Hino Alegria

Tenho-a visto passar, cantando, minha porta, E s vezes, bruscamente, invadir o meu lar, Sentar-se minha mesa, e a sorrir, meia morta, Deitar-se no meu leito e o meu sono embalar. Tumultuosa, nos seus caprichos desenvoltos, Quase meiga, apesar do seu riso constante, De olhos a arder, lbios em flor, cabelos soltos, A um tempo cortes, deusa ingnua ou bacante... Quando ela passa, a luz dos seus olhos deslumbra; Tem como o Sol de Inverno um brilho encantador; Mas o brilho fugaz, cintila na penumbra, Sem que dele irradie um facho criador. Quando menos se espera, irrompe de improviso; Mas foge-nos tambm com uma presteza igual; E dela apenas fica um plido sorriso Traduzindo o desdm duma iluso banal. Onda mansa que s superfcie corre, Toda a alegria v; s a Dor fecunda! A Dor a Inspirao, louro que nunca morre, Se em ns crava a raiz exaustiva e profunda! No entanto, eu te sado e louvo, hora dourada, Em que a Alegria vem extinguir, de surpresa, Como chuva a cair numa planta abrasada, A fornalha em que a Dor se transmuta em Beleza! Pensar, certo, eleva o esprito mais alto; Sofrer torna melhor o corao; depura Como um crisol: a chispa irrompe do basalto, Sai o oiro em fuso da escria mais impura. A Alegria falaz; s quem sofre no erra, Se a Dor o eleva a Deus, na palavra que O louve; A Alma, na orao, desprende-se da terra; Jamais o homem vo diante de Deus que o ouve!

E contudo, iluso!basta que ela sorria, Basta v-la de longe, um momento, a acenar, Vamos logo em tropel, no capricho do dia, Como brios, evo! atrs dela a cantar! Mas se ela, de repente, ao nosso olhar se furta, Todo o seu brilho p que anda no sol disperso; A Alegria perfeita uma aurora to curta, Que mal chega a doirar as cortinas do bero. s vezes, essa luz, de to frgil encanto, Vem ainda banhar certas horas da Vida, Como um ris de paz numa nvoa de pranto, Crepitao, fulgor duma estrela perdida. Ento, no resplendor dessa aurora bendita, Toma corpo a iluso, e sem nsias, sem penas, O esprito remoa, o corao palpita Seja a nossa alma embora uma saudade apenas! 0 Mas efmera ou v, a Alegria... que importa? Deusa ingnua ou bacante, o seu riso clemente, Quando, mesmo de longe, ecoa nossa porta, Deixa em louco alvoroo o corao da gente! Momentnea ou falaz, sempre um dom divino, Sol que um instante vem a nossa alma aquecer... Pudesse eu celebrar teu louvor no meu Hino! Momentneo, falaz encanto de viver! O teu sorriso enxuga o pranto que choramos, E eu no sei traduzir a ventura que exprimes! Nesta sentimental lngua que ns falamos, S a Dor e a Paixo tm acordes sublimes! Antnio Feij, in 'Sol de Inverno'