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PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
DO DIREITO PENAL
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3.1 INTRODUÇÃO
Por isso, para se estudar o Direito Penal, o ponto de partida deve ser o estudo de
suas bases, seus alicerces, seus princípios mais importantes, os quais, por essa razão,
estão escritos na Constituição Federal. São eles: o princípio da legalidade, o princípio da
extra-atividade da lei penal mais favorável, o princípio da individualização da pena, o
princípio da responsabilidade pessoal, o princípio da limitação das penas, o princípio do
respeito ao preso e o princípio da presunção da inocência.
“nenhum crime será punido com penas que não estejam estabelecidas nas leis,
nem com mais, ou menos, daquelas que estiverem decretadas para punir o
crime no grau máximo, médio ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes se
permitir o arbítrio”.
“Ninguém poderá ser punido por fato que não tenha sido anteriormente
qualificado crime, e nem com penas que não estejam previamente
estabelecidas. A interpretação extensiva por analogia ou paridade não é
admissível para qualificar crimes, ou aplicar-lhes penas.”
Princípios Constitucionais do Direito Penal - 3
“permitiu-se o plenum arbitrium dos juízes. Foi a idade de ouro das penas
arbitrárias. Ao juiz só era vedado, quando muito, excogitar uma espécie nova
de pena. E ao lado do arbítrio do juiz ainda havia o arbítrio do rei, de que
foram atestado, em França, as célebres lettres de cachet”2.
A fórmula latina foi elaborada por Feuerbach, no princípio do século XIX, mas o
princípio constou dos Bills of Rights, as constituições das colônias inglesas na América
do Norte, e foi incluído entre os direitos fundamentais do homem no Congresso de
1 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. 1, t. 1, p. 26.
2 Idem p. 29.
3 Tratado de direito penal. Campinas: Bookseller, 1997. p. 181-182.
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles
3.2.2 Significado
Por mais imoral que seja uma conduta humana, a ela só corresponderá uma
sanção penal se, antes de sua prática, tiver entrado em vigor uma lei considerando-a
crime.
O incesto – prática de atos sexuais entre pai e filha ou mãe e filho, ou entre
irmãos, sem violência, real ou moral –, apesar de, moralmente, repugnar a todos, não é
crime e, por isso, não merecerá nenhuma sanção do direito.
Significa, pois, o princípio que só a lei pode definir crimes e cominar penas. A
edição de normas sobre crimes e penas é matéria reservada à lei, daí o nome de
Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal. O Princípio quer dizer: lei, anterior, no
sentido estrito e certa.
Por outro lado, a Lei Penal há de ser certa, exata, precisa, proibida a utilização
de fórmulas excessivamente genéricas ou de interpretação duvidosa, devendo, pois, o
legislador, no momento de definir os comportamentos humanos que deseja considerar
crimes, evitar a utilização de expressões vagas ou ambíguas, a fim de que todos os
indivíduos possam, com facilidade, compreender a extensão e o alcance das normas de
proibição.
Isso quer dizer, entre outras coisas, que não pode o legislador definir como
crime o simples pensar do homem, nem tampouco atitudes exclusivamente morais. Por
isso, seria inconstitucional a lei que considerasse crime o simplesmente ser alguém
homossexual.
5 Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 24.
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles
Pode orar o tempo todo, para que ocorra tal ou qual fato lesivo, e se não passar
dessa atitude puramente psíquica, tal acontecimento não passa de um indiferente
penal.
3.3.1 Enunciado
Não havia necessidade, pois o princípio da reserva legal é claro ao dizer que só
haverá crime e pena, se houver, previamente, uma lei anterior. Mas o objetivo não era o
de reafirmar o princípio da legalidade, mas o de construir outro pilar sobre o qual se
sustenta o Direito Penal, o de que a lei penal mais favorável retroagirá ou ultra-agirá.
3.3.2 Significado
É na segunda parte que está o preceito “salvo para beneficiar o réu”, cuja leitura
há de ser: a lei penal retroagirá para beneficiar o réu.
Não podia ser diferente. A pena é a resposta que a sociedade dá aos indivíduos que
atacarem, de modo grave, os bens jurídicos mais importantes. Se, em dado momento, a
sociedade entende que a pena deve ser menor do que era, é porque considera que a
resposta ao crime praticado deve, igualmente, ser de menor intensidade. Se, a partir de
uma nova lei, esta pena é mais branda, deve o ser para todos, inclusive para os que
praticaram o crime antes da lei.
Não teria nenhum sentido punir alguém com uma pena que já não está em vigor. A
pena é a medida da reprovação do comportamento humano. Se o fato antes punido
mais severamente passa a ser, depois, punido com menor severidade é porque a
sociedade entendeu que a punição anterior – mais severa – não era justa. Se a reduziu é
porque ela não se justificava. E se não era justa antes, porque aplicá-la, depois de
considerá-la injusta?
O inverso, punir alguém, com maior rigor que o previsto no tempo em que ele
praticou o crime, seria injusto e iria de encontro à dignidade humana. Quando alguém
pratica um fato definido na lei como crime, conhece a pena a ele correspondente, em
qualidade e em quantidade. Se esta pena, depois da prática do fato, é aumentada, não
pode, em nenhuma hipótese, ser aplicada àquele que violou a norma no tempo da lei
anterior, sob pena de violar sua dignidade. Ele, ao violar a norma, sabia que o máximo
que poderia receber era a pena então vigente. Se, mesmo assim, violou a norma é porque
aceitou, na pior das hipóteses, sofrer aquela pena, somente ela, em qualidade e
8 – Direito Penal – Ney Moura Teles
quantidade, e não mais que ela. Aplicar-lhe pena então inexistente – porque maior ou
diferente – é violar o princípio da dignidade do homem. É trair o indivíduo e o direito
há de ser, sempre, verdadeiro e sincero.
A lei penal que for mais favorável ao acusado da prática do crime sempre será
aplicada, em qualquer hipótese. Por isso, diz-se que a lei mais benéfica é sempre extra-
ativa: se ela é a lei posterior, é e sempre será retroativa; se ela é a lei do tempo do fato, é
e será sempre ultra-ativa.
Para adaptar a pena ao homem, seu destinatário, a lei levará em conta suas
características e as do fato realizado.
3.4.2 Cominação
Assim, a morte de um homem por outro, que a desejou, merecerá a mais severa
das penas. Já ao simples e leve ferimento do corpo humano, causado intencionalmente
por outro, corresponderá uma pena bem mais branda.
Se o causador da lesão não a queria, nem a aceitava, mas foi descuidado, a pena
será mais leve ainda.
Isso porque a vida é um bem jurídico muito mais importante que a integridade
corporal do indivíduo, e porque o comportamento de alguém que deseja causar um mal
a outro é muito mais grave do que o de quem só agiu com descuido.
Assim acontece com aquele homem que, intencionalmente, matar outra pessoa.
Estará sujeito a uma pena privativa de liberdade por, no mínimo seis e, no máximo, 30
anos. Se, todavia, obrigar uma mulher a uma relação sexual, a punição máxima não
ultrapassará os 10 anos de perda de sua liberdade.
Para cada crime, uma pena, fixada abstratamente, e que paira sob todos os
indivíduos como uma ameaça. Todos, portanto, têm conhecimento de que, se
cometerem esse ou aquele crime, estarão sujeitos a essa ou àquela pena.
3.4.3 Aplicação
Para se alcançar esse difícil fim, manda o art. 59 do Código Penal que o juiz
considere várias circunstâncias, do homem, e do fato por ele praticado, que são: a
culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do infrator da norma
penal, os motivos, as circunstâncias e conseqüências do fato e o comportamento da
vítima.
Desse modo, para um mesmo crime, cometido por duas pessoas, as penas
aplicadas não serão, necessariamente, as mesmas. Se Pedro e Célio, irmãos, com mesmas
características, pela mesma razão, cometem em conjunto o mesmo crime e são ambos
condenados, Pedro, de 20 anos, e Célio de 22, não receberão penas iguais, ainda que
todas as circunstâncias judiciais lhes sejam igualmente favoráveis ou desfavoráveis, por
uma única razão: Pedro tem, em seu favor, uma circunstância atenuante que não
favorece Célio: ter menos de 21 anos ao tempo do fato (art. 65, I, CP). Por isso, se, em face
das circunstâncias judiciais, ambos receberem pena-base igual ao mínimo, a atenuante
há de fazer a pena ficar aquém do mínimo legal.
Esta é posição que se considera a justa, e que melhor será detalhada no Capítulo
17 desta obra, onde esta segunda fase da individualização da pena, da mais alta
importância, será examinada de forma mais pormenorizada.
3.4.4 Execução
Aplicada a pena, não sendo mais possível qualquer recurso contra a decisão que
a fixou, o Estado adquire o título com o qual deverá executar a pena, que será cumprida
pelo condenado. Também a execução da pena não pode ser igual para todos os
condenados, que, além de terem cometido crimes distintos, são diferentes entre si, cada
qual com sua personalidade, sua necessidade de reprovação e prevenção.
3.5.1 Enunciado
A Constituição de 1988, como não poderia deixar de ser, reafirmou-o, com uma
importante inovação. Ao lado da garantia individual aos sucessores do condenado, de
que a pena não lhes será estendida, estabeleceu a garantia civil ao titular do bem
jurídico lesado pela conduta criminosa, de executar, contra os sucessores do
condenado, a obrigação de reparar o dano. Antes, essa garantia não tinha status
constitucional, estabelecido apenas na legislação ordinária.
3.5.2 Significado
Hoje, pode-se pensar que essa afirmação é óbvia e, de tão indiscutível, nem
precisava constar de uma norma, mormente constitucional.
E tal comportamento grassou por longos anos, tanto que somente com as idéias
iluministas vitoriosas na França, foi insculpido na Declaração dos Direitos do Homem,
de 1789.
Basta lembrar que, no Brasil, três anos depois, ainda era lavrada e executada
sentença penal contra Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, da qual constou:
Como se vê, há pouco mais de 200 anos, ainda se fazia estender aos sucessores
do condenado as conseqüências penais de seu comportamento, o que é inadmissível, já
que fere a dignidade humana.
punição, por fato que não praticou, por dano que não causou, por acontecimento para o
qual não concorreu.
Não podia ser diferente, já que, no direito das sucessões, são transmitidos
obrigações e direitos, e estes só são partilhados após o cumprimento daquelas.
Primeiro, pagam-se as dívidas do autor da herança e, somente após a liquidação de
todas as suas obrigações, inclusive as tributárias e decorrentes da própria morte, é que
se apura o saldo a partilhar. Como o dever de indenizar se inclui entre as dívidas do
morto, só após seu pagamento é que os sucessores receberão a herança.
“Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos
do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de
banimento; e) cruéis.”
Não passará muito tempo e no mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, XLVII)
certamente constará uma alínea a mais: “f) privativas de liberdade”, tempo em que se
terá alcançado um novo estágio de civilização.
Ignora que o crime tem causas que não são combatidas, e que o homem que o
cometeu é, na maioria das vezes e antes de tudo, um desajustado social, um doente que
não recebeu qualquer tratamento, e que não teve as mínimas oportunidades a que tinha
direito, para não delinqüir, vítima de uma sociedade desigual, injusta e desumana.
Se ele não vislumbrar a perspectiva de voltar ao convívio social, não terá motivo
para aprender a respeitar os valores sociais.
A pena de prisão perpétua é mais odiosa que a própria pena de morte. Se esta é,
como se diz, irreparável, e só por isso hedionda, a manutenção de um homem
encarcerado pelo resto de seus dias é de uma crueldade inimaginável.
18 – Direito Penal – Ney Moura Teles
Desejando recuperá-lo, reinseri-lo no meio social, inclusive para que ele possa ser
útil à sociedade, deve-se trabalhar para que o condenado possa viver o máximo possível
com dignidade e com respeito aos valores importantes.
Outra coisa, permitida e que deve ser incentivada, é a atividade laborativa nos
presídios, cuja finalidade é a educação e, também, a produção, devendo, como é óbvio,
ser remunerado o trabalho do preso.
3.6.5 Banimento
3.7.1 Enunciado
O princípio abrange não apenas os condenados, mas também todos aqueles que
estiverem presos, seja a prisão civil ou penal, processual ou definitiva.
3.7.2 Significado
A realidade brasileira é outra. Não faz muito tempo o Brasil assistiu, pela
televisão, à notícia de que presos de Belo Horizonte, numa cela superlotada, chegaram
ao ponto de celebrar um pacto de morte, mediante sorteio, a fim de obter mais espaço
para os sobreviventes e, com isso, chamar a atenção das autoridades responsáveis.
Não se esqueça ademais das mortes por asfixia e intoxicação por fumaça noutra
cela, da cidade de São Paulo. Massacres como os do Carandiru continuam na memória
de todos, quando dezenas de homens foram fuzilados sem a menor possibilidade de
defesa.
Na verdade, o que se pode afirmar é que a quase totalidade dos presos brasileiros
está cumprindo penas em total desrespeito à Constituição e à Lei de Execução Penal.
Penas cruéis, com desrespeito à integridade física e moral dos condenados, são
absolutamente inconstitucionais.
3.8.1 Enunciado
3.8.2 Significado
Já se falou que a pena só pode ser aplicada pelo julgador, que é o funcionário do
Estado encarregado de dizer o Direito, distribuindo a justiça. Para concluir, se alguém
deve sofrer a punição, o juiz adotará uma série de medidas, realizará um conjunto de
atos, dirigirá várias atividades destinadas a descobrir a verdade: o homem é ou não
culpado pelo que fez? Se for culpado, então sofrerá a pena.
Antes disso, enquanto está sendo processado, mesmo que estiver preso
provisoriamente, ele não poderá ser considerado culpado.
Talvez porque esteja inscrito em nossa Carta Magna pela vez primeira, o
princípio não tem sido bem compreendido, inclusive por instâncias superiores do
Judiciário brasileiro. O preceito, no entanto, surgiu na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, no art. 9º, e já estava inscrito na Declaração Universal
de Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral da ONU, em dezembro de 1948,
e não deveria ensejar tanta incompreensão de nossos tribunais.
24 – Direito Penal – Ney Moura Teles
10 GOMES, Luiz Flávio. Direito de apelar em liberdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 36-
37.