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FLC0485
LITERATURA INFANTIL E JUVENIL: LINGUAGENS DO
IMAGINÁRIO I
Há algumas passagens do livro que remetem problemas das ciências exatas, como física e
química. Isso não é grande surpresa para aqueles que conhecem um pouco do autor. Professor das
faculdades mais respeitadas do mundo, Lewis estava mergulhado no mundo da ciência. Somado a
isso, tem-se alguém extremamente curioso que consegue desenvolver ótimos trabalhos mesmo fora
de sua área de atuação – é certo que pouquíssimas pessoas conseguiriam desenvolver tantos jogos
de palavras.
Não menos admirável, Carroll conseguiu trazer para o grande público questões que antes
ficavam apenas nas universidades e que não eram de interesse comum. Física e Matemática
ensinadas de uma forma suave; Lógica, que para muitos adultos é um grande desafio, sendo
trabalhada com poesia e textos.
Carroll aproveita seu amor pela fotografia e as reações químicas nas chapas de fotografia
para criar o misterioso gato de Cheshire. Para muitos – até mesmo para o autor deste trabalho- é
desconhecido que a fotografia, ao ser revelada, passa por um banho de nitrato de prata, o que faz a
figura “grudar” no papel. Outra
questão química é a do Chapeleiro
Maluco. Naquela época, utilizava-se
tal substância para moldar os
chapéus. Porém, quando esse
produto entra em contato com a
corrente sangüínea, chegará ao
cérebro e afetará as conexões
sinápticas, provocando alucinações
fortes.
A física entra quando Alice cai no
buraco, logo no começo de seu livro.
Naquela época, especulava-se muito
sobre o que aconteceria com alguém
que caiasse em um buraco que atravessasse toda a Terra. Galileu explica que se uma pessoa caísse
em um buraco em direção ao centro da terra, sua velocidade seria crescente, mas com aceleração
decrescente até chegar ao centro da terra. A partir deste ponto teria sua velocidade reduzida, com
aceleração crescente até alcançar a abertura do outro extremo. Em seguida, cairia novamente e
permaneceria nesse movimento eternamente, como um pêndulo.
Ainda no mesmo campo, as questões de Newton e a Física Mecânica e a relatividade dos
corpos é apresentada. Alice, enquanto cai, retira da prateleira um frasco. Porém todos sabem que
isso é praticamente impossível, mas nossa heroína o faz da forma mais calma do mundo. E, depois
de investigar o tal objeto, devolve-o no mesmo local.
Na parte de matemática, Alice utiliza tal recurso, mas em alguns momentos
equivocadamente. Quando a menina começa a fazer multiplicações, em uma determinada parte do
livro, se confunde. Para ela, quatro vezes cinco era doze, e não vinte.
Observa-se na obra elementos da biologia evolutiva. A teoria foi criada por Charles Darwin
em meados do século XIX, e era contemporâneo de Lewis. Sua pesquisa consistiu, entre outras
coisas, uma viagem por vários locais e a observação das espécies. O mesmo ocorre com Alice. A
personagem está, desde o primeiro momento do livro em contato com a natureza, uma vez que a
menina adormece sentada embaixo de uma árvore. No novo país em que se encontra, ela está
cercada de animais “estranhos”, e os descreve com ricos detalhes, o que ocorre também com os
locais em que visita.
O campo da Lógica e Metafísica também é trabalhado pelo livro. A questão do tempo
sempre se faz presente. O coelho está sempre apressado para chegar a tempo, e seu relógio é
estranho, pois marca os dias ao invés das horas. Na corrida dos Caucus, todos correm para a direção
que querem e param quando querem. Para o leitor que está no mundo comum isso é absurdo. Mas
para os habitantes do País das Maravilhas não. Isso porque os valores que empregamos para as
nossas corridas não são os mesmo que para o país criado por Lewis. Podemos fazer uma analogia
com as línguas faladas no mundo: as ordens sintáticas do japonês são estranhas comparadas com a
nossa ordem sintática, mas os falantes daquela língua não acham a sua gramática confusa.
Alice, além de retratar a ciência, retrata a sociedade inglesa da época. Como professor,
Carroll certamente possuía um contato forte com um grande número de pessoas todos os dias.
Dentro da universidade que trabalhava, as críticas sociais e a observação do que estava acontecendo
no mundo fazia parte das conversas nos chás.
O começo do livro já é uma
critica enorme a sociedade inglesa
vitoriana em meados do século XIX. O
coelho que corre para não chegar
atrasado. E assim que estava o homem
em toda a Europa. As indústrias
crescendo cada vez mais, as cidades se
formando e a grande massa de
trabalhadores indo aos seus empregos. A
vida regrada, o relógio contra o
trabalhador: são elementos que estão
embutidos na personalidade do coelho
que instiga Alice a entrar na toca.
Depois da queda, de aumentar de
tamanho, chorar, diminuir de tamanho e
nadar no mar de suas próprias lágrimas,
a menina vê uma assembléia de animais
exóticos. Os mesmos trabalhadores
sofridos começam a entrar em contato com as obras de Marx e começam a montar os primeiros
grupos de operários para reivindicar pela melhoria nas condições do trabalho.
A rigidez imposta pela Monarquia é retratada pelas peças de xadrez e pela Rainha. Sua
histeria e prepotência não se encontram na obra por mero acaso. A ordem de cortar a cabeça por
qualquer desrespeito as regras pode indicar a severidade que havia na época. O mesmo tema pode
ser interpretado no chá que Alice participa com a Lebre e o Chapeleiro. O famoso chá das cinco
representa a pontualidade inglesa aos compromissos e, certamente, com a vida.
Em contra partida, entre as classes mais altas, o uso do ópio era comum. Oscar Wilde mostra
isso no livro Dorian Gray, quando a personagem principal imerge no submundo inglês. Em Carroll,
uma possível mostra deste lado é a Lagarta e seu cachimbo. Nota-se que na adaptação da Disney, a
Lagarta solta anéis de fumaça coloridos, um dos efeitos do ópio na visão.
Na época em que o livro foi publicado, a figura d criança era venerada. As crianças eram
consideradas puras, verdadeiros anjos. Porém eram muito inocentes em termos de sociedade, não
podiam se misturar ao mundo adulto. E parece que para Lewis Carroll esse paradigma era quebrado.
Ele insere uma criança em um mundo completamente adulto, numa posição de independência para
realizar escolhas e enfrentar as ordens da Rainha.
Essas escolhas, para alguns autores, parece ser o medo do autor em relação ao crescimento
de sua amada. Pelos registros deixados em seus diários, ele não queria que a jovem menina perdesse
suas características puras. Por volta dos dez anos, as meninas começavam a aprender coisas do
mundo adulto e a se tornarem boas esposas. E isso remeteria a perda da infância em Alice.
Conclusão
Na análise da obra, verifica-se que há inúmeros fatores extra-textuais que contribuem para a
criação de um novo mundo, um mundo no qual Alice estaria protegida e aprenderia. E tais fatores
tornariam a obra muito mais do que u simples livro para crianças.
Carroll as tratava como indivíduos especiais, que deveriam estar preparadas para o mundo
real. Talvez esse legado não fosse para todas as crianças. Talvez ele fosse apenas para jovem
inspiração do autor. Mas por que ele teria tanta preocupação?
Como um simples conto narrado em um passeio de barco se torna uma das histórias com o
maior número de traduções? As riquezas de detalhes, um trabalho coeso, complexo construído em
tão pouco tempo. Infelizmente apenas as especulações podem responder a essas perguntas, já que
nenhuma evidência concreta existe. Assim, até mesmo o maior pesquisador do assunto entrará no
mundo onírico do País das Maravilhas. Um mundo onde as leis não seguem aquelas que vivemos
aqui na Terra.
Bibliografia
CARROLL, Lewis. Alice: edição comentada. Tradução de Maria Luiza X. De A. Borges. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002
CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice: no país das maravilhas; Através do espelho e o que
Alice encontrou lá e outros textos. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. Summus Editorial.