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O DISCURSO DA NOVA ADMINISTRAGAO PUBLICA* CHRISTINA W. ANDREWS ALEXANDER KOUZMIN “What is in a name? That which we call a rose, by any other name would smell as sweet” (William Shakespeare, Romeo and Juliet, Ato TI, Cena 1) O impacto do neoliberalismo em todo o mundo tem sido tZo forte que 6 agora considerado a ideologia dominante da nossa época (Anderson, 1995). Conseqiientemente, a Nova Administragao Pablica tem sido o mode- Jo que vem dando forma as reformas da administracdo piiblica de pafses da OECD, na Europa Oriental e na América Latina, além de outros paises anglo-saxdes, como Austrélia e Nova Zelandia. Esta impressionante domi- nagdo ideol6gica levanta a questdo: existe algum fato sinalizando a exaustio da mesma? Evans (1993) j4 apontou para os aspectos auto-limitantes da orto- doxia neo-utilitarista e para os sinais da emergéncia de uma “terceira onda” de pensamento relacionada ao papel do Estado no desenvolvimento econdmico. Contrastando com a “primeira onda” — quando o Estado era visto como a forga impulsionadora de todo o desenvolvimento — e a atual “segunda onda” do neoliberalismo, a “terceira onda” consiste no reconheci- * Uma versio anterior deste artigo foi apresentada na X1 Conferéncia National da Public Administration Network, realizada em Colorado Springs (EUA) em margo de 1998 ¢ no Seminério Internacional “Reestruturago e Reforma do Estado: Brasil e América Latina no Proceso de Globalizagao”, Sao Paulo, maio de 1998. 98 LUA NOVA N° 45 — 98 mento de que instituigdes estatais tém um papel fundamental no desenvolvi- mento ao estabelecerem conexGes com estruturas sociais. A dominagao de que goza 0 modelo da Nova Administragao Publica tem suas desvantagens: as criticas dos pressupostos da teoria da Escolha Pablica! tém crescido e ameacam expandir-se para além dos circu os académicos e especializados. Nao vem como surpresa, portanto, que um novo discurso intelectual tem sido apresentado ao pablico com 0 objetivo de salvar a administragdio gerencial das limitag&es tedricas da Escolha Piiblica. Esta estratégica “esquizofrénica” consiste em construir uma retérica para separar a teoria da Escolha Ptiblica da pritica da administragao gerencial, apresentando esta tiltima como uma solugao “p6s-moderna”, livre de ideolo- gia para o “problema do governo”. De fato, este tipo de discurso gerencial merece ser intitulado de “‘conservadorismo disfargado”, uma vez que repre- senta uma expresso ideolégica do novo conservadorismo dentro de regimes democraticos, De forma a ilustrar esta estratégia ideoldgica, este artigo ana- lisa criticamente os elementos do discurso da administragaio gerencial, apre- sentados pelas autoridades do governo brasileiro. Embora este seja 0 caso que dominard a andlise, isto nao implica afirmar que o “conservadorismo dis- farcado” é um fenémeno exclusivamente brasileiro. Como sera discutido com mais detalhes na conclusao do artigo, existem evidéncias em outros paises de que esta nova abordagem ideolégica pode ser 0 préximo desen- volvimento do conservadorismo em regimes democraticos. PRIVATIZANDO E REFORMANDO O ESTADO No Brasil as privatizages de empresas estatais comegaram quan- do 0 governo federal criou a Secretaria Especial de Empresas Publicas em 1979, posteriormente substitufda pela Comissio Especial de Privatizagoes em 1981. Durante 0 governo do presidente Fernando Collor de Mello 0 pro- 1 Trata-se da escola de pensamento desenvolvida por economistas neo-cléssicos da chamna- da "Escola de Virginia’ — cujo maior expoente intelectual € James Buchanan, Também sio incluidos como tedricos da Escolha Pablica outros economistas € cientistas politicos que ado- tam o pressupasto do racionalismo econdmico, isto €, de que individuos sto *maximizadores econdmmicos", motivados apenas por auto-interesse ndo s6 nas stias interagdes econémic ‘mas também nas suas interagdes sociais e politicas. Udehn (1996:11) considera que os 1188 elementos constitutivos da teoria da Escolha Pablica sio: (1) 0 pressuposto de auto-interesse, (2) a concepeao de interagdes sociais como trocas no mercado (exchange) e (3) 0 individu lismo metodoldgico. (© DISCURSO DA NOVA ADMINISTRACAO PUBLICA, 99 grama expandiu-se substancialmente e incluiu reformas de liberalizagtio de mercados e desregulaco de atividades econdmicas (Pinheiro e Giambiagi, 1994). O presidente Fernando Henrique Cardoso expandiu o programa ainda mais no nivel federal, eliminando a exigéncia de limitagao da participagao de capital estrangeiro a 40% do controle aciondrio das empresas privatizadas. Diversos governos estaduais também iniciaram a privatizagao de empresas estatais e, até novembro de 1997, nove companhias de energia elétrica havi- am sido privatizadas, com a participagao do capital estrangeiro variando de 9,8 a 100 porcento (Fotha de S.Paulo, 19972). De 1991 a 1996, a venda de empresas estatais rendeu 24,7 bilhdes de délares e 6 no ano de 1997 as ven- das corresponderam a 23,7 bilhdes de délares (Folha de S.Paulo, 1997b). Autoridades federais ¢ estaduais celebraram 0 fato de que a maioria das empresas piiblicas foram vendidas com Agio. A AES Corporation, por exem- plo, comprou a companhia de distribuigao de energia elétrica do Rio Grande do Sul com um gio de 93,55 porcento (Folha de S.Paulo, 1997a); a Companhia Paulista de Forga e Luz - CPFL, uma das maiores companhias de energia elétrica do pats, foi privatizada com um Agio de 70 porcento, ren- dendo ao governo do estado de Sao Paulo 3,09 bilhGes de délares, superan- do o prego total de venda da Companhia Vale do Rio Doce, vendida por 3,07 bilhOes de délares (Folha de S.Paulo, 1997c). Os criticos das privatizagdes ndo expressaram 0 mesmo entusi- asmo das autoridades federais e estaduais e denunciaram a politica de sub- valorizagao do patriménio piblico com o objetivo de garantir um répido processo de privatizagdes. Parece que a forga mottiz das privatizacdes foi —e continua a ser — mais ideol6gica do que uma questo de politica fis- cal. De acordo com Pinheiro e Giambiagi (1994), no infcio dos anos 90, 0 programa de privatizagSes teve pouco impacto no orgamento do governo federal. A principal conclusao do estudo desenvolvido por eles foi que, “({nJa pratica, as privatizagdes foram usadas mais para destacar um com- promisso com reformas liberalizantes do que para diminuir 0 déticit [pabli- co] ou aumentar a eficiéncia [das estatais). De certo modo, as privatizagoes acabaram gerando a sua propria ldgica, além de seus objetivos originais” (Pinheiro e Giambiagi, 1994:751). ‘A reforma administrativa brasileira tem sido guiada pela mesma filosofia impulsionadora do programa de privatizagdes. De acordo com 0 “Plano Diretor de Reforma do Aparetho do Estado” (Presidéncia da Repiblica, 1995), é preciso reconstruir o Estado como uma exigéncia impos- ta pela globalizagao da economia ¢ devido a “crise” do Estado. Devido 20 processo de globalizagdo, segundo a argumentagdo apresentada, a com-

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