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Período de atividade de alguns vertebrados do Pantanal, estimado

por fotografia remota

Vera Lúcia Nascimento1 ; Jucélia Adriana Ferreira1 ; Daniel Moraes de Freitas1 ; Liliane
Leite de Souza 1 ; Paulo André Lima Borges2 ; Walfrido Moraes Tomas3
1
Estagiária Embrapa Pantanal.
2
Bolsista Fundação Dalmo Giacometti - Embrapa Pantanal.
3
Pesquisador, Embrapa Pantanal, R. 21 de Setembro, 1880, 79320-900 Corumbá, MS.
E- mail: tomasw@cpap.embrapa.br.

Resumo
O armadilhamento fotográfico é um recurso que recentemente vem sendo utilizado por
pesquisadores para responder questões ecológicas, pode ser utilizado em estimativas de
tamanho populacional, no estudo de uso de habitats e períodos de atividade, entre
outras. Determinar o período de atividade das espécies pode ser importante para estudos
posteriores, onde é preciso conhecer os horários de mais fácil observação ou que
otimize esforços de captura, por exemplo. Este trabalho teve como objetivo relatar os
horários de atividade de alguns vertebrados no Pantanal através de câmeras fotográficas
automáticas. As câmeras foram distribuídas em vários pontos de habitats florestais entre
novembro e março de 2002, 2003 e 2004. Foram obtidas 630 fotos de vinte quatro
espécies de médios e grandes vertebrados, em cerca de 2.900 horas de exposição. Neste
trabalho apresentamos os resultados de seis espécies, para as quais pelo menos vinte
quatro registros foram obtidos: caitetu, queixada, cutia, mutum, quati e lobinho.

Palavras-chave: armadilhas fotográficas, fauna, Pantanal, período de atividade.

Abstract
Camera traps are a recent resource in use to answer ecological questions, including
population size estimation, habitat use, and activity periods. The knowledge on the
activity period may be useful for further studies in which is necessary to know the best
hour to see the animals or to optimize the capture effort, for example. This article has as
objective to report the activity period of some medium to large vertebrates in the
Pantanal wetland using camera traps. Cameras were distributed in several locations
between November and March of 2002, 2003 and 2004. A total of 630 pictures were
obtained from 24 species, after 2,900 hour of exposition. Here we present the results for
six species, for which at least 24 pictures were obtained: collared peccary, white- lipped
peccary, agouti, coati, crab-eating fox and curasow.

Index Terms: activity period, camera traps, Pantanal, wildlife.

Introdução
O conhecimento dos horários de atividade de espécies da fauna pode ser
importante para se determinar ações de projetos de pesquisa, fazendo com que sejam
mais eficientes. Os horários de maior atividade de determinada espécie podem ser
preferenciais para levantamentos de abundância, já que resultam em maior
detectabilidade e podem ajudar a diminuir o esforço necessário. Por outro lado, a
captura de animais pode ser determinada para ocorrer em horários de maior atividade,
aumentando as chances de sucesso. Finalmente, o conhecimento sobre horários de
atividades pode ajudar em estudos ecológicos, especialmente sobre espécies com
sobreposição de hábitos alimentares e uso de habitats. Nestes casos, a simples diferença
nos horários de atividade pode ser uma das estratégias para evitar competição inter-
específica.
Muitas técnicas podem ser utilizadas para se determinar os horários de atividade
de espécies da fauna, incluindo observação direta, uso de diversas formas de telemetria,
e câmeras fotográficas automáticas. A fotografia remota passou a ser utilizada em
estudos sobre animais silvestres bem recentemente, e os trabalhos de KARANTH
(1995) e KARANTH e NICHOLS (1998) envolvendo estimativas de tamanho de
população de tigres (Panthera tigris) são referências clássicas. Muitos aspectos de
estudos envolvendo o uso de cameras fotográficas automáticas podem ser encontrados
em TOMAS e MIRANDA (2003) e é crescente o número de trabalho sendo publicados
nos últimos anos.
Este trabalho tem como objetivo demonstrar como câmeras fotográficas podem
ajudar na determinação dos horários de atividade de algumas espécies de vertebrados no
Pantanal, e discutir as implicações e desvantagens do método.

Material e Métodos
Câmeras fotográficas automáticas foram distribuídas entre novembro e março de
2001, 2002 e 2003, por períodos variáveis, e ajustadas para 3 minutos de intervalo entre
fotos. As câmeras foram reguladas para estarem ativas a qualquer hora do dia ou da
noite, de forma contínua. Não foi utilizado nenhum tipo de ceva e as câmeras foram
instaladas em áreas de cerradão, mata semidecídua e cerrado nas fazendas Nhumirim,
Rio Negro e no Parque Estadual do Pantanal do Rio Negro, este último em novembro de
2003. Os pontos selecionados para instalação das câmeras consistiram de trilhas de
animais, varadouros e aceiros de cercas dentro dos habitats indicados acima.
As câmeras foram reguladas para registrar, nas fotos, o dia, a hora e o minuto de
cada foto. Com estas informações foi possível obter o número de detecções por espécie,
sendo detecção considerada aqui como uma foto, não importando o número de
indivíduos fotografados juntos, creditada a intervalos de uma em uma hora. Para
queixadas e caitetus, fotos obtidas num mesmo ponto com poucos minutos de intervalo,
e que não apresentaram um longo intervalo de tempo entre cada conjunto de fotos
próximas, foram consideradas como um gr upamento causado pela presença de um
grupo social na área amostrada. Assim, caso as fotos estivessem todas num único
intervalo de uma hora, apenas uma detecção foi creditada a este intervalo. No caso de
parte das fotos estarem em um dado intervalo e parte no subsequente, foi creditada uma
detecção para cada intervalo.

Resultados e Discussão
Foram obtidas 630 fotos em cerca de 2.900 horas de exposição das câmeras
fotográficas. Vinte e quatro espécies de médios e grandes vertebrados foram detectadas,
as quais são: paca (Cuniculus paca), veado mateiro (Mazama americana), veado
catingueiro (Mazama gouazoubira), onça parda (Puma concolor), lobinho (Cerdocyon
thous), jaguatirica (Leopardus pardalis), jaguarundi (Herpailurus yagouaroundi), irara
(Eira barbara), ouriço caixeiro (Coendou prehensilis), porco monteiro (Sus scrofa),
capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), anta (Tapirus terrestris), tatu peba (Euphractus
sexcinctus), tatu galinha (Dasypus novencinctus), caitetu (Tayassu tajacu), queixada
(Tayassu pecari), cutia (Dasyprocta azarae), mão pelada (Procyon cancrivorous),
tamanduá bandeira (Myrmecophaga trydactila), tamanduá mirim (Myrmecophaga
tetradactyla), mutm (Crax fasciolata), jacutinga (Pipile cujubi), ema (Rhea americana),
seriema (Cariama cristata), e outras espécies de aves e mamíferos de pequeno porte.
Entretanto, apenas o lobinho, a queixada, o caitetu, o mutum, o quati e a cutia tiveram
um número de detecções suficientes para elaboração de gráficos de atividade (> 24
fotos). Algumas espécies raramente foram detectadas, como o ouriço-caixeiro, a irara, a
onça parda e o jaguarundi, com 1, 3, 5 e 1 detecções, respectivamente. Outras espécies
que ocorrem na área de estudo não foram detectadas através de câmeras fotográficas,
como o cachorro vinagre (Speothos venaticus), o gato palheiro (Oncifelis colocolo), o
tatu canastra (Priodontes maximus) e a jaratataca (Conepatus chinga), entre outros.
Os resultados sugerem que queixada e caitetu podem estar ativos a qualquer hora
do dia, mas os caitetus parecem ser mais ativos depois do anoitecer a antes da meia
noite, além de apresentar um pico de atividade no meio da manhã. Já a queixada é muito
mais ativa nas primeiras horas da manhã (Figura 1). Esta diferença parece separar as
duas espécies, as quais ocupam habitats relativamente semelhantes na mesma área. Esta
pode ser uma estratégia para evitar interações entre os grupos sociais das duas espécies,
já que alguns recursos são compartilhados, incluindo habitats.
A cutia, o mutum e o quati são basicamente diurnos, mas a cutia tende a ser
crepuscular, enquanto o quati e o mutum não apresentam nenhum pico de atividade
marcante ao longo do dia. Finalmente, o lobinho é basicamente noturno e crepuscular,
mas pode apresentar alguma atividade pela manhã (Figura 1). Carnívoros tendem a ter
um período de atividade fortemente relacionado com o período de atividade de suas
presas (VAUGHAN, 1986), e isso parece ser verdadeiro para lobinhos, que são notórios
predadores de pequenos mamíferos. Já o quati, outro carnívoro, apresenta um ciclo
diurno, a isso pode ser explicado parcialmente pela sua dieta, que inclui frutos,
invertebrados e pequenos vertebrados.
Os resultados indicam que o uso das câmeras fotográficas automáticas pode ser
um excelente meio de estudar ciclos de atividade em vertebrados. Entretanto, deve-se
considerar que as amostragens precisam levar em conta os hábitos da espécie de
interesse, especialmente o tipo de habitat utilizado (TOMAS e MIRANDA, 2003,
KARANTH et al., 2003). TOMAS e MIRANDA (2003) alertam para uma série de
cuidados a serem tomados em estudos utilizando câmeras fotográficas, inclusive com
relação à dificuldade de se tecer detalhes sobre o tipo de atividade exercida por
determinada espécie, já que uma fotografia resume-se a um único ponto no tempo e no
espaço.

Referências Bibliográficas
KARANTH, K.U. Estimating of tiger population from camera-trap data using capture-
recapture models. Biological Conservation, v. 71, p.333 – 338, 1995.
KARANTH, K U. e NICHOLS, J.D. Estimation of tiger densities in India using
photographic captures and recaptures. Ecology, v. 79, p.2852 – 2862, 1998.
KARANTH, K. U.; NICHOLS, J.D.; CULLEN JR., L. Armadilhamento fotográfico de
grandes felinos: algumas considerações importantes. P. 269-284. In: In: L.
Cullen Jr, R. Rudran e C. Valadares-Pádua (eds.) Métodos de estudos em
biologia da conservação e manejo da vida silvestre . Curitiba: Ed. UFPR,
2003.
TOMAS, W.M. & MIRANDA, G.H.B. Uso de armadilhas fotográficas em
levantamentos populacionais. P. 243-267. In: In: L. Cullen Jr, R. Rudran e C.
Valadares-Pádua (eds.) Métodos de estudos em biologia da conservação e
manejo da vida silvestre . Curitiba: Ed. UFPR, 2003.
VAUGHAN, T. A. Mammalogy. Third edition. Saunders College Publishing, Fort
Worth. 1986. 576 p.

Figura 1. Período de atividade de caitetu (A), queixada (B), cutia (C), mutum (D),
lobinho (E) e quati (F), determinado através de fotografia remota no Pantanal,
entre novembro e março de 2001, 2003 e 2004.

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