Você está na página 1de 1

A par e passo com a oportunidade

O jovem Albino Buzolin estava inquieto. Da missa em latim, aquele descendente de italianos só
entendia o "Amém". Seus pensamentos voavam, competindo em leveza com as baforadas que
escapavam do incensário, balançado pelo sonolento coroinha. O único canto que chamava sua
atenção naquele momento era o canto dos olhos. Este acabara de enxergar algo que fez o alarme de
sua criatividade soar. A campainha do sonolento coroinha soou bem depois.

Meu avô fazia parte da geração de imigrantes italianos que deixara os cafezais do interior de São
Paulo para se dedicar a pequenos ofícios na cidade. Mas há muito ele sabia que fabricar selas e
arreios para cavalos era uma profissão que acabaria empacando com a buzina do progresso. Os
automóveis haviam chegado para substituir de vez as carroças. Era preciso dar um passo decisivo na
mudança de rumo de seus negócios. Mas que passo dar?

Os pés da imagem! Ali estava a solução, bem ao seu lado. O escultor, que tentara reproduzir aquele
frade canonizado, certamente havia começado pelos pés. Para meu avô, era a única parte da
franciscana imagem que havia sido esculpida com esmero. Havia até mesmo uma ênfase exagerada
nos detalhes das sandálias. A verdade é que meu avô nem viu a imagem. Só enxergou os pés. O
resto parecia imerso na neblina de um devaneio criativo.

As oportunidades estão onde e quando menos esperamos. Mas estão. Oportunidades parecem existir
independentes de nós, quer as vejamos, quer não. O que diferencia os homens, é que alguns as
vêem, enquanto outros não. Mas entre os que as vêem, temos ainda duas classes: a dos que as
agarram e a dos que as vêem passar. George R. Kirkpatrick dizia que temos duas extremidades: uma
para pensar, outra para sentar. O sucesso ou fracasso irá depender daquela que mais queremos usar.

Acostumado a lidar com couro, tiras e fivelas, não foi difícil para meu avô fazer uma cópia mental das
sandálias, que pareciam confortáveis até naqueles duros pés de gesso pintado. Não, ele não
pretendia fabricar sandálias toscas para pés franciscanos, mas um modelo mais feminino. Que
tampouco estaria restrito às freiras. Albino e Maria Buzolin, minha avó, decidiram fazer daquele
símbolo de humildade franciscana uma nova moda para as mulheres de sua época. O primeiro passo
na transformação de sua humilde selaria de meia-sola numa bem-sucedida indústria calçadista. Um
grande salto, sem dúvida.

As empresas passam, e não foi diferente com a indústria de meu avô, amalgamada numa fusão. Mas
as lições de empreendedorismo e visão permanecem. Aquilo que muitos consideravam ordinário,
símbolo de pobreza e despojo, transformou-se, nas mãos de um empreendedor e de sua esposa, em
um grande negócio. De minha infância guardo a imagem de meu avô olhando para meus pés, sempre
que o visitava. Não só os meus, mas os de qualquer pessoa que encontrava calçada. Desde que vira
nas sandálias do frade uma oportunidade, passou a observar todos os pés em busca de
aperfeiçoamentos para seus produtos.

Onde o salto gastava mais? Lá vinha ele, com uma nova idéia de salto. Como o couro se
movimentava no andar? Mudava o desenho, para não machucar os pés. As crianças tropeçavam?
Resolveu o problema fabricando uma botinha com a sola curva na ponta. Nada escapava ao seu
olhar. Coisas banais eram logo vistas como oportunidades, por alguém acostumado a observar, em
desprezados pés, negócios que poucos percebiam.

Meu avô não teve muitas chances de estudar, mas sempre seguiu à risca o que Doc Sane escreveu,
sem nunca o ter lido: "A oportunidade é tão rara quanto o oxigênio, que todos sempre respiram, sem
nunca perceberem que ele está ali". Acho que não herdei essa característica, pois sempre vejo as
oportunidades pelas costas. Só as reconheço quando já não resta nelas um fio sequer para eu
agarrar. Preciso aprender a colocar em prática o velho provérbio búlgaro que diz, "Agarre a
oportunidade pela barba. Vista por trás, ela é careca".

Mario Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Veja em
www.mariopersona.com.br

Você também pode gostar