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PREVARICAÇÃO

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95.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O crime de prevaricação está assim tipificado no art. 319 do Código Penal:


“retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra
disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. A pena é
detenção, de três meses a um ano, e multa.

A Lei n° 11.466, de 28-3-2007, incluiu, no Código Penal, o art. 319-A, sem


denominação jurídica, contendo o seguinte tipo penal:

“deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de


vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita
a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo:
Pena: detenção, de 3 (três meses) a 1 (um) ano.”

O bem jurídico protegido é a Administração Pública, a regularidade dos atos


inerentes a sua atividade.
Sujeito ativo é o funcionário público, podendo o não-funcionário ser co-autor ou
partícipe. Sujeito passivo é o Estado e, se houver lesão, também o particular que a sofrer.

95.2 TIPICIDADE

95.2.1 Forma típica do art. 319: Prevaricação

95.2.1.1 Conduta, elementos objetivos e normativos

A prevaricação realiza-se mediante uma das seguintes condutas: retardar, deixar de


2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

praticar ou praticar ato de ofício.

Retardar é protelar, procrastinar ou atrasar a realização do ato. É não praticá-lo no


momento adequado e devido, para só fazê-lo posteriormente após um tempo juridicamente
relevante.

Deixar de praticar é simplesmente não praticá-lo, omitir sua realização. Há


diferença entre retardar e deixar de praticar. Na primeira conduta o agente apenas
pretende protelar, atrasar, adiar a realização do ato para momento posterior. Na
omissão, ele simplesmente não o realiza porque não deseja, em tempo algum, fazê-lo.

Essas duas condutas são, portanto, omissivas e devem ser indevidas, no sentido de
serem ilícitas, não justificadas. Assim, não há fato típico quando o agente retarda ou deixa
de praticar o ato de ofício por uma razão justa, por um motivo justificado.

A terceira conduta típica é praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei.
Praticar é realizar, concretizar, executar o ato.

Ato de ofício é aquele inserido no âmbito das atribuições conferidas ao funcionário ou


de sua competência. Pode, assim, ser um ato administrativo, legislativo ou judicial. Deve
ser praticado contrariando dispositivo legal expresso. Não há incidência dessa norma
quando a infração é a uma norma regulamentar, uma portaria, uma resolução etc.

Como se vê, nas três formas típicas, há um elemento normativo: nas duas primeiras
o ato deve ser indevido, na última deve ser contrário a uma norma legal.

Nas três o ato deve ser do ofício do agente, ou seja, de sua atribuição ou
competência, daí que não incorrerá na proibição se o ato que retarda, deixa de praticar ou
pratica com infração a norma legal não se encontra dentre aqueles a que estava obrigado a
realizar. Deve, pois, ser um ato próprio do agente que, igualmente, deve encontrar-se no
pleno exercício de suas funções, porque somente assim estará ele obrigado a praticá-lo com
observância das normas legais incidentes.

95.2.1.2 Elementos subjetivos

Trata-se de crime doloso. O agente deve retardar, deixar de praticar ou praticar o


ato de ofício com consciência e vontade livre de realizar a conduta. Sua consciência deve
alcançar a injustiça da protelação ou da omissão do ato e a ilegalidade de sua prática.
Havendo erro sobre a ilicitude do retardamento ou da omissão ou da ilegitimidade da
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prática do ato, restará excluída a tipicidade do fato.

Deve, além disso, agir com uma finalidade especial: satisfazer a interesse ou
sentimento pessoal. Significa dizer que só haverá prevaricação quando o agente buscar a
realização ou a concretização de um interesse ou sentimento pessoal. Age, portanto, com o
fim de alcançar um desses objetivos. Interesse pessoal é a relação entre o agente e o fato,
podendo ser patrimonial, material ou moral. É a vantagem que ele busca obter com a
realização da conduta. Sentimento pessoal é o estado afetivo ou emocional, é o ódio ou o
amor, a simpatia ou a aversão, enfim, é o estado da alma que move o agente na
concretização de sua conduta.

O interesse ou sentimento pessoal pode ser positivo ou negativo, nobre ou abjeto,


pouco importa, realizando o tipo aquele que agir com o fim de satisfazê-lo, porque ao
funcionário público não é dado atuar movido por razões de natureza pessoal, mas, sempre,
por inspiração do cumprimento das leis. Comete prevaricação quem realiza a conduta para
agradar a um amigo ou para fazer sofrer um desafeto.

Se o agente pratica o ato para receber uma vantagem indevida porque a solicitou ou
por ter aceitado a sua promessa, o crime será de corrupção passiva. Na prevaricação, o fim
pretendido pelo agente não depende da participação de qualquer outra pessoa, mormente
a que será beneficiada pela conduta, exigida na corrupção passiva.

95.2.1.3 Consumação e tentativa

A consumação, nas duas formas omissivas – retardar ou deixar de praticar ato de


ofício –, ocorre no instante em que o agente não realiza o ato. Impossível, aí, a tentativa.

Na forma comissiva consuma-se quando o ato é praticado com infração de norma


legal, possível a tentativa quando, iniciada a execução, não se conclui a prática por
circunstâncias alheias à vontade do agente.

Em qualquer caso, não é necessário que o funcionário consiga satisfazer a interesse


ou sentimento pessoal que o moveu.

95.2.1.4 Aumento de pena

Se o agente ocupa um cargo em comissão ou exerce função de direção ou


assessoramento de órgão da administração direta, de sociedade de economia mista,
4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

empresa pública ou fundação instituída pelo poder público, a pena será aumentada de um
terço (art. 327, § 2º). Não há esse aumento de pena quando o agente é dirigente ou exerce
função de assessoramento em empresa privada conveniada ou contratada para executar
atividade típica da administração pública.

95.2.2 Forma típica do art. 319-A: Omissão do Diretor de


Penitenciária

A inclusão no Código Penal do art. 319-A, sem nomen iuris, do novo tipo penal,
pode levar ao entendimento que se trata de uma espécie de prevaricação, pois descreve
conduta na qual o servidor deixa de cumprir um ato de seu ofício.

Embora tenha como objetividade jurídica resguardar a probidade administrativa,


não é, todavia, uma espécie de prevaricação, uma vez que não contém todos os demais
elementos do tipo do art 319 e mais um ou outros especializantes.

É um tipo novo, que guarda com a prevaricação apenas a descrição de uma omissão
de ato funcional.

95.2.2.1 Sujeito ativo, conduta e elementos do tipo

A conduta é omissiva, própria do Diretor da Penitenciária ou de outro agente


público que esteja exercendo as suas funções.

O núcleo verbal é “deixar de”, o que significa que se realiza com a não realização de
um comportamento positivo. É não praticar a ação física que a norma impõe. É não
cumprir o dever de impedir que o preso tenha acesso a aparelho telefônico que lhe permita
comunicar-se com outro preso ou com o mundo exterior ao presídio. Certo, entretanto, que
para tal ocorra, que exista, previamente, outra norma impondo comportamentos positivos
ao sujeito ativo, no âmbito do estabelecimento prisional.

Ou seja, o tipo do art. 319-A contém norma penal em branco, cujo complemento é a
norma do art. 50, inciso VII, da Lei de Execução Penal que estabelece, como falta grave do
condenado:

“tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar,


que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”
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É crime doloso. Diferentemente da prevaricação, não se exige qualquer outra


motivação especial, ou seja, o chamado dolo específico, bastando que o agente tenha
consciência e vontade de omitir-se, admitindo-se o dolo eventual.

95.2.2.2 Consumação e tentativa

Consuma-se com a simples omissão do agente. Basta que se constate que o preso
está na posse do aparelho, ou que se prove tenha ele se comunicado com outra pessoa,
utilizando-se do aparelho, para a consumação.

Impossível a tentativa.

95.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública incondicionada, competente o juizado especial


criminal, possível a suspensão condicional do processo penal.

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