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A morte da galinha

O sabor da roa pode ter o sangue dos animais que vo pra panela. So lembranas de uma infncia caipira, por uma jornalista que edita e apresenta o "Globo Esporte".

Renata Canales, especial para o "Stio" Comida da roa. Quem nasceu onde a terra vermelha sabe bem que sabor este. Pra mim, tem um gosto a mais, o da infncia. Eu passava as frias no stio dos meus tios, em Novo Horizonte, interior de So Paulo. Aos domingos no faltava a galinha caipira com aquele molho escuro, gostoso, que eu misturava no arroz, feijo e na polenta. A mesa era colocada debaixo das rvores, uma mesa grande feita de tbua grossa, segura por dois cavaletes. Outros parentes vinham da cidade e todos se sentavam em volta da mesa farta. Os adultos contavam causos, riam, disputavam a vez de falar. Eu, pequena, s ouvia. Sei de cor cada histria contada e recontada por eles. Quieta, atenta, me sentia feliz em estar ali. Adorava quando minha me punha no meu prato aquele pedao da galinha que tem um osso em formato de "v". No pela carne, mas pela brincadeira. Eu e minha irm segurvamos as pontas desse osso, fazamos um pedido e forvamos at ele quebrar. Era atendido o desejo de quem ficasse com o pedao maior. Eu acreditava na seriedade do jogo, e me sentia decepcionada quando perdia. No consigo me lembrar o que tanto desejava aos cinco, seis, sete anos de idade. Mas com certeza no era ver a cena que me fez tremer num dia desses de frias. Foi uma correria misturada com gritos e cacarejos. Minha tia suava para tentar ganhar a corrida com uma das galinha que criava. Entre penas pelo ar, a coitada foi alcanada. Na hora, no entendi porqu minha tia se portava como criana, brincando no galinheiro. Mas assim que ela agarrou a galinha, com fora segurou no pescoo da ave e torceu. Eu gritei. Por que tamanha violncia? Minha tia rindo, disse que eu gostaria de comer o bichinho. Acompanhei o funeral at a cozinha, e sozinha neste cortejo, vi a galinha ser colocada em gua fervente. Sa atordoada. Voltei ao galinheiro como forma de solidariedade. Ao meio dia, me chamaram. Hora do almoo. Festa, mesa colocada embaixo das rvores, alegria total. Em cima da tbua grossa, a galinha. Tive enjo. Nem quis o pedao com o osso em formato de "v". Depois desse dia, aos domingos, comia apenas o arroz, o feijo e a polenta. Renata Canales, editora e apresentadora da EPTV Ribeiro

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