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Ano III - Nº 10 - Dezembro de 2011

Campina Grande (PB) – Ano III – Nº10 – Dezembro de 2011

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Periodicidade: Trimestral

CAPA:
Jorge Elô (http://aventurasdavidacomum.blogspot.com/)
Título: O Edredon rosa (2011)
80 x 50 cm, óleo s/ tela,
compõe a exposição Desfragmentação do feminino, com data a definir.

Editores:
Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio
gaudencio_bruno@yahoo.com.br / @BrunoGaudencio

Janailson Macêdo Luiz


janailsonmacedo@hotmail.com / @jan_macedo

João Matias de Oliveira Neto


j.matias@msn.com / @j_matias

Flaw Mendes (Editor Visual)


flawmendes@gmail.com / @flawmendes

Apoio: Universidade Estadual da Paraíba

800
R454 Revista Blecaute: uma revista de Literatura e Artes, ano. 3, n. 10 (Dez. 2011) –
Campina Grande, 2011.
70 p.: il. color.

Editores: Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio, Flaudemir S. S.


Mendes, Janailson Macêdo Luiz, João Matias de Oliveira Neto.

1. Literatura. 2. Literatura – Ensaios. 3. Literatura - Contos. 4.


Literatura – Poemas. I. Título.
21. ed. CDD
Blecaute
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| Conto
FIM DE CARREIRA

Por Thiago Lia Fook

I - Curriculum Vitae

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II – Entre vistas

Domingo à noite. Jantar em família:


— E a entrevista de amanhã, preparado?
— Na ponta da língua.
— O salário é bom?
— Nenhum começo é bom. Mas, depois...
— A carreira é promissora, não é?
— Para quem for determinado...
— Você vai ficar rico?
— Não sei, mas vou trabalhar com afinco...
— Esse menino vai longe!
Os sonhos vão longe e, em cada par de olhos, um brilho específico: a alegria do avô, o
orgulho da mãe, a admiração da irmã.

Segunda, às nove. Na sala de espera, quatro candidatos. Olhares trocados,


protocolarmente. Doutor Fabiano Porto! – a chamada começa. Cafezinho de um, pigarro de
outro. Ponteiro adiante. Doutora Raquel Pinto! Restam dois: conversa breve, queixo erguido.
Doutor Paulo Figueiredo! Sai ligeiro, cabisbaixo. Doutor João Gonçalves!
— Entraremos em contato.

Na segunda entrevista:
...
— O que o traz aqui? – o olhar, inquisidor.
— A vontade de fazer justiça e lutar pelo direito.
— Não somos uma entidade filantrópica... – com malícia.
— Quero vencer, dar o melhor de mim e ser um bom advogado!
...
— Não espere facilidades. Se quiser vencer, terá que sofrer no princípio!
— Estou pronto!
— Trabalho árduo. Dedicação exclusiva. Disposto? – energicamente.
— A postos!
...
— Na segunda, às oito. – enfim, o sorriso.

Comemoração:

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— Parabéns! Seja feliz!


— Sim, serei! Serei sócio! – no olhar, o brilho.

Algum tempo depois:

III – Vida corrida

Segunda–feira. O despertador toca às seis em ponto. Antes do


trabalho, o mar. Vence o torpor, vai à rua. Um, dois, três quarteirões: a
calçada, a caminhada, a garota gostosa a piscada a bunda adiante, a parada.
Mergulho na água' de coco' no lixo. Um dois três e meia – volta volver: para casa,
às pressas, a hora escorre, o carro na espera, o cliente – já! Três, dois, um quarteirão:
o banho, café d'a (sete e meia!) carreira, e

às oito e meia, o batente: agenda e-mail, cliente. No começo... mas depois... uma
amante! Dei-lhe o troco... um não, dois pares... bem dado... uma coisa apenas: preservar os
meus filhos... e a pensão? Pelo menos... Depois do sufoco, o colega consola: é assim no
princípio, divórcio, reclamação trabalhista, tenha paciência e trabalhe com afinco, o dia das
grandes causas chegará. Por enquanto, chegam as dez horas: audiência na vara do trabalho.
Conheço sim senhor... nunca vi não senhor... sim, sempre por lá... não, uma única vez... sim
senhor... não senhor... sentença na quinta... segunda audiência... vi nunca vi trabalhou não
trabalhou com a mais absoluta certeza alguém mente – o martelo: parte o dia ao meio.
Almoço: a fila, bandeja, a mesa e a conta. Cansahhhh...
À tarde, a petição: excelentíssimo senhor doutor juiz, a parte vem expor e requerer...
dos fatos... dos fundamentos... pede e aguarda deferimento. Duas e meia: audiência. E ainda
falta o recurso, o prazo no fim. No fórum: aperto de mão do ilustre causídico, aceno festivo do
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insigne jurista, boas tardes de suas excelências – o meritíssimo juiz, o eminente parquet. E as
testemunhas: sem título nem crédito. A prostituta das provas! – bem dizia o professor
Amorim. Sim... não... sei... não sei... Quatro e – quatro da tarde! Corredor afora, escadas
abaixo. Encontro corrido:
— Meu Desembargador!
— Quero vê-lo Ministro!
De volta a computador nas costas, recurso e prazo. Excelentíssimo Senhor
Desembargador Presidente, Egrégio Tribunal, Colenda Turma, Ínclitos Magistrados da
Corte Suprema do Estado, data maxima venia, o doutíssimo juiz monocrático, a preclara
sentença et coetera. Diante do exposto: pede reforma. Ao fórum, às pressas, o prazo, mais
rápido, o proto(Ave, Maria...)colo. No escritório, ainda à espera, papéis. Autos até: oito horas!
E o auto: movendo-se para casa, banho, mesecama.
Variações sobre o tema da segunda. Na terça, sem mar: escritório mais cedo, audiência
às nove; petições, clientes, recursos e o prazo. A terça à tarde contra o relógio. Quando deu por
si, seis horas! À noite o sono de encontro à cama. Insônia: para um lado, para o outro, copo
com água, água no bojo, um carro rasga a rua e freia bruscamente na esquina, os olhos abertos
prosseguem sem freio, para um lado, para o outro, o dia será cansativo, para um lado, para o
outro, um pio na esquina – do sono, afinal.
Trimmm, trimmm, trimmm: quarta-feira. Seis hohhhh... mais um pouco: soneca.
Outra soneca: um pouco. Agora, sem jeito. Café mais café: — Que é pra ver se fico aceso! E
rua. Manhã difícil: Hipnos declara guerra a Têmis, acerta-lhe um feixe de luz dentro do olho e
a balança oscila acima dos autos. Puta enxaqueca! Entre os colegas, compreensão: para casa,
descanso. No superego, controle: persistência, superação. O prazo escorre, a testa lateja, as
letras se espremem na tela. Tudo está turvo e, logo mais, consumado. Um comprimido, mais
uma página, menos enjôo, outro argumento, ainda a dor, quase no fim, audiências à tarde:
pede deferimento. Que saco! Impressão...
— Joãozinho, você está um saco surrado. Almoce em casa e só volte amanhã.
— Mas...
— É uma ordem!
Enfim, nos braços de Morfeu, Fobetor e Fântaso...
No dia seguinte, café-conversa da manhã com a mãe:
— Meu filho, pegue mais leve!
— Se eu pegar leve agora, a vida pegará pesado comigo amanhã!
— Mantenha o foco, mas aproveite um pouco...
— Haverá tempo suficiente depois...
— Bom trabalho!

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— Até mais tarde!


Até o fim da tarde: bis in idem. À noite, o amor:
— Feliz?
— Muito!
— Me ama?
— Bastante!
— Um beijo,
abraços e CENA PROIBIDA PARA MAIORES DE 81 ANOS
Sexta-feira. Audiência difícil: testemunha insegura, raposa na escuta, juiz irritado. No
escritório, notícia ruim: recurso importante foi desprovido. Não há tempo a perder com
lamento; há prazos a cumprir. E cliente na linha: o juiz não despachou... não há motivo pra
isso... sim, sim, irei na segunda... hoje será impossível... a senhora precisa conter-se... temos
trabalhado com afinco... não se preocupe, nós venceremos. E o prazo escorrendo. Meio dia no
protocolo, escritório antes do almoço: autos debaixo do braço, o fim de semana promete.
Saindo, no entanto:
— Doutor Brantes quer conversar com você. Ele espera na sala.
Garganta engasgada. Passo após passo, pulso mais pulso, batida na porta: entre, sente-
se, o que bebe? Sorriso acanhado. Só ouvidos:
...
— Temos acompanhado seu trabalho...
— Tenho dado o melhor de mim!
...
— Já é tempo de vê-lo atuar em algo maior...
— Estou pronto para qualquer desafio!
...
— A ação da Arequipa. Quero você no time!
— O senhor não vai se arrepender!
...
Na rua, de vento em popa:
— Uhhhhuhhhh!!!!!!

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IV – Pit stop

Em casa, as saudações costumeiras. Da namorada, o beijo orgulhoso. Na roda de


amigos, a torcida e o barulho. No sábado, o show na Domus Hall.
— Se eu fosse vocês, não iria mais a festas ali. Não se lembram da morte daquele rapaz,
justamente na saída do estacionamento? – adverte a mãe, preocupada.
— Bobagem, mãe! Risco, a gente corre o tempo inteiro. Se não for na saída da festa, é
na chegada em casa ou no meio da rua...
— Mas é sempre bom evitar...
— O que ninguém pode evitar é a vida, dona Lúcia! Beijo!
— Avise quando chegar e dê um toque depois de sair, pelo amor de Deus!
No domingo, almoço em família e o brinde:
— A Joãozinho, nosso orgulho! Ao futuro!

V – Fim de carreira

Segunda–feira. O despertador toca às seis em ponto. Antes do trabalho, o mar. Vence o


torpor, vai à rua. Um, dois, três quarteirões: a calçada, a caminhada, a garota gostosa a piscada a
bunda adiante, a parada. Mergulho na água' de coco' no lixo. Um dois três e meia – volta
volver: para casa, às pressas, a hora escorre, o carro na espera, o cliente – já! Três, dois, um
quarteirão: o banho, café d'a (sete e meia!) carreira, e

às oito e meia, no primeiro batente:


— Aí, moral, vai passando a carteira, o relógio, a chave do carro!
— Que é isso, rapaz!

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— Sem conversa ou eu mando bala! Anda logo, porra!


No primeiro segundo: “eu sou um trabalhador esforçado e esse filho da puta pensa que
é só gritar com um revólver na mão que vai tirar de mim o que eu ganhei com suor e sacrifício.
Vai tirar o caralho! Quero ver se ele é macho!”
No segundo seguinte:
— Então, vai pegar!
No terceiro segundo, João Gonçalves dos Santos Neto, brasileiro, solteiro, advogado,
tira a carteira do bolso e atira o volume do outro lado da rua. Cheio de planos: quer ver o
bandido dar as costas e, então, derrubá-lo no chão, desarmá-lo, prendê-lo, chamar a polícia,
seguir sua vida... Mas ouve um estampido e, no quarto segundo, está morto.

Thiago Lia Fook (Paraíba) – Escritor. Publicou: Poesia Natimorta e outros poemas (Bagagem, 2010).
Blog: http://thiagoliafook.blogspot.com/

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