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Tornara-se um crtico.

Havia anos que no mais admirava a beleza dos detalhes, no mais ajudava a construir o paraso ao seu redor. Era um crtico de toda diferena, de outro, de si, e havia se perdido na escala musical por no conseguir ter mais D. Naquele momento de desvelo onde nada mais interessa ao desbravador da existncia, no criou. O assombro de sua prpria covardia desmascarava toda uma existncia levita, de mero expectador das dores e delcias. Conforme sua mscara de paladino platnico da vida caa, realizava que havia esquecido do viver. Era tarde? Repassou sua vida: a profisso escolhida, sua coleo de sapos, suas depresses escondidas, seu dedicado controle da temperatura do fogo da vida, suas alegrias, amores e comidas. No era tarde. Tudo gira, e agora era seu momento de ficar de cabea para baixo. Lembrou-se do alienista do grande mulato, e de quantas vezes a tosqueira da vida moderna o havia feito cortar asas dos loucos esperanosos parideiros de uma sociedade ainda no nascida. E chorou. E quanto mais chorava, mais suas carapaas iam dissolvendo, e ele agora via-se revigorado, suas prprias lgrimas filtrando a gua daquele aqurio que no mais lhe alimentava. Era criana de novo, antes de toda dor. E por mais que suas prticas sociais no cabiam em sua nova forma de ser no mundo, decidiu viver.

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