Como o prprio Merleau-Ponty diz no prefcio da Fenomenologia da percepo, Husserl distingue entre

a intencionalidade de ato, que aquela de nossos juzos e de nossas tomadas de posio voluntrias, a nica da qual a Crtica da Razo Pura falou, e a intencionalidade operante (fungierende Intentionalitt), aquela que forma a unidade natural e antepredicativa do mundo e de nossa vida, que aparece em nossos desejos, nossas avaliaes, nossa paisagem, mais claramente do que no conhecimento objetivo (PhP, XIII, 16; destaque nosso).

Iremos apresentar aqui o itinerrio da noo de intencionalidade na Fenomenologia da percepo

Tal como se v em A prosa do mundo, de 1959, onde Merleau-Ponty diz que a filosofia no a passagem de um mundo confuso a um universo de significaes fechadas. Ao contrrio, ela comea com a conscincia daquilo que corri e faz ruir (PM, 25-26, 39). A filosofia deve, ento, buscar a clareza prpria das confuses, pois mesmo o homem de esprito no uma pura conscincia, () nossas clarezas nos vm de nosso comrcio com o mundo e com os outros (RC, p. 27). Contra isso, a converso proposta por Merleau-Ponty conduz a reconhecer () a prpria exigncia da carne - que ele j comea a preparar nos anos trinta, para ampli-la com vigor nos seus textos tardios -, a qual se confunde com as relaes da filosofia, compreendida como uma ao distncia, cada qual exigindo, do fundo de sua diferena, a mistura, a promiscuidade (...) [a] imbricao (S, 20, 12). E esta confuso no pura indistino: respondendo natureza intencional e desejante da carne, ela no opera uma unidade de fuso, mas a imbricao como unio dos incompossveis (SAINT AUBERT, 2005, p. 52). Ela no enfraquece o sentido, mas rene-se sua fonte e libera seu excesso. Ela no uma fantasmagoria, diz Merleau-Ponty. E ele medita sem fim sobre essas estranhas relaes, como a que d viso em profundidade (Cf. PhP, 294-309, 343-360, sobre a profundidade) o poder de manter juntos lugares incompatveis, ao olhar e fala o poder de alcanar outrem, at no invisvel de seu corpo e de seu desejo (SAINT AUBERT, 2005,

p. 52). Em notas inditas para o prefcio de Signos, em 1959, Merleau-Ponty diz:

Esta percepo operante, esta fala operante que foram as portas do visvel e do invisvel, no so mais para a filosofia moderna um setor subordinado do Ser, as formas bastardas que nascem da mistura da alma e do corpo, e que se reenvia ao uso da vida porque a obscuridade s se conhece, finalmente, num contato cego. Elas so, ao contrrio, a fonte de todo sentido e abrem a dimenso da filosofia (S, 9, setembro 1960, apud SAINT AUBERT, 2005, p. 52).