Você está na página 1de 12
Revista Virtual Textos & Contextos, n’ 8, dez. 2007 Infancia comprada: habitos de consumo na sociedade contemporanea Andréia Mendes dos Santos” Patricia Krieger Grossi Resumo — O presente artigo tem como tema central a questo do consumo desenfreado entre as criangas e os jovens brasileiros. A midia, principalmente a televisiva, é utilizada como instrumento de incentivo ao consumo inadequado. Vérias razdes tém levado as criangas a ficarem periodos prolongados em frente a televisio, ora passando o tempo, ora fugindo da violéncia das grandes cidades, entre outros; aumentando a exposigdo dos jovens aos apelos ao consumo. Estudos recentes apontam que a midia vem investindo no piblico infantil como excelente mercado de consumidores. Frente as novas configuragées da questiio social, instiga- se, neste ensaio, a discussio sobre © comprometimento dos jovens expostos ao estimulo do consumo, como forma de obter prazer, ¢ as conseqiléncias desta influéncia nas criangas, euja estrutura se encontra em processo de formagao. Palavras-chave — Infancia. Consumo. Midia, Educagao, Abstract — The present article has as a central theme the question of the wild consumption between Brazilians’ teenagers and children. The media, mainly the televising one, is used as an instrument of incentive to the inadequate consumption. Various reasons have taken the children to be periods drawn out in front of the television, passing the time or running away from the violence of the great cities, among others; increasing the exposition of the young to the appeals for consumption. Recent studies point out that the media comes investing in the public of children as an excellent market of consumers. Giving the new configurations of the social question, it is instigated, in this essay the discussion about the commitment of the young displayed to the consumption’s enhancement, as form to get pleasure, and the ‘consequences of this influence on the children, whose structure is still in the process of formation. Key words Childhood. Consumption. Midia, Education. Para tudo ha um remédio, H assim que a sociedade de consumo supre os padecimentos da realidade social da qual todos querem se evadir: 0 tédio, a inveja ¢ a competicio, 0 desemprego, as decepgdes romanticas, a obsessdo pela magreza, a luta contra a obesidade, as pancadarias adolescentes, a depressdo, a insOnia, a soliddo, 0 medo de adoecer, o terrorismo, etc. A sociedade contempordnea padece de tantos interesses ¢ de tantas preocupagées que fica * Psicéloga, Mestre em Servigo Social pela PUCRS, doutoranda em Servigo Social da PUCRS, andreiam@briurbo.com. Professora do Programa de Pés-Graduagiio em Servigo Social da PUCRS. Coordenadora do Nicleo de Estudos e Pesquisa em Violéncia - NEPEVI. Doutora em Servigo Social pela Universidade de Toronto, Revista Virtual Textos & Contextos, n’ 8, dez. 2007 impossivel listi-los. © “remédio” do século XXI tem sido 0 consumo, com o propésito de satisfazer desejos, suprir caréncias ou de criar coragem para projetar ambigées. As relagdes interpessoais também vém passando, cada vez mais, pela perspectiva da materializagao. Ou seja, através de objetos, os homens vém procurando atingir a estabilidade emocional ¢ a auto- afirmagao. Conseqiientemente, possuir ou acumular configuram-se como verdadeiros signos, sobretudo quando a intengdo ¢ relacionamento. Imimeras vezes o afeto tem sido colocado numa escala secundaria neste novo sistema cultural que se formou a partir de um desejo irreprimivel de consumir. Para Baudrillard (2004), as novidades de consumo s4o produtos das novas tecnologias, do crescimento das religiées, da transformagio dos modelos familiares ¢ do culto da beleza da satide. O consumo é proprio do modelo capitalista (BAUDRILLARD, 2005; LIPOVETSKY, 1983; FEATHERSTONE, 1995; PIETROCOLLA, 1989) e nossa discussio refere-se 4 infancia, uma fase tio peculiar, especialmente porque a formagio emocional, personalidade e corpo, esto em formagdo, Em especial, para as criangas, a questio do consumo ultrapassa o fator comportamental de comprar ¢ interfere na formagdo dos jovens, no apenas mexendo na satide, mas na educagdo ¢ nos valores ¢ juizos da sociedade do futuro (LINN, 2006). A sociedade de consumo: histéria e origem A sociedade de consumo teve seu marco inicial com a Revolugdo Industrial, primeiramente verificado na Inglaterra, no final do século XVIII. Uma das principais rracteristicas desta sociedade é 0 seu alicerce no capitalismo do tipo monopolista de Estado, cuja fase & marcada pelo tripé burguesia nacional-Estado-burguesia local. Assim, a fim de viabilizar politicamente a expanso industrial, o Estado busca, na burguesia, 0 apoio ¢ 0 capital necessarios (PIETROCOLLA, 1989). Nesta época, ocorreu o incentivo, a penetrago & a instalagdo de multinacionais, que se deu através da concessdo de impostos ¢ da criagio de um sistema educacional voltado para a capacitagio da mio-de-obra necesséria, Surgiram os “cursos profissionalizantes” © era normal o surgimento de cart com 0 objetivo de administrar 0 mercado e garantir a conservagao do monopélio vigente. A partir de 1929, a elevagdo dos pregos levou os paises periféricos a desenvolverem uma politica voltada 4 industrializago, com © propésito de suprir a caréneia de produtos Revista Virtual Textos & Contextos, n’ 8, dez. 2007 americanos, observou-se a expansio das pequenas indistrias, de origem nacional e de tecnologia simplificada, voltadas a produgdo de bens de consumo essenciais sobrevivéncia da classe trabalhadora, especialmente alimentacdo, vestuirio e habitaso (PIETROCOLLA, 1989). A conseqiiéncia deste momento foi um maior actimulo de capital interno, com maior elevagdo na qualidade de vida da populacdo local. Logo, nas décadas de 1950 e 1960, os paises periféricos passam a imitar os paises centrais em relagdo aos seus modelos de consumo, voltados aos produtos de luxo, com destaque para a indistria automobilistica, Insatisfagdo, compulsdo, criagdo de novas necessidades, desejo de obtengdo € desenvolvimento da sociedade de de lucro sio os pilares para a constru consumo. Quanto maior for a posse de bens de um individuo, maior seré seu Prestigio social. Deste modo, a sociedade de consumo tem como légica a criagdo de novas necessidades que se traduzem na criagdo de novos bens de consumo (PIETRACOLLA, 1989, p. 37-38). Débord (1997) lembra que a raiz. do consumo esta no terreno da economia fortalecida, ‘As conseqiiéncias da pritica do consumo chegaram a transformar a percepio de modo politico, Segundo Baudrillard (2005), 0 consumo é sedug&o; 0 consumo supée a manipulagdo de objetos que sdo vistos como signos. Isso significa que os objetos so independentes de seus significados e vém ganhando expresso na medida em que confundem a realidade a fim de suprir a fantasia da acumulagdo, Nosso referencial tedrico baseia-se na teoria de Baudrillard, que caracteriza a pés- modemidade principalmente pela explosdo da cultura na vida cotidiana, Assim, a inflagao de signos, que vem colocando em cheque a distingdo entre realidade e ficgio, é um dos elementos que compdem 0 quadro das sociedades ocidentais contempordineas. Ao referit-se teoria de Marx, 0 autor considera que, durante o desenvolvimento do capitalismo, a nogdo de valor estendeu-se a esfera do simbélico. Sendo assim, a légica da mercadoria passou a abranger desde 0 mundo material até as instincias culturais da sociedade. Neste sentido, Baudrillard sinaliza que qualidades abstratas — como sentimentos — também comegam a fazer parte do dominio do valor de troca, A partir de entdo, jd ndo & mais possivel separar o econémico, do cultural ¢ do ideoldgico, visto que as imagens, as representagdes, a cultura e até os sentimentos e estruturas psiquicas tornaram-se parte do econémico (BAUDRILLARD, 1995). Para Baudrillard, ao invés do econémico ser o determinante da vida social, a cultura passa a ser o elemento principal das relagGes sociais, atuando, inclusive, sobre o significado dos aspectos econdmicos, e, por conseguinte, no seu poder de influenciar a dinamica das

Você também pode gostar