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Exmo Senhor Presidente da República

Mais uma vez me vejo impelida a escrever a Vossa


Excelência para dar conta, com a objectividade e
comprometimento de quem está directamente envolvido na
matéria, da gravidade da situação que compromete o Ensino
P o r t u g u ê s , sendo que o modelo de avaliação de
desempenho de professores é prova cabal.

Procurarei ser muito precisa e concisa. Hoje, dia 27 de


Novembro, participei numa reunião convocada pela Direcção
Regional da Educação do Norte, para a qual foram
convocados os Presidentes dos Executivos e
Coordenadores de Departamentos. Participei enquanto
Coordenadora do Departamento de Línguas da Escola
Secundária de Barcelos. Esta reunião, como nos foi
explicado pelo Dr. João Sérgio Rodrigues, coordenador da
equipa de apoio às escolas, não tinha carácter "negocial",
visando apenas apresentar e explicar o projecto do novo
Decreto Regulamentar da Avaliação de Desempenho
Docente ( http://www.min-edu.pt/np3/2890.html ). Por ser
por demais escandalosa, carecendo de intervenção imediata
das mais altas instâncias, passo a destacar alguns dos
pontos que mais indignação e contestação devem merecer
de todos os cidadãos portugueses e do seu representante
máximo:

1. Para este período de avaliação, será retirado um


dos "pontos de discórdia" identificados pelo Ministério:
dispensam-se os critérios da melhoria dos resultados
escolares dos alunos e da redução do abandono escolar
para aferir a qualidade do professor. Muito curiosa e
sintomática foi a explicação dada: de facto, esta é uma matéria
sobre a qual todos os países europeus se debruçam, mas sobre a
qual ainda não há resultados conclusivos, daí que se tenha
decidido cancelar até que haja garantias de fiabilidade.
Não considera V. Excia por demais preocupante que
o Ministério da Educação Português tenha introduzido um
critério que ainda está a ser estudado, do qual não há
"garantias de fiabilidade", que o tenha defendido até às raias
da teimosia, para só o deixar cair, temporariamente (a Sra
Ministra garantiu que o introduziria já no próximo ano
lectivo), depois de manifestações de rua massivas?
2 . Para "simplificar" o processo e "responder" a
alguns dos problemas levantados foram ainda apresentadas
outras medidas, das quais destaco:
a) os avaliadores (sejam coordenadores, sejam
avaliadores por delegação de competências) partilham a
mesma quota para atribuição das menções de Muito Bom e
Excelente. Não serão avaliados pela componente científico-
pedagógica (como previsto no Descreto-Lei 2/2008, de 10
de Janeiro), apenas pelo seu desempenho como
avaliadores, pelo Executivo da Escola. Tal não inviabilizará
que cheguem àquelas menções de topo;
b) os restantes professores, apenas no caso de
pretenderem concorrer para as menções de Muito Bom ou
Excelente, é que serão avaliados na componente científico
–pedagógica e só aí terão aulas observadas;
c) um professor que queira ser avaliado por um
avaliador da sua área científica deve requerê-lo por escrito –
se não houver um titular da sua área, poderá o coordenador
do departamento, com o conselho executivo, identificar um
professor não titular com "perfil" adequado à função.
Poderá, ainda recorrer a titulares de outras escolas.
Poderia, ainda, apontar outras medidas, mas estas
bastam para evidenciar a execranda solução encontrada
pela equipa ministerial e que deixa a nu a demagogia e
falsidade do discurso que tem sido debitado a toda a sociedade
civil. Bastará recordar as mais próximas, do senhor
Secretário de Estado Adjunto da Educação, Jorge Pedreira,
no programa Prós & Contras, do passado dia 24 de
Novembro, que mantinha como imperativo da manutenção
deste modelo de avaliação o facto de se exigir uma
avaliação "rigorosa, credível e que permita a diferenciação
entre professores…", acrescentando ainda que "não
podemos continuar a adiar uma solução que pode ser
dolorosa, mas que exige a ruptura com uma cultura de escola
que existia e que não deu bons resultados (…) com os
resultados que tínhamos no sistema educativo, com os níveis de
insucesso e de abandono escolar que tínhamos…".
Como não reconhecer, de imediato, as reais
intenções deste modelo? Ou seja, o fabrico de um sucesso
artificial, estatístico, empobrecedor do futuro da nação,
completamente indiferente a critérios pedagógicos e, mais
ainda, incapaz de valorizar uma das peças fundamentais na
construção de uma escola de qualidade: os professores. Se
dúvidas havia, eis as provas cabais:
• como entender que a um avaliador, como eu sou, seja
retirada a componente científico-pedagógica, a única
verdadeiramente importante, a única que relevará
realmente para o sucesso dos alunos? Que professor,
digno do seu nome e do respeito dos seus alunos,
aceitará uma situação desprestigiante como esta?
• como entender a arbitrariedade de uma lógica que diz
privilegiar o desempenho docente, mas que admite
como "voluntária" a sujeição de um professor a uma
avaliação com critérios científico-pedagógico?
• como entender que este carácter "voluntário" tenha por
justificação a "simplificação" do processo? Será porque
o Ministério considera que a maior parte do corpo
docente é medíocre, pouco formado e com baixas
expectativas, e por isso poucos se "candidatarão" às
menções mais elevadas?
• como entender a manutenção de uma diferenciação que
se diz baseada no mérito quando, depois de um
concurso de titular verdadeiramente injusto e
discriminatório, acresce ainda esta fantástica
contradição de "promover" um professor não titular (que,
de acordo com o discurso do Ministério, é menos
qualificado, tem menos mérito) a avaliador dos restantes
colegas? Onde está o reconhecimento do mérito?
• onde está, realmente, a valorização da autêntica
dimensão do professor, a única que verdadeiramente
contribuirá para o sucesso dos alunos, a sua dimensão
científico-pedagógica?

Enquanto professora sinto-me insultada. Não quero


ser avaliada com um modelo que mais não fará que
destruir o sistema público de ensino.
Enquanto portuguesa, sinto-me duplamente insultada.
A equipa ministerial não só está a destruir o sistema
educacional português, como quer fazer crer que o faz
para benefício deste mesmo sistema.
A arrogância, prepotência do Ministério da Educação
crescem a olhos vistos, basta atender ao modo como
tratou o Conselho de Escolas
(http://diario.iol.pt/sociedade/escolas-educacao-
avaliacao-professores-conselho-das-escolas-iol/1017252-
4071.html), aquele que mais deveria ser ouvido, pois é o
que está mais próximo da realidade das escolas.
Urge travar esta política educativa, que a cada
momento se revela mais inconsequente, mais
incoerente e potencialmente mais perigosa. É urgente
fazer algo, Senhor Presidente da República, pois a
matéria é de suma importância para o futuro do país.
Fiquemos na história por termos agido. Os professores
já deram o primeiro passo.
Atentamente,
Fátima Inácio Gomes
Professora da Escola Secundária de Barcelos
Coordenadora do Departamento de Línguas

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