Você está na página 1de 9

37

EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO

_____________________________

37.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

É no art. 159 que está tipificado o crime de extorsão mediante seqüestro, vulgarmente
denominado simplesmente seqüestro, que, como se viu, é o crime do art. 148 do Código
Penal. O tipo é: “seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer
vantagem, como condição ou preço do resgate”. A pena cominada é reclusão, de oito a
quinze anos. É crime hediondo.

É um crime complexo, misto de seqüestro e extorsão. Privação de liberdade como


meio de constranger alguém para obter qualquer vantagem.

A norma protege dois bens jurídicos: o patrimônio e a liberdade de locomoção,


tutelando ainda a integridade corporal e a saúde, bem assim a vida, nas formas
qualificadas previstas e adiante analisadas.

Sujeito ativo é qualquer pessoa. Também qualquer pessoa pode ser sujeito passivo,
inclusive os menores, inimputáveis e os com menor ou nenhuma capacidade de resistência,
porque sobre elas há privação de liberdade de locomoção. Pode a privação da liberdade
atingir uma pessoa, buscando o agente a lesão patrimonial em face de outra,
caracterizando dupla subjetividade passiva.

37.2 TIPICIDADE

O tipo fundamental está contido no caput. As formas qualificadas estão no § 1º.


Nos §§ 2º e 3º as formas qualificadas pelo resultado. No § 4º a delação premiada como
causa de diminuição da pena.
2 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

37.2.1 Conduta

O núcleo do tipo é o verbo seqüestrar, empregado em seu sentido amplo, incluindo,


como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência dominantes, também o cárcere
privado. Seqüestrar é privar a liberdade de uma pessoa, por certo tempo, levando-a, do
lugar onde se acha, para outro, onde é mantida presa. Há cárcere privado quando a vítima
é retida no lugar onde se encontra. O cárcere privado é espécie de seqüestro, que é o
gênero. Não há diferença objetiva entre essa e a conduta do tipo do art. 148.

37.2.2 Elementos do tipo

A privação da liberdade da vítima é realizada pelo agente com o objetivo de


constranger a própria vítima ou terceira pessoa a proporcionar-lhe uma vantagem, como
condição ou preço para sua libertação.

Há, pois, dois elementos subjetivos. O dolo – a vontade livre e consciente – de


privar a vítima de sua liberdade pessoal de locomoção, tirando-a do lugar onde se
encontrava ou mantendo-a presa onde já se achava, e o fim de fazê-lo para obter a
vantagem, para, então, libertá-la.

A norma fala em vantagem, não a adjetivando, como faz no tipo da extorsão, do art.
158, por isso há o entendimento de que pode ser qualquer vantagem, material, econômica,
devida ou indevida, isto é, legítima ou não.

Penso que, tratando-se de crime contra o patrimônio, a vantagem só pode ser de


natureza econômica ou patrimonial. Dinheiro, títulos, jóias ou qualquer outro valor
econômico, qualquer coisa que tenha valor de troca será o preço para o resgate, para a
libertação da vítima. Deve ser pelo menos pretendida a lesão do patrimônio de alguém.

Conquanto a norma mencione que a vantagem será a condição para o resgate, deve-
se entender que a vantagem possa ser a realização de algum comportamento do extorquido
ou de outra pessoa, em favor do agente, que possa ser convertida em valor econômico. Por
exemplo, o perdão de uma dívida, mediante a firmatura de um recibo de quitação.

Penso que a vantagem, que constitui a condição ou preço do resgate, deve ser ilícita,
indevida. É que, se o agente tiver direito a receber o preço ou a ver realizada a condição,
não terá havido lesão ou exposição a perigo de lesão do patrimônio alheio, mas sim a
Extorsão Mediante Sequestro - 3

satisfação ou a busca de um direito seu em face da pessoa responsável pelo pagamento ou


realização da condição. Sem lesão ou perigo de lesão patrimonial não se pode falar em
crime contra o patrimônio.

Assim, se a vantagem pretendida pelo agente é legítima, não haverá extorsão


mediante seqüestro, devendo ele responder por exercício arbitrário das próprias razões
(art. 345) em concurso formal com o crime de seqüestro ou cárcere privado do art. 148.

Se o agente seqüestra a vítima sem o fim de exigir a vantagem econômica, o crime


será outro. Será puramente seqüestro (art. 148), se não tiver havido outra finalidade, mas
se o tiver feito para matá-la, haverá concurso do crime do art. 148 com o homicídio.

37.2.3 Consumação e tentativa

Consuma-se o crime quando a vítima é privada de sua liberdade pessoal por tempo
juridicamente relevante.

Não é necessário, portanto, que o preço seja pago ou a condição seja realizada. O
crime de extorsão mediante seqüestro é de resultado cortado ou de consumação
antecipada.

Trata-se de crime permanente, cuja consumação ocorre no local onde a vítima foi
seqüestrada e se protrai no tempo, enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade de
locomoção.

Possível a tentativa quando o agente iniciar a execução do seqüestro, realizando


atos que se voltem contra a liberdade locomotora da vítima, sem, contudo, conseguir
consumá-lo, pela interferência de outra pessoa ou da própria que consegue impedir a
privação de sua liberdade, fugindo em desabalada carreira. Indispensáveis, pois, atos
executórios que revelem inequivocamente a ação material de atingir a liberdade da vítima.
Deve-se considerar início de execução o abalroamento do veículo no qual se encontra a
vítima, a fim de subjugá-la em seguida.

Os atos preparatórios não são puníveis, dentre eles a preparação do local do


cativeiro onde a vítima seria mantida, a confecção de cartas exigindo o pagamento do
resgate, a espera da vítima no local por onde normalmente anda, porque todos esses
comportamentos não significam início de execução, embora se possa ver neles a nítida
intenção de realizar o crime. É que o Direito Penal não pune apenas intenções
desacompanhadas de gestos concretos que, no mínimo, exponham a perigo o bem jurídico
4 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

protegido.

37.2.4 Formas qualificadas

Prevê o § 1º do art. 159, com a redação dada pela Lei nº 10.741/2003, três formas
típicas qualificadas, cominando pena de reclusão de 12 a 20 anos.

A primeira é se o tempo de privação de liberdade da vítima for maior de 24 horas.


Circunstância puramente objetiva. O tempo deve ser contado a partir do instante em que a
vítima se vê privada de sua liberdade.

A segunda qualificadora incide quando a vítima é menor de 18 ou maior de 60 anos,


devendo ser verificada a menor idade no dia da privação de liberdade, que é quando se
considera praticado o crime, conforme a teoria da atividade abraçada pelo art. 4º do
Código Penal. Incidirá a qualificadora se a vítima atinge idade superior a 60 anos no curso
do seqüestro.

O art. 9º da Lei nº 8.072/90, a Lei dos Crimes Hediondos – de


constitucionalidade, pelo menos duvidosa, como já dito anteriormente –, determinou que
as penas cominadas para o crime de extorsão mediante seqüestro, em qualquer de suas
formas, simples, qualificadas e qualificadas pelo resultado, sejam acrescidas de metade,
quando a vítima não for maior de 14 anos.

Assim, para não se incorrer em bis in idem, o aumento determinado pelo art. 9º da
Lei nº 8.072/90 não poderá incidir duas vezes, quando a vítima tiver entre 14 e 18 anos. A
solução, quanto à idade do seqüestrado, só pode ser a seguinte:

a) se tem entre zero e 14 anos a pena será com o acréscimo que incide sobre a pena do
§ 1º, de 18 a 30 anos;

b) se é maior de 14 e menor de 18 anos a pena, sem esse acréscimo, é a do § 1º, de 12


a 20 anos;

c) se tem 18 anos ou mais a pena é a do caput do art. 159, de 8 a 15 anos.

Por último, é qualificado quando cometido por bando ou quadrilha, associação de


pelo menos quatro pessoas com o fim de cometer crimes (art. 288 do CP).

Não basta que tenha sido praticado por quatro ou mais pessoas que se reuniram para
cometê-lo, devendo restar provado que se trata de um grupo de pessoas que tenham-se
Extorsão Mediante Sequestro - 5

associado, de modo permanente e estável, para a prática indeterminada de crimes, dentre


eles, a extorsão mediante seqüestro cometida.

Reconhecida esta última qualificadora, os agentes responderão pelo crime de


quadrilha ou bando em concurso material com a extorsão mediante seqüestro.

37.2.5 Formas qualificadas pelo resultado

O § 2º do art. 159: “se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: pena –
reclusão, de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro) anos”.

O § 3º: “se resulta a morte: pena – reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta)


anos”.

Diferentemente do latrocínio, os resultados qualificadores não precisam decorrer,


necessariamente, da violência empregada na realização da conduta, mas basta que tenham
derivado do fato, ou seja: da grave ameaça empregada para seqüestrá-la, da privação da
liberdade da vítima ou de sua manutenção em cativeiro.

Incidirá a qualificadora se a lesão corporal grave ou a morte resultar das ações


empregadas para a privação da liberdade no momento da abordagem da vítima ou durante
seu transporte para o cativeiro, dos maus-tratos por ela sofridos ou, também, da própria
condição em que fica encarcerada.

Indispensável, por isso, o nexo causal entre o resultado qualificador e o fato, isto é, o
procedimento típico: conduta e privação da liberdade prolongada no tempo, com todas as
suas características materiais e psicológicas.

Mas não basta o nexo causal entre o fato e o resultado qualificador. É necessário que,
em relação a ele, o agente do crime tenha-se conduzido dolosa ou, pelo menos,
culposamente.

Embora a norma não distinga a produção dolosa do resultado do evento culposo,


cominando pena igual para as duas modalidades, não menos certo que só responderá por
ele o agente que o tiver causado pelo menos culposamente, como manda a norma do art. 19
do Código Penal.

Assim, se o agente adotou todas as cautelas e cuidados necessários para realizar o


seqüestro, bem assim para manter a vítima no cativeiro em perfeitas condições de
habitabilidade, higiene e saúde, resguardando-lhe todos os demais direitos, exceto a
6 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

liberdade, vindo a vítima a morrer em virtude de lesões sofridas com a queda de uma
aeronave sobre a casa onde se achava encarcerada – fato absolutamente imprevisível e por
isso inevitável –, não responderá por extorsão de seqüestro qualificada pelo resultado
morte.

37.2.6 Acréscimo de pena

O famigerado art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos mandou acrescer, de metade,


respeitado o limite superior de 30 anos, as penas para todas as formas típicas da extorsão
mediante seqüestro, simples, qualificadas e qualificadas pelo resultado, quando a vítima
estiver numa das situações previstas no art. 224 do Código Penal: “a) não é maior de
quatorze anos; b) é alienada ou débil mental e o agente conhecia esta circunstância; c)
não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.

Nesses casos, as penas serão:

a) extorsão mediante seqüestro simples (art. 159, caput): pena – reclusão de 12 a 22


anos e seis meses;

b) extorsão mediante seqüestro qualificada (art. 159, § 1º): pena – reclusão, de 18 a


30 anos, salvo se a vítima – não sendo alienada, débil mental ou incapaz de resistir –
tem entre 14 e 18 anos, caso em que a pena será de 12 a 22 anos;

c) extorsão mediante seqüestro qualificada pelo resultado lesão corporal grave (art.
159, § 2º): pena – reclusão, de 24 a 30 anos;

d) extorsão mediante seqüestro qualificada pelo resultado morte (art. 159, § 3º):
pena – reclusão, de 30 anos.

A inconstitucionalidade do art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos, não declarada pelo


Supremo Tribunal Federal, nem aceita pela jurisprudência dominante é patente, por violar
o princípio constitucional da individualização da pena e por representar bis in idem
intolerável, martirizando o princípio da legalidade.

37.2.7 Delação premiada

O § 4º do art. 159 cuida da chamada delação premiada, assim: “se o crime é


cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a
Extorsão Mediante Sequestro - 7

libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.

Esse benefício aplica-se em qualquer hipótese de extorsão mediante seqüestro


realizada por, pelo menos, duas pessoas. Não necessariamente cometido por quadrilha ou
bando. Basta a existência de um co-autor ou de um partícipe. Aplica-se, portanto, a
qualquer pessoa que tenha concorrido para o crime.

É preciso que sua colaboração seja eficaz, isto é, que, com ela, a vítima seja
libertada. Não lhe será concedida a redução da pena se, mesmo tendo prestado
informações, a vítima não é, em razão dela, libertada.

É indispensável que a delação seja relevante para os fins da ação da autoridade que
vise à libertação do seqüestrado.

Deve ser, ademais, voluntária, não se exigindo seja espontânea. Isto é, o


concorrente deve prestá-la de sua livre vontade, ainda que seja estimulado ou cooptado
pela autoridade policial que o tenha convencido das vantagens que terá se contribuir para o
deslinde favorável do seqüestro.

Não merecerá o prêmio o delator se a vítima consegue libertar-se por seus próprios
meios ou porque os outros concorrentes a libertaram espontaneamente. Também quando é
libertada por força do pagamento do resgate, bem assim quando a ação policial permite,
sem o auxílio do delator, libertar a vítima.

Uma vez pago o resgate, libertada a vítima, não merecerá o prêmio o delator que
contribuir para a prisão de seus concorrentes, porque sua contribuição não terá servido à
libertação do seqüestrado.

Todavia, quando se tratar de extorsão mediante seqüestro cometida por quadrilha


ou bando poderá o delator merecer a redução da pena, de um a dois terços, consoante o
dispositivo do parágrafo único do art. 8º da Lei nº 8.072/90: “o participante e o associado
que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando o seu
desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”. Como visto, essa
norma aplica-se apenas na hipótese de quadrilha ou bando.

A Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, que estabelece normas para a organização e


a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas, também
dispôs sobre a delação premiada. No art. 13 permite a concessão do perdão judicial ao
acusado primário que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o
processo, desde que resulte: “I – a identificação dos demais co-autores ou partícipes da
8 – Direito Penal II – Ney Moura Teles

ação criminosa; II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III
– a recuperação total ou parcial do produto do crime.”

Além disso, deverá o juiz levar em conta a personalidade do agente, a natureza,


circunstâncias, gravidade e repercussão social do crime.

O perdão judicial, que é causa de extinção da punibilidade, é o mais importante


prêmio, por isso que os requisitos para sua concessão vão além da simples colaboração
para a libertação da vítima.

Já o art. 14 da mesma Lei nº 9.807 contém outra norma mais ampla do que a do §
4º do art. 159:

“O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial


e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime,
na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do
crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.”

De notar que, segundo essa norma, basta que haja colaboração efetiva do concorrente
na identificação dos demais, na localização da vítima com vida e na recuperação, ainda que
parcial, do produto do crime. Se a vítima for localizada com vida, por força da colaboração
do delator, mas vem a morrer no tiroteio desencadeado pela polícia com os demais
seqüestradores, não há razão para que o benefício não lhe seja concedido. É que a norma
do art. 14 não mencionou, como a do § 4º do art. 159, a libertação da vítima, mas sua
localização com vida.

As duas normas estão em pleno vigor.

A do § 4º do art. 159 será aplicada quando o delator tiver colaborado, facilitando a


libertação da vítima. A do art. 14 da Lei nº 9.807 quando contribuir para sua localização
com vida, para a identificação dos demais concorrentes e para a recuperação do produto do
crime. Essa colaboração deve ser completa, não merecendo o prêmio o delator que não
contribuir para os três eventos.

37.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública, incondicionada. A extorsão mediante seqüestro


é crime hediondo, nos termos que dispõe o art. 1º, IV, da Lei nº 8.072, de 25 de julho de
1990.
Extorsão Mediante Sequestro - 9

Você também pode gostar