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Poema 1

Caminho pela escuridão das ruas


O tempo me esquece resoluto
Pertenço aos becos das noites estranguladas
A solidão me lacera como uma espada fatídica
Eu não mais posso ver aquilo que me desnuda
Meus sentidos abandonados na gaveta mais próxima
Para longe de meu longe que descreve linhas tortas
Já não sei mais quem sou onde e quando me perco
Palavras que de mim se distanciam a meio caminho do escuro
O vento esbofeteia minha face indiferente
Sinto frio em minha alma que sucumbe
Tão ausente nas coisas e no assombro do que digo
Jogado às traças como um objeto qualquer
Apodreço inanimado num cômodo vazio
Sem nome e sem memória neste instante que me arrebata.

Caminho pela escuridão das ruas


Os dias maceram a rotina de meus iguais
Amanhã todos estarão crucificados
Esquecidos nas sarjetas como se nada mais fossem
Em toda e qualquer voz que vem de dentro anterior ao que se diz
Neste rumo imprevisto que se ausenta como uma sombra.

Não me digam que a palavra tem idade


Que diz coisas que não deve por absoluta falta do que fazer
Estou cansado da subordinação degradante e sem mistério
Estou cansado de ser assim como tudo que sempre é
Caminho pela escuridão da escuridão da escuridão
Antes de meu nascimento e depois de minha morte
Abandonando a cidade definitivamente
Debaixo de qualquer sombra de qualquer árvore secular
Minha mente vazia e pronta para desconjugar minha existência
Em silêncio como algo que jamais esteve aqui.

Poema 2
Um jeito de qualquer jeito
Invade esta minha face sem normas
Os músculos contraídos
Como quem não ri ou não chora
Um jeito de coisa viva
No interior da palavra morta
Feminina e desnuda
A beijar a boca de um cadáver fresco
Há cinco minutos atrás
Conversávamos alegremente
Como se fosse possível modificar através de um advérbio
A angústia deste tal espírito atormentado
Como este jeito de morrer de qualquer jeito
Com água na boca em virtude daquele bife com cebolas
Que foi comido com os olhos sedentos de um lobo
Tombado agora no chão com um tiro certeiro no estômago.

Poema 3

Eu não devo
Fazer o que deve ser feito
Devo flexionar incorretamente
O verbo atingir ou o verbo atirar
Ou talvez abrir a boca do verbo comer
E mastigar o que resta deste tempo
Sem presente ou no passado quando o futuro não me basta
Comer em comer por desespero absoluto
Pelo fato de achar que o beijo frio daquela mulher me atormentava
Quando este prato é ainda mais meu e ninguém pode agora me dizer
O que quero ouvir neste gozo no sofrimento mais intenso
Nesta crueldade de quem bebe o sangue do porco abatido
E cospe no chão mais rubro do que o inferno.

Poema 4

Não quero + abrir a porta


E encontrar meu rosto senil
Assassinado como qualquer palavra imóvel
No frio da mais fria noite.
Não quero + fechar a porta
Nem muito menos chutar o vão da palavra vão
Para descer as escadas do abandono
Como um resto de comida num prato sujo.

Boneless Poems

1 There must be a way


Inside any dead word
Just like those who say whatever is unpredictable
As the sun goes down in whisper.

There must be a way


Inside the word inside
To crush the garlic inside the word kitchen
There must be a way
A way inside the word way
A way inside the word inside
As the sun goes down inside the word pain.

2 So much time wasted/


Somewhere beyond life and death/
You shall find no place/
To lie low for a while/
Since you´re a prisioner of those words/
Which always come down hard upon you/
There´s no escape whatsoever/
But painful nightmares which do ignore/
Your dreadful nights inside the word bitter.

3 There´s nothing around me/


But silence and despondency as I breathe in and out/
To be no one like an invisible river that flows into the ocean/
Which is now dragging my soul to the beyond.

There´s nothing around me/


But the loss of the loss inside the word loss/
As I do not seek for the impossible empty-handed/
As I do not seek for the words to describe the unsayable.

4 I go to that damn place every once in while


To find out what lies behind the word frequency
I may now use any adverb since those bread crumbs seem so
unfriendly
Taken that all the city pigeons are about to pig out in that square.

I go to that damn place every once in a while


To find out what lies behind the word place
It seems so easy to realize there´s absolutely no place
Since time and space are as degrading as the universe.

Poema torto

Como com a boca


Amo com os pés
A mulher do próximo
Como uma mensalidade atrasada
Com ou sem desconto
Pagando até o dia 5
Com perdas e danos
E no mais existo
Como qualquer escova de cabelo
Jogada no chão-chão
No afã da festa
Como quem vai
E quem vai vai a algum lugar
Por qualquer motivo
Ou sem motivo algum
Portanto
Nem tanto por isso
Eu passo e não aponto
Para nada
Quando estou a roer unhas
Ou a coçar o nariz
Achatado e deformado
Por um soco certeiro
Num dia chuvoso
No qual aprendi
A andar de lado
E a olhar para cima
Para tropeçar muitas vezes
No adjetivo absorto
Em meu dicionário
Repleto de palavras hesitantes
Como algo que pode ou não existir
Levitando no interior do interior
Do escuro e no escuro e com o escuro
Por qualquer
Em qualquer
Sem motivo algum.

Agramaticais

1 Sem maçã só tem dois fios em cabelos


Vermelhos e domesticados
Como dois cães de pênis sujos.

Sem maçã pode ser comido


Sem a boca e sem os pés
Com apenas um lado do peito
Como quem comprime o acaso.

2 Sobe a escada ontem


Para sentir que o amanhã existe sem verdade
Abriu a janela para ver
Que o sol nascerá em pretérito imperfeito.

Tanta angústia só serve para nada


E o nada tira o s de quem passa
A ter as pernas com jeito de torta
Para ser consumido como a noite
Num dia de azar extremo.
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3 Tudo perde a força de paroxítona


E passa tudo que tem para o do da última sílaba.

Vamos dizer que o dô ganha merecidamente o


circunflexo
E passa a ser nome de cachorro ou de gente que não quer nada com a
vida.
Tudô gostava de passear de manhã
Era um belo cão e defecava e urinava
E urinava e defecava
Sempre no lugar certo.

Tudô era um homem que tinha dentes caninos


Era feio e gordo e feia e gorda e meio homem e
meia mulher e meio cão ou meia cadela.

Tudô era como o cão que não era o que era e


que nem poderia existir.

Tudô: um tanto de dentes sem boca rangendo no


escuro.

Conto Incolor.

Acordou mais pálido do que nunca. Estava bem


dentro ou aprisionado no interior da palavra tédio.
O tempo estava ainda mais melancólico do que
a palavra chuva. A chuva estava ainda mais melancólica do que a
palavra tempo.
Acordou e foi procurar a vida no armário.
Ele sempre gostou da palavra armário. Ele
sempre gostou das paroxítonas.
Ele pegou o tal revólver e deu 1 tiro no pé
direito pq achou que o tal pé direito estava meio inchado.
Ele continuou a retirar a tal roupa preferida do
armário. Era um paletó antigo q seu pai havia usado.
Ele ganhou aquele tal paletó q completou
dezoito anos. Ele ganhou aquele tal paletó q perdeu o olho esquerdo
aos dezoito anos. Ele ganhou aquele tal paletó q perdeu parte do
couro cabeludo aos dezoito anos.
O seu pé sangrava muito. Os seus dedos
estavam completamente esmagados pelo tiro de 45.
Ele continuava a fazer o que tinha q ser feito.
Ele pôde então se vestir e sabe-se que teve
certa dificuldade com a meia e com o sapato no que tange ou no que
se refere ao tal pé direito massacrado ou dilacerado ou desfigurado
pelo tal tiro de 45.
O tal tiro de 45 foi tomar o tal café. Eles
estavam sentados à mesa quando o tal revólver disparou sem + nem
menos na direção de seu peito.
Ele naturalmente sentiu a tal dor que tem que
ser sentida e ponto final ou qualquer coisa do tipo.
Ele manteve-se calmo e continuou a
bebericar o tal o café. Ele continuou a bebericar o tal café no interior
da palavra tiro.
Ele agora estava a comer o interior da
palavra pão. Ele agora estava a comer o interior da palavra manteiga.
Ele agora estava a mastigar o interior da
palavra mortadela. Ele cortou a palavra mortadela em fatias. Ele
metamorfoseado em fatia de qualquer coisa podre. Ele gostava de
pronunciar lentamente a palavra podre. Ele achava o tal som da
palavra podre lúgubre e relaxante.
Ele foi tirando de sua vida o excesso de
banha ou de tecido adiposo e foi assim que a coisa aconteceu. Ele foi
jogando fora tudo que não prestava na sua vida decadente e foi assim
que a coisa aconteceu.
Ele deu mais um tiro no outro pé. Ele
manteve-se ou segurou firme e não deu um gemido sequer. Ele
observou novamente o tal revólver preto e agora mais gigantesco do
que nunca. Ele resistiu ou segurou firme em qualquer coisa qualquer.
O café estava quente e parecia que
realmente queria queimar a sua garganta já queimada ou inflamada.
Ele notou que a mesa estava manchada de
sangue. Ele gostava desta tal mistura de sangue com geléia de
morango tipo exportação. Ele gostava de lamber a palavra geléia. Ele
gostava de beijar a boca daquela tal palavra geléia. Sua língua
sedenta sempre estava a procurar os mistérios da palavra geléia.
Ele notou que estava praticamente sem os
pés. Ele quis pisar no chão sem chão. Ele perdeu o chão e agora não
conseguia mais pensar devido ao fato de que não havia mais nada a
fazer ou devido ao fato de que sua mente havia se esvaziado ou
devido ao fato de que seu corpo não mais respondia a comando
algum.

Ele não deu um suspiro antes de ir embora para


sempre. Ele gostava de suspirar sem motivo aparente. Ele gostava
desta tal palavra aparente. Ele gostava do substantivo espelho. Ele
gostava de se olhar e de não se ver no interior da palavra espelho. Ele
gostava de ruminar a sua náusea no interior da palavra espelho.

Sabe-se que ele se foi mais pálido do que nunca.


Estava bem dentro ou aprisionado no interior de qualquer palavra
maldita.

Poema Proscrito

Sei pouco/
Quando não mais procuro/
Ao chegar ao lugar algum/
Para apagar as velas/
Num corredor sem fim/
Em minha mente/
Que nada mais faz/
Vazia e quieta como qualquer saco de batatas/
No canto do canto da palavra canto/
Aquecida ou resfriada como quem jamais sabe quem é/
É melhor nascer morto para não ser jamais notado/
Há mais força nas sombras que cospem este sol/
Causticante e insípido como quem jamais sabe/
Enfiar a cabeça no poço
No poço de um poço sem fundo.
Poema Qualquer

Estar de costas
E não ver jamais
O que as estrelas
Dizem no branco
Que brilha ao cegar
A vastidão de teus olhos
Que não procuram a caça
Como os animais famintos
Que podem a qualquer momento
Dilacerar a mornidão deste instante
Ao tingir de vermelho
A inércia de tua alma rasteira.

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