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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

FLC0485
LITERATURA INFANTIL E JUVENIL: LINGUAGENS DO
IMAGINÁRIO I

Alice no País das Maravilhas e Alice


Através do Espelho: Uma Visão do
Contexto Histórico

Rogerio Menale Sampaio


Nº USP 5929908
Profa. Dra. Maria Zilda da Cunha

SÃO PAULO, MAIO 2008


Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho: Uma Visão
do Contexto Histórico
Escritas durante o reinado da Rainha Vitória, Alice no País das Maravilhas e Alice
Através do Espelho são, certamente, as obras de literatura infantil mais difundidas na cultural
Ocidental. Essa fama não se dá exclusivamente graças aos livros, mas também às diversas versões
cinematográficas, sendo a mais famosa um longa-metragem animado lançado pela Disney em 1951.
Mas a grandeza da obra se dá por si própria, graças ao grande escritor Lewis Carroll. Assim, antes
de embarcarmos na história, devemos conhecer seu criador.
Porém, antes disso, deve-se advertir que devido à grande extensão de itens a serem
analisados e o breve tempo da apresentação oral, esse trabalho aprofunda-se mais na primeira obra
do autor. Porém muitos elementos aparecem nas duas obras de forma igual. Assim muitas
considerações realizadas aqui são aplicáveis em Alice Através do Espelho.

Lewis Carroll: Contexto Biográfico

Nascido em 1832, apresenta-se como o grande nome do


realismo maravilhoso na literatura, vivendo na mesma época que Júlio
Verne, outro autor de peso na literatura fantástica. Charles Carroll
Dodgson – seu verdadeiro nome- era filho de um pastor anglicano.
Tentou ingressar na vida religiosa, porém devido a “tormentos
interiores”, desistiu e iniciou sua carreira acadêmica em Christ
Church College, de Oxford, como um brilhante professor de
matemática. Sua vida, de acordo com o que se conhece de Carroll
sempre foi pacata e marcada pelo amor às crianças.
Desde pequeno, escrevia breves contos, sendo sua primeira Lewis Carroll
publicação em um jornal escolar aos treze anos de idade. Porém a decisão de dedicação exclusiva as
histórias deu-se no ano de 1855, onde Lewis passa a escrever poemas humorísticos e contos para a
revista Comics Times. Outro grande amor de Lewis é a fotografia, que surgiu próximo ao que
conhecemos no ano de 1826. Assim explica-se o grande número de fotos de suas pequenas amigas
encontradas nos arquivos pessoais do autor.
Como dito anteriormente, Carroll “adorava por crianças, exceto meninos” (Parisot, 1952).
Possuía duas grandes amigas: Alice Liddell e suas irmãs Lorina e Edith; filhas do Deão do Christ
Church College. Todas eram pequenas na época em que o outro criou o vínculo de amizade – Alice
tinha dez anos de idade quando se tornou heroína da história de Carroll. Pode-se afirmar
categoricamente que título de sua narrativa fantástica mostra a preferência pela amiga mais velha
A primeira aventura de Alice – Alice no País das Maravilhas – foi uma obra primeiramente
narrada pelo autor em um passeio em que ele se encontrava na companhia de suas amigas pelo rio
Tâmisa. A obras foi escrita a pedido de sua pequenina amiga. Os primeiros manuscritos receberam o
nome de Alice Underground (Alice por baixo da terra) e não apresentava a riqueza de detalhes que
conhecemos agora. Muitos estudiosos comentam que o livro não tinha a intenção de ser lançado, e
sim ser um mero registro do maravilhoso passeio que tiveram e que seria dado a Alice. As
ilustrações foram feitas por John Tenniel.
Em seguida, Carroll lança Alice Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá. Porém a
Alice inspiradora não é mais a Liddell, e sim outra menina com o mesmo nome e que brincava no
jardim de sua casa. Em 1872 Lewis escreve The Hunting Of Snark, descrito pelo próprio autor
como “delírio em oito episódios ou crises”. Em 1877, na praia de Eastbourne, conhece outro grupo
de amigas e passa a escrever textos e jogos de linguagem ou de lógica formal. Em 1879 publica-os
sob o nome de Euclides and His Modern Rivals. Sua paixão por fotografia é comprovada com
trabalhos voltados ao nú feminino infantil. Falece em janeiro de 1898.

Alice contra o período vitoriano

Os livros de Lewis Carroll, bem como as adaptações dele, são


repletos de elementos mágicos e fantasiosos, tornando-se assim
importantes ícones na corrente non-sense vitoriano. Muitos
historiadores remetem a esse período um grande excesso de
racionalismo. Como também já foi exposto, Lewis era um
professor de matemática em uma das mais renomadas
universidades britânicas. Assim, a racionalidade se faz presente
em sua vida e modo de pensar.
O livro apresenta uma representatividade das leis e valores
absolutos que estão integrados na vida da sociedade naquela
época. Uma sociedade moldada, conservadora. Alguns
momentos, a desconectividade entre essas leis – animais que falam, a contestação da gravidade- soa
como uma crítica (um bom exemplo é a troca feita pela lebre dos nomes das matérias que cursava
na escola). Outro fator importante nesse ponto é que Carroll, durante toda a história, recorreu a
invenção de uma linguagem própria para o livro, algo que permaneceria e fizesse sentido pleno
apenas dentro daquele contexto.
Junto com a história da inocente garota que cai em um
buraco, o autor introduz uma séria de expressões idiomáticas, que
fora de contesto não fazem sentido algum; canções de ninar
tradicionais da época; elementos folclóricos (o gato de Cheshire,
na verdade é a estátua de um cachorro típico da cidade de mesmo
nome, porém ele não vive sorrindo como a personagem de
Carroll).
Outra coisa bastante notória na história é a questão do
tamanho. Alice sempre está encolhendo e diminuindo. E por quê?
Algumas linhas interpretativas acreditam que isso é reflexo da mente do autor: ele tão grande e ela
tão pequena. A relação entre as duas grandezas físicas é como a de Carroll e sua pequena amiga:
instável.
A matemática e a física se fazem presentes por toda a obra. Em Alice no país das maravilhas,
o aparecimento e sumiço de Cheshire certamente vêm do banho de nitrato de prata que é dado nos
filmes fotográficos. Vale relembrar que Lewis foi um apaixonado por fotografia, e possivelmente
um dos maiores fotógrafos de nú infantil de todas as épocas.
O jogo de espelhos em Alice Através do Espelho remete a questão da óptica tratada na física
clássica. A linguagem modificada poderia remeter às matérias de ensino de línguas. Ou seja, os
livros de Alice são verdadeiros guias de estudo, ou ao menos uma ferramenta que ajuda as crianças
a quererem aprender.

Alice comenta a ciência

Há algumas passagens do livro que remetem problemas das ciências exatas, como física e
química. Isso não é grande surpresa para aqueles que conhecem um pouco do autor. Professor das
faculdades mais respeitadas do mundo, Lewis estava mergulhado no mundo da ciência. Somado a
isso, tem-se alguém extremamente curioso que consegue desenvolver ótimos trabalhos mesmo fora
de sua área de atuação – é certo que pouquíssimas pessoas conseguiriam desenvolver tantos jogos
de palavras.
Não menos admirável, Carroll conseguiu trazer para o grande público questões que antes
ficavam apenas nas universidades e que não eram de interesse comum. Física e Matemática
ensinadas de uma forma suave; Lógica, que para muitos adultos é um grande desafio, sendo
trabalhada com poesia e textos.
Carroll aproveita seu amor pela fotografia e as reações químicas nas chapas de fotografia
para criar o misterioso gato de Cheshire. Para muitos – até mesmo para o autor deste trabalho- é
desconhecido que a fotografia, ao ser revelada, passa por um banho de nitrato de prata, o que faz a
figura “grudar” no papel. Outra
questão química é a do Chapeleiro
Maluco. Naquela época, utilizava-se
tal substância para moldar os
chapéus. Porém, quando esse
produto entra em contato com a
corrente sangüínea, chegará ao
cérebro e afetará as conexões
sinápticas, provocando alucinações
fortes.
A física entra quando Alice cai no
buraco, logo no começo de seu livro.
Naquela época, especulava-se muito
sobre o que aconteceria com alguém
que caiasse em um buraco que atravessasse toda a Terra. Galileu explica que se uma pessoa caísse
em um buraco em direção ao centro da terra, sua velocidade seria crescente, mas com aceleração
decrescente até chegar ao centro da terra. A partir deste ponto teria sua velocidade reduzida, com
aceleração crescente até alcançar a abertura do outro extremo. Em seguida, cairia novamente e
permaneceria nesse movimento eternamente, como um pêndulo.
Ainda no mesmo campo, as questões de Newton e a Física Mecânica e a relatividade dos
corpos é apresentada. Alice, enquanto cai, retira da prateleira um frasco. Porém todos sabem que
isso é praticamente impossível, mas nossa heroína o faz da forma mais calma do mundo. E, depois
de investigar o tal objeto, devolve-o no mesmo local.
Na parte de matemática, Alice utiliza tal recurso, mas em alguns momentos
equivocadamente. Quando a menina começa a fazer multiplicações, em uma determinada parte do
livro, se confunde. Para ela, quatro vezes cinco era doze, e não vinte.
Observa-se na obra elementos da biologia evolutiva. A teoria foi criada por Charles Darwin
em meados do século XIX, e era contemporâneo de Lewis. Sua pesquisa consistiu, entre outras
coisas, uma viagem por vários locais e a observação das espécies. O mesmo ocorre com Alice. A
personagem está, desde o primeiro momento do livro em contato com a natureza, uma vez que a
menina adormece sentada embaixo de uma árvore. No novo país em que se encontra, ela está
cercada de animais “estranhos”, e os descreve com ricos detalhes, o que ocorre também com os
locais em que visita.
O campo da Lógica e Metafísica também é trabalhado pelo livro. A questão do tempo
sempre se faz presente. O coelho está sempre apressado para chegar a tempo, e seu relógio é
estranho, pois marca os dias ao invés das horas. Na corrida dos Caucus, todos correm para a direção
que querem e param quando querem. Para o leitor que está no mundo comum isso é absurdo. Mas
para os habitantes do País das Maravilhas não. Isso porque os valores que empregamos para as
nossas corridas não são os mesmo que para o país criado por Lewis. Podemos fazer uma analogia
com as línguas faladas no mundo: as ordens sintáticas do japonês são estranhas comparadas com a
nossa ordem sintática, mas os falantes daquela língua não acham a sua gramática confusa.

Alice critica a sociedade

Alice, além de retratar a ciência, retrata a sociedade inglesa da época. Como professor,
Carroll certamente possuía um contato forte com um grande número de pessoas todos os dias.
Dentro da universidade que trabalhava, as críticas sociais e a observação do que estava acontecendo
no mundo fazia parte das conversas nos chás.
O começo do livro já é uma
critica enorme a sociedade inglesa
vitoriana em meados do século XIX. O
coelho que corre para não chegar
atrasado. E assim que estava o homem
em toda a Europa. As indústrias
crescendo cada vez mais, as cidades se
formando e a grande massa de
trabalhadores indo aos seus empregos. A
vida regrada, o relógio contra o
trabalhador: são elementos que estão
embutidos na personalidade do coelho
que instiga Alice a entrar na toca.
Depois da queda, de aumentar de
tamanho, chorar, diminuir de tamanho e
nadar no mar de suas próprias lágrimas,
a menina vê uma assembléia de animais
exóticos. Os mesmos trabalhadores
sofridos começam a entrar em contato com as obras de Marx e começam a montar os primeiros
grupos de operários para reivindicar pela melhoria nas condições do trabalho.
A rigidez imposta pela Monarquia é retratada pelas peças de xadrez e pela Rainha. Sua
histeria e prepotência não se encontram na obra por mero acaso. A ordem de cortar a cabeça por
qualquer desrespeito as regras pode indicar a severidade que havia na época. O mesmo tema pode
ser interpretado no chá que Alice participa com a Lebre e o Chapeleiro. O famoso chá das cinco
representa a pontualidade inglesa aos compromissos e, certamente, com a vida.
Em contra partida, entre as classes mais altas, o uso do ópio era comum. Oscar Wilde mostra
isso no livro Dorian Gray, quando a personagem principal imerge no submundo inglês. Em Carroll,
uma possível mostra deste lado é a Lagarta e seu cachimbo. Nota-se que na adaptação da Disney, a
Lagarta solta anéis de fumaça coloridos, um dos efeitos do ópio na visão.
Na época em que o livro foi publicado, a figura d criança era venerada. As crianças eram
consideradas puras, verdadeiros anjos. Porém eram muito inocentes em termos de sociedade, não
podiam se misturar ao mundo adulto. E parece que para Lewis Carroll esse paradigma era quebrado.
Ele insere uma criança em um mundo completamente adulto, numa posição de independência para
realizar escolhas e enfrentar as ordens da Rainha.
Essas escolhas, para alguns autores, parece ser o medo do autor em relação ao crescimento
de sua amada. Pelos registros deixados em seus diários, ele não queria que a jovem menina perdesse
suas características puras. Por volta dos dez anos, as meninas começavam a aprender coisas do
mundo adulto e a se tornarem boas esposas. E isso remeteria a perda da infância em Alice.
Conclusão
Na análise da obra, verifica-se que há inúmeros fatores extra-textuais que contribuem para a
criação de um novo mundo, um mundo no qual Alice estaria protegida e aprenderia. E tais fatores
tornariam a obra muito mais do que u simples livro para crianças.
Carroll as tratava como indivíduos especiais, que deveriam estar preparadas para o mundo
real. Talvez esse legado não fosse para todas as crianças. Talvez ele fosse apenas para jovem
inspiração do autor. Mas por que ele teria tanta preocupação?
Como um simples conto narrado em um passeio de barco se torna uma das histórias com o
maior número de traduções? As riquezas de detalhes, um trabalho coeso, complexo construído em
tão pouco tempo. Infelizmente apenas as especulações podem responder a essas perguntas, já que
nenhuma evidência concreta existe. Assim, até mesmo o maior pesquisador do assunto entrará no
mundo onírico do País das Maravilhas. Um mundo onde as leis não seguem aquelas que vivemos
aqui na Terra.
Bibliografia

COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil-juvenil: das origens


indoeuropéias ao Brasil contemporâneo. 3 ed. Refundida e ampl. São Paulo: Quíron, 1985.

CARROLL, Lewis. Alice: edição comentada. Tradução de Maria Luiza X. De A. Borges. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002

CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice: no país das maravilhas; Através do espelho e o que
Alice encontrou lá e outros textos. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. Summus Editorial.

DELGADO, José María Sanchez. Matemáticas em el País de las Maravillas.

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