O Arco da Literatura: Das Teorias às Leituras
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É para isso que o autor o escreve. Mas, como disse Roland Barthes, "o texto que o senhor escreve tem de me dar prova de que ele me deseja". Esse é o desao do escritor, sobretudo porque há leituras pouco exigentes que se contentam com o que está na superfície do texto, assim como há leituras de um tipo de leitor que só se contenta quando descobre o que está mais no interior do texto. Esse é o desao ao leitor, bem de acordo com o que ensina Jacques Derrida: "um texto só é um texto se ele esconde, ao primeiro olhar, ao primeiro que aparece, a lei de sua concepção e a regra de seu jogo".
E a proposta deste O arco da literatura: das teorias às leituras é de fazer o leitor penetrar nas entranhas do texto. Isso é possível na medida em que no livro se associam duas estratégias: a reexão teórica, fundada em princípios extraídos do estudo de vários autores renomados e a aplicação de tais princípios em textos de escritores brasileiros e portugueses.
Como complementação, apresentam-se leituras com análises críticas de textos de dois magos da literatura brasileira, que são Machado de Assis e Guimarães Rosa. Essa proposta é uma oferta aos que amam a literatura.
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O Arco da Literatura - Audemaro Taranto Goulart
possível".
Capítulo 2
Desconstrução e construção em sintonia com Derrida
Das palavras que poderiam definir o campo de estudos filosóficos, linguísticos e culturais proposto por Jacques Derrida, nenhuma será mais adequada que a palavra polêmica
. A leitura de Derrida parece ter como efeito a produção de uma espécie de litigantes: de um lado os que admiram, de outro os que detestam o filósofo.
Tudo decorre do caráter de profunda inovação que Derrida propõe como mecanismo de leitura da filosofia ocidental, instituindo um processo, denominado de desconstrução
, que transcende os limites dos estudos filosóficos, linguísticos e literários. Quer dizer, a visão de Derrida põe em xeque a noção mesma da filosofia enquanto princípio que entende e projeta a inteligência do mundo ocidental que vinha desde os gregos.
Nesse sentido, a desconstrução relativiza os pressupostos históricos que vieram, ao longo dos séculos, firmando a crença na fecundidade da metafísica ocidental. Tais aspectos são continuamente enfatizados por todos aqueles que acreditam nas teorias de Derrida e, sem se esquivarem a uma visão especializada dos estudos filosóficos, cunham uma divisão que desenha duas etapas para a filosofia: uma antes e outra depois de Derrida.
Mas existe um outro lado onde se alinha, por exemplo, o historiador norte-americano Jim Powell, que é um indesviável crítico de Derrida. Para o intelectual, Derrida foi considerado por alguns como o filósofo mais importante do fim do século XX. Infelizmente, ninguém tinha certeza se o movimento intelectual que ele gerou – Desconstrução – fez a filosofia avançar ou se a matou
(2002, p. 77).
E para acrescentar apenas mais uma ilustração da oposição a Derrida, lembraria as figuras dos professores australianos Richard Freadman e Seumas Miller que escreveram um livro para fazer a crítica da teoria literária contemporânea. Dedicando um capítulo especial a Derrida – O pós-estruturalismo de Jacques Derrida: o construtivismo linguístico (pós)saussureano
–, os autores não poupam críticas ao filósofo argelino. Uma de suas investidas traz os seguintes reparos:
Entretanto, o que é incomum em relação a Derrida é essa mistura especial de jogo e argumentação de difícil compreensão que caracteriza todos os seus textos. Essa mistura muito favoreceu sua reputação entre os estudiosos de literatura, que encontram uma combinação de exotismo estilístico com um aparente rigor conceitual adequado; ela também facilitou a passagem de ideias que são problemáticas mas que estão suficientemente disfarçadas em engenhosidades retóricas para parecerem irrefutáveis. (1994, p. 155)
Como se vê, a palavra polêmica é o que melhor traduz a situação das teorias que Derrida desenvolveu em suas obras. Entretanto, negá-las, pura e simplesmente, por considerá-las falaciosas ou desprovidas de validade é um exercício de acentuada insensatez. O certo é que aplaudido ou criticado, admirado ou desprezado, Derrida viu suas ideias entrarem em ebulição, precisamente, em 1966, quando ele proferiu uma conferência na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos. E foi nessa ocasião que os estudiosos de literatura se deram conta da importância que as ideias do filósofo poderiam ter nos estudos linguísticos e literários. A justificativa era de que se pregava ali a necessidade de se desconfiar dos bem-comportados procedimentos do discurso, pois este, sempre, está disponibilizando significados novos e, normalmente, insuspeitados. Para Derrida, seria preciso abrir as comportas da significação, de modo que rolassem soltos todos os significados que o logocentrismo, manifestação da metafísica ocidental, escamoteou e recalcou em nome de seu projeto autoritário e unificador.
A proposta de Derrida recebeu o nome de desconstrução
, denominação bastante sugestiva uma vez que o mecanismo de abordagem do texto consistiria, fundamentalmente, no desmonte mesmo do texto, visando a que se pusesse a descoberto tudo quanto nele existe, inclusive os significados que não se ofereciam explicitamente ao leitor. Se as universidades Johns Hopkins e Yale receberam entusiasticamente o desconstrucionismo, outras fecharam-lhe as portas, o que é bem uma amostra de como as ideias derridianas circularam pelo espaço acadêmico. Essa cisão entre receptores e detratores circulou também pela Europa, principalmente na França e na Inglaterra, sendo de se destacar que no Reino Unido, como um todo, muito pouca boa vontade havia na consideração das novas ideias. De todo modo, é importante destacar que se as ciências pouca importância atribuíram às postulações de Derrida, vendo-as, inclusive, como indignas de atenção, a filosofia e, principalmente, a crítica literária serviram de caixa de ressonância para elas, e é inegável que isso abriu uma nova perspectiva na questão da leitura do texto literário.
Começo, pois, esse exame nos escaninhos da filosofia derridiana, lembrando que, por mais original e inovador que seja, o discurso crítico dá a ver suas origens e seus lastros. No caso de Derrida, algumas dessas origens, reveladoras de sua composição genética, podem ser facilmente rastreadas. Outras articulações discursivas, entretanto, se não ecoam nesse nascedouro, podem, pelo menos, revelar alguma espécie de consanguinidade o que acaba sendo uma forma de legitimação do discurso focalizado.
Quero mostrar isso, viajando no tempo. Derrida nasceu na Argélia, em 1930; mais ou menos quarenta anos antes, exatamente em 1889, Wittgenstein nascia na Áustria e, outros quarenta anos antes, em 1859, nascia Husserl, na Alemanha. Curiosamente, os 71 anos que separam Derrida de Husserl denunciam uma aproximação maior, de vez que Husserl foi uma leitura importante nos passos primeiros que o filósofo argelino deu no terreno da filosofia (diga-se, logo, que Derrida, posteriormente, negaria inteiramente os pressupostos husserlnianos). De todo modo, tem-se, nesse caso, uma presença muito mais clara de Husserl na vida de Derrida que o parentesco que se pode entrever entre este e Wittgenstein, ambos pensadores do século XX. É por essa via, pois, que se podem vislumbrar alguns mecanismos que irão ecoar, mais tarde, no universo de argumentação a que Derrida deu o nome de