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fextemas, Uma imagem mais adequada da realldade so- ial seria agora ade um teatro de fantoches, com a cortina se levantando e revelando as marionets saltando fnas extremidades de eur fios invisives, representando animadamente os pequenos paptis que the foram atribui- dos na tragicomédia a ser encenada. Entretanto, a ana- logia nio € bastante ampla. O Pierrd do teatro de fan- toches nfo. tem vontade nem consciéncia. Mas 0 Pierrd do paleo soci! nada deseja reno o destino que © aguarda no cenirio — e possai todo um sistema filo- sbtleo para provicto © ‘termo chave usado pelos sociiogos para se referir 20s fendimenos discutidos neste capitulo & "interaliza- ‘Gor. O que acontece na socializagdo € que o mundo Social € interalizado. pela crlanga. O mesmo proceso, fenbora talver num grau mais fraco, ocorre a cada vez ‘que o adult € iniciado num novo’ contexto social ow ‘num novo grupo social. A sociedade, eno, nfo € apenas uma coisa que existe "i", no sentido durkheimiano, mas la também existe “aqul”, parte de nosso ser mals in- timo. Apenas uma comprecnsio da interalizagto dé sen- tido a0 fato incrivel de que a. maioria dos controles externas funcionem durante a maior parte do tempo para ‘2 major parte das pessoas de uma sociedade. A socl- Gade nfo. s6 coniola nossos movimentor, come. ainda «4 forma & nossa identidade, nosso pensamento e nossas femogdes. AS estruturas da ‘sociedade tornam-se as e5- ‘ruturas de nossa propria conscincia. A sociedade no se detém & superficie de nossa pele. Ela nos penetra, tanto quanto nos envolve. Nossa’ serviddo para com soviedade & estabelecida menos. por conquista que por conluio. AS vezes, realmente, somos esmagados € subju- gados. Com freqléncia muito maior calmos na_arma- Atha engendrada por nossa propria natureza social. AS paredes de noreo carcere jf existiam antes de entrarmos fem cena, mas nés a reconstruimos eternamente. Somos aprisionades. com nossa prépriacooperagéo. 6 A Perspectiva Sociolégica — A Sociedade como Drama ‘SE 08 DOI CAPITULOS ANTERIORES COMUNICARAM. ALOUMA coisa, 0 leitor estaré tomado de una sensagio que talvez ppossa ser definida como de claustrofobia sociolégica. ‘Tera um certo direto moral de exigie que o autor destas ppiginas Ihe proporcione algum alivio, mediante uma afi Ihaglo da Uerdade humana em face aoe varios dlermi- nantes socais. Tal afimacio, entretanto, apresenta diffe culdades aprioristicas dentro do quadro de uma discus ‘fo socioldgica, Cumpre examinar rapidamente estas di- flculdades antes de. prosseguirmos. ‘A liberdade no & acessvel empiricamente. Mais pre- cisamente, embora a liberdade possa ser por nés expe fimentada como uma certeza, juntamente com outras certezas empirias, nfo & passivel de demonstragio por ‘qualsquer métodos cientificos. Se desejarmos.guiar-nos or Kant, a liberdade também no ¢ scessivel racional- mente, isio é, nfo pode ser demonstrada por métodos filos6ticos bateados nas operaeies da razio pura. Lik mitando-nos aqui 4 questio da acessibllidade ‘empirica, 4 evanesctncia da liberdade em relagio A percepgao cientfica repousa menos no Indizivel_mistério do. fend ‘meno (afinal, a liberdade. pode ter misteriota, mas 0 mistério 6 encontrado diariamente) do que no estopo estritamente limitado dos métodos cientificos. Uma cin cia empirica tem de atuar dentro de certas premissas, fuma das quals € a de causalidade universal, Pressupde= 137 se que todo objeto de ingurigdo cientiica possua uma causa anterior. Um objeto, ou um fato, que seja sua ‘propria causa situa-se fora'do universo ciatitico de dis- curso. Entretanto, a liberdade possul exatamente este ca- titer. Por esse motivo, nenhum volume de pesquisa cien- tifca jamais revelard'um fendmeno que posta ser de- ‘signado como. live. Tudo quanto posta. parecer livre dentro da conscicla subjetiva de um individuo seré dee- crito no esquema cientifico como um elo de alguma cadeia de causalidade, Liberdade e eausslidade nio conatituem termos logica- ‘mente contraditérios. Contudo, pertencem a quadros de referencia dispares. Por isso, € ocioso esperar que mé- todos cientifcos sejam capazes de revelar liberdade me- ante algum método de eliminagio, acumulando causas sobre causas, att se chegar a um fenfmeno residual (que nfo. parega ter causa e que possa ser proclamado como live. Liberdade no & aquilo que nfo tem causa. Da mesma forma, nfo se pode chegar a liberdade através do exame de casos em que 2 previsio cientfica falhe Liberdade nfo € imprevisibiidade, Como demonstro ‘Weber, se foste assim o louco seria o ser humano mals livre que existe. O-individuo consciente de sua propria iberdade ndo se situa fora do. mundo da causalidade: antes percebe sua prpria volielo como uma categoria fspecisissima de causa, diferente das outras causat que fem de levar em conta, Essa diferenga, entetanto, alo E tuscetivel de demonstragso.cientfica. Talver uma analogia ajude a esclaecer a questio. Liberdade © causaidade nfo sk termos cont sim dispares, tanto quanto utlidade e beleza coisas ndo se excluem logicamente. Mas nfo se pode fstabelecer a realidade de uma mediante a demonstag40 da realidade da outra. Pode-se tomar um objeto espect- fico, como um mével, © mostrar conclusivamente que ele postul determinada ullidade para a vida humana — sentar, comer, dormir, qualquer coise, Contudo, por mais ‘que se prove sua utiidade, nada ficard demonstrado quanto a beleza da cadeira, da mesa ou da cama. Em ‘outras palavras, os universos_utlititio © estético de discurso sio rigorosamente incomensurdvels Em termos de método socioligio, defrontamo-nos com uma maneira de pensar que supée a priori que o mundo hhumano sa um sistema fechado. O.mélodo do clen- tista social nfo. seria cientifico se pensasse de outra forma. Como espécie especial de causa, a liberdade € ‘excluida aprioristicameate desse sistema. Em termos de fendmenos socais, 0 cientista social deve supor uma re ‘pressio infinita de causas, nenhuma das quals possuiré Status ontoldgico privilegiad, Se nfo puder explicar um fendmeno, do ponto. de vista causal, com um conjunto de categorias sociolgicas, ele tentard outro, Se causas politicas no parecerem satistatria, 1 fomicas. E se todo 0 aparelho conceit parecer inadequado para explicar um dado fendmeno, fle poderd langar mio de outro, como 0 psicoldgico ot (© Bioldgico. Ao assim proceder, porém, ele ainda se tmoverd dentro do cosmo cientifico — ou sea, deseobriré ‘ovat ordens de causas, mas no encontrard liberdade. [io ha como perceber a liberdade, seja na propria pessoa fou em outro ser humano, salvo através de uma intima certeza subjeliva que se. dissolve to logo & atacada com os inetrumentos da andlise centfica [Nada mais distante das intengSes deste autor que sair- se agora com uma protssio de 1é naquele credo posi- tivista, ainda em moda entre alguns centistas socials americanos, que 6 er8 nos fragmentos da reaidade que ‘possam ser tralados cieniicamente. Tal positvismo tem ‘Como resultado quase invaraveimente ma forma ou ‘otra de barbarismo intelectual, como demonstra de ma- ncira admirdvel a hist6ra recente da psicologia behaviou- ‘sta nos Estados Unidos. Nao obstante tem-se de manter luma cozinha Aosher* para que a alimentagio intelectual ‘nfo. ae. corrompa.iremediavelmente isto & no s¢ deve verter o leite do. discernimento subjetivo sobre a ‘ane da interpretagdo clenifca, Tal segregagio ndo sig- dn em toe. © rm & oe 139 nifica que ndo se possa apreciar ambos alimentos; en- fretanto, nfo podem vir misturados num unico prato. Deduz-se dai que para nossa discutsio manler-se th gidamente dentro. do quadro de referénciasocioldgico, {que € cientific, ndo poderlamos absolutamente falar em Uberdade, Teriamos de deixar ao leitor a tata de salt como padesse de sua pristo claustrofdbica, Como, feliz mente, estas paginas ndo aparecerdo numa publicasio socoldgica e no serdo apresentadas numa reunio cer ‘monlal da profssfo, nfo hd por que sermos to asttios. ‘Ao inves ‘disso, seguiremos dois rumos. Em primeiro lugar, ainda permanecendo dentro do modelo de exis- téncla humana proporcionado pela propria perspectiva fentaremos demonstrar que 0s controles, ex fernos € internos, tlvez nfo sejam tio infalivels como laremos 4 realidade da liberdade, apés o que tentaremos ‘olhar o modelo socioligico do Angulo dessa postlagio, No primeiro. rumo, acrescentaremos. alguns retoques nossa. perspectiva sociolégica; no segundo, tentaremos ‘obler uma’ certa_perspectiva humana da’ perspectiva, socildgica. Vottemos 20 ponto em nosso raciocinio, no final do ‘timo capitulo, no qual afirmamos que nossa propria cooperagdo € necessiria para levar-nos 20 cativelro.s0- Gal, Qual é a natureza desta cooperagio? Uma das pos- sibiidades de se responder a essa pergunta consiste em fomarmos mais uma vez 0 concelto de Thomas da def nigdo da situagdo. Podemos enti argumentar que, quer que sejam as pressbes externas e interna da socie- dade, na maioria dos casos nbs proprios teremos de ser pelo menos co-detinidores da situagSo social em questio, Ow seja, qualquer que soja a_pré-historia desta, nds proprios somos convocados um ato de_colaboraglo na manutengio da definigfo. particular. Entretanto, uma ‘outea possbilidade de resolver a perguntaacima consis te em langar mo de outro sisema de conceituacto so- coldgica —o de Weber. Julgamos que uma abordagem Mo weberiana constitua neste ponto uma stil compensacio para-o Angulo durkhelmiano sobre a existéncia social ‘Talcott Parsons comparou a sociologia weberiana com outras abordagens, chamando-a de “voluntaristica". Em- bora a concepeio weberiana de metodologia.centifles seja demasiado’ Kantiana para permitir a inrodugio em Seu sistema da ldtia de liberdade, 0 termo usado_por Parsons distingue bem a énfase weberiana na intencio- nalidade da ago social em oposiglo ao desinteresse urkheimiano por essa dimensdo, Como vimos, Durkheim ressalla 2 externalidade, a objtividade, 0 cardter “cois- ficado da realidade social, Inversamente, Weber sempre enfatiza 0s significados, as intengdes a5 inerpretages Ssubjetivas levadas a. uma situagio social pelos_alores ‘que dela participam, Weber, € claro, assinaa também que ‘Aqulo que por fim acontece numa sociedade pode ser iuito diferente do que estes atores tencionavam. Afima, porém, que toda essa dimensio subjetiva deve ser tor ‘nada em consideragio para wma adequada compreensio socloldgies. Ou seja, a compreensto.socioldgica envolve 4 inerpretagio de significados presentes na socedade, Segundo essa concepsto, toda sitago social € man tida pela trama de signiticados para la levados pelos virios paricpantes. E” evidente, naturalmente, que numa situag4o cujo significado cesteja fortemente estabelecido pela tradigdo e pelo consenso undnime, um tnico indie Viduo ndo'seré capaz de fazer muito ao propor uma de- Tinigéo discordante. No minimo, contudo, poder provo- car sua alienagio em relagdo & situagdo, A possibilidade de existincia marginal na. sociedade jd representa indi- ‘do de que of significados ‘comumente aprovados no ‘sfo onipotentes em sua capacidade de coergio, Mais Interessantes, porém, $80 os casos em que certos indie ‘duos conseguem formar um circulo de. seguidores bas tante grande para fazer suas interpretagdes discordantes do mundo “pegar”, pelo menos ene esse circulo. Esta possibilidade de se romper 0 consenso de uma sociedade & dosenvolvida na teorla weberiana do carl ma. O termo, derivado do Novo Testamento (onde, con- ut

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