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Os peixes, o infinito e os livros Madrugada. A noite est estrelada, o pescador flutua sobre as guas de um oceano rumorejante.

Sob as tbuas de seu bote iluminado, por uma lmpada de gs, tudo parece estar calmo. O pescador v a superfcie da gua, intui a profundidade, imagina esse cu invertido. Se no chegar ali de qualquer forma, com a sua rede, com a sua cana e com todo o seu corpo, ento no ser pescador. Madrugada. O mar est em silncio, a noite deixa-se embalar pelas ondas. O pescador prepara o seu isco. Sabe que em algum lugar da imensido do oceano est o peixe que o destino lhe reservou. Antes de o encontrar apanhar outros que lanar de novo gua ou, quem sabe, os use como isco ou os coma por necessidade. Talvez descubra algum ser inesperado e lute contra ele. Tentar uma e outra vez encontrar o peixe do seu destino. Entretanto, os grandes cardumes do mar aberto vivero afastados desta busca. ... Ler como ir pescar s escuras num imenso mar de livros murmurejantes. Uns quantos lemos por subsistncia, outros lanaremos de novo a seus livreiros sem os havermos saboreado, ignoraremos a imensa maioria e s alguns sero to fortes e hipnticos que podero vir a ser devorados. Para qu ler ento? Para aprender a nadar. Para ter conscincia do que no se v e da noo do profundo. Ler perder o barco sob os ps, transformar-se em peixe voador e comprovar que o universo infinitamente mais extenso que o mar que nos contm nas suas margens. Quando alguma vez por acaso, por intuio ou por gnio, chegarmos a reunirnos com o livro indicado, ento dar-nos-emos conta de que ele no vinha s, por detrs dele esperavam outros e outros e que quanto mais lemos, mais ficar por ler e que nada poder acalmar essa angstia de ver de frente o infinito. Madrugada. A noite est estrelada, h que perscrut-la.
Rodolfo Castro (trad. Liliana Silva)

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