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VALLADARES, A. C. A.

A Arteterapia e a tipologia de Jung: uma experiência abordando os


quatro elementos da natureza. Rev. Arteterapia: Imagens da Transformação. Rio de Janeiro:
Clínica Pomar, v.9, n.9, p.35-50, 2002. (ISSN: 1516-4128).

A ARTETERAPIA E A TIPOLOGIA DE JUNG:


Uma experiência abordando os quatro elementos da natureza.1
Ana Cláudia Afonso Valladares2

RESUMO:
O presente trabalho tem o intuito de explorar atividades de arteterapia e ser sustentado pela
abordagem junguiana. Norteia-se o estudo a possibilidade da arteterapia expressar
conteúdos do inconsciente coletivo e facilitar o processo de ensino-aprendizagem do grupo,
por meio da utilização dos quatro elementos. Desenvolvidos em uma Instituição Pública de
Goiânia/GO, com trinta estudantes de especialização em arteterapia. O trabalho sendo
constituída de categorias associativas e livres, de fundo qualitativo. A utilização dos quatro
elementos deveras beneficiou a conscientização do tipo psicológico dos alunos, auxiliou-os
na reflexão pessoal do ser si-mesmo e facilitou-os no processo expressivo e, ao mesmo
tempo, possibilitou a inter-relação do ser-pessoa com o ser-profissional.
Unitermos: Psicologia Analítica, Arteterapia, Tipologia de Jung, Saúde Mental.

ABSTRACT:
The present work has the intention of exploring arteterapia activities and to be sustained by
the approach junguiana. The study is orientated the possibility of the arteterapia to express
contents of the collective unconscious and to facilitate the process of teaching-learning of
the group, through the use of the four elements. Developed in a Public Institution of
Goiânia/GO, with thirty specialization students in arteterapia. The work being constituted
of associative and free categories, of qualitative bottom. The use of the four elements had
benefitted the understanding of the psychological type of the students, it aided them in the
itself-same being's personal reflection and it facilitated them in the expressive process and,
at the same time, it made possible the be-person's interrelation with the be-professional.
Unitermos: Analytical psychology, Art therapy, Typology of Jung, Mental Health.

INTRODUÇÃO
A arteterapia baseada na abordagem junguiana3, busca conduta é fornecer materiais
expressivos diversos e adequados para a criação de símbolos presentes no universo
imagético singular de cada pessoa. Esse universo traduz-se em produções simbólicas que
retratam estruturas psíquicas internas, do inconsciente pessoal e coletivo. Segundo Jung
(1964) o inconsciente pessoal corresponde às camadas mais superficiais e o inconsciente

1
Pesquisa financiada pelo CNPQ/ Vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Integral
NEPSI/FEN/UFG.
2
E-mail: anafonso@cultura.com.br
3
Abordagem Junguiana: abordagem terapêutica da Psicologia Analítica, baseada em C. G. Jung.
2

coletivo se refere às camadas mais profundas deste universo e são estruturas psíquicas
comuns a todos os homens.
Este processo “colabora para a compreensão e resolução de estados afetivos
conflitados, favorecendo a estruturação e expansão da personalidade através da criação”
(Philippini, 1995:4-5).
A arteterapia proporciona instrumentos diversos para compreender os níveis mais
profundos do funcionamento psíquico. As diversas modalidades expressivas facilitam a
comunicação com o inconsciente, propiciando o aparecimento dos símbolos. Trabalhando
com o material expressivo, a pessoa libera o seu universo interno, a sua energia vital e esta
exteriorização facilitam a compreensão da psique. A maneira como os símbolos se
organizam e representam favorece o processo de organização, reorganização e
enriquecimento das estruturas da personalidade.
“Na expressão artística, o indivíduo transforma materiais da natureza em
expressões simbólicas de seus conceitos referenciais e do seu entendimento da
vida. Nessa luta, não está defendendo a manutenção de sua existência física,
como em outras atividades, porém procedendo ao reconhecimento e a fixação
de coisas significativas: de suas vivências subjetivas, da realidade exterior –
objetiva, bem como da sua apreensão pessoal dessa mesma circunstância”
(Andrade, 2000: 119).
Assim este processo apresenta-se através da expressão criativa, do interior de cada
paciente, o qual expõe o que está sendo imobilizado a nível inconsciente, para depois
ensejar a descoberta a nível consciente.
“As atividades expressivas são aquelas que melhor permitem a espontânea
expressão das emoções, que dão mais larga oportunidade para os afetos
tornarem forma e se manifestarem, seja na linguagem dos movimentos, dos
sons, das formas e das cores etc” (Silveira, 1986: 13).
Conforme Philippini, (2000) os pontos cardeais que norteiam a caminhada pelas
regiões psíquicas profundas e singulares estão registradas na tipologia de Jung.
Cada indivíduo tem uma função psíquica específica usada preferencialmente para se
adaptar (representar/orientar) ao mundo exterior. O indivíduo tem então, uma dominância,
uma tendência no sentido formal do universo imagético.
Todos nós possuímos as quatro funções, entretanto sempre uma delas se apresenta
mais ou menos desenvolvida e mais consciente que as outras, que é a função principal ou
superior. Os indivíduos utilizam-se preferencialmente sua função principal, pois a
manejando consegue melhores resultados.
Já as funções auxiliares, ajudam no funcionamento da função superior, vindo à tona
esporadicamente. A função inferior permanece num estado mais ou menos inconsciente, e
representa nossas maiores dificuldades. São elas: sensação, pensamento, intuição e
sentimento.
“A sensação constata a presença das coisas que nos cercam e é responsável
pela adaptação do indivíduo à realidade objetiva. O pensamento esclarece o
que significam os objetos. Julga, classifica, discrimina uma coisa da outra. O
sentimento faz a estimativa dos objetos. Decide do valor que têm para nós.
Estabelece julgamentos, mas a sua lógica é toda diferente. É a lógica do
coração. A intuição é uma percepção via inconsciente. É apreensão da
atmosfera onde se movem os objetos, de onde vêm e qual a possível curso de
seu desenvolvimento” (Silveira, 1994:55).
3

“A estas funções psíquicas, Jung correlacionou os quatro elementos básicos da


natureza: ar, água, fogo e terra” (Philippini, 2000: 18).
Essas funções dispõem-se duas a duas, em oposição: Intuição X Sensação;
Pensamento X Sentimento.
“Neste enfoque, o arteterapeuta, através da observação e dados de anamnese,
poderá empregar determinadas modalidades expressivas que venham a
estimular estas funções psíquicas menos desenvolvidas, iluminando aspectos
sombrios da psique. Assim, estas modalidades expressivas são utilizadas com o
propósito de revitalizar áreas desusadas, núcleos bloqueados, resgatando a
possibilidade do livre fluir da energia psíquica” (Philippini, 2000: 18).

OBJETIVOS
• Explorar atividades de arteterapia com a temática da tipologia de Jung (quatro
elementos) por alunos de especialização em arteterapia;
• Descrever as percepções e os sentimentos emergentes do processo de arteterapia
trabalhado.

PERCURSO METODOLÓGICO
Referencial Metodológico: Trata-se de um estudo qualitativo, colocando em evidência as
riquezas, fantasias e sentimentos apresentados pelos alunos objetos de estudo em suas
imagens artísticas e escritas criativas durante as sessões (Minayo, 1996).

Local do Estudo: Elegeu-se enquanto espaço de pesquisa para desenvolver este estudo, uma
Instituição Pública de Goiânia - GO.

Sujeitos do Estudo: A população alvo constituiu-se de trinta adultos de ambos os sexos,


ambos alunos do curso de especialização em arteterapia. O critério para seleção dos
mesmos foi a sua disponibilidade voluntária em participar do mesmo.

Procedimentos: Consistituiu-se de acompanhamento coletivo em salas da Instituição,


formados à partir da livre escolha e consentimento dos alunos, levando-se em
considerações a seleção dos sujeitos da pesquisa.
A condução da dinâmica foi espontânea, a fim de proporcionar ao paciente sintonia
consigo mesmo e de exteriorizar a sua subjetividade. “A expressão livre e espontânea é a
exteriorização sem constrangimento das atividades mentais do pensamento, sentimento,
sensação e intuição” (Read, 1956: 139).
Cabe respeitar os mecanismos de livre expressão, assegurando a autonomia criativa e a
própria personalidade de cada pessoa.
As técnicas empregadas foram dirigidas e utilização do desenho, pintura, modelagem,
expressão corporal entre outras.
Os alunos receberam atendimento arteterapêutico durante cinco sessões diárias
consecutivas de umas três horas.
4

Instrumentos de Coleta de Dados: Optou-se pelos seguintes instrumentos para coleta de


dados: roteiro para observação sistemática e participante durante as sessões, registro
escritos (escrita criativa4) de quatorze alunos, registro por fotografia e vídeo.

Análise dos Dados: Os dados analisados, pela própria natureza subjetiva, foram
apresentados de maneira descritiva e foram analisados sob aspectos qualitativos, após
categorização dos mesmos, sendo sistematizados de acordo com o esquema da técnica de
análise temática de conteúdos dentro da simbologia dos quatro elementos da Psicologia
Analítica e de outras categorias livres. As categorias da água, ar (item a), terra e fogo estão
inseridos na categoria dos quatro elementos. Somente a categoria do ar (item b) que
representa a categoria livre. A simbologia de Jung foi baseada nos autores: Chevalier &
Geerbrant (1992); Cirlot (1984); Fabietti & Chiesa (1999); Fincher (1991); Jung (1964) e
Lexikon (1990).

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS DOS ELEMENTOS

1) Elemento ÁGUA (figura 01)


Tópicos trabalhados nas sessões:
- Crachás (expressão de sentimentos)
- Exercícios corporais de flexibilidade
- Sons da água
- Banho dos pés e mãos (duplas e individual)
- Tinta fluida no papel molhado
- Experimentações: borrifar água, sal grosso, seringa, sal efervescente, gaze, rolinho
- Impressões
- Observação dos trabalhos e das imagens configuradas
- Diálogo com as imagens
- Escrita criativa do processo

Materiais utilizados: papéis, materiais gráficos, fita crepe, bacias/água, tinta, bola,
borrifador, CD/som, outros (sal grosso e efervescente, rolinhos, seringas etc).

Categorias:
a) A água como fonte de vida, centro de regenerecência e meio de purificação:
- “(...) água que nos dá vida e nos alimenta (...), água abençoada e sublime que nos
encanta e enaltece, pois somos feitos dela”. (1)

4
A escrita criativa significa escrever criativamente sobre determinado trabalho artístico, ou sobre o processo
arteterapêutico vivenciado ou ainda de sonhos, sem a preocupação com a pontuação ou erros gramaticais e de
ortografia. O paciente escreve livremente o que vê e o que sente deixando fluir (expressar) conteúdos
simbólicos importantes. A escrita criativa é muito importante para o trabalho de arteterapia, pois permite que
os conteúdos do inconsciente facilmente aflorem para a consciência e se organizem internamente.
Materiais utilizados: papel, caneta ou lápis (Valladares, 2001).
5

- “Água fonte natural e necessário para todo ser vivo. Sua pureza, transparência,
transmite vida, energia, alegria, renovação. Me sentiu renovada, revigorada com as
minhas mãos mergulhadas na bacia. Era como se saísse de um universo mergulhasse
entrando em outro e saísse novamente, diferente de como entrei (...) E transformou-se
em uma parte limpa mais suave e radiante”. (6)
- “Água, fonte de vida, de pureza, de força (...) transmitindo alegria, leveza, nascimento
e renascimento”. (7)
- “Fonte de vida!! Vida que se constrói a cada dia”. (10)
- “Cada momento que passa eu vejo o quadro se modificando. É como se ele fosse
adquirindo novas formas, novos horizontes. Que coisa boa é a gente se modificar,
evoluir encontrara o outro caminho, experimentar, encontrar alternativas”. (11)
- “Ser puro como os pequenos pingos d’água que caem sobre o nosso corpo, nos
lavando, lavando nossa alma... refrescando todo o nosso ser... (...) Me senti limpa,
fresca”. (13)

b) A água como símbolo de expansão, fluidez, frescor e relaxamento:


- “Água pura, água limpa, água doce ou salgada, água que molha, água que refresca”.
(1)
- “Água. Muita água. Água que refresca, que expande, que flui (...) não quero ver
formas. Enformar. Quero fluir. Contemplar o que vejo”. (2)
- “(...) foi relaxante e ao mesmo tempo prazerosa”. (3)
- “Momento de pura leveza e tranqüilidade (...) uma paz infinita, sem cobrança,
preocupação ou ansiedade. É estar bem comigo mesma”. (4)
- “Percebi que posso ser livre e ser contente e feliz ao mesmo tempo”. (5)
- “Mexer com a água me traz tranqüilidade, alívio e paz (...) tive a sensação de um
caminho mais leve, sem preocupações”. (6)
- “Senti uma grande necessidade inevitável de controlar, mas a água me deixou livre e
comecei a brincar”. (8)
- “Fonte de inspiração. O relaxamento, o calmar, o descanso. A água me descansa. E me
faz sentir coisas que não sei explicar (...) foi uma DELÍCIA!!! E a bagunça, nossa! Mas
foi esse despertar que descobri coisas e técnicas também. A gente não prevê, acontece
simplesmente”. (10)
- “É uma experiência fantástica se deixar seduzir por outras forças sem se preocupar
com o rumo e os objetivos”. (11)
- “Água, sentir o seu frescor alivia o coração. Sentir a tinta, procurar seu caminho é
uma sensação inigualável. Seria tão fácil se eu pudesse ser como a água...” (12)
- “Voltar a ser criança sem se preocupar com nada. Poder se molhar, sujar, pular,
dançar, correr e sorrir muito... (...) Quando foi pedido para colocar o papel branco no
chão molhado, me incomodei um pouco, mas achava que o papel estava muito limpo,
sem mancha, não queria sujá-lo, achei que iria rasgar. Mas depois que o coloquei no
chão e comecei a pingar a tinta sobre ele bem molhado, vi que as tintas iam se
espalhar livremente, se misturando... aí então me senti muito bem, com a sensação de
liberdade, leveza, como há muito não sentia. Não fiquei mais preocupada se o papel
iria sujar, ou rasgar, só pensava em imprimir e criar novas formas”. (13)
6

c) A água como facilitadora da concretização de imagens psíquicas internas:


- “Aquele coração pulsando com suas formas brancas como se fossem dois golfinhos”.
(2)
- “O efeito é belíssimo, uma paisagem maravilhosa com tudo que é possível existir na
natureza: um céu azul, montanhas ao longe, árvores e um por do sol cheio de
esperanças para dias melhores”. (3)
- “(...) aparece uma figura, um rosto que quer surgir e parece estar no meio de umas
folhagens”. (4)
- “Há duas figuras marcantes. Uma delas é um ursinho pedindo proteção, inseguro,
precisando de ajuda e em posição de aconchego”. (5)
- “Lembrei-me do golfinho, dos seus movimentos, meiguice e alegria”. (6)
- “Surgiram montanhas, por do sol, arco-íris, céus de tonalidades variadas” (7)
- “Olho para o azul dois rostos aparecem, um em tons azuis, e outro vermelho, os rostos
estão conjugados (...) Vejo outro rosto sobre eles, é um minotauro, ou um boi, quem
sabe um cavalo, é um touro. No plano superior luz, luar, planetas, aves, luz na
tempestade. No plano inferior outro rosto (...) suas barbas são brancas e grandes,
parece-me o velho sábio”. (9)
- “(...) percebi no trabalho que escolhi, uma mulher grávida. Não sei porque, mas essa
questão está muito presente em minha vida. Parece que cada vez que se fala nisso me
sinto tocada”. (10)
- “As cores pretas, azuis e amarelas se juntaram e formaram imagens das quais eu
reconheci um velho (...) ele tem uma cara compenetrada e seu olhar é como facas
afiadas (...) ele deseja falar comigo. Quero ouví-lo, escutá-lo, deve ter muitas estórias
fantásticas para contar”. (11)
- “Você está escondida, apareça! Não tenha medo. Ah! Como é cômodo ficar aí no
escuro. Fingindo de morta. Parece uma fera, todos pensam, mas não é fera. Esta
menina está apavorada, sem chão. Escondida em meio a tanta amargura. Escondida
em meio a tanta angústia. Escondida em meio a tanta indiferença”. (12)
7

Fig.1 – Elemento “Água”

2) Elemento AR (figura 02)


Tópicos trabalhados nas sessões:
- Balão (expressão de sentimentos)
- Dança livre e dirigida (individual e coletiva)
- Respiração
- Sons e transformação dos papéis
- Exercícios corporais de molduras humanas
- Movimentos: soltar, deslizar, saltar, agachar, flutuar, torcer, socar, chicotear, pressionar,
girar, sacudir. Opostos: leves/pesados, longos/rápidos, flexíveis/diretos.
- Exercícios corporais com lençóis e livres da sombra
- Imagens gráficas das sombras no papel de forma coletiva
- Trabalho plástico da imagem configurada e rotativa (interferência no outro e no seu
próprio)
- Diálogo com a imagem inicial e intitular o mesmo
- Escrita criativa do processo.

Materiais utilizados: papéis, materiais plásticos, fita crepe, lençóis, cola/tesoura, balões,
retroprojetor, CD/som.

Categorias:
8

d) O ar como símbolo de liberdade e expansão, comunicação e criação:


- “Trabalhar a movimentação no ar é uma coisa muito legal de fazer, nos dá liberdade
de interagir diretamente com o material no espaço ou fora dele”. (1)
- “Leveza. É a bolha, o fluir”. (2)
- “Dançar é se soltar, é se sentir em harmonia com o próprio corpo (...)”. (3)
- “A dança é libertadora, adorável”. (4)
- “Me soltei (...)” (5)
- “Me senti solta, leve ao dançar - é como se libertasse algo em mim”. (6)
- “Ar, invisível, leve, solto, livre... Através do movimento temos a sensação de alívio,
liberdade, como alcançar vôo para além da nossa imaginação”. (7)
- “Soltei-me (...) com vários ritmos, vários sons, várias expressões e movimentos. Rostos
alegres e descontraídos. Alegria! Alegria!”. (10)
- “Voar, voar cada vez mais alto... Seguir além, onde ninguém pode nos alcançar.
Dançar, dançar pelo tempo como se fosse uma pluma leve levada ao vento, ar, há
lugares nunca idos (...) Olhar-se imaginando em outro mundo em outro espaço
livre...solta”. (13)

e) O ar como símbolo de percepção de si mesmo e de permitir a troca com o


outro:
- “A troca foi o sustento para o meu trabalho. Captar minha imagem fugida (...) Sei que
posso flutuar mais e quero ser eu mesmo, descobrir e desenvolver as potencialidades
do “eu mesmo”, do ser si mesmo. Olhar para dentro e VER!”. (2)
- “Ver-se no papel é gostoso (...) É como se as pessoas te acariciam quando estão
trabalhando no desenho do seu corpo. Ao mesmo tempo são trocas. Trocas que
provavelmente vão nos deixar marcar, que ao longo de nossas vidas, vão ser sempre
lembradas com saudades”. (3)
- “Foi ótimo a interferência das colegas no meu trabalho, achei que completou, finalizou
e cada um deixou sua marca, seu traço, sua pincelada sobre mim. Poder interferir
também foi bom sentir que posso acrescentar, doar um pouco de mim às outras
pessoas, levar um pouco deles e deixar algo meu”. (6)
- “O fazer algo na figura do outro também me deixou preocupada. Não conseguia fazer
muito. Não gosto de nada que se faz sem pensar, rápido demais (...) não consegui
trabalhar no meu desenho que sofreu interferências de terceiros (...) Não gosto de
fotografias minhas e acredito que até mesmo a minha sombra não consegui aceitar.
Por quê?...”. (8)
- “Ver-me sendo desenhado na sombra foi o máximo. Não senti vergonha do meu rosto.
VITÓRIA (...) O fato de termos trocado os desenhos não agradou muito. Senti ciúmes
do meu, não queria que mexessem. Medo de estragar (...)”. (10)
- “Eu mesmo desapareci no meu trabalho, colei papéis demais sobre a figura, acho que
fiquei por trás dos papéis. Será que a minha verdadeira personalidade está ficando
escondida sob tantos papéis que andam assumindo? Este trabalho ficou claro para
mim e deve ser de grande valia para pensar sobre isto”. (11)
- “E eu estou presa nessa parede. Minh`alma engaiolada. A liberdade, só na aparência.
Continuo aqui, presa (...) Parte de mim está aqui, parte se perdeu em meio a tanta
humilhação (...) e indiferença. Aceitar isso já é um caminho...” (12)
- “No início estranhei um pouco, fiquei com vergonha de me olhar na parede, mas aos
poucos fui me soltando e consegui me olhar dançando através daquelas imagens
9

projetadas na parede (...) Procurei retocar ou colocar traços, o menos possível, mas
não me incomodei com o que fizeram no meu retrato”. (13)

Fig.2 – Elemento “Ar”

3) Elemento TERRA (Fig. 03)


Tópicos trabalhados nas sessões:
- Sensações: fotos e doces (visão e paladar)
- Exercícios corporais com mãos, pés e joelhos.
- Venda nos olhos e pés descalços
- Caminho de texturas: tecidos, borracha, areia, lixa, água, papel (tato e audição)
- Sentir cheiros: canela, cravo e erva-doce (olfato)
- Experimentação de objetos com texturas, sons e tamanhos diversos e a escolha de um
mais marcante (tato)
- Dança sobre a grama e a argila (visão, tato e audição).
- Modelagem na argila (visão, tato e audição)
- Pick-nick: sorvete, pipoca, suco, refrigerante, frutas, bolos, água, ao som de músicas
infantis (visão, audição, olfato, paladar, tato)
- Retorno a obra configurada, intitular e diálogo com as mesmas.
- Escrita criativa

Materiais utilizados: fotos, texturas, alimentos, cheiros, vendas, argila, papéis, materiais
gráficos, CD/som.
10

Categorias:
f) A terra permite a percepções de sensações e favorece a imaginação criativa:
- “(...) pisar em cima da argila sentindo claramente as sensações do mole, duro, liso,
áspero, quente e frio”. (1)
- “São muitas as sensações. Tecido molhado, folhas secas, areia, lixa, água, papel
(jornal) molhado e uma “chuva”. Adentrei a uma mata escura, que delícia... vi
manchas lindíssimas roxas e verdes.” (2)
- “Sentir as diversas sensações no pisar é como se estivesse nascendo a cada momento, é
descobrir as diversidades que no dia-a-dia nos passam despercebidas. Pisar, desfilar,
dançar sobre a argila, é diferente, é fantástico! Fantástico também é manipular esse
barro, é viajar e imaginar coisas que podem ser construídas”. (3)
- “Mesmo não vendo, percebo o quanto é rico e novo sentir (...)”. (4)
- “(...) me desagrada, incomoda o fato de pisar em algo úmido e pegajoso (...) por ser
algo vivo e eu tenho que lidar com esse vivo (problemas pessoais externos), sei lá, acho
que faz parte desse processo (...) o aroma me fez lembrar chás que tomava quando
criança”. (6)
- “As sensações de pisar em cada elemento foi especial, primeiro o escuro da visão me
proporcionou uma sensação mais forte (...) Foi muito (8)”.

g) A terra é o símbolo da origem da vida, que sustenta, nutri e acolhe o ser:


- “(...) um belo banquete oriundo da mãe terra que nos dá o alimento necessário para a
nossa sobrevivência”. (1)
- “Barro-terra, barro arte, arte da vida. Viver. Por que viver? ”. (2)
- “A sensação de entrar no desconhecido com olhos vendados causa um certo receio,
mas ao mesmo tempo é extremamente prazeroso sentir que alguém te ampara e te
guia”. (3)
- “A natureza em sintonia com a música e a dança, eliminam qualquer estresse,
revigorando nossas energias. Fantástico ”. (4)
- “O trabalho com a terra é bem no chão. Como é bom sentir no corpo a paz, a alegria e
a sensação de fazer parte”. (5)
- “Uma espécie de sentir-se sendo cuidado por alguém”. (6)
- “Dela surgimos, nos alimentamos e para ela retomamos”. (7)
- “Piso no barro e volto a origem, no nascer de novo”. (9)
- “O toque, a condução, sensação de ser acolhida com carinho”. (10)
- “Neste território me sinto segura. Não feliz, mas segura” (12)

h) A terra, símbolo ligado às raízes e as bases da humanidade:


- “Porque estas pessoas conversam tanto? Poderiam ter um pouco de reverência ao
silêncio, à mata, aos pássaros, às “gentes” que aqui estão, a mim (...) Tornar-se “si-
mesmo”. Me conhecer, saber quem sou, para que existo, eis o caminho...”. (2)
- “Pensar em coisas diferentes, sentir as texturas era como entrar “caminhar por outros
mundos ambientes diferentes”. (6)
- “O que aconteceu lá atrás, que me fez esquecer tudo? O que aconteceu lá atrás que me
fez adquirir o Vitiligo? Maldades, violências? (...) Tenho que entrar neste túnel do
tempo”. (12)
11

Fig.3 – Elemento “Terra”

4) Elemento FOGO (Fig. 04)


Tópicos trabalhados nas sessões:
- Mandala de papéis coletiva
- Corrida interna e externa
- Apresentação do significado do fogo pelo acender do fósforo
- Acender das velas recebendo um presente emocional do outro
- Espalhar da cera pelos papéis coletivamente
- Mandala de cera nas bacias com água
- Exercícios corporais e o olhar
- Círculo coletivo e o olhar com olhos que sente através das máscaras brancas de papel
- Escrita individual de sentimentos que as pessoas precisavam transformar
- Ritual de rasgar, queimar e transformar o papel
- Trabalho plástico das máscaras com o papel utilizando: giz de cera, velas coloridas,
papel transformado (cinzas) e as mandalas configuradas
- Configuração de uma mandala coletiva corporal e dos trabalhos
- Dança e olhar utilizando as máscaras transformadas
- Reflexão do processo, observando as imagens configuradas
- Escrita criativa
12

Materiais utilizados: papéis, fósforo, velas coloridas/brancas, fita crepe, bacias/água,


máscaras de papel, latas, cola/água, CD/som.

Categorias
i) O fogo é um símbolo purificador, regenerador e transformador:
- “Fogo que queima, que espanta e que transforma (...) o simples em algo mágico e
profundo”. (1)
- “Coisas ruins foram transformadas em algo bom”. (2)
- “Ele energisa e nos dá força”. (3)
- “Como foi energizante poder realizar este trabalho. Parece que fiquei eletrizada e com
muita alegria”. (5)
- “Fazer a queima do papel, foi maravilhoso. Ver tudo aquilo se desfazer, virar pó tirou
um peso de mim (...) As máscaras criaram uma nova expressividade. Me senti diferente
do que quando a coloquei da primeira vez”. (6)
- “Quando nos interferimos, as máscaras ficaram mais bonitas e aquele aspecto
horripilante passa a ter uma alegre sensação”. (11)
- “O fogo para mim é energia, é o lado que aquece e ilumina tanto o nosso interior como
nossa vida”. (14)

j) O fogo corresponde à cor vermelha, ao verão, ao coração e as paixões:


- “(...) reflete de calor intenso”. (1)
- “(...) fogo é paixão”. (2)
- “Fogo é luz, é calor, é vida, é paixão. Fogo queima e aquece (...) O fogo dá cor, dá
brilho e alegria”. (3)
- “O fogo me transmite sensualidade”. (4)
- “O fogo é luz, vida, calor, evolução, paixão, chama viva de amor”. (6)
- “(...) chama da paixão, da cor vermelha, ardente”. (7)
- “O amor é fogo que arde sem se ver”. (10)
- “Fogo que aquece, que incendeia, que é luz e paixão, que é amor e sonho”. (13)

k) O fogo ilumina, mas pode também destruir e causar medo:


- “(...) um olhar chorou, me comoveu, quis chorar junto”. (2)
- “Fogo destrói e dá vida. É necessário, mas é assustador”. (3)
- “Percebi: o medo. Medo de se entregar, de revelar algo de que o mundo possa se
assustar ou vice-versa”. (4)
- “Tanto ilumina quanto destrói com suas chamas fumegantes e devoradoras”. (7)
- “O medo está para o fogo como a água para a paz (...) A luz do fogo é maravilhosa,
mas o seu ambiente é de destruição. Tão utilizado, mas desperta sentimentos de
destruição de dor (...) Sua beleza é destruída também pelo calor aterrorizante. É muito
difícil lidar com o fogo”. (8)
- “Fogo que é vida, renovação, coragem, emoção, alegria, aquece, brilha, ilumina,
protege (...). É ferida que dói e não sente”. (10)
- “Quando falamos em fogo, logo nos vem lembranças daquilo que nos queima, que nos
fere! (...) Fogo que brilha na escuridão”. (13)
- “O fogo ao mesmo tempo em que significa perigo, ele representa a luz, a chama que
ilumina”. (14)
13

Fig.4– Elemento “Fogo”

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante os aspectos descritos, pode-se considerar que as sessões de arteterapia usando dos
quatros elementos da tipologia de Jung pelos alunos de arteterapia facilitaram a expressão
de conteúdos do inconsciente coletivo, favorecendo assim o processo de ensino-
aprendizagem quando aborda uma possibilidade de vivência facilitada para interagir com a
teoria, e sobremaneira a conscientização do tipo psicológico individual de cada aluno e,
uma maior reflexão pessoal do ser “si mesmo”, levando conseqüentemente a uma maior
compreensão e respeito do outro, respeitando assim sua individualidade e tipo psicológico e
funcionamento psíquico distinto do seu.
Os alunos puderam trazer para a realidade externa o que estavam vivenciando com os
materiais, alcançando a percepção do ser “si mesmo.”
As sessões de arteterapia facilitaram o processo expressivo e imaginário dos alunos
vindo de encontro com a simbologia criada por Jung, ainda sinalizada pela produção
simbólica das obras artísticas.
Nesta perspectiva, as atividades de arteterapia em muito possibilitaram a inter-relação
do ser-pessoa com o ser-profissional à medida que alcançou uma maior percepção de seus
sentimentos que puderam ser compartilhados com o grupo, como assinala Fenili & Scóz
apud Esperidião (2001:19) “a partilha direta de sentimentos, preconceitos, medos,
angústias e outros ao mesmo tempo em que nos permite a identificação com o outro ser
humano, nos possibilita a descoberta constante do potencial de vida que habita o nosso
14

interior (...). Compartilhar com o outro a nossa essência, nos torna mais responsáveis na
medida em que nos torna mais comprometidos”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ANA CLÁUDIA AFONSO VALLADARES


Docente da UFG; Profª do Curso de Especialização em Arteterapia pela UFG;
Mestranda pela USP;
Arteterapeuta, Enfermeira e Artista Plástica;
Presidente da Associação Brasil Central de Arteterapia.

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