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56 EXERCÍCIO ILEGAL DA

MEDICINA, ARTE DENTÁRIA OU


FARMACÊUTICA

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56.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O art. 282 do Código Penal contém o seguinte tipo: “exercer, ainda que a título
gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou
excedendo-lhe os limites”. A pena é detenção de seis meses a dois anos.

A proteção da norma dirige-se à saúde pública.

Sujeito ativo é qualquer pessoa, e em relação à segunda parte da norma, só o


médico, dentista ou farmacêutico.

Sujeito passivo é o Estado.

56.2 TIPICIDADE

56.2.1 Conduta, elementos objetivos e normativos

O tipo descreve duas condutas distintas. A primeira é exercer a profissão de médico,


dentista ou farmacêutico, sem autorização legal. Exercer uma profissão é praticar de forma
constante ou reiterada suas atividades próprias. É desempenhar as funções inerentes à
profissão.

As profissões de médico, dentista e farmacêutico encontram-se regulamentadas em


lei e só podem exercê-las as pessoas que tiverem a autorização do órgão competente, que
são os conselhos regionais, de medicina, odontologia e farmácia. Na legislação específica é
que se encontram as normas atinentes não só ao exercício da profissão, mas também sobre
as atividades privativas de cada profissional.
2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

A Lei nº 3.268, de 30-9-57, dispõe sobre os Conselhos de Medicina e foi


regulamentada pelo Decreto nº 44.045/58. A Lei nº 5.081, de 24-8-66, regula o exercício
da odontologia, e a Lei nº 4.324, de 14-4-64, instituiu os Conselhos de Odontologia. A Lei
nº 9.120, de 26-10-95, alterou vários dispositivos da Lei nº 3.820/60, que instituiu os
Conselhos de Farmácia.

Exerce a profissão de médico quem atende pessoas apresentando-se como médico,


examinando-as, prescrevendo medicamentos, recomendando a realização de exames,
realizando cirurgias, mantendo consultório aberto ao público ou atuando em
estabelecimento, público ou privado, enfim, praticando atos inerentes à profissão de
médico.

Exerce a profissão de dentista aquele que se apresenta como tal, tratando das
moléstias que acometem os dentes, prescrevendo medicamentos ou promovendo
intervenções cirúrgicas etc. A profissão de farmacêutico diz respeito com a preparação de
medicamentos, a manipulação de substâncias visando à criação de produtos com fins
terapêuticos ou medicinais. Não se confunde com a profissão de vender remédios.

Aquele que exercer uma dessas profissões sem que esteja previamente habilitado
legalmente, autorizado, portanto, para o exercício da profissão, e mesmo quando já tenha
concluído o respectivo curso de graduação, realizará a conduta típica. A habilitação legal
para o exercício da profissão é o registro no órgão competente, não o diploma, que é
requisito daquele. Já a falta de registro em órgão estadual constitui mera irregularidade,
quando o médico, dentista ou farmacêutico tenha registro em outro órgão de outro estado
ou o federal.

Não comete o crime a parteira que exerce sua atividade, porque a simples realização
de parto não constitui exercício de medicina.

A segunda modalidade típica é exercer a profissão excedendo seus limites. É crime


próprio do médico, dentista ou farmacêutico. O exercício de cada uma dessas profissões
encontra limitações nas normas legais e regulamentares próprias, daí que o profissional
não pode extrapolar, realizando atos para os quais não se encontra devidamente
habilitado. Costuma-se dizer que comete o crime o médico que manipula substâncias com
vista na preparação de medicamento, atividade própria de farmacêutico, e o dentista que
realiza intervenção cirúrgica, ainda que na boca, atividade própria do médico, ou o
farmacêutico que prescreve medicamentos para o paciente, substituindo-se ao médico.
Exercício Ilegal da Medicina, Arte Dentária ou Farmacêutica - 3

A realização do tipo exige habitualidade no exercício da medicina, arte dentária ou


farmacêutica. Assim, quem recomenda a alguém o uso de determinado medicamento, para
a cura de determinada moléstia, uma única vez ou algumas vezes, esporadicamente, não
comete o crime.

O crime é de perigo abstrato. Não precisa ser demonstrado, nem ter existido, porque
há presunção da norma. Desnecessário, assim, que tenha ocorrido a situação de perigo,
bem como qualquer dano à saúde de alguém.

Modernamente, as profissões de médico e dentista tendem, cada vez mais, à


especialização. Cirurgia cardiovascular, cirurgia plástica, neurocirurgia, obstetrícia,
pediatria, neuropediatria etc. Enfim, a medicina torna-se cada vez mais especializada. O
mesmo vem ocorrendo com a odontologia.

De se perguntar: o médico cardiologista que se apresenta como cirurgião plástico,


anunciando-se para a comunidade como apto a realizar cirurgia estética ou reparadora,
estaria realizando o tipo do art. 282, por exercer a profissão de médico “excedendo-lhe os
limites”? A resposta há de ser negativa enquanto não houver, no ordenamento, normas que
restrinjam ou imponham limites às atividades de médico especialista. É necessário que,
para a proteção da saúde pública, apenas os especialistas possam exercer as atividades
próprias de sua especialidade.

56.2.2 Elemento subjetivo

É crime doloso. O agente, na primeira modalidade típica, atua com consciência de que
não está habilitado para exercer a profissão, sabendo que não está autorizado pelo órgão
respectivo. E deve agir com vontade livre de exercer a profissão ilegalmente.

Não age com dolo o médico graduado e habilitado no exterior que, vindo para o país,
passa a exercer a medicina sem obter o prévio registro. Há erro de tipo, que exclui o dolo.
Na segunda modalidade típica, o médico, dentista ou farmacêutico deve saber que excede
os limites impostos para o exercício de sua profissão e agir com vontade livre de excedê-
los, sem qualquer outra finalidade.

56.2.3 Consumação e tentativa

A consumação ocorre quando o exercício da profissão seja considerado habitual, o que


4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

vai ocorrer após tempo juridicamente relevante, com a reiteração dos atos inerentes à
profissão que o agente não está autorizado a exercer, ou dos atos que excedem os limites da
profissão, quando praticados por médico, dentista ou farmacêutico.

Por ser crime habitual, não é possível reconhecer-se a tentativa.

56.2.4 Forma qualificada

Quando o agente realiza a conduta típica com a finalidade de obtenção de lucro, ainda
que não o obtenha efetivamente, além da pena privativa de liberdade será aplicada a pena de
multa. É o que determina a norma do parágrafo único do art. 282.

56.2.5 Formas qualificadas pelo resultado

Dispõe o art. 285 do Código Penal que serão aplicadas ao exercício ilegal da
medicina, arte dentária ou farmacêutica as formas qualificadas pelo resultado descritas no
art. 258. Se do fato resultar lesão corporal de natureza grave a pena será aumentada de
metade. Se resultar morte, será aplicada em dobro. São crimes preterdolosos. Há dolo na
realização da conduta e culpa na produção do resultado não desejado nem aceito pelo
agente.

Se o agente tiver realizado a conduta com a finalidade de causar o resultado mais


grave, haverá o crime contra a pessoa, integralmente doloso.

56.3 ILICITUDE E CULPABILIDADE

Num país de miséria epidêmica é possível reconhecer a exclusão da ilicitude pelo


estado de necessidade nas condutas de quem, em determinadas localidades, pratica, com
habitualidade, atos próprios de dentistas e farmacêuticos, quando para salvar de perigo a
saúde de pessoas miseráveis, extraindo dentes, prescrevendo medicamentos contra
moléstias, distribuindo-os a quem deles necessita ou em situações de urgência ou
emergência.

A inexigibilidade de conduta diversa, princípio geral de Direito excludente do crime


e também da culpabilidade, pode incidir em situações como as descritas e outras em que
não se puder exigir do agente conduta diferente da que realiza, mormente quando age por
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motivo nobre e de solidariedade com pessoas desassistidas pelo poder público.

56.4 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada. A competência é do juizado


especial criminal, possível a suspensão condicional do processo penal.

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