Você está na página 1de 19
Criangas com Necessidades Educativas Especiais, Politica Educacional e a Formagao de Professores: Generalistas ou Especialistas? doeeneasconese Generalists or Specialists? Teacher’s formation and Special Educational needs José Geraldo Silveira Bueno Professor titular do Programa de Estudos Pés-Graduados em Educagio: Historia, Politica, Sociedade (PUC-SP) e do Mestrado em Educacio (Universidade Séo Francisco) RESUMO ~ Este trabalho, a partir dos princfpios da Declaragéo de Salamanca, oriunda da Conferéncia Mundial de Educagio Especial (1994), procura desenvolver reflexo erf- tica sobre a formagio de professores ¢ as politicas de incluso de criangas com necessi- dades educativas especiais no ensino regular, na busca de resposta entre a formagio de professores generalistas ou professores especialistas. Para tanto, analisa, primeiramente, as novas exigéncias impostas pela educagio inclusiva, em termos de politicas educacio- nais e suas conseqiiéncias tanto para a educagao regular quanto para a educagao inch siva em relacio a formacio docente, com destaque para a formagio do professor espe- cializado. Conclui por considerar que a dicotomia entre especialista e generalista se cons- titui em falsa questo, na medida em que a educagio inclusiva exige que professor do ensino regular adquira algum tipo de especializagio para fazer frente a uma populacéo que possui caracteristicas peculiares, ao mesmo tempo em que o professor de educacio especial amplie sus perspectivas, tradicionalmente centradas nessas caracteristicas, Palavras-chave: formagio docente — politica educacional ~ Educagao Especial ABSTRACT ~ Considering the principles of the Salamanca Declaration, issued in the ‘World Conference of Special Education of 1994, this paper attempts do present a cri- tical reflection about the relationship between teachers’ formation and policies for the inclusion of children with special education needs in regular schools, within the discus- sion of the question relative to generalist and specialist teachers. With such purpose, it analyses firstly the new demands posed by inclusive education, in terms of educational policies and their consequences for regular as well as special education. This analysis is followed by a critical discussion of the repercussions of inclusive education for teachers’ formation, with emphasis on the specialized teacher. As a conclusion, itis suggested that the dicotomy between specialist and generalist constitutes a mistaken issue, since inclu- sive education assume that the regular school teachers have to acquire some type of spe- Gialization in order to face a population that presents peculiar characteristics, while the special school teachers have to expand their perspectives, traditionally centered on those characteristics. Keywords: teachers’ formation ~ educational politics ~ Special Education. Revista Brasileira de Educacao Especial © 5} 7 INTRODUCAO © Desde a Declaracio de Salamanca, aprovada na Conferéncia Mundial de Educacio Especial em 1994, passouse a considerar a incluséo dos alunos com ne- cessidades educativas especiais em classes regulares como a forma mais avangada de democratizacao das oportunidades educacionais, na medida em que a maior parte dessa populacdo ndo apresenta nenhuma caracteristica intrinseca que no permita tal inclusio, “a menos que existam fortes raz6es para agit de outra forma” (Declaragiio de Salamanca, 1994, p. 2). A perspectiva da integracao de criangas com nocessidades educativas espe- ciais no ensino regular no é nova. Jé na constituicio do Centro Nacional de Edu- cago Especial (Cenesp) do Ministério da Educagao e Cultura (MEC), em 1974, a orientacio se voltava para a integracdo: Os alunos deficientes, sempre que suas condigSes pessoais permiti- rem, setio incorporados a classes comums de escolas do ensino regu- lar quando 0 professor de classe dispuser de orientacio ¢ materiais adequades que Ihe possibilitem oferecer tratamento especial a esses deficientes. Brasil, MEC/Cenesp, 1974, p. 20) © que entio diferencia a integraciio da incluso, jA que tanto uma quanto a outra priorizam a incorporacéo de criancas com necessidades educativas especiais pelo ensino regular? A incluso nada mais € do que a integragdo travestida de mo- derna? Embora as duas perspectivas tenham como norte a incorporagio dessas cxiancas pelo ensino regular, existem diferencas de fundo, expressas, pelo menos, por dois aspectos fundamentais. A integracdo tinha como pressuposto que o problema re- sidia nas caracteristicas das criancas excepcionais,! na medida em que centrava toda ‘sua argumentagao na perspectiva da deteccaio mais precisa dessas caracteristicas ¢ no estabelecimento de critérios baseados nessa deteccio para a incorporagio ou nao pelo enisino regular, expresso pela afirmagéo “sempre que suas condigdes pessoais permitirem”. A incluso coloca a questo da incorporagao dessas criangas pelo ensino re- gular sob outra ética, reconhecendo a existéncia das mais variadas diferengas, ex- pressas pelas (..) ctiangas defcientes e superdotadas, criancas de nua e que trabe- Iam, criangas de origem remota ou de populacio némade, criancas pertencentes a minoris lingtisticas, micas ou culturas ¢ criangas de ‘outros grupos marginalizados. (Conferéncia Mundial de Educagio Especial, 1994, p. 4) 1 Bsc era o coneeito ulizado na Gpoca, depois substtldo por “portadores de nocesiads educatvasespeciis”. Revista Brasileira de Educagao Especial * 5 Tal distinggo entre essas duias concepgdes de Educagdo Especial € produto de uma diferenciagio bésica em relagio & escola na sociedade atual. A primeira, ao afirmar que a dificuldade da incorporagio reside nas caracteristicas dos excepcionais, deixa implicita uma visio critica da escola, isto é, considera que, de alguma forma, ela vem dando conta dos seus fins, pelo menos em relacio aos alunos considerados normais, Isso fica ainda mais claro quando se verifica que as possibilidades de inte- gracdo se baseiam em “diagnéstico seguro e avaliacdo continua” (Brasil, MEC/Ce- nesp, 1974, p. 19). ‘A segunda, ao considerar que existem miiltiplas diferengas — origindrias de condigées pessoais, sociais, culturais e politicas -, tem como pressuposto que a escola atual nao consegue dar conta dessas diferengas, na medida em que proclama a ne- cessidade de modificagées estruturais da escola que af est4 para que “elas sejam ca- pazes de prover uma educacio de alta qualidade a todas as criancas (..)”, assumindo que “as diferengas humanas sao normais e que a aprendizagem deve se adaptar as ne- cessidades da crianga, ao invés de se adaptar a crianga a assungGes preconcebidas a respeito do ritmo e da natureza do processo de aprendizagem” (Conferéncia Mun- dial de Educagao Especial, 1994, p. 4). ‘Nesse sentido, a Declaragio de Salamanca constitu avango significativo, ten- do em vista que nao se volta a uma escola que, na pritica, no existe, mas indica que todos os governos devem atribuir “a mais alta prioridade politica e financeira ao apri- moramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a inchai- rem todas as criancas, independentemente de suas diferencas ou dificuldades indivi- duais” (p. 2), Isto é, se por um lado a Declaracio afirma o propésito da educagio in- lusiva, por outro aponta o aprimoramento dos sistema de ensino, sem o qual o prin- cipio primeiro, de que “toda crianga tem direito fundamental A educagio, e deve ser dada a oportunidade de atingir ¢ manter o nivel adequado de aprendizagem” (p. 1), no se efetivard. Esses dois pélos da declaracdo parecem ser os que estabelecem os parame- tros através dos quais qualquer politica de educago voltada as criangas ¢ jovens com necessidades educativas especiais deva se pautar. Mas, como toda declaraco politica de largo alcance e em sociedades que se pretencdem democriticas, ela suscita dife- rentes interpretacées ¢ oferece variadas possibilidades para sua consecucio. Este trabalho procura expor questées que precisam ser encaradas de frente por politicos, administradores, professores e pesquisadores da 4rea da Educagao Es- pecial, na medida em que questdes politicas de fundo, tais como as expostas acima, refletem-se nas ages por nés encetadas, sejam no 4mbito dos sistemas de ensino, se- jam no das instituig6es estolares, da sala de aula e dos estudos e pesquisas, © estabelecimento de diretrizes ¢ ages, nesse sentido, nio pode deixar de considerar que a implementagio da educagio inclusiva demanda, por um lado, ou- sadia e coragem, mas, por outro, prudéncia e sensatez, quer na agio educativa con- creta (de acesso ¢ permanéncia qualificada, de organizagao escolar ¢ do trabalho pe- dagégico e da acéo docente), quer nos estudos e investigages que procurem descre- ver, explicar, equacionar, criticar e propor altemnativas para a Educagio Especial. Revista Brasileira de Educagao Especial *

Você também pode gostar