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ick Nunes Les | Preficio a segunda edicio Barbosa Lima Sobrinho Coronelismo, Enxada ¢ Voto, de Victor Nunes Leal, {oi publicado em 1949, sem indicagae do editor, sob a respon- sabilidade da Revista Forense, que gurava como impressora. ita nota, uma conttibuicso preciosa do que era Basilio de Magalhaes que, tendo militando na politica de inas Gerais, conbecera de perto a influéncia ¢ © poder dos “coroncis’. AA guisa de preficio, procurow analisar 0 sentido do vocibulo “coronel”, que os diciondrios aprescntavam como brasileiris- mo, pela nova acepeio com que se apresentara em nosso pals, embora ttaduzindo uma redlidade quase universal, como ex- pressio de lideranga politica, A Guarda Nacional, eriada em 1831, pare sul ho das milicias e ordenangas do pericdo colonial, estabelecera uma hicrarquia, em que a patence de coronel correspondia a um comando municipal ou regional, por sua vez dependente do prestigio econémico ou social de seu titular, que raramente deixasia de figurar entre os proptietitios rurais. De comeco, a patente coincidia com um comando efetivo ou uma diceséo, que a Regéncia reconhecia, para a defesa das i ituig6es. Mas, CORONFLISMO, ENXADA E voTO POUCO 2 pouco, as patentes passaram aser avaliadas em dinhei- roe concedidasa quem se dispusesse a pagar o prego exigido cu estipulado pelo poder piiblico, 0 que nto chegava a alterar coisa alguma, quando essa faculdade de comprar a patente nfo deixava de corresponder « um poder econdmico, que estava na origem das investiduras anteriores, Recebida de graca, como uma condecoracio, acom- As panhada de onus efetvos, ou adquitids por forga de don ajustados, as patentes traduziam prestigio real, intercaladas numa estrutura social profundamente hierarquizada como a ‘que castuma corresponder as sociedades organizadas sobre as bases do escravismo, No Fando, estaria o nosso velho conheci- do, 0 latifindio, com os seus li A presenca ea influéncia do potentado local jé esta vam registradas em Antonil, na sua justamente famosa Culiu- v4 ¢ Opiléncia de Brasil, quando dizia que “o ser senhor de ees € 9 seu poder incvisivel engenho € titulo, & que muitos aspiram, porque traz consigo 0 ser servico, cbedecido ¢ respcicado de muitos". O préprio Antonil « aproximava da posicio dos fidalgos, no Reino de Portugal. Mas levando a:vantagem de apoiar-se a uma base sélida, que era propriedade territorial, mais do que o favor e as benesses da auroridade régia, numa fase em que nfo poucos ram os nobres que decafam por forsa da dilapidacao de for- tunas hereditécias. Alberto Totes tentados rurais, que ele colocava como eixo de uma “vegeta tudara de perto a forga desses po- 4 MarAco A seauoK toigko 10 de caudithagem”, que em torno dele ia crescendo, como resultance de dependéncias irresisiveis. E dele & 0 conceit de que “a base das nossas organizagoes partiddtias € a politica- gem local. Sobre a influéncia dos conselhos eleitorais das aldeias, ergue-se a pitimide das coligagGes transit6tias de i teresses politicos — mais fracos na segmentagio do Estado, dependentes dos estsitos interests locas: tdnue, no governo da Unio, subordinada ao arbittio e capricho dos governado- res". Mes tendo sempre, como niicleo essencizl, o cla rural ou © porentado, que nao rato se enfeitava com a patence de soronel, concedida pelo poder piblico ou outorgada pelo Povo, numa espécie de plebiscito que, pelo aro de ser espon- iploma oficial e 0 fardumento das paradas, Coronel por cleico — um fendme- ineo, jd dispensava, por si mesmo, 0 no raro na hierarquia militar, a exemplo daquele her6i brasi leiro, Abreu ¢ Lima, que parecia rer mais prazet em ser cha- mado de General das Masas do que de General de Bolivar. O cla rural compée a parte essencial da sociologia de Ol Viana que, inspirado em Le Play, dele firia a unidade bésiea de sua doutrinacio, O livro de Vietor Nunes Leal, desde 0 seu apareci- ‘mento, pissou a valer como um clissico de nossa literatura Politica. Nao ¢ um aglomerado de impressées pessoais, mas uuma andlise profunda de realidades, que aprofundaram svas ralzes na organizacéo agréria, como produto espontineo do lax tifindio. Seu estudo levou em conta a presenga do muni assim como o relacionamento com os demais poderes piblicos do pas, o estadual co federal. A base do poder vem, sno da propriedace, pelo menos da riquera. Se o porentado local nio possi recutss suficientes, no tem como acudir s nesessida- des de seus amigos © muito menos &s despests eleitoris, que _miuitas veres se sente obrigado a satisfizer de seu proprio bolso, embora.a ctiagéo de partidos politicos cenha concorsido paralhe ‘atenuar os sactificios, através do fundo partidario, formado com as subscrigoes de grandes firmas, interessadas em manter boas relagées com os poderes publicos. Fleigdes sempre se fizeram ‘com dinheiro, na base de um rateio, que levava em conta 0 nimeto de vowos arregimentados. Os melhores cabalistas costu- mavam dividir os Estados em duas zonas, uma a dos comicios, sensiveis 4 propaganda em praga publica, outra a dos cochichos, na dependénca das instrugbes recebidas dos porentadas locas. 0 que se pode observar, com a expansio dos instrumentos de propaganda, Ema redugao comsiderivel da dra dos cochichos, em proveito da area dos comicios. Nem sempre, posém, a vida pol has sactificio ¢ despesas para 0 “coronel”. Marcos Vinicius aca e Roberto de Albuquerque, num livro excelente, como observacio! revelam que no raro 0 “coronel” dilatava seus dominios cerritoriais, & custa de propriedades usurpadas, aos adversirios ou aos préprios amigos, pela pressio de cabras que 0 “coronel” mobilizava, para ctiar, no dono de pequenas pro- priedades, a conviegéo de que era mehor vendé-lss do que abandoné-las, pela impossibilidade de nelas continuarem. No sistema do “coronelismo”, aqueles dois autores confirmavam a observagao de Victor Nunes Leal, de que o que nele se tradu- via cra uma hegemonia econdmica, social ¢ politica, que acat- reiava, por sua ve2, 0 filhotismo, expresso regime de favotes aos amigos ¢ de perseguigdes aos adversérios. Mas paixto pel terta cresce anto que leva 0 “coronel” a expanido de sua propriedade as cerras dos proprics correligio~ nitios, rangiilizando @ sua consciéncia com a avaliagio exa- gerada dos pregos espoli Erraria, porém, quem s6 quisesse observar no "co- sue oferece. ronelismo” os aspectos negativos de sua presenga ou de sua aso, Para manter a lideranga, 0 “coronel” sente a necessidade de se apresentar como campedo de melhoramentos locas, se- no para contentar os amigos, pelo menos para si adversitios. Eo prestigio politico de que desfrura o habilita como advogado de interesss locais. Victor Nunes Leal fem razdo quando observa que © *coronelismo’ corresponde a uma quadra da evolucio de nosso povo. E uma quadra, que por isso mesmo, nunca se reproduz ou se repete, 56 se pode encontrar bem refletida na velocidade dos instantineos. Dai, talver, cordar com uma segunda edigao do transformé-lo ou de adapti-lo brasileira, Mas se quisesse afeigoé-lo a essas novas condigdes, hesitagio do Autor em con- de novas condig6es da sociedade + pelo dest teria novessatiamente que eserever outro livro. Eo que se dese- 7

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