Você está na página 1de 5
SOBRE VERDADE E MENTIRA NO SENTIDO EXTRA-MORAL (1873) oe Em algum remoto rine do universo cintilante que se derrama em um sem: nimero de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteli inventaram o conhecimento. Foi o minuto ‘ria universal”: mas também foi somente da natureza congelou-se 0 astro, ¢ 08 anim: humana. Ao contririo, ele humano, e somente seu possuidor e genitor 0 t ‘do pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem nele. Mas se semos entender-nos com a mosca, perceberiamos entdo que também ela béia no ar do conhecimento, nio transbordasse logo como um odre; ¢ como todo transpor- tador de carga quer ter seu admirador, mesmo o mais orguihoso dos homens, 0 fildsofo, pensa ver por todos 0s lados os olhos do universo telescopicamente em mira sobre seu agir € E notavel que o apenas como mei 3 208 para fiema-los um minuto na exist O intelecto, como um meio para a conservagio do individuo, desdobra suas forgas mestras no disfarce; pois este é 0 meio pelo qual os individuos mais fracos, ‘menos robustos, se conservam, aqueles aos quais esta vedado travar uma luta pela hténcia com chifres ou presas agugadas. No homem essa arte do disfarce chega 4 seu pice; aqui o engano, o'lisonjear, mentir e ludibriar, 0 falar-por-tras-das- 54 NIETZSCHE ‘costas, 0 representar, o viver em gloria de empréstimo, 0 mascarar-se, a conven ‘gio dissimulante o jogo teatral diante dé outros e diante de si mesmo, em sum, © constante bater de asas em torno dessa tinica chama que é a vaidade, é a tal onto a regra ea lei que quase nada é mais inconcebivel do que como péde aparc- ter entre Os homens um honesto ¢ puro impulso a verdade. Bles estio profunda- mente imersos em ilusdes e imagens de sonho, seu olhto apenas resvala as tonta’ pela superficie das coisas e vé “formas”, sua sensagao nao conduz em parte algu- ma a verdade, mas contenta-se em receber estimulos ¢ como que dedilhar um teclado as costas das coisas. Por isso o homem, & avés da vida, ‘© sonho Ihe minta, sem que seu sentimento mi entanto, deve haver homens que pela forga de v. car. O que sabe propriamente o homem sobre ‘alguma vez perceber-se completamente, como s¢ estivesse em uma vit .? Nio Ihe cala a natureza quase tudo, mesmo sobre seu corpo, para dos intestinos, do fluxo répido das correntes : -agdes das fibras, exilado e trancada em uma cons- ciéncia orguthosa, chal ai da fatal curiosidade que através de uma fresta foi capaz de sair uma vez do cubiculo da co para baixo, © agora pressentiu que sobre 0 implacivel, o vido, 0 fssassino, repousa 0 homem, na indiferenga de seu nio-saber, € como que pen: dente em sonhos sobre o dorso de um tigre. De onde neste mundo viria, nessa cconstelagdo, o impulso a verdade! 7 Enquanto 0 individuo, em contraposigio @ outros individuos, quer conser- vvar-se, ele usa 0 intelecto, em um estado natural das coisas, no mais das vezes ‘somente para a representago: mas, porque o homem, ao mesmo tempo por neces- sidade e tédio, quer exist socialmente e em rebanho, ele precisa de um acordo de paz e se esforga para que pelo menos a mixima bellum ommium contra omnes" desaparoga de seu mundo. Esse tratado de cconsigo algo que parece ser 0 primeiro passo para alcangar aquele enigm’ feito, &fixado aquilo que doravante deve ser ida e obrigatdria das coisas, € descoberta uma islagio da lin- 050 usa as designagées vali s. para fazer aparecer 0 ‘como efetivo; ele diz, por exemplo: * quando para seu estado seria precisamente “pobre” a designagio cor- faz mau uso das firmes convengdes por meio de trocas arbitrarias ou verses dos nomes, Se ele 0 faz de maneira egoista e de resto 1a sociedade nfo confiara mais nefe ¢ com isso 0 excluira de si. Os homens, ni io procuram tanto evitar serem enganados, quanto prejudicados pelo ‘engano: o que odeiam, mesmo nesse nivel, no funda nio & a ilusio, mas as conse- aiiéncias nocivas, hastis, de cértas espécies de ilusdes. E também em um sentido restritlo semelhante que homem quer somente a verdade: “deseja as * Guerra detados contra aos (N- 80) SOBRE VERDADE E MENTIRA 55 conseqiénicias da verdade que sio agradiveis e conservam a vida; diante do conhecimento puro sem conseqiiéncias ele é indiferente, diante das verdades mento, do senso de verdade; as designagdes € as coisas se recobrem? F a lingua- gem a expressio adequada de todas as realidades? Somente por esquecimento pode o’homem alguma vez chegar a supor que possui uma “verdade” no grau acima designado. Se ele nao quiser contentar-se com a verdade na forma da tautologia, isto & com os estojos vazios, compraré eternamente ilusdes por verdades. O que é uma palavra? A figuragdo de um esti ‘mulo nervoso em sons. Mas coneluir do estimulo nervoso uma causa fora de nés Jit € um resultado de uma aplicagio fala cilegitima do principio da razio. Como poderiamos nds, se somente a verdade fosse decisiva na génese da linguagem, se tr0 modo, € néio somente como uma estimulagio inteira- imos as coisas por géneros, designs a tririas! A que designagao nao se refere a nada que o enrodithar-se, ¢ portanto po também caber ao verme.? Oue'delimitagdes arbitrérias, que preferéncias unilate- rais, ora por esta, ora por aquela prapgiedade de uma coisa! As diferentes ling das lado a lado, mostram que nas palavras nun verdade, nunca uma expressio adequada: pois sendo nao haveria t ‘A “coisa em si” (cal seria justamente a verdade pura sem conseqién: também para o forma- dor da linguagem, inteiramente incaptavel e nem sequer algo que vale a pena. Ele designa apenas as relagies das coisas aos homens e toma em auxilio para expri- imi-las as mais audaciosas metéforas. Um estimulo nervoso, primeiramente trans- posto em uma imagem! Primeira metéfora. A imagem, por sua vez, modelada em tum som! Segunda metifora. E a cada vez completa mudanga de esfera, passagem para uma esfera intciramente outra ¢ nova. Pode-se pensar em um homem, que seja totalmente surdo ¢ nunca tenha tido uma sensagio do som e da mi ‘mesmo modo que este, porventura, vé com espanto as figuras sonoras de desenhadas na arcia, encontra suas causas na vibragiio das cordas ¢ jurara agora que hi de saber 0 que os homens denominam 0 “som”, ass todos nés com também acontece a tamos saber algo das coisas mesmas, se fala 56 NIETZSCHE ‘Assim como o som convertido em figura na areia, assim se comporta o enigmé- tico X da coisa em si, uma vez como estimulo nervoso, em seguida como imagem, ‘enfim como som, Em todo caso, portanto, nao & logicamente que ocorre a génese a linguagem, e 0 material inte, no qual e com 0 qual mais tarde o homem da + 0 fikisofo, trabalha ¢ constrdi, provém, se nio de Cuco- sm todo caso nao da esséncia das coisas. ‘Assim como é certo que nunca uma folha éi ito de folha formade por arbi representagio, como se na natureza além das folhas houvesse algo, que fosse “folha”, eventualmente uma folha primordial, segundo a qual todas as folhas fos- isadas, pintedas, mas por mios tal modo que nenhum exemplar tivesse saido correto ¢fidedigno como ‘pia fiel da forma primordial. Denominamos um homem “honesto”; por que ele agiu hoje tio honestamente? — perguntamos. Nossa resposta costuma ser: por ‘causa de sua honestidade. A honestidade! Isto quer dizer, mais uma vez: a folha 4 causa das folhas. O certo & que niio sabemos nada de uma qualidade essencial, «..:.. s0 sim, de numerosas agdes ‘qualitas occulta com 0 nome: € efetivo nos da o conceit, inacessivel e indefin coisas, mesmo se néio ousamos dizer que to, uma afirmagao dogmatica ¢ como tal tio esqueceu que o so, metiforas que se tornaram gastas e sem forga sen: das que perdecam sua efigie ¢ agora s6 entram em consideragao como me! mais como moedas. SOBRE VERDADE E MENTIRA. 7 mente: da obrigagio de nho, em um estilo obrig: € assim que se passa temente e segundo hébitos seculares — e. mente por exe esquecimento, chega ao sentimento da verdade, No sea estar obrigado & desgnar ‘uma coisa como “vermelha”, outra como “ temitica. Quem & bafejddo por essa frieza ‘8sse0 € octogonal como um & designado, contar exatamente seus pontos, form: pecar contra a ordenagio de cas enc como os rom: ‘em um espago cada povo tem de agora por confinavam um deus, como em um ter cu conceitual matematicament de verdade que cada deus conc oderoso génio const como que sobre Agua dos conceitos, que antes tem de fabricar a partic de si mesmo. Ele , aqui, muito

Você também pode gostar