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ROUBO
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Assim, o bem jurídico é não somente a posse ou a propriedade de coisa alheia móvel, o
patrimônio, mas também a integridade corporal, a saúde, a liberdade e até a vida da pessoa.
É, portanto, um crime complexo, de múltipla objetividade jurídica.
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Sujeito passivo do crime, igualmente, pode ser
qualquer pessoa, inclusive o não possuidor ou proprietário da coisa, desde que contra ele
venha a ser empregada violência, no curso da subtração ou após ela, como se verá adiante.
35.2 TIPICIDADE
O chamado roubo impróprio está previsto no § 1º: “na mesma pena incorre quem,
logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a
fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro”.
Tanto quanto no furto, a coisa não precisa estar na posse legítima do sujeito
passivo, sendo, portanto, possível o roubo de coisa que esteja na posse da vítima em
virtude de outro crime, como o próprio roubo, furto, estelionato, receptação ou qualquer
outro fato ilícito, ainda que de natureza civil.
Deve, igualmente, ser coisa alheia, isto é, não pertencer ao agente, nem em parte.
Sobre esse elemento normativo valem as observações feitas no item 33.2.1.3.
Havendo subtração violenta de coisa própria, será exercício arbitrário das próprias
razões (art. 345 ou art. 346 do Código Penal), em concurso formal imperfeito com as lesões
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A diferença entre o roubo e o furto está em que, para subtrair a coisa, o agente
emprega não os meios astuciosos, fraudulentos, nem a destreza, a esperteza, mas a
violência, física ou moral, desta feita contra a pessoa, havendo crime quando a emprega
após a subtração.
Não é também indispensável que a violência ou grave ameaça seja dirigida contra a
pessoa que tem a coisa, podendo ser empregada contra terceiro, a fim de minar a
capacidade de resistência do detentor.
São relevantes, nessas hipóteses, as condições pessoais do sujeito passivo, tais como
o sexo, a idade, a compleição física, a saúde debilitada, elementos que devem ser
apreciados pelo julgador para considerar a efetiva ameaça, ainda que por meio virtual. Se
houve a intimidação, o temor ou a diminuição da possibilidade de resistência, o meio é
eficaz e roubo terá havido.
Haverá erro de tipo, excludente do dolo e, portanto, da tipicidade, uma vez que não
há tipificação de roubo culposo quando o agente subtrai coisa alheia móvel com violência,
imaginando tratar-se de coisa própria. Deverá responder por exercício arbitrário das
próprias razões, porque esse foi seu dolo.
Além do dolo é indispensável que o agente tenha subtraído a coisa alheia móvel
com o fim de tê-la para si ou para outrem, o animus furandi, a intenção de se assenhorear
da coisa. É o mesmo elemento subjetivo do furto, de que já se falou (item 33.2.1.5).
A consumação do roubo próprio ocorre, como no furto, quando a coisa sai da esfera
de disponibilidade da vítima, ingressando na do agente. O Supremo Tribunal Federal
pacificou a matéria, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 102.490/SP, no qual
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A tentativa é possível nas duas formas típicas, desde que haja início de execução, não
se consumando o roubo por circunstâncias alheias à vontade do agente.
Atos preparatórios não são puníveis, em nosso direito, salvo quando constituírem
crime autônomo. Assim, se o agente aborda a vítima e tenta conduzi-la a local escuro para,
ali, empregar violência a fim de subtrair-lhe o relógio, mas é impedido pela chegada de
policial que suspeita de seu comportamento, não há tentativa de roubo, ainda que dolo
houvesse de realizá-lo, porque não houve início de execução.
Logo, não é necessário, para se considerar tentado o roubo, que o agente inicie a
execução da subtração, bastando que dê início a qualquer ato de violência.
Nos crimes complexos como o roubo, não é necessário que todos os tipos integrantes
do tipo complexo sejam tentados ou iniciados, bastando que um deles seja pelo menos
iniciado, desde, é óbvio, que o dolo do agente alcance a integridade do crime complexo.
Não há falar em tentativa de roubo, mas crime impossível, quando o agente não
encontra, porque não existe, em poder da vítima, a coisa que pretendia subtrair, embora
tenha empregado violência ou grave ameaça contra a pessoa. Haverá, sim, lesão corporal
ou ameaça, porque, no caso, era impossível a consumação da subtração, por absoluta
impropriedade do objeto.
Se o agente tenta ameaçar a vítima com uma arma de brinquedo, não conseguindo,
porém, intimidá-la, porque o artefato foi facilmente identificado como inócuo, não
ocorrendo, de conseqüência, a subtração pretendida, forçoso é reconhecer aí um crime
impossível, não remanescendo qualquer fato típico.
2 DJ de 9-4-2001, p. 392.
8 – Direito Penal II – Ney Moura Teles
Durante muito tempo travou-se no seio da doutrina, com repercussão nas decisões
dos tribunais, candente debate sobre se o emprego de arma de brinquedo ou simulação de
arma também autorizaria o aumento de pena.
5FREIRE, Ranulfo de Melo, apud CINTRA JUNIOR, Dyrceu Aguiar Dias, Brinquedo não é arma – crítica à
Súmula nº 174 do STJ. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 50, p. 1.
6 DJ 11-11-2002, p. 148.
10 – Direito Penal II – Ney Moura Teles
citado.
Havendo concurso de duas ou mais pessoas para a prática do roubo a pena será
igualmente aumentada. Considera-se a participação ou a co-autoria, desde que dolosa, de
menores ou inimputáveis, não sendo exigida a presença do concorrente na execução
material do delito. A falta de identificação de um dos concorrentes não impede a incidência
da causa de aumento, desde que reste comprovada sua efetiva presença na prática
delituosa.
Não há, também, aumento de pena quando a vítima transporta seus próprios
valores, no momento em que é abordada pelo agente.
Valem, aqui, as mesmas observações feitas quanto ao furto, no item 33.2.3.8, cuja
leitura recomendo.
Presentes, num mesmo fato típico de roubo, duas ou mais causas de aumento de
pena – por exemplo, roubo cometido contra vítima em serviço de transporte de valores,
cometido por duas ou mais pessoas, ou roubo de veículo transportado para outro Estado,
12 – Direito Penal II – Ney Moura Teles
Ora, aplicar a pena é tarefa humana sobre ação humana típica, ilícita e culpável.
Havendo mais de uma causa de aumento, só uma será considerada no momento de sua
verificação. As demais não podem influir na quantificação do aumento, mas devem ser
analisadas antes, quando da fixação da pena-base, como circunstâncias judiciais.
Aliás, é bom dizer que quando, no art. 59, a lei incluiu, sem qualquer adjetivação, a
expressão “circunstâncias”, foi exatamente com a finalidade de, em todas as situações de
concurso de causas de aumento contidas no mesmo preceito legal, como essas do § 2º do
art. 157, referir-se às que não vierem a ser escolhidas pelo julgador para funcionar como
causa de aumento de pena, devendo, por isso, ser consideradas na fase da determinação da
pena-base.
O juiz será livre para escolher, dentre as várias causas, qual a que funcionará como
aumento de pena, mas estará, sempre, vinculado às regras dos arts. 68 e 59 do Código
Penal e aos princípios norteadores da garantia constitucional da individualização da pena,
não fugindo, jamais, do princípio diretor, segundo o qual a pena será apenas o suficiente e
o necessário para prevenir e reprovar o crime.
O resultado pode ser produzido na pessoa que detém a coisa ou em terceiro contra
quem foi empregada a violência ou que, circunstante, é atingido pela conduta do agente.
Pode estar incluído no dolo do agente ou resultar de sua negligência, imprudência ou
imperícia, como resultado preterdoloso. Claro que a conduta de subtrair empregando
violência, antes, durante ou depois da subtração, é dolosa.
Haverá roubo qualificado pela lesão corporal grave ainda quando a subtração não
seja consumada. É que a norma qualificadora do § 3º do art. 157 refere-se ao resultado
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35.2.3.2 Latrocínio
Pode ter sido abrangida pelo dolo do agente e aí se tem um crime integralmente
doloso, ou decorrer de culpa: um roubo com morte preterdolosa, chamado latrocínio.
Nesta última modalidade, o agente emprega violência sem desejar nem aceitar a morte,
porém age de modo descuidado e acaba, sem querer, causando a morte da vítima. A pena é
a mesma nas duas hipóteses, mas o juiz, no momento da aplicação da pena, deverá levar
em conta a presença ou não do dolo quanto ao resultado morte.
Não consumada a subtração e tendo a morte sido desejada ou aceita, mas não se
consumando, igualmente, por circunstâncias alheias à vontade do agente, haverá, sem
qualquer sombra de dúvida, tentativa de latrocínio. Houve início de execução tanto da
subtração quanto da morte, porém nenhum desses resultados ocorre, deixando de se
consumar o crime em todos os seus elementos constitutivos, por razões situadas fora da
vontade do agente.
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Quando o agente subtrai a coisa empregando, para tanto, violência com dolo de
matar a vítima, mas esta, ainda assim, não morre, há tentativa de latrocínio, porque tendo
havido dolo de matar para roubar ou de roubar matando, o resultado que caracteriza o
crime de latrocínio estava no dolo do agente. Se, por circunstâncias alheias à vontade do
agente a morte não acontece, subsiste o latrocínio, na forma tentada.
individualização da pena, pois a pena mínima, acrescida de metade, seria igual à pena
máxima, 30 anos, impossibilitando qualquer consideração acerca das circunstâncias
judiciais e legais que norteiam a aplicação da pena.
Há concurso material entre roubo e crime contra a liberdade sexual se, após a
subtração violenta, o agente constrange a vítima à prática de relação sexual.
Entre vários roubos é possível a continuidade delitiva, porque é induvidoso que são
crimes da mesma espécie, portanto, desde que realizados os pressupostos do art. 71 e seu
parágrafo único, nada impede o reconhecimento de crime continuado.
extorsão, extorsão mediante seqüestro não são crimes da mesma espécie, mas do mesmo
gênero, embora tenham mesma natureza. Assim, reconhecem a existência de concurso
material de crimes.
“A continuidade delitiva não ocorre, assim, em relação apenas aos crimes idênticos,
isto é, aos que se abrigam sob o mesmo artigo de lei. Manoel Pedro Pimentel (Do
Crime Continuado, 1969, p. 145) acentua que devem ser havidos como ‘da mesma
espécie, os crimes que se assemelhem pelos seus elementos objetivos e subjetivos’.
Não é diverso o entendimento de Heleno Cláudio Fragoso (Lições de Direito Penal, A
Nova Parte Geral, 1987, p. 368/369), ao afirmar que ‘crimes da mesma espécie não
são apenas aqueles previstos no mesmo artigo de lei, mas também aqueles que
ofendem o mesmo bem jurídico e que apresentem, pelos fatos que os constituem ou
pelos motivos determinantes, caracteres fundamentais comuns’. Assim, apesar das
vacilações da jurisprudência, é possível a continuação entre furto e roubo, entre
roubo e extorsão, entre estelionato e qualquer outra fraude.”7
Crimes de mesma espécie são crimes que têm a mesma essência, e essa está no bem
jurídico protegido. Os tipos de furto, roubo, extorsão, extorsão mediante seqüestro,
estelionato, dentre outros, descrevem violações do patrimônio. Essa é a sua essência, a sua
alma. Há diferenças, evidentemente, entre o furto e o estelionato, mas elas não alteram a
substância de serem, ambos os crimes, agressões ao patrimônio.
Nunca é demais lembrar, por último, que a continuidade delitiva não será
reconhecida apenas quando se tratarem de crimes da mesma espécie, devendo estar
presentes seus demais pressupostos e, tratando-se de crimes cometidos com violência ou
grave ameaça contra vítimas diferentes, indispensável, ainda, a verificação das
circunstâncias do parágrafo único do art. 71.
Se é mais fácil e cômodo para o julgador afastar a continuidade delitiva por não
considerá-los crimes da mesma espécie, não é, todavia, justo e jurídico.
Não há roubo lícito. Impossível reconhecer sua prática sob o pálio do estado de
necessidade, como é possível no caso de furto famélico, porque não se pode reconhecer a
inevitabilidade do emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa, para saciar a
própria fome.