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DOENCAS METEOROTROPICAS E MORTALIDADE EM PORTUGAL: INDICIOS OU EVIDENCIAS DE UMA VARIACAO ESPACIAL? Maria Elisabete Ferreira Freire ~ Universidade Técnica de Lisboa A influéncia, directa e indirecta do tempo e clima, em varios aspectos da vida do ser humano, nomeadamente na satide, morbilidade e consequente mortalidade humana é sem diivida significante e inquestionvel. Algumas condigdes climéticas provocam um importante stress bioclimatico e isto tem necessariamente efeitos directos e/ou indirectos nas condigées fisicas e psiquicas dos seres humanos. Numerosos estudos, de onde se destacam os desenvolvidos por Tromp (1963 e 1980), apontam para a existéncia de um vasto leque de doengas meteorotrépicas. Destas as mais salientes sao as do foro respiratorio e do cardio-vascular. Os factos apresentados e discutidos nesta comunicagio representam uma parte dos resultados obtidos de uma investigagdo em Bioclimatologia Humana, desenvolvida ao longo dos uiltimos cinco anos, e no 4mbito de uma dissertago de Doutoramento (Freire, 1996). Neste estudo foi usado um largo volume de informacio, fundamentalmente referente a década de 80, em Portugal. Assim, foram usados dados de ordem climética (INMG, 1980-1990 e 1994; SMN, 1965) os quais, na auséncia de informagio adequada de morbilidade, foram confrontados com dados de mortalidade (INE, 1969-90). Neste caso, a pesquisa recaiu sobretudo na mortalidade resultante de deficiéncias nos sistemas circulatério e respiratério. Apresentaciio dos resultados e discussfio Aquando da anélise comparada dos dados de clima com os da mortalidade surgiram os primeiros indicios que apontavam para uma forte ligagdo entre eles. Esta relagio é evidenciada através de uma andlise temporal (a) e espacial (b) dos dados disponiveis. (a) Ha um ritmo sazonal bem marcado na mortalidade respiratéria e cardiovascular (Freire, 1992, 1993 e 1996). O periodo critico € o Inverno com maximos a ocorrerem com maior frequéncia em Janeiro (Fig.1). No verao verifica-se um decréscimo significativo no nimero de 6bitos. Todavia, podem ocorrer excepgses. Assim, em alguns anos da década estudada, certos meses de verdio registaram importantes acréscimos no ntimero de ébitos. Estas subidas abruptas da mortalidade aconteceram sempre que se registaram subidas bruscas da temperatura em especial quando estas atingiram valores extremamente elevados. De entre estes episédios climaticos ha a salientar 0 de Junho de 1981, a que correspondeu uma das mais importantes vagas de calor até aquela data. As temperaturas subiram repentinamente, a meio do més de Junho, acima dos 35°C, verificando-se em certas dreas do pafs, como por exemplo ao longo do baixo II Congreso da Geografia Portuguesa, Porto, Setembro de 1997, Edigies Colibri e Associagio Portuguesa de Geégrafos, Lisboa, 1999, pp. 187-197. inforgeo onorejnoata oujoreds op sesua0q - ougrendsas ogjomde op sesus0q - ¥ “0661 © O86I ap epeprtenoU! ap exer ep yestoU oRSELTeA- | “BIA org | Sethe! vavoud (pirouad oot’) toad ae cod — Se va oO a is Oo ‘ONV Od ODNO1 OV ODNOT 188 Il Congresso da Geografia Portuguesa Tejo e Mondego, valores acima dos 40°C (Fig. 2-A). Os niveis de desconforto' humano foram por conseguinte elevados (Fig. 2-B) e puzeram em risco a satide da populacdo. A prova da existéncia deste risco esta no facto da curva da variagio mensal da mortalidade em 1981 apresentar um pico em Junho quase tio importante quanto o pico principal registado, e como & usual, durante a estagiio fria (Freire, 1992). Situagdes de excepgio ocorrem também durante o Inverno pois nem sempre foi o més de Janeiro 0 mais problemético. Merecem pois referéncia dois acontecimentos que surgiram durante © inverno e que corresponderam a invasdo de ar muito frio: um, em Fevereiro de 1983, e um outro, um tanto extemporaneo, em Fevereiro-Margo de 1984 (Fig. 3). No primeiro o nivel de desconforto foi maior mas no segundo foi um perfodo demasiado longo. De referir ainda que as taxas de mortalidade, para quaisquer destes meses (Junho de 1981, Fevereiro de 1983 e Margo de 1984) foram as mais elevadas de toda a década de 80 (Fig. 1) nos dois grupos de doengas em discussio. O sincronismo entre os fenémenos climaticos e © aumento ou diminuigao das taxas de mortalidade € evidente e facil de explicar. Quando o ser humano é sugeito a condigdes de calor ou de frio extremas, a adaptagio € por vezes muito dificil. Desenrola-se todo um conjunto de mecanismos fisiolégicos que pretendem restaurar 0 balango térmico. Mas o processo de aclimatizagao é lento, mesmo num ser saudavel, e segundo Lind (1964) decorreré em média entre 10 a 14 dias. Daf que condiges atmosféricas abruptas ou extemporineas produzam um desgaste importante nos sistemas respiratério e cardiovascular. (b) Em varias etapas deste estudo de bioclimatologia humana surgiram também vestigios da existéncia de um padrao singular na variago espacial da taxa de mortalidade o qual poderia estar relacionado com o clima local. A figura 4 apresenta a distribuigo no pafs da taxa de mortalidade resultante de patologias respiratérias e cardiovasculares, em 1981, 1983 1984. Assim, constata- -se que 0 padrao espacial nao é igual para estas duas causas de morte. Enguanto a primeira regista taxas mais elevadas preferencialmente junto ao litoral ou nas areas mais acidentadas do pais, a mortalidade por faléncia cardiovascular parece ser mais comum nas regides baixas do interior ¢ do sul do pats. Este desigual padrio de variacdo espacial destes dois grupos de causas de morte parece ser mais uma indicago de que estario dependentes de condigdes meteorotrépicas especificas, independentemente de outros factores de ordem cultural, social e econémico. Varios autores (Sargent Il, 1948; Reid, 1958; Tromp and Bouma, 1965 e 1977; Tromp, 1968; Hsich et al., 1968) tém mostrado como ambientes relativamente frescos e hiimidos podem desencadear crises em doentes com certas anomalias respiratérias tais como asma e bronquite. Em contrapartida ambientes mais secos ¢ soalheiros contribuem para uma melhoria considerdvel destes pacientes (Mills, 1942; Blaha, 1964). ' & avaliagdo do nivel de desconforto humano é baseada na metodologia desenvolvida por Terjung (1962 e 1966) e modificada por Freire (1996) 189

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