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Arquitextos - Periódico mensal de textos de arquitetura

abril de 20040

| Autor | Assunto | Números | Página principal | Vitruvius |

Arquitetura regional. Coberturas de tijolo “sobrecarregado” (1)


Alfonso Ramírez Ponce

Alfonso Ramírez Ponce é arquiteto mexicano, professor,


escritor, conferencista, projetista e construtor de obras de
baixo custo, com matérias primas como o tijolo. Assessor da
FPAA (1992-2000) e da Fundação Rigoberta Menchú.
Ganhador do Prêmio Armando Mestre da República de Cuba.
Primeiro prêmio do Concurso de Transferência Tecnológica
para a Habitação Popular, organizado pelo CYTED
(leia versão em espanhol)

“A continuidade histórica de uma sociedade é possível porque


possui um núcleo de cultura própria. [...] sem a cultura
autônoma nem sequer seria possível o processo de
apropriação”
Guillermo Bonfil Batalla

Ouve-se falar indistinta e freqüentemente da arquitetura regional e


apropriada, ou do particular, do alheio e do apropriado no sentido geral,
dando de barato que os próprios termos sejam auto-explicativos. Mas na
verdade não é bem assim, pois é necessária uma argumentação muito mais
explícita que defina tais termos. Sobretudo, porque os mesmos
qualificativos se aplicam não apenas à Arquitetura, mas também a suas
técnicas e ao que se esconde embaixo do título “tecnologias alternativas”,
que tem sido adotado acriticamente. Conceito infeliz inclusive, pois contém
um duplo erro, afinal o ato de construir com diversas matérias brutas – ou Casa em Tepoztlán, Morelos. Adobe 28x10x40 cm. Arquiteto
A. R. Ponce
primas – em nossos países, não é uma “alternativa” ou uma opção, mas
uma necessidade factível e econômica; além disso, as formas específicas
de construir com adobe, bambu, tijolo ou madeira, não são “tecnologias” (2),
não são conjuntos de conhecimentos, mas técnicas, ou seja, maneiras de
fazer ou de descobrir. Duplo erro, portanto: as “tecnologias alternativas” não
são nem tecnologias, nem alternativas.

Arquitetura autônoma

Ocorre, em muitas ocasiões, que os conceitos sobre o específico e o


apropriado permaneçam, para dizer o mínimo, no campo da imprecisão e
da ambigüidade. Neste sentido, nos parece oportuno apoiarmo-nos na
clareza de um antropólogo mexicano, que comenta o seguinte sobre o tema Ponte coberta para pedestres, 45 m. Bogotá, Colômbia.
da cultura: Estrutura de caña guadua e bambu. Arquiteto Simón Vélez

“Os âmbitos da cultura autônoma e da cultura apropriada


conformam o universo da cultura específica... Cultura
específica, então, é a capacidade social de produção cultural
autônoma. E não temos criação sem autonomia... Na cultura

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autônoma, o grupo social tem o poder de decisão sobre seus


próprios elementos culturais (3); é capaz de produzi-los, usá-
los e reproduzi-los” (4).

Em nosso caso – extrapolando a citação para a arquitetura e para suas


técnicas –, defendemos como hipótese de trabalho que o universo da
arquitetura regional é formado pela soma das arquiteturas autônoma e
apropriada. Mas caberia a predominância à primeira – a arquitetura
autônoma –, sendo ela a base necessária para que a apropriação seja
possível. Complementando a epígrafe de nosso texto:

“A continuidade histórica de uma sociedade é possível porque


esta possui um núcleo de cultura própria, em torno da qual se
organiza e se reinterpreta o universo da cultura estrangeira...
Sem a cultura autônoma nem sequer seria possível o
processo de apropriação” (5).
Ponte coberta para pedestres, 45 m. Bogotá, Colômbia.
Estrutura de caña guadua e bambu. Arquiteto Simón Vélez
Portanto, os significados do próprio, do apropriado e do autônomo, não são
indistintos, mas desiguais e de diferentes extensões. O próprio é o todo e as
partes, o autônomo e o apropriado. Mas ainda: como já vimos, estas partes
são desiguais, pois existe uma parte maior e uma outra menor, sendo que o
núcleo básico do próprio é o autônomo e sua existência é o que permite que
coexista um “processo de apropriação”. Em outras palavras, o necessário é
o autônomo e o apropriado, o contingente. Ambos conformam o universo do
próprio.

A técnica

Agora sim, após este preâmbulo necessário, podemos dizer que a utilização
da técnica popular de construção – que temos chamado de “tijolo
sobrecarregado” – não é fortuita nem por acaso. Obedece à intenção clara
e definida de conservar e difundir uma das poucas tradições construtivas
mexicanas que continuam sendo expressão de nossa cultura arquitetônica Casa em Tepoztlán, Morelos. Coberturas de tijolo
autônoma. sobrecarregado. Arquiteto A. R. Ponce

Esta técnica, chamada popularmente de “abóbadas do Bajío”, é um dos


poucos exemplos do que podemos chamar de arquitetura autônoma; ela é a
parte medular de nossa arquitetura específica. Por quê devemos dar valor
ao passado? Porque o controle sobre os elementos culturais – neste caso,
os recursos materiais naturais ou transformados, como o tijolo – e os
recursos de conhecimentos, experiências e tradições construtivas, continua
nos pertencendo, dos pontos de vista cultural e histórico. Desenvolvendo o
argumento, podemos dizer que esta maneira de construir coberturas não
acontece em nenhum outro país ibero-americano aonde se construa com o
tijolo.

Uma última citação, antes de abandonar nosso autor:


Casa em Tepoztlán, Morelos. Cobertura da soleira com barro
“A natureza da sociedade capitalista, acentuada pela rovermelho recozido (26x52x2 cm) e vigas de madeira.
industrialização, implica num processo crescente de alienação Arquiteto A. R. Ponce
e imposição cultural sobre o mundo subalterno, aonde se quer
ver as pessoas convertidas em consumidores de cultura e não
em criadores dela. As teses da propaganda consumista –
tanto de bens materiais como de sentimentos e ideologia –
buscam convencer o homem do mundo subalterno de que ele
é cada vez menos capaz de pensar, fazer, querer ou sonhar
por si mesmo, porque os outros é que sabem pensar, fazer,
querer ou sonhar melhor do que ele. A afirmação da cultura
própria é, por isso, um componente central, não apenas de

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qualquer projeto democrático, mas de toda ação que repouse


na convicção de que os homens são o que são graças à sua
capacidade criadora” (6).

No atual processo de globalização, o que se pretende é que não sejamos


produtores, mas consumidores de arquitetura. Que nossa profissão
continue sendo uma profissão elitista, excludente, voltada para o externo,
dependente das “modas” arquitetônicas, negando sua própria realidade
prenhe de necessidades espaciais dos grupos sociais majoritários.

Esta postura é devida, em grande parte, à (de)formação acadêmica, pois


em muitas escolas, os problemas imediatos, as obras pequenas, nossas
tradições construtivas, não são consideradas dignas de ser estudadas, pois
não seriam “arquitetura”. Não são merecedoras da atenção dos inefáveis Casas de bambú em Piura, ao norte do Perú. Arquiteto Eliseo
Guzmán
arquitetos “artistas”. Sempre dependentes do que acontece para além de
nossas fronteiras, sobretudo o que acontece nos países primeiro-mundistas.
Que sejam os outros os que pensam e inventam para que nós copiemos.
Lá, os homens, aqui, os “macacos”. Reconhecemos os macacos por sua
capacidade de imitação, que redunda numa captura do alheio sempre
deslocada. Os arquitetos “artistas” poderão ser, como em realidade alguns
o são, bons imitadores. O problema é que nunca deixarão de ser “macacos”.

A “afirmação da cultura própria” e dentro dela, de uma arquitetura


específica, passa pelo conhecimento e reconhecimento de nossas tradições
construtivas. Dentre elas, algumas técnicas que existem para construir
coberturas econômicas de tijolo sem cimbramento.

Coberturas de tijolo Técnica de construção de coberturas de tijolo


sobrecarregado. Sistema mexicano. Apropriação do
conhecimento prático por estudantes da Universidad Central
Temos registrado várias delas – localizadas principal, mas não da Venezuela.
exclusivamente, em países ibero-americanos – e as temos classificado em
três grandes grupos: o primeiro, as coberturas formadas por uma ou duas
peças de barro, que precisam de vigas intermediárias para dividir o espaço
a ser coberto; o segundo, as tabicadas, formado pelas coberturas feitas em
duas ou mais capas com uma pequena cimbra, sendo que os exemplos
mais notáveis são encontrados em Portugal e na Espanha.

Aqui temos que mencionar – mesmo que seja de forma breve – as


meticulosas pesquisas de Juan Diego Carmona de Badajoz, que
demonstram a contribuição dos artesãos portugueses de Extremadura à
tradição construtiva das abóbadas sem cimbramento, com tijolo assentado
de face. E na Catalunha, mencionarei como exemplo um edifício cuja
excepcionalidade tem razões diversas, que não poderemos relatar aqui.
Refiro-me ao atual Museu da Ciência e da Técnica em Terrassa, Catalunha,
projetado e construído pelo arquiteto Luis Muncunil i Parellada em 1907. A Na linguagem popular, o chamado teto de “abóbada”. São
nave principal tem 11.088 m2, com 176 abóbadas de 8 x 9m2 cada uma! As utilizadas viguetas metálicas e tijolo de barro vermelho
recozido, assentado de canto e colado de face
abóbadas têm dupla camada – “fulla doblat” –, mas separadas por tijolos
postos de canto sobre a primeira capa e cuja função é suportar a segunda.
Trata-se de um edifício impressionante, que na condição de espécime das
boas obras de arquitetura – a um passo de cumprir seu primeiro centenário
– tem envelhecido dignamente.

Ao terceiro grupo temos chamado de coberturas sobrecarregadas, por ser


esta sua principal característica. Encontramos neste grupo as coberturas
construídas pelos persas sassânidas – em arcos de meio ponto com o tijolo
assentado de face e sobreposto em suas três quartas partes –; as
Seção transversal. Sem escala
milenares abóbadas núbicas de adobe de canto (7) e, por último, as
coberturas mexicanas – superfícies esferoidais – que aqui descreveremos
de forma sucinta.

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O tijolo sobrecarregado

Esta técnica para construir coberturas econômicas de tijolo de canto sem


cimbramento é utilizada na zona central e ocidental do México, aonde
aparece – invenção do saber popular – na segunda metade do século XIX,
em dois povoados que disputam sua origem: San Juan do Rio, em
Querétaro, e Lagos de Moreno, em Jalisco.

Façamos uma digressão que nos parece necessária. Mencionamos


anteriormente o tijolo colocado de canto. Nossa classificação não é a
tradicional, mas nos parece mais clara e simples. Se todos os tijolos
comuns têm três superfícies – cabeça, canto e face, considerando da menor
Casa em Cuernavaca, Morelos. Arquiteto A. R. Ponce. Soleira
para a maior – a proposta é que os muros e as coberturas se denominem de barro vermelho recozido sobre vigas de 3”x6” de madeira
segundo a posição do tijolo. Nas abóbadas espanholas – catalãs e
extremeñas – a parte visível é a face e se juntam de canto; no caso das
“abóbadas” mexicanas é justamente o contrário – se juntam de face e a
parte visível é o canto. As primeiras seriam abóbadas “tabicadas”, com
tijolos de face e as segundas abóbadas “sobrecarregadas” com tijolos de
canto. Na denominação atual, as abóbadas espanholas são chamadas de
abóbadas com “tijolos de plano” (8) e as nossas (mexicanas), com “tijolos
em rosca” (sic).

Estendendo as questões do parágrafo anterior para os muros, diríamos que


em vez de muros a soga, a tizón ou de panderete, – que são termos de
compreensão não muito clara nas diversas latitudes de fala hispânica –, e
baseando o nome na posição do tijolo, teríamos simplesmente muros de
canto, de cabeça ou de face, mais, evidentemente, as combinações
possíveis – de face e canto, de cabeça e face e outras mais. Não Abóbada tabicada em três capas, em Extremadura, Espanha.
analisaremos aqui os modos inglês, belga, flamengo, gótico ou holandês, Fonte: revista Costruire em Laterizio, n. 82, Septiembre 2001
por não ter nada ou quase nada a ver com a nossa realidade latino-
americana.

Encerrando a digressão e retornando a nossa técnica, se agregamos ao


material o elemento construtivo e o procedimento, então temos que a nossa
é uma técnica de construção de coberturas de tijolo sobrecarregadas sem
cimbramento.

Quais são as opções construtivas?

As superfícies contam com dois elementos básicos: suas diretrizes ou


perímetro envolvente; e suas geratrizes formadas pelas distintas fieiras de
tijolo. Estas últimas se mantêm constantes, mas podemos encontrar
variação na geometria de suas diretrizes.

Ao iniciar a construção do primeiro tijolo ou dos primeiros – segundo o caso


– se sobrecarregam sobre um canto ou um lado do perímetro da cobertura.
O início pelos cantos é geralmente em abóbadas com plantas de forma
quadrada ou retangular, cuja proporção não é maior do que uma vez e meia
a relação entre seus lados. Um critério semelhante à classificação das lajes
de concreto em perimetrais ou simplesmente apoiadas.
Museu da Ciência e da Técnica. Terrassa, Espanha (1907).
Esta é uma técnica construtiva muito inteligente e singular, de invenção Abóbadas tabicadas de dupla capa. Arquiteto Luis Muncunil i
popular. Cada tijolo da cobertura está apoiado ou sobrecarregado sobre o Parellada
anterior. Sua estabilidade é conferida por seu encosto ou
sobrecarregamento. À semelhança do chamado efeito dominó, cada ficha
se sustenta sobre a outra. Ao invés de partir para o enfrentamento,
entabulando uma luta desigual contra a gravidade, se declara desde o
princípio vencida por ela. Como compensação por sua derrota, ganha sua
estabilidade, apoiada por outros fatores a seu favor, entre eles, sua leveza –

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a de um pequeno tijolo – e a forma abobadada (9) da cobertura.

Mesmo que o perímetro seja quadrado ou retangular, a técnica construtiva


permite que possa ser poligonal com as irregularidades que o espaço
interior determine. Peso e forma (10) –, duas características da estabilidade
das construções.

"O problema do construtor de edifícios é obter vãos ou cobrir


espaços, o que significa que tem que lutar contra a gravidade,
contra o peso; sem dúvida, se quer evitar os esforços de
tração, é o peso do material de sua obra, convenientemente
disposto no espaço, que a torna apta para resistir às flexões
sempre inevitáveis" (11).

Ao relacionar peso e forma – quando menciona que o material deve estar


"convenientemente disposto no espaço" –, Eladio Dieste alude à geometria
e à forma da construção que define a luta permanente contra a gravidade. A
flecha da cobertura é diretamente proporcional à dimensão menor a ser
coberta e geralmente se considera de 20 a 25% do vão menor. Por
exemplo, em um espaço de 3x5 metros, a flecha será de 60 a 75cm.
Em nossa visão, uma abóbada tem como elemento
geométrico dominante o cilindro. Portanto uma abóbada é
Outras características uma seção cilíndrica ou cilindroidal como é o caso das
abóbadas núbicas, pois sua seção não é circular, mas
parabólica. Uma cúpula, ao contrário, tem a esfera como
Dentre os procedimentos, existem três principais. Resumindo, em primeiro modelo geométrico principal. As “abóbadas” mexicanas são
lugar os tijolos se sobrecarregam um sobre o outro em uma contínua superfícies que se assemlham a uma esfera, portanto, são
sucessão. Em segundo, o tijolo para ser suportado necessita ser leve e secções esferoidais.
pequeno, ao contrário de um tijolo de base, que precisa ser grande e
pesado. Em terceiro, o tijolo necessita ser colocado a seco, para aumentar
sua aderência. A argamassa deve ser composta por cimento, cal e areia em
proporção 1:1:8. A quantidade de areia varia segundo o pedreiro. É utilizado
um tijolo comum feito à mão, de 5x10x20 cm, comercialmente conhecido
como tijolo “cunha”. A espessura da cobertura é de 10 cm, ou seja, os tijolos
são assentados de canto e grudados de face.

A abóbada mais simples se constrói sobre quatro paredes retas horizontais


Classificação do assentamento dos tijolos
com planta quadrada. Inicia-se sobrecarregando o tijolo sobre os quatro
cantos com uma inclinação de 45 graus para manter-se dentro da zona dos
esforços de compressão. As fieiras curvas recostadas são as geratrizes da
superfície e as linhas perimetrais sobre as quais se apóia são suas
diretrizes. Tais fileiras curvas se assemelham a arcos, não do ponto de vista
estrutural, mas geométrico. Na realidade, contudo, o que formam não são
linhas curvas, pois o tijolo não o é, mas secções poligonais cujo lado é o
comprimento do tijolo, ou seja, 20 cm.

A relação entre a flecha da abóbada e o vão a ser coberto se define pela


posição dos pontos de inflexão, pois o tijolo é um material que trabalha
principalmente sob compressão. Ou seja, os pontos nos quais acontece a
mudança do fenômeno tencional (12) das compressões na parte superior –
área na qual deve se manter a abóbada – às trações da parte inferior.
Abóbada experimental na Cidade Universitária. Faculdade de
Arquitetura, México D.F. 2002. Curso teórico prático “Curvas
"Em outras palavras, pode se considerar que uma cúpula de de suspiro e barro”. Expositor A. R. Ponce. Artesão Ignacio
pouca altura se comporta como uma série de arcos Dorantes Espino
meridianos, elasticamente apoiados nos paralelos,
desenvolvendo tensões de compressão (em ambos)... E, ao
menos em teoria, é possível construí-la com materiais
incapazes de suportar tensões de tração, como alvenaria ou
tijolos" (13).

Ou seja, em abóbadas abatidas ou escarzanas, como é o caso da

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esmagadora maioria das construídas com esta técnica, não se apresentam


esforços de tração – seguindo a terminologia de Candela –, apenas
compressões. O que Salvadori afirma das cúpulas abatidas "em teoria",
podemos transpor para as abóbadas ou coberturas cupuloidais na prática.
Basta um anel perimetral de concreto para absorver os possíveis empuxes
laterais. Ou seja, podemos dizer que a seção das abóbadas pode ir além da
área das compressões, delimitada pelos pontos de inflexão. Tais pontos,
alguns especialistas localizam na interseção do arco com um ângulo entre
51 e 52 graus com a vertical.

A lógica construtiva da técnica agrega uma de suas principais


características: seu baixo custo. Ou seja, é uma técnica que permite
Normalmente o ângulo de inclinação no arranque é de 45
"delimitar e envolver o espaço" – nas palavras de Torroja – em forma graus. Ao avançar a construção, o ângulo se incrementa.
econômica. Os dados precisos variam segundo as regiões e as dimensões,
mas podemos dizer que na Cidade de México o custo atual das abóbadas
por m2 está entre 50 e 60% do custo de uma laje comum de concreto
armado em vãos pequenos. Em vãos de 5 metros ou mais a diferença de
custo se amplia, pois é sabido que lajes de tais dimensões necessitam de
elementos estruturais adicionais.

A razão econômica dá à técnica e ao tijolo sua vigência, sua atualidade e a


razão de sua desejada difusão. Temos que recordar que estamos falando
de uma invenção popular. Um sistema não inventado por nenhum
engenheiro ou arquiteto, não reconhecido pela academia e, portanto, não
ensinado na esmagadora maioria das escolas. A técnica permite dar uma
resposta atual ao eterno problema do fechamento superior de um espaço. Esquema de abóbadas sobre plantas quadradas, triangulares
Por isso afirmamos que o tijolo é um material milenar e moderno, pois a e trapezoidais, sobre arcos de meio ponto como diretrizes.
modernidade não é privilégio do novo, mas do vigente. Por outro lado, a
técnica permite cobrir, sem nenhum reforço adicional, superfícies aonde o
vão menor pode ser de até de 10 metros. Isto quer dizer que os espaços da
maioria dos gêneros arquitetônicos – em particular o habitacional – podem
ser construídos com esta técnica.

Conclusão preliminar

Como temos visto nesta incompleta e rápida narrativa, as possibilidades da


técnica construtiva de coberturas econômicas de tijolo "sobrecarregado" são
inumeráveis. E também muito variadas, porque são o resultado e o reflexo
da análise do espaço interior. A aparência em acordo com a essência.
Estes espaços ou "continentes" são, às vezes, tão diversos como diversas
são as atividades humanas. As coberturas não são pré-concepções formais
que são impostas sobre os espaços, mas, são conseqüências das
condições espaciais internas. É um sistema que condiciona o pensamento Igreja A Atlántida, Uruguay. Engenheiro Eladio Dieste
tridimensional, pois a altura é proporcional às dimensões em planta.

De nossa experiência, se deduz que, apesar da aparente complexidade,


esta técnica construtiva é suscetível de ser aprendida, tanto por pedreiros
como por autoconstrutores.

Isto fecha o círculo. Um conhecimento popular para ser utilizado por todos
aqueles necessitados de um teto econômico, útil, firme e belo.

Notas

1
Temos chamado assim a este grupo de coberturas de tijolo, por ser a “sobrecarga” sua
principal característica. Comumente são chamadas de abóbadas do Bajío, por ser esta a
região aonde se originaram espontaneamente, fruto do saber popular.

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A palavra tecnologia aparece no século XVIII (1765) e deriva do grego tékhne – "arte,
indústria, habilidade" – e de tekhnikós – "relativo a uma arte". E de logos – "argumento,
discussão, razão" – e logikós – "relativo à raciocínio" –, derivado de légo – "eu digo". Ou
seja, a tecnologia em sua etimologia – em sua palavra verdadeira – e em nossa definição é
o conjunto de conhecimentos, argumentos, razões em torno de uma arte, de um fazer
determinado, cujo objetivo é satisfazer às necessidades humanas. Daí que o termo "logía"
seja entendido também como ciência. Em outras palavras, a tecno-logía como substantivo
requer de um adjetivo que o precise e o qualifique. Se falo tecnologia arquitetônica, estarei
me referindo ao conjunto de conhecimentos em torno do fazer arquitetônico. Neste sentido,
cada disciplina do conhecimento tem "sua" tecnologia. E assim encontramos aqueles que
falam das tecnologias médica, educativa, química, biológica, entre muitas outras; em outras
palavras, se fala de conjuntos de conhecimentos acumulados por distintos fazeres. Para
abundar a tecnologia é o “conjunto de conhecimentos e procedimentos que servem para
produzir objetos e processos, sejam físicos ou sociais”, segundo a Red CYTED XIV C.;
citado em Transferencia tecnológica para el hábitat popular. Editora Trama. 2002, p. 11.
Também em consonância, é o conjunto de “conhecimentos, habilidades e procedimentos
para a fabricação, o uso e a execução de coisas úteis” (R. S. Merrill, 1968), citado em
STEWART, Frances. Tecnología y subdesarrollo. FCE, 1983.

3
Bonfil Batalla, o autor citado, entende por elementos culturais os recursos tanto os
materiais naturais e elaborados, como conhecimentos, experiências, tipos de organização,
entre outros.

4
BATALLA, Guillermo Bonfil. Pensar la cultura. Alianza Editorial, 1992, 2ª ed., p. 52.

5 Corte
Idem, ibidem, p. 53.

6
Idem, ibidem, p. 56.

7
Ver FATHY, Hassan. Arquitectura para los pobres. Editorial Extemporáneos. 1975, p. 277-
281. Nas chamadas abóbadas núbicas – da região da Núbia no sul do Egito – os tijolos de
barro não cozidos que a conformam se apóiam sobre um muro que se levanta a uma altura
maior do que a dos muros laterais de apoio do corpo da abóbada.

8
Como se o tijolo não tivesse 3 planos – comprido, largo e alto – mas apenas um, o de sua
face.

9 Vista de uma abóbada cuja base é de forma quadrada


Se recordamos que a palavra abóbada vem do latim volvita, que significa “dar volta”, “girar”,
e que as abóbadas, em nossa definição, têm por padrão geométrico o cilindro; então as
superfícies que se constroem com esta técnica de tijolo sobrecarregado, não são abóbadas
em sentido estrito, mas superfícies que se assemelham a uma esfera, ou seja, são
esferóides ou superfícies esferoidais.

10
Eladio Dieste (1917-2000), inovador engenheiro uruguaio, dizia que “resistir pelo peso não
é mais do que uma torpe acumulação da matéria; ao contrário, não temos nada mais nobre
e elegante do que resistir pela forma”. Em perfeita harmonia, outro genial construtor
Eduardo Torroja (1900-1961), engenheiro espanhol, apontava que “a melhor obra é a que
se sustenta por sua forma e não pela resistência oculta de seu material... [Sustentar-se
pela forma]... tem a fascinação da busca e a satisfação do descobrimento”.

11
DIESTE, Eladio.La estructura cerámica. Somosur, 1987, p. 31

12
TORROJA, Eduardo. Razón y ser de los tipos estructurales. Editorial Instituto E. Torroja,
1960, p. II-3. O segundo capítulo se intitula precisamente assim – "O fenômeno tencional" –
e diz: "O sólido se estreita ou se alarga proporcionalmente à tensão, ou seja, a tração e a
compressão por unidade de superfície". Félix Candela, outro genial construtor, prefere o
termo “esforço” à palavra tensão e diz: “Permita-nos não empregar como sinônimo de
tração o anglicismo “tensão”, usual no México, que se presta a confusões, já que sua
verdadeira acepção castelhana é a de esforço, tanto de tração como de compressão”.

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Colocação com a qual concordamos totalmente.

13
SALVADORI, Mario; SÉLLER, R. Structure in architecture (mal traduzido como Estructuras
para arquitetos). Edições A Isla, 1966, p. 330-331.

Do mesmo autor

PONCE, Alfonso Ramírez. Curvas de suspiro y barro. El ladrillo recargado:


una técnica milenar y moderna

PONCE, Alfonso Ramírez. Pensar e habitar

Casa na Ciudade de México. Arquiteto A. R. Ponce. Seções


poligonais formadas pelos tijolos que em fieiras se
assemelham a curvas

Superficies esferoidais. As “abóbadas do Bajío” se


assemelham a seções esféricas, mas não o são porque seus
perímetros são linhas retas

Clínica Hospital Popular. A Villa, México, D. F. Arquiteto A. R.


Ponce

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Clínica Hospital Popular. A Villa, México, D. F. Arquiteto A. R.


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