989. Mintzberg on Management:
do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, Rio Inside our Strange World of Organizations. New
de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Univer- York: The Free Press.
sidade do Estado do Rio de Janeiro. RIVERA, F. J. U., 1995. Agir Comunicativo e Planeja-
AZEVEDO, C. S., 1995. Gestão hospitalar: a visão dos mento Social: Uma Crítica ao Enfoque Estratégico.
diretores de hospitais públicos do Município do Rio de Janeiro: Editora Fiocruz.
Rio de Janeiro. Revista de Administração Pública, SÁ, M. C., 1993. Planejamento Estratégico em Saúde:
29:33-58. Problemas Conceituais e Metodológicos. Disser-
FONSECA, A. S. A. F., 1996. O Planejamento Estratégi- tação de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola Nacio-
co-Situacional e o Centro de Saúde-Escola Ger- nal de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.
mano Sinval Faria – Contribuição para o Work- SÁ, M. C. & ARTMANN, E., 1994. O planejamento es-
shop “Construindo um Modelo de Assistência, En- tratégico em saúde: desafios e perspectivas para
sino e Pesquisa”. Rio de Janeiro: Escola Nacional o nível local. In: Planejamento e Programação Lo-
de Saúde Pública (mimeo.) cal da Vigilância da Saúde no Distrito Sanitário
HABERMAS, J., 1987. Teoria de la Acción Comunicati- (E. V. Mendes, org.), pp. 19-44, Brasília: OPAS.
va. Madri: Editora Taurus. TAVARES, M. F. L.; VICENTIN, G.; FONSECA, A. S. A.;
MATUS, C., 1993. Política, Planejamento e Governo. PORTO, C. B. M.; SOARES, S. M. & ADESSE, L.,
Brasília: IPEA. 1996. CSE: Construindo um Novo Modelo de As-
sistência, Ensino e Pesquisa. Rio de Janeiro: Escola
Nacional de Saúde Pública (mimeo.)

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997

Você também pode gostar