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Wich. wa liken Erlenion eo Srumil. RI 445, 46 O PRAGMATISMO IMPOSSIVEL: A POLITICA EXTERNA DO SEGUND GOVERNO VARGAS (1951 — 1954) Monica Hirst* © artigo analisa a potitica externa do segundo governo Vargas, considerando - asmodificagSes nosistema internacional Introducao ‘que impediram 9 utilizagéo de um bbarganha ampliada com as poténcias ‘mundiais de entao. Antes de tratar diretamente da politica externa do Segundo Governo Vargas, seré Abstract importante mencionar de maneira breve o contexto internacional em que esta politica se inseria no This article analyses the Vargae second inicio dos anos cinquenta. Nao cabe divida que a government (1951-1954), highlighting the ‘world system changes that frustrated 2 _Tigidez politico-ideol6gica que orientava a praxis, now intornational bargain, politica da poténcia hegemOnica norte-americana restringia por sia margem de autonomia da atuagao externa ¢ de defesa dos interesses préprios de paises como o Brasil. As condigdes de negociagao tao maximizadas das quais Vargas péde se beneficiar nos anos quarenta, haviam desaparecido por completo. Ao contrério do perfodo da Segunda Guerra quando a América Latina como um todo - ¢ o Brasil em particular ~ havia ocupado uum lugar prioritério na agenda internacional norte-amoricana, prevalecia um total desinteresse quanto a regido latino-americana. Esta marginalidade econémica e militar constituiria um forte impedimento para que Vargas aplicasse sua antiga estratégia de negociar proveitosamente o alinhamento brasileiro & politica externa norte-americana, 1. Os condicionamentos externos O principio da politica externa dos Estados Unidos para a América Latina desde 0 p6s-guerra foi o de priorizar a promogao do livre fluxo dos seus interesses privados. As rolacdes econdmicas interamericanas seguiam o padrao classico de trocas entre a periferia ido, revelem do uma relagdo de dependéncia primério-exportadora @ 0 centro industri solidamente estruturada, Tanto a administragdo Truman quanto a Eisenhower desenvolveram uma politica ‘que dava continuidade a essa dependéncia ~ ¢ mesmo a aprofundava. Tratava-se apenas de ir atualizando este padrao de relacionamento, através da expansdo de investimentos da garantia do fornecimento de matérias-primas vitais para a modernizacao tecnolégica do * Diretora da Fundacio Centro do Estudos Brasileiros ~ FUNCEB em Buenos Aires, Argentina, ‘OpracsarisMo wMpossivel: A PoLfrica xxTERNA Do SeaUNDO GavERNo VaRcas (1951 - 1954) parque industrial norte-americano. A catacterizagio da América Latina como um territério ideal para o investimento privado, tinha suas raizes na propria estrutura global do sistema capitalista internacional ¢ reordenado a partir do pés-guerra. O que existia aqui era uma nitida diferenciagéo entre os modelos econdmicos projetados para as diversas partes do mundo capitalista. No caso da Europa Ocidental, havia um interesse de recuperar as economias destrogadas pela guerra, visando a sua plena reativacdo. Era importante para os Estados Unidos contar com os paises europeus na qualidade de parceiros para 0 préprio fortalecimento do sistema capitalista em termos econdmicos, militares e politicos. O mesmo, no entanto, ndo era verdade para a América Latina, para a qual o projeto econémico orientava- se no sentido de fortalecer as estruturas primério-exportadoras ¢ garantir, a longo prazo, a ‘manutengao de um campo fértil para os investimentos privados. ‘Acessa realidade se sobrepunha o enquadramento politico-ideolégico postulado pelo sistema bipolar. Tratava-se de uma “camisa-de-forga” que atuava homogeneizando realidades essoncialmente antagénicas, através de uma sistemética manipulagao ideolégica que interpretava de forma simplista e, muitas vezes, deformada, o significado das demandas latino-americanas. Foi nesse contexto que se desenvolveu o pensamento e a agdo nacionalistas na América Latina, que, em fungéo das premissas ideolégicas do conflito Leste-Oeste, eram tratados como um sintoma de penetracdo comunista. A identificagéo do nacionalismo com 0 comunismo tornara-se a melhor forma de desarticular qualquer forma de mobilizagao regional. Politicamente, 0 continente vivia uma série de novas experiéncias que se relacionavam com as proprias transformagdes s6cio-econdmicas ocorridas durante a década de quarenta, favorecidas pela conjuntura da guerra, Delineava-se, nos paises mais avangados da regio, um novo perfil social que repercutia diretamente sobre suas dinamicas politicas internas. Surgiam como fendmenos politicos mais expressivos 0 populismo e 0 nacionalismo, que se constitufam em duas vertentes complementares, articulando a dimensa0 interna e externa desta realidade. Apesar dos rigidos esquemas da guerra fria que dominavam o cenério internacional, © nacionalismo latino-americano buscou apoiar-se em outras experiéncias de regides subdesenvolvidas. O processo de descolonizacao recente na Asia e na Africa, os intentos nacionalistas no Oriente Médio e 0s primeiros ensaios de um movimento de pafses ndo- alinhados representam influéncias importantes neste contexto. No entanto, todo tipo de movimento social que alterasse a estabilidade na América Latina, era percebido pela administragéo norte-americana como um exemplo de penetracao soviética. Apesar desta percepgao o nacionalismo latino-americano nao parecia constituir uma ameaga real ao poder hegeménico dos Estados Unidos, para 0 qual o alinhamento latino- americano quase sempre era um dado seguro. De fato, o conflito nacionalismo versus imperialismo no contexto interamericano, jamais extrapolava o Ambito regional em que se ‘manifestava. Frente ao sistema global, onde predominava o conflito Leste-Oeste, @ atuaao (Opeacsarismo napossiven: A poLirica EXTERNA Do SecuNDO GovERNo VaRGas (1951 - 1954) ina, com rarissimas excegées, estava totalmente enquadrada como bloco de apoio & defesa dos interesses do “Ocident Uma das 4reas de relacionamento interamericano que melhor expressou este alinhamento, foi a dos entendimentos militares. Com a restricao de vendas de armamentos para a América Latina, que se manteria mesmo ap6s a incluso dos pafses signatérios do Tratado do Rio de Janeiro no Acordo de Defesa Miitua de 1949, as relacdes militares interamericanas se desenvolviam principalmente através do envio de missées para treinamento ¢ assessoria, Estas relagdes sofreram um primeiro sopro de revitalizagao a partir de 1951, quando os Estados Unidos perceberam a necessidade de utilizar a América Latina como instrumento de legitimacao em nivel doméstico e internacional, de sua participacao na Guerra da Coréia. O evento mais importante para a concretizagéo desta politica foi a IV Conferéncia de Consulta realizada em abril de 1951 em Washington. Jé no ano seguinte, eram formalizados sete acordos militares entre os Estados Unidos e os pafses do continente, sendo eles: Brasil, Chile, Uruguai, Equador, Peru, Colombia e Cuba. Eses acordos tinham como contetido bésico: a) 0 compromisso norte-americano de fornecer assisténcia militar (equipamentos e servicos); b) o compromisso latino-americano de assegurar o fluxo de materiais estratégicos, de restringir as relagdes comerciais com 0 bloco sovistico, ¢ de se colocar disponivel para a defesa do chamado “mundo livre”. (Child, 1976:323) Destacavam-se neste contexto, como governos “rebeldes”; a Argentina, o México € a Guatemala, Por motivos politicos internos, surgi nestes paises uma forte reagéo a0 estabelecimento de compromissos que implicassem a subordinagéo militar estratégica a Washington. Até 0 final da década de cinquenta, estes acordos se estenderam aos demais paises do continente, permanecendo exclufdos ao Programa de Assisténcia Militar apenas a Argentina e 0 México. Além de reforgar os canais bilaterais de relacionamento militar, o Programa de Assisténcia Militar introduziu um novo conceito de seguranca no émbito interamericano, ao substituir a nogdo de reciprocidade pela de colotividade. Esta mudanca tinha um sentido te6rico e pratico, aprofundando ainda mais 0 alinhamento dos pafses latino-americanos aos interesses militares estratégicos dos Estados Unidos. A nogao de coletividade buscava imprimir um sentido “comum"” aos problemas de seguranga no continente, repassando uma responsabilidade a todos os paises membros do sistema interamericano. Neste contexto a comunidade latino-americana aparecia ainda mais comprometida a politica norte-americana de contengéo ao comunismo. A América Latina, de seu lado, amargurada pelas duras condigées de sou subdesenvolvimento, cobrava, sempre que podia, aos Estados Unidos uma agéo mais positiva em favor de seu desenvolvimento econdmico. ‘A total negligéncia norte-americana terminava esvaziando estas reivindicagdes, sem que isto, contudo, afetasse o compromisso de alinhamento politico-militar da regio,

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