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JANELA PARA © MUNDO representacées do p. © cireuito de cinema PP 186-187: CINE OPERA, ANOS 40, INAUGURADO EM! 1835, RUA D, JOSE DE BARROS, 505. Sio Paulo, 16 de outubro de 1992, Sexta-feira 4 noite, avenida Paulista, Museu de Arte de Sio Paulo (Masp). Aos poucos, mui- tas pessoas chegam ao museu e descem para 0 subsolo, onde fica © auditério. Todas bem vestidas; alguns homens de cabelos com- pridos presos por rabo-de-cavalo; mulheres com sapatos de salto Plataforma, como manda a ultima moda. A maioria parece estar na faixa entre vinte e quarenta anos. Chegam aos pares, em Pequenos grupos ou mesmo sozinhas. Conversam com conheci- dos logo na entrada, antes de descer para o coquetel, formando rodas perto da escadaria. As equipes de reportagem de televisio se aproximam: MTV, Tva, Manchete. A décima sexta Mostra Inter- nacional de Cinema de Sao Paulo vai comecar. A inauguragio Para poucos: apenas os convidados € aqueles que compraram a permanente do evento, Nao é aberta ao publico e privilegia perso- nagens da cidade; artistas plasticos, atores, diretores de cinema jornalistas. Essas e outras pessoas — algumas com rostos conheci- dos das colunas sociais, outras desconhecidas, muito elegantes, mesmo que fagam estilo com jeans estrategicamente rasgados — chegam ao vio livre do Masp, falam para as cmeras de TV ou for- mam pequenas rodas. Depois de alguns minutos, descem a esca~ daria. No subsolo, 4 porta, os Segurancas controlam a entrada, recolhem os convites e verificam as permanentes. Do lado de dentro, mas ainda fora do auditério, as pessoas se apertam, evitando ou procurando as luzes que acompanham as entrevistas realizadas pelas redes de televisio. O espaco é peque- no € a exibi¢io do filme inaugural jé esta atrasada — como é de Praxe. Aos poucos, invade-se o auditério; as pessoas ocupam pri- meiro as cadeiras, depois as laterais, 0 fundo, o chao. Lotado. A mostra é sempre inaugurada ali, onde tudo comegou em 1977. ° Depois da sala cheia, algumas apresentagies antes do filme: per- sonalidades paulistanas do meio cultural. Por tiltimo, o realizador da mostra, Leon Cakoff, faz questéio de chamar ao palco pessoas que.acompanham o evento desde 0 inicio e outras que trabalham com ele ¢ informa sobre os atores e diretores que virio a So Paulo. Sam West, ator do filme que vem a seguir, esta na platéia e também é chamado. De smoking, parece lembrar a todos como os festivais de cinema do Primeiro Mundo costumam ser, com 0 piiblico e os organizadores vestidos de forma mais sofisticada do que aqui. Finalmente, com mais de uma hora de atraso, o filme comeca: Retorno a Howard’s End, do diretor inglés James Ivory, ja conhe- cido do piblico paulistano por filmes como Uma Janela para 0 Amor ¢ Maurice. A platéia assiste a0 filme em siléncio absoluto, como se espera de espectadores educados e amantes da arte ~no caso, 0 cinema. Apés a projeco, o piiblico aplaude o filme 0 ator que estd presente, Sam West, agradece. ‘Teoricamente, a sessio esta encerrada, mas ainda se estende . Algumas pessoas se preparam para sair e se des- pedem dos conhecidos encontrados por acaso ou daqueles jé esperados, freqiientadores assiduos da mostra. Outros conver sam, formando novamente pequenas rodas, como antes da ses~ sic. Comentam os filmes que serio exibidos, planejam quais pretendem ver durante o evento, fazem alusdes a mostras anterio- res ¢ parabenizam Cakoff, que, mais uma vez, “superou todas as dificuldades e conseguiu realizar o seu sonho”. Todos 0s anos, 0 realizadot do evento declara aos meios de comunicagéo que “ele pode ser cancelado” por falta de patrocinio, apoio, financiamen- to etc, No entanto, ha dezoito anos, a partir de meados de outu- bro, 0 circuito de cinema paulistano fica impregnado daquela que hoje é chamada de 4 Mostra. ‘Mas como isso comegou? Por que a cidade comporta esse evento? So Paulo oferece a seus habitantes varias possibilidades de lazer, Em relagao a0 mercado exibidor de cinema, pode ser considerada privilegiada, mesmo se comparada a cidades do Primeito Mundo. A mostra é um dos fatores que influenciaram a ‘composiggo desse mercado, juntamente com elementos histéri- cos que podem ser encontrados desde os anos 40. Este texto pre~ tende tragar um pequeno panorama histérico para tentar com- preender 0 desenvolvimento do mercado do cinema e dos com- Portamentos ligados a ele, como a valoragio simbélica que as salas exibidoras adquirem para os espectadores. A andlise baseia~ se em entrevistas feitas com o piblico de cinema em geral!, além de observacio participante e material da imprensa. Uma RETROSPECTVA Nos anos 40 ¢ 50, o cinema parece ter vivido sua idade de ouro. Os meios de comunicagio ¢ a imprensa comentam que, nessa época, se tratava de um negécio muito lucrativo, que atraia milhares de pessoas as sessdes, em salas imensas que estavam sempre lotadas*, Em Sao Paulo, como pude perceber pelas entre- vistas com espectadores, 0 cinema era considerado uma “grande diversio”. Os entrevistados lembram que esse era 0 passeio mais comum, na vida cotidiana, excetuando-se festas, casamentos bailes de Carnaval — 0 que tinha toda semana era o cinema. 1, O material usato aqui foi recothido em pesquisa de campo para minke dssertao de ‘ums compenigfo entre as stuages do mercado ¢ do publica de 10 © 50.com o momento atual. O pres tes de te cinglenta e setenta anos, que comentam a ‘experineia ¢ 9 habito do cinems na época em que eram jovens, tragando um perl da cidade a partir das stlas de cinema e do lazet, Por outro, hd também jovens f= ‘Gdentadores de cinema hoje, alguns cinéfiloe,e um pesquiss de campo feta nas salas de cinema ¢ durante a Mostra Internacional de Cineme. 2, Dados sobre a diminaigto do publico a partir dos anos 60 costumam ser wsedos para provar que a melhor fase do cinema teria sido nos anos 50, Por esta tabele, pode-se peroeber como o erescimento populacional da cidade de So Paulo nfo foi comp ‘edo pelo erescimento do piblico de cinema a partir de 1955 ‘Ano Populago Ne de lugares Pico anual 19401317395 95.754 19526 224 19451701 694 122 736 30212 942 19502198096, 158 000 35.840 722 19552870 258, 199379 37136 902 1960 3 6350032 204 659 44.357 881 3970 5.587 665 148 513 21383 000 ‘Bates das estio em Simdes (1990-80) « os dados sobre a populagto de So Pao, foram completados com a Sinopre Pliminar do Censo Demagrisfico~ 1980 ~ Sao Paulo (BOE, 1981)

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