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RIGOR CIENTÍFICO
Essa criação de Aluísio de Azevedo tem como influência maior o romance L’Assommoir, do escritor
francês Émile Zola, que prescreve um rigor científico na representação da realidade. A intenção do
método naturalista era fazer uma crítica contundente e coerente de uma realidade corrompida.
Zola e, neste caso, Aluísio combatem, como princípio teórico, a degradação causada pela mistura
de raças.
Por isso, os dois romances naturalistas são constituídos de espaços nos quais convivem desvalidos
de várias etnias. Esses espaços se tornam personagens do romance.
É o caso do cortiço, que se projeta na obra mais do que os próprios personagens que ali vivem.
Um exemplo pode ser visto no seguinte trecho:
“E durante dois anos o cortiço prosperou de dia para dia, ganhando forças, socando-se de gente.
E ao lado o Miranda assustava-se, inquieto com aquela exuberância brutal de vida, aterrado
defronte daquela floresta implacável que lhe crescia junto da casa, por debaixo das janelas, e
cujas raízes, piores e mais grossas do que serpentes, minavam por toda a parte, ameaçando
rebentar o chão em torno dela, rachando o solo e abalando tudo.”
O narrador compara o cortiço a uma estrutura biológica (floresta), um organismo vivo que cresce
e se desenvolve, aumentando as forças daninhas e determinando o caráter moral de quem habita
seu interior.
NARRADOR
A obra é narrada em terceira pessoa, com narrador onisciente (que tem conhecimento de tudo),
como propunha o movimento naturalista. O narrador tem poder total na estrutura do romance:
entra no pensamento dos personagens, faz julgamentos e tenta comprovar, como se fosse um
cientista, as influências do meio, da raça e do momento histórico.
TEMPO
Em O Cortiço, o tempo é trabalhado de maneira linear, com princípio, meio e desfecho da
narrativa. A história se desenrola no Brasil do século XIX, sem precisão de datas. Há, no entanto,
que ressaltar a relação do tempo com o desenvolvimento do cortiço e com o enriquecimento de
João Romão.
ESPAÇO
São dois os espaços explorados na obra. O primeiro é o cortiço, amontoado de casebres mal-
arranjados, onde os pobres vivem. Esse espaço representa a mistura de raças e a promiscuidade
das classes baixas. Funciona como um organismo vivo. Junto ao cortiço estão a pedreira e a
taverna do português João Romão.
ENREDO
O livro narra inicialmente a saga de João Romão rumo ao enriquecimento. Para acumular capital,
ele explora os empregados e se utiliza até do furto para conseguir atingir seus objetivos. João
Romão é o dono do cortiço, da taverna e da pedreira. Sua amante, Bertoleza, o ajuda de domingo
a domingo, trabalhando sem descanso.
Em oposição a João Romão, surge a figura de Miranda, o comerciante bem estabelecido que cria
uma disputa acirrada com o taverneiro por uma braça de terra que deseja comprar para aumentar
seu quintal. Não havendo consenso, há o rompimento provisório de relações entre os dois.
Com inveja de Miranda, que possui condição social mais elevada, João Romão trabalha
ardorosamente e passa por privações para enriquecer mais que seu oponente. Um fato, no
entanto, muda a perspectiva do dono do cortiço. Quando Miranda recebe o título de barão, João
Romão entende que não basta ganhar dinheiro, é necessário também ostentar uma posição social
reconhecida, freqüentar ambientes requintados, adquirir roupas finas, ir ao teatro, ler romances,
ou seja, participar ativamente da vida burguesa.
A relação entre Miranda e João Romão melhora quando o comerciante recebe o título de barão e
passa a ter superioridade garantida sobre o oponente. Para imitar as conquistas do rival, João
Romão promove várias mudanças na estalagem, que agora ostenta ares aristocráticos.
O cortiço todo também muda, perdendo o caráter desorganizado e miserável para se transformar
na Vila João Romão.
ALEGORIA DO BRASIL
Mais do que empregar os preceitos do naturalismo, a obra mostra práticas recorrentes no Brasil
do século XIX. Na situação de capitalismo incipiente, o explorador vivia muito próximo ao
explorado, daí a estalagem de João Romão estar junto aos pobres moradores do cortiço. Ao lado,
o burguês Miranda, de projeção social mais elevada que João Romão, vive em seu palacete com
ares aristocráticos e teme o crescimento do cortiço. Por isso pode-se dizer que O Cortiço não é
somente um romance naturalista, mas uma alegoria do Brasil.
O autor naturalista tinha uma tese a sustentar sua história. A intenção era provar, por meio da
obra literária, como o meio, a raça e a história determinam o homem e o levam à
degenerescência.
A obra está a serviço de um argumento. Aluísio se propõe a mostrar que a mistura de raças em
um mesmo meio desemboca na promiscuidade sexual, moral e na completa degradação humana.
Mas, para além disso, o livro apresenta outras questões pertinentes para pensar o Brasil, que
ainda são atuais, como a imensa desigualdade social.