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Organizador:
filipe Lage de Sousa
1ª edição
r i o D e JA n e i r o – o u t u B r o D e 2 0 1 2
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
P re side nt e
Luciano Coutinho
V i ce - pr e side nt e
João Carlos Ferraz
Vários autores.
ISBN: 978-85-87545-44-2
CDD – 332.28
VOLUME 1
Prefácio................................................................................................................. 5
Apresentação........................................................................................................ 9
VOLUME 2
Prefácio................................................................................................................. 5
Apresentação........................................................................................................ 9
Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desen-
volvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento
básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas.
No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de
1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/
PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias ad-
versas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o proces-
so de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa
nacional de desestatização.
Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firme-
mente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, cola-
borando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento
(FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascenden-
te foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência
do Lehman Brothers em setembro de 2008.
O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fun-
damentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três
décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de
estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os inves-
timentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais
instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida supe-
ração do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu
empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de
forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal.
Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo
conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira.
A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas
para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis.
Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cená-
rio internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvol-
vidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado
Prefácio 7
mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportuni-
dades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores
de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços
e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossinté-
ticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de
nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas
oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira gera-
ção, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de
cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimen-
to de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a
perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais
de desenvolvimento do país.
Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da institui-
ção, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potenciali-
dades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com
um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspec-
tivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras,
este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às
demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e
pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável
em todos os sentidos.
Luciano Coutinho
Presidente do BNDES
ap r es enta ç ã o
Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que
mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise
bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial;
ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistente-
mente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica
de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transforma-
ções em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia
brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora.
Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publica-
ção com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns
setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencia-
lidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições
positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes
e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento
brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de
sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores
per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a
sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar.
Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um intro-
dutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia
brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais pro-
váveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os
resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investi-
mento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira
no período recente, bem como suas perspectivas.
Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particular-
mente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro
artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos
equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays),
10 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços
correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a
produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria
aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube apro-
veitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente
competitivas e examina os principais desafios para mantê-las.
A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e
suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume.
Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da es-
pecificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do
pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assun-
to é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários
para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas des-
cobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no
qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a
desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saú-
de, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no
penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação cons-
titui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um
exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I.
Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em ferti-
lizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição
para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais
do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta
publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustí-
veis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da
necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo se-
guinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado,
contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem.
Apresentação 11
R es um o
Neste estudo, analisamos as transformações recentes e os desafios da economia
brasileira. A emergência da China como potência econômica mundial implicou um
choque de preços relativos, com barateamento de bens industriais e aumento dos
preços de commodities, nos quais o Brasil tem vantagem comparativa, o que impac-
tou de forma favorável as contas externas. No front interno, o aumento do crédito
e a geração de empregos, aliados a políticas de inclusão social, possibilitaram uma
melhoria no padrão de consumo de milhões de brasileiros, o que, em conjunto
com uma expansão dos investimentos, impulsionou o dinamismo do mercado do-
méstico. A robustez do mercado interno, fortalecido por medidas anticíclicas fis-
cais e creditícias, foi determinante para a resiliência da economia brasileira ante
a crise financeira internacional de 2007-2008, e continuará a ter papel importante
para impulsionar o crescimento do país. Apesar de todos os avanços recentes, será
preciso enfrentar o desafio de aumentar a produtividade brasileira. Argumenta-
mos ainda que o futuro apresenta obstáculos, mas oferece também oportunidades,
que permitirão um aumento tanto dos investimentos quanto da produtividade da
economia brasileira.
Ab s tra c t
In this paper, we analyze the recent transformations in and challenges for the
Brazilian economy. The emergence of China as a world economic power has
changed terms of trade with a reduction of the prices of manufacturing goods
and an increase in commodities prices, in which Brazil has comparative advantage.
This change of terms of trade has positively impacted the Brazilian trade balance.
In the domestic market, the expansion of credit and employment together with
social inclusion policies managed to improve the consumption pattern of millions
of Brazilians. The growth in investments has also boosted the domestic market. The
robustness of the internal market, strengthened by fiscal and credit anti-cyclical
14 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
policies, was a determining factor for the resilience of the Brazilian economy
after the international financial crisis in 2007-2008. Moreover, the internal market
might have a relevant role in the years to come. Despite all the recent progress, it
will be necessary to improve Brazilian productivity. We argue that there are not
only drawbacks in the future but also opportunities which may be able to boost
investments in and the productivity of the Brazilian economy.
ECONOMIA BRASILEIRA 15
8 7,53
7
6,09
5,71
6
5,17
5
4,31
3,96
4
3,38
3,16
2,73
2,66
3
2,15
2
1,31
1,15
1
0,25
0,04
0
-0,33
-1
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
1. c enÁR i o i n t e R n A c ion A L e
b AL AnÇ A com e R c iA L b R A s iL e iR A
A última década ficou marcada por dois fenômenos internacionais que afetaram
o desempenho da economia mundial e se traduziram em mudanças importantes
para a economia brasileira: (a) a consolidação da China como potência econômica
e importante provedora de bens industriais para o mundo; e (b) a crise financeira
internacional e seu impacto sobre a distribuição de forças econômicas e políticas
entre economias avançadas e emergentes.
Depois de três décadas de crescimento próximo a 10% a.a., a China ganhou
dimensão importante como potência econômica, superando, em volume de pro-
dução, países como Alemanha e Japão. Há até mesmo a perspectiva de se tornar a
maior economia do planeta, possivelmente, antes de 2020, conforme previsões do
Fundo Monetário Internacional (FMI).1 Apesar de o crescimento elevado ter se ini-
ciado na década de 1970 e se mantido nas décadas posteriores, foi nos anos 2000 e,
sobretudo, a partir da adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), ocorrida
em novembro de 2001, que a economia chinesa consolidou seu papel como impor-
tante provedora de bens manufaturados gerais, em escala global. O Gráfico 2 ilustra
o aumento da participação da China nas exportações mundiais de bens manufatu-
rados. Em dez anos, essa participação praticamente triplicou, passando de 4,7% em
2000 para 14,8% em 2010.
A emergência da China como parque industrial do planeta trouxe importan-
tes repercussões sobre o dinamismo de países emergentes e desenvolvidos e in-
fluenciou, até mesmo, a orientação da política econômica em escala mundial. A
queda dos preços de produtos manufaturados, tornada possível graças ao avanço
da indústria chinesa, contribuiu para a manutenção de inflação e juros em pata-
mares historicamente baixos. Essa condição de preços e política monetária, que
ficou conhecida como período da grande moderação (great moderation), pro-
1
não obstante, a supremacia econômica chinesa não é um fato novo na história mundial. dahlman (2011) mostra que a economia
chinesa era uma das maiores antes da revolução industrial.
18 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Gráfico 2 Participação das exportações chinesas (%) no total das exportações mundiais
de manufaturados
16
14,8
14
12
10
8
(%)
4 4,7
3,3
1,9
0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
Fonte: Organização Mundial do Comércio.
500
450 455,9
400
350
346,7
300
250
200
150
126,6
100
50
0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
100
80
60
Saldo comercial em US$ bilhões
40
20
0
jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012
-20
-40
-60
Agropecuário Intensiva em recursos naturais Intensiva em trabalho Intensiva em escala
Intensiva em engenharia e tecnologia
2
O ápice do superávit da balança comercial ocorreu em maio de 2007, quando este atingiu US$ 48 bilhões no acumulado
de 12 meses.
3
Os setores intensivos em recursos naturais são: indústria extrativa, alimentos e bebidas, madeira, papel e celulose, coque e refino de
petróleo e produtos minerais não metálicos. Os intensivos em trabalho compreendem: têxtil, vestuário e acessórios, couro e calçados,
produtos de metal e móveis e indústrias diversas. Os setores produtos químicos, borracha e plástico, metalurgia básica e veículos
automotores são os intensivos em escala. Por último, os intensivos em engenharia e tecnologia são máquinas e equipamentos,
máquinas para escritório e informática, máquinas e aparelhos elétricos, material eletrônico e de comunicações, equipamentos
médico-hospitalares e outros equipamentos de transporte.
ECONOMIA BRASILEIRA 21
4
Na seção 4, o box ilustra que o aumento da quantidade exportada pode ser parcialmente explicado pelo ganho de competitividade
em alguns setores via crescimento da produtividade.
22 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2. ec o no m i A D omÉ s t ic A : o
DesenVoLVimento com incLusÃo sociAL
No front interno, o destaque foi a ascensão de milhares de brasileiros a um novo
padrão de renda e consumo. Entre 2001 e 2009, a renda per capita das famílias
do décimo percentil inferior de renda alcançou crescimento anual médio de 6,8%
(Gráfico 5A). Considerando o crescimento demográfico em torno de 2% a.a. para
essas famílias, as taxas de crescimento real seriam da ordem de 9% anuais. Esse
aumento de renda dos extratos sociais mais pobres viabilizou a migração de
milhões de famílias das classes D e E para a classe C, engrossando a nova classe
média brasileira, conforme definida por Néri (2008). Esse fenômeno está ilustra-
do no Gráfico 5B.
Gráfico 5a crescimento da renda real Per cAPitA Por Percentil na distriBuição dos rendimentos (% a.a.)
100 1,5
90 2,4
80 3,2
70 3,9
60 4,5
50 4,8
40 5,3
30 5,8
20 6,1
10 6,8
ECONOMIA BRASILEIRA 23
250
200
13,3 22,5
MILHÕES DE HABITANTES
65,9 55% DA
45,6 105,5 POPULAÇÃO
55,4
100
50 96,2
92,9 83,3
63,6
0
1993 1995 2003 2011
5
Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em <http://www.mds.gov.br>. Acesso em 28 set. 2012.
24 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Gráfico 6 Salário mínimo – deflacionado pelo IPCA (índice 2002 = 100) e variação (%) anual
13,1
14 170
163,3
12
160
9,8
10
9,2
150
7,4
8
140
130
3,9
3,6
4
3,1
120
2
0,7
0,3
110
0
-1,3
-2 100
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 7 Relação crédito/PIB (%) – pessoa física (PF) e pessoa jurídica (PJ)
49
50
45,2
43,7
45
40,5
40
35,2
35
30,9
33,7
28,3
30 29,4 30,6
25,7
24,6
26
27,7
25
23,4
20 20,9
19,5
20 18,8 18,7
15
10
14,3 14,6 15,3
11,8 12,8
5 10
8,8
6 5,8 7
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
PJ PF
6
Para a importância da demanda interna na geração de emprego vis-à-vis fatores como mudança tecnológica e penetração de
importações, ver Ambrozio e Sant´Anna (2012).
26 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
45 42,4
39,2
40
35,4
35
32,2
29,1
30
24,5
25 22,2
21,5
19,6 19,4
18,6 18,5
20 17,6 17,6
8,0
6,2 7,4 7,2
15 5,7 6,1 7,1
10
12,4 14,2
11,9 11,5 11,4 12,2 12,3
5
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
14
13
13
12
11,7 11
11
11
10
9,5 9
9
9 8,0
8
7
7
7
5,8
6
5
5
4
mar. 2002
mar. 2003
mar. 2004
mar. 2005
mar. 2006
mar. 2007
mar. 2008
mar. 2009
mar. 2010
mar. 2011
mar. 2012
set. 2002
set. 2003
set. 2004
set. 2005
set. 2006
set. 2007
set. 2008
set. 2009
set. 2010
set. 2011
Gráfico 10 Volume de vendas no varejo por regiões – índice 2002 = 100 e variação (%)
acumulada no período
210
102,2%
99,1%
190
81,2%
76,6%
75,5%
170
56,8%
150
130
110
90
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
3. o s i nV es time n t os
A criação de um importante mercado de consumo, analisada na seção anterior, foi
um dos principais determinantes do crescimento econômico brasileiro, nos últimos
anos. Entretanto, o investimento também foi fator relevante. O Gráfico 11 mostra
o desempenho do PIB e seus determinantes. Pode-se observar a importância da de-
manda doméstica, tanto pelo consumo das famílias quanto por investimento, para
o crescimento do PIB.
7,5
1,3
0,9
6,1
5,2
0,3
5,7 0,3
1,1 0,7 4,1
0,5 4,0
0,9 3,2 0,5
2,7 2,7
0,6 3,5 3,2
0,9 0,4
0,5
1,5 1,1 3,0 0,7
2,1 2,5
0,8 2,5 4,0
1,1
2,3 2,4 2,6
1,2 1,5
1,1 1,3 0,5 0,9
0,3
-0,8 -0,7 -0,8 -1,1 -0,7
-1,0 -1,0 -1,5
-0,2 -0,4 -0,2 -0,4
-0,3 -2,7
-2,2
-0,3
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
FBCF Consumo das famílias Consumo do governo Exp. liq. Var. est.
20
19,5
19,3
19,1
19
18,1
18
17,4
17,0
16,8
17
16,4
16,4
16,1
15,9
15,7
16
15,3
15
14
13
12
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES.
4. o Des Af i o D A P R oD u t iViD A D e
Os desafios para a próxima década são distintos daquele do início da década passa-
da. Em um ambiente de taxas de desocupação próximas à natural em muitos seto-
32 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Tabela 2 Nível e crescimento da produtividade entre 2000 e 2009 (em R$ mil a valores
constantes de 2000)
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).
Agropecuária Total
6%
CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO
4%
Serviços
2%
0%
-2,0% 0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14%
-2% Indústria
-4%
-6%
-8%
CRESCIMENTO DO EMPREGO
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).
7
Considerou-se queda uma variação acima de 1% em valores absolutos, enquanto a variação entre 0% e 1% caracterizou
estagnação.
34 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Anual 2000-2009
Total 0,88
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).
8
No Gráfico 14, são excluídos os segmentos do setor de serviços, que são non-tradables. A necessidade de
compatibilizar a classificação da base de dados das Contas Nacionais com a base de dados da Funcex implica
aglutinação de alguns segmentos, e foi analisado um total de 24 segmentos da economia brasileira.
36 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
10%
5%
PRODUTIVIDADE (2000-2009)
0%
-8 -6 -4 -2 0 2 4 6
-5%
-10%
-15%
-20%
-25%
Agropecuária Intensivo em recursos naturais Intensivo em trabalho Intensivo em escala Intensivo em engenharia e tecnologia
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE) e da Secex/MDIC.
9
Agropecuária crescendo a uma taxa de 4,3% a.a. (2000-2009); indústria 0,6% a.a. (2005-2008); e serviços, 1,5% a.a. (2005-2009).
ECONOMIA BRASILEIRA 37
daquele obtido entre 2000 e 2009 (0,88% a.a.) e seria um componente importante
para sustentar uma trajetória de crescimento econômico nos próximos anos.
anual 2010-2019
ToTal 1,78
5. c o ns i DeR A Ç Õe s f in A is
A nova fase da crise financeira internacional, com seus desdobramentos sobre os
países europeus, anuncia um período de baixo crescimento para as economias de-
senvolvidas. Os países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil se inclui, senti-
38 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
10
Até o fechamento desta edição, o último World Economic Outlook divulgado pelo FMI era o de abril de 2012.
ECONOMIA BRASILEIRA 39
das previsões apontadas neste estudo. O futuro é promissor, visto que ultrapassar o
paradigma de país de renda média para um de renda elevada passou a ser possível
diante das oportunidades de que o Brasil dispõe.
R ef er ênc i a s
Ambrozio, A. M. H.; Sant´Anna, A. Decompondo o crescimento do emprego entre
2000 e 2008. Visão do Desenvolvimento, n. 102. Rio de Janeiro: BNDES, 2012.
Bernanke, B. S. The Global Saving Glut and the U.S. Current Account Deficit, speech
delivered for the Sandridge Lecture at the Virginia Association of Economists.
Richmond, 2005 mar. 10.
Caballero, R. J., Farhi, E.; Gourinchas, P. Financial Crash, Commodity Prices and
Global Imbalances. NBER Working Paper, 2008, n. 14.521.
Dahlman, C. J. The World Under Preassure: How China and India Are Influencing
the Global Economy and Environment. Stanford University Press, 2011.
40 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
OBSTFELD, M.; ROGOFF, K. Global Imbalances and the Financial Crisis: Products of
Common Causes. CEPR Discussion Papers n. DP7606. 2009.
* engenheiro e gerente setorial do Departamento das indústrias de tecnologias de informação e Comunicação da área industrial
do bnDes. o autor agradece a preciosa ajuda de alessandra sleman, luis otávio reiff, felipe lobo, marcos fernandes, marcos dos
santos, Daniel Carvalho, Vicente Giurizatto e leandro lotero na geração de dados da dispersa indústria de tiCs; e especialmente a
francisco silveira e Henrique miguel da secretaria de política de informática do ministério da Ciência e tecnologia (mCti/sepin) o
fornecimento de dados sobre a lei de informática.
Complexo Eletrônico 43
R ES UM O
A relevância das indústrias baseadas na eletrônica – ou, genericamente, das tecno-
logias da informação e comunicação (TICs) – avança com a consolidação da revolu-
ção digital, tal como a preocupação dos governos com o domínio tecnológico e di-
fusão dessas tecnologias em suas nações. Em compasso com esse quadro e com um
déficit comercial crescente nesse setor, na década de 2000, o país aperfeiçoou signi-
ficativamente seu arcabouço legal, seus instrumentos de financiamento e de apoio
à difusão da eletrônica. Apesar dos efeitos dessas ações ainda estarem aquém do
desejado – mais do ponto de vista tecnológico do que produtivo –, os avanços são
relevantes e diversas oportunidades se descortinam para o desenvolvimento das
TICs no Brasil. No contexto da celebração dos sessenta anos do BNDES, este artigo
se propõe a expor o histórico do desenvolvimento e do apoio do Banco às TICs, com
ênfase no período 2001 a 2011, as principais tendências e os desafios para que o
Brasil se posicione como um país protagonista na área.
AB S TR AC T
The relevance of industries based on electronics – or, generically, part of
information and communications technologies (ICTs) – has advanced due to the
consolidation of the digital revolution, such as the interest of many governments
in dominating technology and disseminating such technology throughout
their nations. In keeping with this, and with the growing trade deficit in this
sector, in the first decade of 2000, the country significantly improved its legal
framework, as well as its financing instruments and mechanisms to provide
support for electronic dissemination. Despite the fact that the results of such
efforts still fall well short of the desired outcome – more from a technological
point of view rather than a production standpoint –, the advances have been
relevant and several opportunities have been revealed towards developing ICTs in
Brazil. Within the context of the BNDES’ 60th anniversary celebrations, this article
44 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
is aimed at disclosing the historic development and support the Bank has offered
ICTs, focusing on not only the period between 2001 and 2011, but also the main
trends and the challenges Brazil must face to position itself as an active player in
the area.
Complexo eletrôniCo 45
1. I nTR O DUÇ Ã O
A primeira década deste milênio reforçou o que diversos estudos já diagnostica-
vam desde meados do século passado: o caráter estratégico das tiCs nas sociedades
modernas.1 A relevância dessa indústria se dá tanto pelo prisma do acesso a estas
pela sociedade, quanto por seu domínio para aplicação em setores produtivos, per-
mitindo aumentar a produtividade do trabalho, criar serviços, aprimorar produtos,
modificar indústrias e processos e permitir avanços sociais e ambientais.
o aumento da importância do Complexo eletrônico (Ce) pela ótica da deman-
da reflete-se, por exemplo, na preocupação de diversas instituições governamentais
com a inclusão digital e no aumento de gastos com tiCs, a taxas superiores ao cres-
cimento da economia mundial.2 Grande parte das soluções adotadas pelos governos
para a crise econômica de 2008-2009 inclui medidas direcionadas para o setor de tiC
que promovam a inovação, a difusão e a disseminação de seu uso [oCDe (2010)].
por vezes menos explícitas ou estruturadas, as políticas de apoio ao desenvol-
vimento produtivo do Ce são largamente implantadas por diferentes países. essa
atuação ocorre por diferentes meios, que podem ser: mecanismos de compras pú-
blicas – como no caso emblemático das encomendas tecnológicas realizadas pelo
Departamento de Defesa dos estados Unidos (eUA) –; instrumentos regulatórios
em mercados regulados; maciços investimentos em inovação, formação de mão de
obra e educação em ciências exatas; ou até mesmo controle dos investimentos dire-
tos estrangeiros na aquisição de empresas nacionais estratégicas, baseados em fun-
damentos tão amplos quanto “segurança nacional” ou “segurança econômica”.3
não por menos. Segundo a oliver Wyman, consultoria especializada no setor
Automotivo, os dispêndios em eletrônica representarão 60% do total investido em
p,D&i pela indústria automobilística até 2015 [oliver Wyman (2007)]. As tiCs já são
1
para citar como exemplo, já nas décadas de 1980 e 1990, as tiCs contribuíram entre 0,2 e 0,5 ponto percentual de crescimento
econômico, dependendo do país analisado. na segunda metade da década de 1990, essa contribuição esteve entre 0,3 e 0,9 ponto
percentual por ano [Collechia e schreyer (2001)].
2
segundo estudo Global innovation 1000 da consultoria bozz & Company (2008), apud bampi (2008-2009), em 2007 cerca de 29%
dos investimentos em p&D das mil empresas do estudo seriam aplicados em computação e bens eletrônicos.
3
segundo silva (2010), as tiCs estão entre os setores sensíveis e protegidos por extensa rede de agências e considerados
“infraestrutura crítica”.
46 BnDeS 60 AnoS – perSpeCtiVAS SetoriAiS
responsáveis por cerca de 5,5% dos empregos nos países da oCDe [oCDe (2010)] se
espalhando e se incrustando de maneira progressiva pela economia.
em que pese o fato de a indústria brasileira de tiCs estar entre as dez maiores
do mundo [oCDe (2008, Figura 2.14)], o país segue experimentando déficits comer-
ciais aceleradamente crescentes no Ce, com participação de apenas 1% das expor-
tações mundiais, ocupando o 27º lugar nas exportações mundiais de tiCs em 2008
[Salles (2011)]. os motivos que travam o desenvolvimento do Ce serão discutidos ao
longo do artigo, cujo objetivo é expor a evolução histórica recente do Ce no Brasil
e o respectivo apoio do BnDeS, com especial ênfase na última década,4 tendo como
perspectiva o quadro atual do setor e os desafios para seu desenvolvimento no país.
A seção a seguir descreve os principais vetores de mudança provocada pela evo-
lução tecnológica e de modelos de negócios das tiCs e, em sequência, o panorama
mundial no setor. na seção “panorama brasileiro”, são mostrados os instrumentos
de política para o setor no país. na seção seguinte, é avaliada a evolução do pano-
rama setorial brasileiro. As duas últimas seções apresentam as perspectivas do setor
e as propostas para atuação do Banco.
2. PAnO R AM A In T E R n A C IOn A L
Antes de iniciar a apresentação do panorama internacional, cumpre expor a classi-
ficação do universo tiCs adotada por este artigo. isso se justifica por nem sempre a
definição dos alcances do Ce ser convergente, em consequência da crescente difusão
da eletrônica na economia. A Figura 1 exibe a definição proposta por este artigo, com
uma tipologia orientada para a convergência tecnológica – os segmentos eletrônica de
consumo, equipamentos de telecomunicações e informática, que no decorrer do tem-
po foram classificados pelo BnDeS como segmentos distintos, estão inseridos em Siste-
mas e equipamentos eletrônicos como dispositivos de rede ou de acesso, ao lado dos
segmentos de eletrônica embarcada e automação industrial. ressalta-se que, apesar
4
para o entendimento mais aprofundado do desenvolvimento histórico do setor nos anos anteriores, recomenda-se a leitura do
artigo comemorativo de cinquenta anos do bnDes sobre o complexo eletrônico, elaborado por nassif (2002).
Complexo Eletrônico 47
Complexo eletrônico/TICs
COMPONENTES
Embarcado
ELETRÔNICOS
SOFTWARE
SISTEMAS E EQUIPAMENTOS
ELETRÔNICOS
Produto
Eletrônica Dispositivos Dispositivos Automação
embarcada de rede de acesso industrial
Serviços TICs
Demanda TICs
Manufatura (Bens de
Consumidor
capital, Automotiva, Empresas Governo
final
Defesa etc.)
Fonte: BNDES.
Terceirização produtiva
Nos anos 1990, a globalização se aprofundou, e a absorção dos conceitos de re-
engenharia de processos com focalização nos negócios centrais das organizações
48 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Margem Apple
Outros custos de insumos
25% 25%
10%
Mão de obra direta
4%
23%
2%
Fontes desconhecidas
2% 7% Distribuição e comercialização
Margem Japão
Margem Taiwan
Margem Coreia
Convergência
Nos anos 2000, ganhou força o fenômeno da convergência em diversas dimen-
sões. Por meio da convergência digital – que permitiu a unificação de voz, dados
e imagens em infraestrutura, protocolos e padrões comuns –, desencadeou-se
um processo de convergência de redes (por exemplo, telefonia fixa e móvel),
de serviços (que passam a poder ser prestados da mesma forma em diferentes
redes) e de terminais.
A internet e os smartphones talvez sejam os melhores exemplos desse fenô-
meno: vídeo, dados e voz pelo mesmo meio e dispositivo, modificando de forma
aguda as fronteiras mercadológicas, com transbordamentos em quase todos os se-
tores da economia que podem ter seus respectivos produtos digitalizados – toman-
do como exemplos não exaustivos os setores fonografia, radiodifusão, editorial e
publicidade. Trata-se da convergência de mercados, com novas e dinâmicas bases
de competitividade se formando a partir da participação das empresas em áreas de
negócio distintas de suas origens.
50 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Computação em nuvem
A reboque da convergência e do avanço tecnológico da microeletrônica – que ex-
pandiu a capacidade e reduziu custos de armazenamento e processamento em
servidores e dispositivos de acesso –, cresceu no fim dos anos 2000 o conceito de
computação em nuvem. Pessoas, empresas e governo passam a poder compartilhar
capacidade de armazenagem, processamento, aplicativos e ferramentas por meio
da internet e de data centers espalhados no mundo. Os serviços passam a ser facil-
mente escaláveis e a compra de aplicativos pode ser configurada de novas formas,
como uma taxa por uso e não mais por licença ou espaço alocado nos servidores.
Apesar da desconfiança por parte dos clientes potenciais quanto a questões
de sigilo e segurança e confiabilidade dos fornecedores, cerca de US$ 90 bilhões
foram gastos na nuvem em 2010, e 50% do processamento de dados em 2014 será
realizado no ambiente da nuvem.5
A infraestrutura de banda larga é uma questão fundamental para a acele-
ração desse modelo, conferindo papel-chave, no contexto brasileiro, ao Plano
Nacional de Banda Larga (PNBL) e às demais ações da Agência Nacional de Tele-
comunicações (Anatel) para melhoria da qualidade e cobertura da internet em
alta – e confiável – velocidade.
5
Estudo da Consultoria Gartner, citado por reportagem no jornal Valor Econômico, Especial Segurança Digital, de 28.2.2012.
Complexo Eletrônico 51
Serviços
Em decorrência da especialização produtiva em todos os setores da economia, é cres-
cente a demanda de clientes por ofertas de soluções completas – até mesmo operadas –
e não apenas equipamentos/sistemas eletrônicos isolados. Seja para o segmento em-
6
A Apple adquiriu a P.A. Semi em 2008 por cerca de US$ 280 milhões, a Intrisity em 2010 por US$ 120 milhões e a Anobit
em 2010 por cerca de US$ 400 milhões; em 2010, a Google adquiriu a Agnilux. Disponível em: <http://www.eetindia.co.in/
ART_8800604928_1800000_NT_347c98fe.HTM> e <http://www.nytimes.com/2010/04/28/technology/28apple.html?_r=1>.
52 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
4,9%
1.237
62 3%
8,5%
162 15%
975
41 4,8%
178 15%
128
3,0%
BILHÕES (EURO)
153 17%
259
3,1%
223
272 20%
3,4%
230
2004 2009
14%
13%
12%
11%
10%
10%
9%
9%
8%
8%
7%
6%
6%
4%
3%
1%
-4%
-10%
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 -14% 2002 2004 2006 2008 2010
Decision Etudes Conseil (2011) e estudo contratado pelo BNDES preveem cres-
cimentos entre 5% e 8% ao ano até 2015. No longo prazo, a previsão de expansão
está em torno de 6% ao ano.
Os dados do Gráfico 2 mostram a rápida consolidação da China como maior
produtora mundial, com 30% do fornecimento global em 2009 – em 2001, sua
produção respondia por cerca de 10% do total. Essa manufatura é, em sua maio-
ria, de produtos de consumo, como televisores, computadores e terminais ce-
lulares, em que o fator escala e controle de custos é fundamental. Todavia, os
investimentos em P,D&I são notórios e algumas empresas de elevado conteúdo
tecnológico já são mundialmente reconhecidas – como a Huawei e ZTE, ambas
fabricantes de equipamentos de telecomunicações, e a Lenovo, segunda maior
fabricante de laptops.
Os gigantes conglomerados da Coreia do Sul (chaebols) que atuam na eletrôni-
ca – Samsung, LG e Hyundai – obtiveram crescimento expressivo na última década,
assumindo liderança ou posição de destaque em dispositivos de acesso (televiso-
res, celulares, computadores etc.), componentes estratégicos (chips para memória e
54 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
7
Os maiores CEMs, ODMs e Foundries de semicondutores do mundo são taiwaneses (por exemplo, Foxconn e TSMC e UMC), assim
como empresas entre as líderes em displays (AUO, Innolux/CMO) e equipamentos (ACER, HTC e BenQ).
8
A Sharp tem a fábrica mais sofisticada de displays de LCD do mundo; a Toshiba segue como uma das maiores do mundo em chips
de diferentes segmentos; a Sanyo segue entre as líderes em baterias etc.
Complexo Eletrônico 55
US$ bilhões
Tipo de sistema 2009 2010 2011* 2012* 2013* 2014* 2015* 2015*/2009 (%)
Tal como em outros segmentos industriais, EUA, Europa e Japão seguem sendo
os maiores mercados – correspondendo a 66% da demanda mundial por eletrônicos.
9
O faturamento, por exemplo, da Positivo Informática em 2011 foi de R$ 2,3 bilhões, de acordo com Valor 1000 (2011).
56 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
4,9%
1.237
121 10%
113
370 30%
2,9%
320
26%
3,7% 319
266
2004 2009
países 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2010 (%) 2010/2005 (%)
Fonte: Abes/iDC.
3. PAnO R AM A B R A S IL E IR O
Com maior ou menor ênfase, as tiCs vem sendo reconhecidas como estratégicas ao
longo dos últimos sessenta anos pelos governos brasileiros, com legislação especí-
fica para produção e inovação local. De forma complementar ao artigo comemo-
rativo de cinquenta anos do BnDeS [nassif (2002)], a análise histórica foi dividida
em duas partes: (i) o período entre 1950 e 2001 e (ii) a década passada (2001-2011),
para a qual foi realizada uma avaliação mais detalhada.
período 1950-2001
10
A SID Microeletrônica operou a única fábrica com ciclo completo de produção de semicondutores no país.
Complexo Eletrônico 59
11
Lei 8.248/91. Estão no escopo dessa lei: componentes semicondutores, optoeletrônicos, máquinas, equipamentos e dispositivos
baseados em eletrônica digital, seus insumos, partes, peças, software e serviços técnicos associados.
12
Lei 8.387/91, que prevê, além da redução de até 88% do II sobre insumos, isenção de IPI.
60 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Arcabouço legal
Políticas industriais
Fonte: BNDES.
Políticas industriais
A última década foi marcada pela retomada das políticas industriais e tecnológicas
setoriais. Em 2003, em um contexto de estabilidade monetária, foi lançada a Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), com vigência até 2007, com
ênfase na inovação tecnológica, tendo os setores de software e microeletrônica ao
lado de fármacos e bens de capital como estratégicos. Duas agências foram criadas
no governo para auxiliar as ações dessa política: a Agência Brasileira de Promoção
à Exportação (Apex), criada em 2003, e a Agência Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI), criada em 2006.
Entre 2008 e 2010, entra em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em
que o setor TICs foi novamente posicionado como estratégico13 em cinco temas – software
e serviços de TI, microeletrônica, displays, infraestrutura para inclusão digital e adensa-
mento da cadeia. Em 2011, e ainda em estágio de elaboração, o Plano Brasil Maior (PBM)
foi lançado com o desafio de implementar medidas com base em um cenário de restrição
fiscal, crise e sobreoferta de capacidade produtiva mundial e necessidade de suportar os
investimentos na indústria, incluindo mais uma vez o setor de TIC como estratégico.
13
Além das TICs, o complexo de saúde, energia nuclear, complexo de defesa, nanotecnologia e biotecnologia foram definidos como
programas mobilizadores em áreas estratégicas na PDP.
Complexo Eletrônico 61
Inclusão digital
Em um cenário de elevado contrabando de computadores – o chamado “mercado
cinza” – e latente necessidade de incentivar a inclusão digital no país, o governo
decidiu desonerar as vendas de varejo de computadores desktops e laptops16 das
contribuições de PIS/Cofins por meio do Programa de Inclusão Digital. Essa medida
gerou impacto significativo na expansão da produção local de bens de informática –
de 3,2 milhões de computadores em 2003 para cerca de 14 milhões em 2010 –, na
formalização do mercado,17 no crescimento de empresas nacionais e na atração de
firmas estrangeiras.
Ainda com o objetivo de congregar inclusão digital e agregação local de va-
lor, em 2010 foi lançado o Programa Um Computador por Aluno (Prouca) e o Re-
gime Especial para Aquisição de Computadores para uso Educacional (Recompe)
(Lei 12.249/10), que desonerou a aquisição de insumos e fabricação e vendas de
computadores educacionais com PPB a serem adquiridos por estados, municípios
e governo federal por meio de pregões de referência realizados pelo Ministério
da Educação.
14
Até 60% para empresas na região Sudam/Sudene e 40% nas demais regiões do país (Decreto 5.798/06).
15
Entre estes, a Lei de Informática permitiu direito preferencial por repique em compras públicas (Decreto 7.174/10), dedução integral
do IPI para bens com tecnologia nacional (Lei 12.431, de 2011), e o BNDES lançou em 2011 a linha Programa de Sustentação do
Investimento – Bens de Capital (PSI Bens de Capital) Tecnologia Nacional para financiar a aquisição de bens com essa certificação.
16
O Programa de Inclusão Digital está inserido na Lei do Bem (11.196/05). Posteriormente, na Lei 12.431/11 foram incluídos os
tablets e modems.
17
Segundo Abinee/IT Data, o “mercado cinza” passou a corresponder a 24% do mercado total em 2010, ante 70% dos
computadores vendidos no país em 2003.
Complexo Eletrônico 63
18
Em 1998 é promulgada a primeira lei exclusivamente voltada para o setor de software (Lei 9.609/98), definindo o que é
considerado um programa de computador, seus direitos de propriedade e exploração do uso, entre outros dispositivos.
19
O percentual foi posteriormente reduzido para 50% pela Lei 11.774/08, já no âmbito da PDP.
64 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Brasil. Com base nos resultados dessa ação, iniciou-se uma discussão no governo
federal que culminaria na elaboração, em 2007, pela Lei 11.484/07, do Programa
de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Pa-
dis), que passou a conferir às empresas de projeto, fabricação e montagem de
microeletrônica e displays possivelmente o melhor pacote de incentivos fiscais
federais do país, provendo, entre outros incentivos, a isenção total do IR, IPI e
PIS/Cofins na comercialização de bens finais e do IPI e II na aquisição de insumos
e equipamentos. Como contrapartida a beneficiária deve investir 5% do fatura-
mento em atividades de P,D&I.
20
Na PIA/IBGE foram consideradas apenas as empresas com mais de trinta funcionários das CNAEs 1.0 (24.96, 30.12, 30.2, 32.2,
33.4, 32.1, 32.3, 33.2, 33.3 e 33.5) e CNAEs 2.0 [C 26, exceto 26.6 (equipamentos médicos)]. A exclusão dos equipamentos
médicos se deve à dificuldade de compatibilizar as diferentes classificações da CNAE 1.0 e 2.0.
Complexo Eletrônico 65
30
26,5
25
(23,5)
20
15
10
(10,5)
6,3
4,9
2,5
3,0
0
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
31%
56,6
43,7
23%
34,7
01 02 03 04 05 06 07 08 09
5,5%
2,5% 2,5%
01 02 03 04 05 06 07 08 09
35 MIL EMPRESAS
64 EMPRESAS COM 446 EMPRESAS 667 EMPRESAS
INDÚSTRIA BRASILEIRA
TECNOLOGIA NACIONAL COM PPB TICS HARDWARE**
DE TRANSFORMAÇÃO
R$ 3 BILHÕES* R$ 24 BILHÕES* R$ 57 BILHÕES
R$ 1.910 BILHÕES
Fontes: piA/iBGe (2009) e Secretaria de política de informática do ministério da Ciência, tecnologia e inovação (mCti/Sepin).
* Faturamento de produtos com Certificado de tecnologia nacional (portaria mCt 950/06) e ppB, respectivamente.
** piA/iBGe no CnAe 26 (exceto 26.6); empresas com trinta ou mais funcionários.
21
a título de exemplo, cerca de r$ 5 bilhões de impostos federais foram recolhidos de beneficiárias da lei de informática, em 2010,
ante uma renúncia fiscal calculada em r$ 3,6 bilhões pela mCti/sepin.
22
por exemplo, positivo, semp toshiba, itautec etc.
68 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
160
4,0%
140
126
120
100
R$ MILHÕES
80
58
60
1,3% 40
20
-
98 99 00 02 03 04 05 06 07 08 09 10
Fonte: MCTI/Sepin.
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Diário Oficial da União apud MCTI.
70 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
23
Concentrados no eixo Sul-Sudeste.
Complexo Eletrônico 71
gráfico 6a informática
5
4,18
(3,8)
2
1,33
1
0,36
0,17
-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit
Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex.
72 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
gráfico 6b Telecomunicações
6,65
7
6,09
6
5
(5,0)
3,57
3
2
1,55
1,32
-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit
4
2,98
(2,6)
2
0,78
1
0,36
0,07
-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit
Complexo Eletrônico 73
1,83
2
(1,6)
1
0,28
-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit
Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex.
24
Para citar, Alcatel Lucent, Nokia, Siemens e Nortel, entre outras, deixaram de investir na manufatura de equipamentos de
telecomunicações no país.
74 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
80
70
60
50
40
30
20
10
-
01 02 03 04 05 06 07 08 09
100
80
60
(%)
40
20
0
01 02 03 04 05 06 07 08 09
45
40
35
(%)
30
25
20
15
01 02 03 04 05 06 07 08 09
Componentes estratégicos
Posicionado como prioridade nas políticas tecnológicas e industriais citadas ante-
riormente (assim como a promulgação de legislação específica do Padis), o quadro
produtivo tanto de microeletrônica quanto dos displays revelou uma evolução im-
portante, conforme exposto na Figura 4.
Complexo Eletrônico 77
Esforços do governo
POLÍTICA INDUSTRIAL
LANÇAMENTO PADIS: LEI (PDP ‘08-’10): POLÍTICA INDUSTRIAL
POLÍTICA INDUSTRIAL DO PROGRAMA ESPECÍFICA, CI E DISPLAYS PRIORITÁRIOS - PLANO BRASIL
(PITCE ‘03-’07): CI BRASIL PARA CI E MAIOR (‘11-’14):
CI TORNA-SE DISPLAY CI E DISPLAYS C/ PRIORIDADE
UMA PRIORIDADE
de software para o projetos de chips no país. Hoje existem cerca de vinte design
houses no país (das quais duas de empresas estrangeiras,25 cinco privadas nacio-
nais e 13 públicas), com cerca de quinhentos projetistas. Alguns bons resultados
foram atingidos, até mesmo de alcance internacional – como a exportação de
IP blocks pela catarinense Chipus, a parceria entre a paulista Idea com uma das
maiores SIPs do mundo, a CEVA, e o desenvolvimento de premiados chips auto-
motivos da filial brasileira da Freescale.26
Baseados em uma forte demanda interna, os displays também vêm atraindo
investimentos de algumas dezenas de milhões de dólares em back-ends (etapa fi-
nal de montagem) por empresas estimuladas principalmente por exigência de PPB
específico para TVs e informática e incentivos regionais. Em 2011, o anúncio de
investimentos da Foxconn na área, que ainda se encontram em estudos, trouxe
grandes expectativas para que o país desenvolva o ciclo completo de produção
desse componente.
25
A americana Freescale e STI Semiconductor Design (joint venture entre Toshiba, Semp e Instituto Von Braun).
26
Entre esses, o primeiro chip multicore automotivo para controle de injeção lançado no mercado mundial integralmente
desenvolvido no Brasil (incluindo módulos fundamentais e memórias) para atender a demandas de carros híbridos e injeção
direta e o microcontrolador para controle de tração Qorivva, que obteve desempenho três vezes superior aos resultados do então
benchmark de mercado.
Complexo Eletrônico 79
20
18 17,3
+139%
16
14
12
10
8 7,2
-
2005 2006 2007 2008 2009 2010
Exportação
2%
Segurança e armazenamento
18% Aplicativos
30%
Infraestrutura 20%
30%
Ambiente de desenvolvimento
80 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
12% 9%
Treinamento
Consultoria
3%
13%
Suporte 23%
24%
Integração de sistema
16%
Outsourcing
4. O APO I O D O B n D E S
Desde o lançamento do Fundo de Desenvolvimento tecnológico (Funtec), em 1964,
quando financiou de forma não reembolsável a formação de recursos humanos em
ciências básicas e aplicadas e investimentos em p&D de empresas, o apoio do BnDeS
para o desenvolvimento do Ce vem ocorrendo não só do ponto de vista financeiro,
mas também – e talvez de maneira tão importante quanto – do ponto de vista ins-
titucional. Além de participar ativamente da formulação e execução da pitCe, pDp
e pBm, na última década o Banco auxiliou na articulação com o setor privado para
formulação de políticas e investimentos em setores estratégicos, fomentou impor-
tantes consolidações e fortaleceu empresas do setor.
2.750
2.500
2.250
2.000
1.750
1.500
1.250
1.000
750
500
250
-
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
100
90
80
70
60
50
(%)
40
30
20
10
0
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
10,0 3,0
2,5
8,0
2,0
6,0
(%)
(%)
1,5
4,0
1,0
2,0
0,5
0,0 0,0
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Fonte: BNDES.
do total liberado pelo BNDES. De fato, o peso histórico do setor no Banco poucas
vezes foi superior a 2% desde a década de 1980.
A participação do Banco nos investimentos da indústria de hardware oscilou
entre 1 e 9% na última década. Como os bens de capital para a indústria de TICs
são em sua quase totalidade importados, o alcance da atuação do Banco nos inves-
timentos do setor se torna limitado. Por outro lado, o apoio para a comercialização
e a exportação de bens TICs produzidos no país responde por cerca da metade dos
desembolsos do Banco para o setor.
Cumpre ressaltar o aumento dos desembolsos para inovação e a crescente par-
ticipação do segmento de software e serviços nas operações do Banco.
Componentes estratégicos
Software e serviços
27
Com tecnologia de 130 e 90 nanômetros e processo fabril Complementary Metal Oxide Semiconductor (CMOS).
86 BnDeS 60 AnoS – perSpeCtiVAS SetoriAiS
ção de valor local. os desembolsos entre 2001 e 2011 do BnDeS para esse setor
alcançou r$ 3,3 bilhões.
o prosoft empresa, principal modalidade de apoio a esse segmento, totalizou
um desembolso de cerca de r$ 1,6 bilhão na última década. Cerca de somente 16%
das operações realizadas foram destinadas para empresas grandes, comprovando,
por um lado, que a vocação de atuação da linha é para mpmes, uma vez que o
setor é estruturalmente pulverizado, mas, por outro, a necessidade de persistir na
formação empresas de maior porte.
o Cartão BnDeS complementou a atuação do prosoft Comercialização ao
promover a difusão dos softwares desenvolvidos no país para mpmes. entre
2001 e 2011 o Banco financiou a comercialização de cerca de r$ 302 milhões em
softwares nacionais.
A atuação direta da BnDeSpAr foi importante para o fortalecimento empre-
sarial – com cerca de r$ 425 milhões de aportes – e decisiva para formar a totvs,
oitava maior empresa de software erp do mundo. Ademais, cerca de r$ 38 milhões
foram desembolsados para empresas desse segmento por meio de fundos dos quais
o Banco é cotista.
28
Strenghts (forças), weaknesses (fraquezas), opportunities (oportunidades) e threats (ameaças).
Complexo Eletrônico 87
Por outro lado, as deficiências comuns também não são poucas. A dependência
de importações é elevada – em relação a tecnologia, insumos, componentes, partes
e peças –, a agregação de valor é, no geral, baixa e as exportações são tímidas. O
quadro produtivo é composto por empresas de porte significativamente menor que
seus pares no exterior, bem como é baixa a competitividade dos fatores de produ-
ção do país – entre outros, o custo e oferta de mão de obra qualificada e de infra-
estrutura. Há falta de agilidade em procedimentos alfandegários para o comércio
exterior e a cultura de investimentos em inovação e de apetite por riscos ainda está
aquém do desejado no quadro geral.
Forças Fraquezas
• Forte atratividade do mercado interno brasileiro em todos os
segmentos TICs • Elevada e crescente dependência de importações (partes,
componentes e tecnologia), exportações declinantes, baixa
• Base instalada de empresas montadoras e desenvolvedoras de densidade industrial e agregação de valor local
software e serviços de TI
• Baixa/virtual ausência de capacidade instalada de componentes
• Existência de algumas marcas nacionais de referência no mercado estratégicos (semicondutores e displays)
interno
• Empresas nacionais de pequeno e médio portes com capacidade
• Segmentos com desenvolvimento de tecnologia nacional limitada de investimento e acesso a clientes de grande porte
• Capacitação em software embarcado e em segmentos de mercado • Fragilidade da “marca Brasil” no âmbito nacional e ausência de
para software e serviços de TI (ex: setor financeiro, conteúdo, reconhecimento internacional
celular, games, TV Digital etc.)
• Aversão ao risco por parte de empresas brasileiras
• Vantagens comparativas para software e serviços de TI: Fuso-
horário favorável, afinidade cultural com mercados compradores, • Déficit na oferta e elevado custo da M.O. especializada quando
M.O. qualificada e versátil comparada a competidores internacionais
• Mecanismos de estímulo existentes: Lei de Informática, Lei da • Investimentos em P&D: desarticulados, insuficientes, restritos a
Inovação e Lei do Bem e arcabouço legal para exercício de poder de nichos de mercado e com baixa interação academia-empresa
compra (Decreto 7174/10 e Lei 12349/10) e encomendas tecnológicas • Deficiências de infraestrutura e agilidade alfandegária
Oportunidades Ameaças
• Ampliação do peso relativo das TICs na economia: saúde, educação,
defesa, aeroespacial, bens de capital, automobilística etc. • Práticas comerciais agressivas por parte empresas de países
• Articulação afirmativa dos diversos instrumentos de política asiáticos, fortemente apoiadas por políticas governamentais de
existentes em torno de projetos estratégicos de governo – PNBL, fomento às TICs (incluindo China e Coreia)
Cadeia e Petróleo e Gás, Inclusão Digital nas escolas, TV Digital, • Deterioração irreversível da base instalada – com impactos
Programas de e-gov etc. profundos na geração de emprego, renda e nível de importações –
• Regulamentação/exercício efetivo do poder de compra do e das capacitações tecnológicas e empresariais acumuladas pelas
Governo (inclusive encomendas tecnológicas) e poder regulatório empresas brasileiras com marca própria
(contratos de concessão e leilões de frequência) para alavancar • Risco de novas aquisições: estimulado pelo tamanho relativamente
indústria e tecnologias nacionais pequeno das empresas nacionais associado à alta atratividade do
• Computação em nuvem, redes inteligentes e grandes eventos mercado brasileiro e políticas de incentivo ao conteúdo local
esportivos: elevada demanda por TICs; • Tendências tecnológicas e novos modelos de negócio podem
• Crescente interesse da indústria de capital de risco mundial no país mudar o mercado e a dinâmica da concorrência
6. PR O PO S TAS PA R A OR IE n TA Ç Ã O
DE PO L Í TI C A S E A Ç Ã O D O B n D E S
propostas para articulação de esForços pÚBlicos
Por fim, para que esses dispositivos obtenham efeito prático para preferência
de software e serviços desenvolvidos no país, é fundamental concluir o certificado
de tecnologia nacional para esse segmento.
Formação de RH
O baixo desempenho/interesse de estudantes do ensino médio em ciências exatas e
o déficit de formação de pós-graduados, engenheiros e técnicos para as diferentes
áreas de TICs é preocupante. Ações articuladas entre governo e iniciativa privada –
MCTI, MEC, agências de fomento, associações de classe, entidades empresariais etc. –
devem ser perseguidas para se quebrar o círculo vicioso de baixa disponibilidade de
mão de obra versus baixa inovação e competitividade versus poucas oportunidades
de emprego qualificado.
mental que o poder público seja ágil para corrigir as deficiências logísticas, adua-
neiras e tributárias, para que seja possível tornar esses empreendimentos compe-
titivos em escala mundial e fomentar a atração dos elos a montante da cadeia de
semicondutores e displays.
Complexo eletrônico
• Agilizar a análise operacional: para apoiar um dos setores mais dinâmicos da
economia mundial, é fundamental o Banco buscar persistentemente reduzir o
prazo de análise de seus projetos.
• Manter o fomento, a consolidação e o fortalecimento empresarial: também
de maneira permanente o Banco deve estimular a consolidação e o forta-
lecimento de empresas nacionais capazes de gerar escala suficiente para se
internacionalizarem, arcarem com os gastos crescentes de P,D&I, fortalecerem
a percepção da longevidade de suas atividades perante a grandes clientes,
entre outros benefícios.
• Buscar alternativas para diferenciar de maneira afirmativa as condições para
aquisição de bens com tecnologia nacional (TN), em linha com a prática atual
conferida pelo BNDES PSI Tecnologia Nacional.
• Reforçar o apoio à indústria de capital de risco voltada para TICs no país, até mesmo,
alternativamente, em parceria com o setor privado de fundos e o poder público.
Componentes estratégicos
• Flexibilizar condições para apoiar projetos em microeletrônica e displays, por
exemplo: (i) investimento de risco em start-ups e participação no bloco de contro-
Complexo eletrôniCo 93
Software e serviços de TI
• Apoiar a atração de centros cativos (captive centers) para exportação.
• Desenvolver alternativas de atuação indireta para ampliar o alcance do prosoft.
7. C O nC L US Õ E S
A última década ratificou que cada vez mais as tiCs desempenham papel de gran-
de importância no desenvolvimento das nações. essa relevância se configura tanto
sob a ótica do acesso a bens tiCs para uso, quanto para o domínio tecnológico por
indústrias progressivamente mais permeadas pela eletrônica.
Ao longo desses sessenta anos o BnDeS exerceu um papel bastante relevante
do ponto de vista institucional e financeiro, cabendo citar, em caráter não exausti-
vo para os anos mais recentes, o apoio decisivo para investimentos produtivos em
circuitos integrados e fortalecimento de empresas de software.
por se tratar de um setor extremamente dinâmico – que se presta como caso
clássico para a “destruição criativa” de Schumpeter –, com margens declinantes
para produção, faz-se mister que o Brasil persiga de maneira afirmativa e persis-
tente a inovação. o mesmo afinco deve continuar a ser direcionado para a criação
do ecossistema de componentes eletrônicos – em especial, o de microeletrônica – e
para o setor de software, alicerces da economia baseada em silício.
o país vive um momento especial, em que diversas oportunidades de desen-
volvimento no setor se abrem no futuro próximo. É fundamental que se aja com
inteligência, para que seja possível se apropriar do crescimento esperado da de-
manda, desenvolvendo-se tecnologicamente para, de forma concomitante, alcan-
çar um papel relevante no mercado mundial. Do contrário, com a já citada difusão
94 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
R eferências
ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software. Mercado Brasileiro de Software
Panorama e Tendências (2003 a 2011). Disponível em: <http://www.abes.org.br/
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VAlor 1000. As campeãs de 25 setores – Os destaques de cada região, n.11, ago. 2011.
Complexo eletrôniCo 97
Daniel Chiari Barros
Luciana Silvestre Pedro*
* Economistas do Departamento de Indústria pesada da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Bernardo
Hauch Ribeiro de Castro, Haroldo Fialho prates, Rafael Alves da Costa e tiago toledo Ferreira, eximindo-os de eventuais imperfeições
remanescentes. Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 99
R ES UM O
O presente artigo objetiva analisar, historicamente, a atuação do BNDES nas políti-
cas de apoio ao setor automotivo brasileiro, destacando o papel dinâmico do Banco
nas ações de indução ao desenvolvimento. São descritas as principais políticas ado-
tadas pelo BNDES em seus primeiros cinquenta anos de existência, analisando-as
em um contexto mais amplo de política industrial do governo. Posteriormente, é
feita uma análise mais detalhada do papel do Banco nos últimos dez anos – 2002 a
2011. Adicionalmente, os autores mostram uma mudança observada na atuação do
BNDES nos últimos anos, com priorização das políticas voltadas à inovação tecno-
lógica. Essa mudança acompanha as tendências do setor automotivo e abre espaço
para a indução de rotas tecnológicas, o que traz novas possibilidades de apoio ao
setor pelo BNDES inseridas na lógica da política industrial do governo.
AB S TR AC T
This article aims to analyze, historically, the BNDES’ efforts in policies that support
the Brazilian automotive industry, highlighting the Bank’s dynamic role in inducing
development in the sector. It describes the main policies adopted by the BNDES
in its first fifty years, analyzing them in the broader context of governmental
industrial policy. Subsequently, the authors present an observed shift in the BNDES’
performance in recent years, prioritizing policies related to technical innovation.
This shift follows the trends in the automotive sector and allows for the induction
of new technological routes, which open up new possibilities of BNDES support for
the sector within the logic of governmental industrial policy.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 101
1. I NTR O DUÇ Ã O
A criação do BNDES, em 1952, durante o governo de Getúlio Vargas, esteve intrin-
secamente relacionada à situação político-econômica do período, em que a infra-
estrutura e a industrialização, ainda incipientes e desorganizadas, precisavam se
expandir e se consolidar.
À época, o setor automotivo brasileiro era formado, essencialmente, por unida-
des de montagem associadas às matrizes internacionais, como Ford, Fiat e General
Motors (GM),1 e por um frágil segmento de autopeças. Não se realizava a fabrica-
ção de veículos2 propriamente dita, a não ser CKD,3 em decorrência da deficiência
de investimentos significativos no setor, principalmente de longo prazo.
A criação de um banco de desenvolvimento foi, nesse contexto, fundamental
para a estruturação e a implementação de políticas estratégicas de desenvolvimen-
to industrial para o setor. O financiamento de projetos incentivou a formação e a
consolidação da indústria automotiva nacional, suprindo uma carência do mercado
de capitais no período. A partir de então, o papel do BNDES modificou-se e ainda
mantém seu caráter dinâmico, para se adequar às necessidades da indústria em
contextos e conjunturas distintas.
O presente artigo objetiva retratar e analisar a relevância do BNDES para o se-
tor automotivo brasileiro ao longo dos seus sessenta anos. Além disso, é enfatizado
o caráter dinâmico do Banco, com a análise de possibilidades futuras de atuação,
identificação de tendências e prováveis rotas tecnológicas da indústria.
O texto está dividido em três seções, além desta introdução e das considerações
finais. A primeira descreve a atuação do BNDES nos seus primeiros cinquenta anos,
de 1952 a 2001. Os autores optaram por descrever esta primeira parte de forma su-
cinta e agregada, em virtude da existência de publicações anteriores que analisam
o mesmo período, como BNDES 50 anos: histórias setoriais [São Paulo e Kalache
1
também estavam presentes a International Harvester, que atuava na montagem de caminhões, e a Studebaker, que se transformaria
em Vemag [Anfavea (2006)]. Em 1953, foi fundada a Volkswagen do Brasil.
2
Veículos compreendem automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões.
3
CKD (completely knock-down ou complete knock-down, em inglês) são conjuntos de partes de automóveis para exportação e
posterior montagem dos kits.
102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2. A C R I AÇ ÃO D A IN D Ú S T R IA A U T OM OTIVA
B R AS I L EI R A E O PA P E L IN D U T OR
DO B NDES N OS S E U S P R IME IR OS
C I NQ UENTA A N OS : 1 9 5 2 A 2 0 0 1
Em 1900, começaram a chegar os primeiros veículos importados ao Brasil. A primeira
linha de montagem começou a funcionar em 1919, com a Ford e o seu modelo T, ou
Ford Bigode. Em 1925, a GM entrou no mercado, seguida da Fiat, em 1928.
Em 1952, ano de criação do BNDE, as principais unidades automotivas instala-
das no país montavam veículos a partir de kits importados, e a incipiente indústria
de autopeças era voltada ao mercado de reposição. No início da década de 1950,
os veículos respondiam por grande parte das importações brasileiras, chegando a
pouco mais de 15% delas. Eram importados mais de cem mil veículos por ano – 60%
desses eram caminhões –, enquanto as projeções apontavam para um crescimento
de dois dígitos do setor. O balanço de pagamentos, nesse contexto, era uma preo-
cupação recorrente para o governo.
Ainda em 1952, foi criada a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Au-
tomóveis, ligada à Comissão de Desenvolvimento Industrial4 (CDI) do governo de
4
A CDI tinha a função de estudar e propor medidas econômicas ligadas à política industrial. Foi formulado um plano Geral de
Industrialização para o país, com a classificação das atividades industriais e a definição dos setores prioritários de atuação do
governo. A CDI foi extinta em 1954, com o fim do governo de Vargas, e ressurgiu em 1956, como Conselho do Desenvolvimento.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 103
Getúlio Vargas. De fato, essa ação pode ser considerada uma das primeiras para
o surgimento de uma política industrial efetiva direcionada ao setor automotivo
no Brasil. Juntamente com a criação da subcomissão, o governo proibiu de forma
progressiva a importação de autopeças com similar nacional e, em 1953, vetou a
entrada de veículos completos. Posteriormente, foi criada a Comissão Executiva de
Material Automobilístico, ligada à CDI.
A restrição a importações fez com que a Volkswagen, a Willys-Overland e a
Mercedes-Benz instalassem unidades de montagem no país sem, contudo, objetivar
grandes escalas [Santos e Burity (2002)]. A explicação para isso era, provavelmente,
a falta de investimentos destinados ao setor automotivo e também de uma polí-
tica estruturada de incentivos governamentais, que começou a mostrar contornos
mais definidos a partir da década de 1950. Entretanto, a demanda por veículos era
crescente e estimulada pela predominância da malha rodoviária no país, em detri-
mento da ferroviária e da aquaviária.
Em 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a presidência e lançou o Plano de Me-
tas, que seria determinante para o desenvolvimento da indústria automotiva no
Brasil. O plano foi elaborado com base em estudos e diagnósticos de instituições,
como o então BNDE, e apontava diversos gargalos ou pontos de estrangulamento
estruturais da economia que deveriam ser superados. A substituição de importa-
ções desordenada seria a origem de algumas distorções observadas na indústria.
Uma das metas do plano era a consolidação da indústria automotiva brasileira, com
a redução paulatina e planejada da importação de veículos.
O Conselho do Desenvolvimento (CD), que coordenou o Plano de Metas, tinha, ini-
cialmente, como secretário-executivo o então presidente do BNDE, Lucas Lopes, poste-
riormente substituído por Roberto Campos e Lúcio Meira. A coordenação dos investi-
mentos do setor público era responsabilidade do BNDE. Para facilitar a execução das
metas no setor automotivo, foi criado em 1956 o Grupo Executivo da Indústria Automo-
bilística (GEIA), que também contava com o apoio técnico do BNDE para a formulação e
a execução da política industrial. Os projetos automotivos da época (11 foram aprova-
dos) passavam pela supervisão e pela aprovação do GEIA. O segmento de caminhões foi
priorizado pelo GEIA, em virtude da importância para o sistema de transporte de cargas.
104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de grande porte, uma vez que a produção de chassis estava concentrada em uma
empresa estrangeira, a Mercedes. Foram apoiadas empresas como Ciferal, Iderol,
Marcofrigo, Randon e Recrusul. O BNDE também incentivou a produção de ônibus,
estimulando, principalmente, a capacitação tecnológica das empresas.
Os principais instrumentos do BNDE que beneficiavam o setor automotivo eram
a FINAME,5 criada em 1966, que já era um importante canal de apoio à comercia-
lização de caminhões e ônibus pesados, e o Funtec, voltado ao desenvolvimento
tecnológico. O Banco também atuava fortemente na formulação de políticas de
apoio ao transporte coletivo e de carga. Uma medida importante nesse aspecto foi
a ampliação, em 1976, do financiamento à comercialização de chassis de ônibus
urbanos, adicionalmente ao apoio já concedido a chassis mais pesados.
Muitos avanços foram realizados no setor automotivo entre o ano de criação
do BNDE e o fim da década de 1970. Todavia, pode-se observar um lag na política
industrial específica voltada ao setor. As medidas não estavam inseridas em um
planejamento estratégico de longo prazo e, apesar de relevantes, não tiveram con-
tinuidade e eram sensíveis às alterações de governo. Talvez por isso não se tenham
desenvolvido grandes fabricantes de veículos de capital nacional. A despeito disso,
o papel do BNDE foi fundamental em um contexto de escassez de financiamentos
de longo prazo por parte do setor privado.
Em 1978, a indústria automobilística superou, pela primeira vez, a marca de um
milhão de veículos produzidos e, em 1979, a de um milhão de veículos vendidos.
No segmento de autopeças, observava-se que, das vinte maiores empresas do setor,
somente seis estavam sob o controle do capital nacional e menos de 10% das em-
presas filiadas ao Sindipeças6 respondiam por 75% do faturamento.
A década de 1980 foi marcada por estagnação econômica, crise da dívida exter-
na e inflação alta e crescente. Em 1981, o país sofreu a primeira queda no PIB desde
1942, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Agravadas
por restrições de crédito e alto desemprego, as vendas de veículos sofreram queda
5
Agência Especial de Financiamento Industrial, subsidiária integral do BNDES.
6
Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 107
7
O Regime Automotivo Brasileiro foi reeditado várias vezes e convertido em lei em março de 1997 (Lei 9.449/97).
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 109
tar fábricas nas regiões menos desenvolvidas. O imposto de importação sobre veí-
culos foi reduzido em até 50% para montadoras instaladas ou que tinham planos
de produção firmados no país. No caso de máquinas, equipamentos e ferramental,
entre outros itens, a redução foi de 90%. Também houve redução de IPI incidente
na aquisição de matéria-prima, partes, peças, componentes, conjuntos, subconjun-
tos e pneumáticos.
O Regime Automotivo ajudou a mitigar as incertezas existentes quanto ao
futuro do setor e estimulou o anúncio de uma série de investimentos em novas
fábricas no Brasil. Segundo Santos e Burity (2002), no período de 1996 a 19998
foram apoiados projetos de cerca de US$ 18 bilhões no âmbito do regime. Entre
1995 e 2002, os principais investimentos foram as novas fábricas de veículos da
Honda em Sumaré (SP), da General Motors em Gravataí (RS) e da Renault em São
José dos Pinhais (PR). Contando com a participação do BNDES,9 destacam-se as
novas plantas da Volkswagen Caminhões e Ônibus (atualmente MAN Latin Amé-
rica) em Resende (RJ), da Toyota em Indaiatuba (SP), da DaimlerChrysler, atual
Mercedes, em Juiz de Fora (MG), da Volkswagen-Audi em São José dos Pinhais
(PR), da Ford em Camaçari (BA), da Peugeot Citroën em Porto Real (RJ) e da Iveco
em Sete Lagoas (MG). Além das unidades produtoras de veículos, destaca-se o
surgimento de vários novos fornecedores, muitos inseridos em condomínios ou
consórcios industriais.
Vale destacar que os investimentos do período levaram à significativa descon-
centração industrial. No início da década de 1990, os estados de São Paulo e Minas
Gerais eram responsáveis por quase toda a produção de veículos.
A partir de 1995, o BNDES passou a conceder apoio financeiro a empresas mul-
tinacionais, eliminando a distinção entre empresas de capital nacional e de con-
trole de capital estrangeiro. Desde então, um dos setores que mais aumentaram
sua participação nos financiamentos do Banco foi o automobilístico, dominado por
montadoras multinacionais [Prates, Cintra e Freitas (2000)].
8
O Regime Automotivo vigorou até 31 de dezembro de 1999.
9
Com a integração das preocupações sociais à política de desenvolvimento, o BNDE passou, em 1982, a se chamar BNDES.
110 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Os investimentos realizados entre 1991 e 2001 foram de US$ 17,5 bilhões por
parte das montadoras e de US$ 11,9 bilhões por parte das autopeças, segundo a
Anfavea e o Sindipeças, respectivamente. No mesmo período, segundo Santos e
Burity (2002), os desembolsos do BNDES foram de US$ 2,1 bilhões para as montado-
ras e de US$ 1,5 bilhão para as autopeças. Entre os anos de 1997 e 2001, nos quais
os investimentos se concentraram, o Banco aprovou 11 projetos de montadoras de
veículos e cinco de fabricantes de motores (item importante por causa do conside-
rável efeito sobre o restante da cadeia produtiva). Além disso, cerca de trinta em-
presas foram apoiadas, das quais oito eram novas no país e vinte estavam operando
com o BNDES pela primeira vez.
No tocante à FINAME, destaca-se a inclusão de caminhões e ônibus médios e
leves nos itens financiáveis. No caso dos ônibus, o apoio também foi estendido aos
micros. A fim de melhorar o transporte público, a FINAME conferiu condições mais
favoráveis para ônibus [Santos e Burity (2002)].
O Brasil vivenciou, portanto, uma mudança quantitativa e qualitativa mui-
to relevante no complexo automotivo desde a criação do BNDES. Observaram-se
nítida evolução tecnológica, aumento na concorrência com a chegada de novos
players, significativo salto na produtividade e expressivo crescimento da capa-
cidade produtiva e do mercado interno. O parque industrial modernizou-se e
diversificou-se, com considerável fortalecimento das empresas conhecidas como
sistemistas.10 Contudo, a análise do período evidencia a deficiência na coordena-
ção e na continuidade das políticas industriais adotadas para o setor automotivo
desde a década de 1950, com um lag marcante principalmente nas décadas de
1960, 1970 e 1980. O timing na formulação de políticas públicas pode ser crucial
para o desenvolvimento de um setor, uma vez que existem janelas de oportunida-
des que se fecham com o tempo.
10
Empresas que fornecem sistemas ou conjuntos diretamente para as montadoras.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 111
3. A NO VA FA S E D A IN D Ú S T R IA
AUTO M O TI VA B R A S IL E IR A : 2 0 0 2 A 2 011
5.000
4.500
4.000
3.500
US$ MILHÕES
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011*
Veículos Autopeças
lado das exportações, acrescenta-se o fato de que os mercados dos países emer-
gentes, principal destino das exportações brasileiras de veículos, estão bem mais
disputados, tanto pelo mencionado excedente de veículos advindos dos mercados
maduros quanto pelo ingresso de modelos orientais a preços competitivos.
4.000.000
3.500.000
3.000.000
2.500.000
UNIDADES
2.000.000
1.500.000
1.000.000
500.000
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
A atuação do BNDES
Análise dos desembolsos
Na última década, foram desenvolvidos novos canais de financiamento que esti-
mularam a indústria automotiva, de forma direta e/ou indireta. A participação do
BNDES no setor elevou-se consideravelmente nos últimos dez anos em termos ab-
solutos, como evidencia a Tabela 1, que mostra os desembolsos do BNDES para
financiar as montadoras e empresas de autopeças.
116 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Fonte: BNDES.
* Os desembolsos referem-se à Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Seção C, Divisão 29, Grupos 29.1, 29.2, 29.3, 29.4 e 29.5. Essa divisão compreende a fabricação de veículos automotores para transporte de
pessoas e mercadorias e a fabricação de cabines, carrocerias, reboques e semirreboques para veículos automotores. Essa divisão compreende
também a fabricação de peças e acessórios, de material elétrico e eletrônico, de bancos e estofados para os veículos automotores produzidos.
Não compreende a manutenção e a reparação de veículos automotores (reproduzido do site do IBGE e modificado pelos autores).
** Todos os valores desta subseção estão a preços de 2011 e foram corrigidos pelo IGP-DI.
financeira mundial iniciada nos Estados Unidos no fim de 2007 – e sentida no Brasil
em meados de 2008 – teve impactos nas expectativas dos investidores, o que adiou
planos de investimentos já fechados das montadoras e empresas de autopeças. Outro
fator que influenciou na redução da proporção dos desembolsos ao setor automo-
tivo foi o aumento dos desembolsos totais do BNDES, sensivelmente ampliados na
última década. Entre 2002 e 2010, os desembolsos mais do que quadruplicaram. Se o
ano de 2011 for considerado, porém, o aumento observado foi de 3,6 vezes.
O apoio do BNDES ao complexo automotivo também contempla diversos canais
que não estão incluídos nos dados de desembolso da Tabela 1, como a comerciali-
zação de caminhões para empresas de outros setores por intermédio do produto
BNDES Finame. Quando uma empresa do setor de bebidas adquire um caminhão,
por exemplo, essa ação é contabilizada como desembolso ao segmento de bebidas,
e não ao setor automotivo. Tal apoio à comercialização é, todavia, fundamental
para o setor automotivo, já que as vendas de veículos pesados no Brasil dependem,
em sua maioria, de operações de crédito.
Para o setor de caminhões e ônibus, o credenciamento dos produtos na Finame
é decisivo para a competitividade dos produtos. A possibilidade de financiamento
à compra de produtos de alto valor agregado com taxas de juros competitivas e
longo prazo de amortização é de fundamental importância para o setor. As receitas
originadas de vendas via Finame são as mais relevantes para os veículos pesados.
Com isso, é induzido o desenvolvimento de fornecedores nacionais para o co-
design e a fabricação de componentes, gerando um efeito em toda a cadeia produ-
tiva. Esse fenômeno ocorre em diversos outros setores.
Pode-se afirmar que o produto BNDES Finame é um dos mais eficazes e dura-
douros instrumentos de política industrial do país.
risco tecnológico, mas também as alterações incrementais nos produtos ou nos pro-
cessos, como aprimoramentos na mecânica, no design e na performance do veículo.
Essa visão se justifica pelo fato de que, dependendo do segmento e do estágio de de-
senvolvimento considerado, as mudanças incrementais nos produtos e nos processos
são mais relevantes do que o desenvolvimento de um novo produto, por exemplo.
No caso do setor automobilístico, a tecnologia utilizada na produção dos veí-
culos não será alterada de forma significativa em curto prazo, a não ser que haja
uma mudança súbita na rota tecnológica. Um exemplo seria o desenvolvimento de
baterias eficientes capazes de tornar realidade a produção e a comercialização em
grande escala de veículos elétricos. Contudo, em curto prazo, o que faz as monta-
doras se tornarem competitivas é o desenvolvimento na engenharia incremental de
produtos e processos.
A seguir, são detalhados os principais canais de financiamento à inovação
do BNDES.
Em 2006, o BNDES criou duas linhas: Inovação PD&I e Inovação Produção. Logo
depois, em 2007, o texto das Políticas Operacionais foi modificado, apresentando
a redação a seguir:
Daqui por diante, contudo, o apoio à Inovação, além de não ficar res-
11
Entre os projetos apoiados pelo BNDES que não incluem apenas inovações incrementais está o desenvolvimento de sistemas de
tração elétrica para veículos híbridos e elétricos e de um sistema de propulsão híbrido flex.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 121
BNDES Exim
O crescimento das importações de veículos na última década tem sido um potencial
problema para a competitividade das montadoras instaladas no país e, consequen-
temente, tem sido objeto de preocupação do governo. Desde 2008, o setor apre-
senta déficits na balança comercial. Para uma análise mais detalhada da conjuntura
de comércio exterior do setor automotivo brasileiro, vide Barros e Pedro (2011).
Em 1995, foi criado o produto BNDES Exim, que estimula as exportações do
setor automotivo e de outros setores. Até hoje, por meio da Linha Exim Pré-Em-
barque, o produto tem relevância para estimular a indústria automotiva, uma vez
122 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
que a fabricação de produtos destinados à exportação com alto valor agregado não
dispõe de muitas linhas de financiamento no mercado, especialmente com custo e
prazos favoráveis. A Linha Pós- Embarque, por sua vez, apoia a comercialização no
exterior de diversos bens definidos nas Políticas Operacionais, inclusive automóveis,
e serviços. De 2002 a 2011, os desembolsos relativos ao BNDES Exim que beneficia-
ram a indústria automotiva somaram cerca de US$ 16,2 bilhões.
BNDES Procaminhoneiro
A atuação do BNDES no setor automotivo observada até a década de 1990 esteve
apoiada consideravelmente no estímulo à comercialização de veículos pesados e
implementos rodoviários, pois o Banco só passou a financiar as montadoras de veí-
culos leves de forma significativa a partir de então. Apesar do aumento ao financia-
mento às montadoras nas décadas de 1990 e 2000, o apoio do BNDES à compra de
veículos pesados continua marcante e evoluiu bastante nos últimos anos.
Em 2006, foi criado o Programa BNDES de Financiamento a Caminhoneiros –
BNDES Procaminhoneiro. Além do caminhoneiro autônomo, o programa financia
empresários individuais e microempresas na aquisição de caminhões e afins12 de ori-
gem nacional, novos e usados com até 15 anos de fabricação. As condições mais
favoráveis do programa contribuem para acelerar a renovação da frota brasileira de
caminhões, considerada bastante antiga e poluente. Os desembolsos direcionados ao
programa foram de cerca de R$ 9,8 bilhões desde a sua criação. Cabe destacar que o
programa é um dos poucos instrumentos do Banco direcionados à pessoa física.
12
Chassis, caminhões-trator, carretas, cavalos-mecânicos, reboques, semirreboques, incluídos os tipo dolly, tanques e afins,
devidamente registrados no órgão de trânsito competente, e carrocerias para caminhões.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 123
Cartão BNDES
O produto Cartão BNDES, criado em 2003, é um canal de financiamento de até R$ 1 mi-
lhão por cartão, por banco emissor,13 e é voltado exclusivamente para micro, pequenas
e médias empresas. Pelo fato de o crédito ser aprovado previamente, o Cartão BNDES
confere bastante agilidade às empresas de menor porte para aquisição dos produ-
tos credenciados necessários ao negócio, além de oferecer condições facilitadas, como
prestações mensais fixas, o que amplia a previsibilidade do fluxo de caixa das empresas.
Especificamente em relação ao setor automotivo, o leque de produtos cadastrados é
bastante amplo e contempla diversos tipos de autopeças, pneus e veículos, inclusive
ônibus e caminhões. Os desembolsos do Cartão BNDES para aquisição de produtos do
setor automotivo totalizaram cerca de R$ 4,1 bilhões entre 2003 e 2011.
BNDES Revitaliza
O apoio às autopeças foi reforçado com a inclusão, em 2011, dos fabricantes do
segmento no programa BNDES Revitaliza, criado originalmente em 2007. Conce-
bido para apoiar empresas que atuam em setores adversamente afetados pela
conjuntura econômica internacional, o programa poderá ser útil tanto para finan-
ciamento aos investimentos em modernização e ampliação de capacidade quanto
para financiamento à produção destinada à exportação por empresas do segmen-
to, considerado um elo frágil da cadeia automotiva.
13
Cada empresa pode ter até cinco Cartões.
124 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
agente financeiro do Fundo Clima e, por meio do programa, vai aplicar a parcela de
recursos reembolsáveis do fundo visando mitigar as mudanças climáticas.
Com a aprovação do programa pelo BNDES, em 2011, o apoio a tecnologias
mais sustentáveis do ponto de vista ambiental foi reforçado. Por meio do subpro-
grama Modais de Transporte Eficientes, o Programa Fundo Clima apoia não apenas
a aquisição de ônibus híbridos e elétricos, mas também aqueles movidos a biocom-
bustíveis cadastrados no BNDES, com destaque para o etanol. Além de financiar a
aquisição, o programa financia também a instalação de capacidade produtiva para
a fabricação de ônibus híbridos e elétricos.
4. O F UTUR O D O S E T OR A U T OM OT IV O
B R AS I L EI R O
perspectivAs
14
Os autores estimam uma razão habitante por veículo de 6 para o Brasil, bem acima da razão observada nos países desenvolvidos
(em torno de 1,5) e, também, maior do que a observada em países como méxico (3,6) e Argentina (4,5). Essa estatística evidencia o
potencial do mercado automobilístico brasileiro para os próximos anos.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 125
A partir do cenário descrito, vultosos volumes de investimento estão previstos
para o setor no Brasil nos próximos anos. Para o quadriênio compreendido entre
2012 e 2015, os investimentos planejados de montadoras associadas à Anfavea são
de US$ 22 bilhões, ou cerca de R$ 41,8 bilhões.15 Além disso, as newcomers devem
investir US$ 3,5 bilhões,16 cerca de R$ 6,6 bilhões. Essas inversões consolidam a po-
sição do Brasil como um dos maiores produtores de veículos do mundo (sétimo
maior produtor mundial em 2011, segundo dados da Organisation Internationale des
Constructeurs d’Automobiles (OICA), e quinto maior mercado) e o maior produtor
da América Latina. Para o segmento de autopeças, o investimento previsto é de
US$ 10 bilhões (Sindipeças), aproximadamente R$ 19,0 bilhões.
A atual capacidade instalada da indústria automobilística é de 4,3 milhões de
veículos por ano.17 Caso os investimentos anunciados sejam, de fato, concretizados,
podem acrescentar uma capacidade de cerca de 2,3 milhões de veículos anuais até
2015. Além de aumento de capacidade, as inversões compreenderão, ainda, o de-
senvolvimento de novos produtos, a reestilização de modelos, a modernização de
plantas etc. Os principais investimentos previstos são descritos no box.
15
Supondo câmbio médio de R$/US$ 1,90 no período.
16
Fonte: Automotive Business (2012).
17
Fonte: Anfavea.
126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
A Nissan vai construir uma nova planta em Resende (RJ). A capacidade ins-
talada será de 200 mil carros por ano e o investimento será de R$ 2,6 bilhões.
Parte da produção da Nissan permanecerá no Paraná junto à fábrica da Re-
nault. A Nissan almeja o lançamento de dez novos produtos no país até 2016.
A Peugeot Citroën pretende investir no Brasil a um ritmo de R$ 575 milhões
por ano no período de 2012 até 2015. Os recursos serão alocados em diversas
frentes. As principais serão a ampliação da capacidade da fábrica de Porto Real
(RJ) para 300 mil veículos anuais (atualmente, é de 150 mil), a elevação da capa-
cidade de produção de motores, além do desenvolvimento de novos modelos e
da ampliação da rede de concessionárias.
Com financiamento de R$ 307,4 milhões do BNDES, a sul-coreana Hyundai
está finalizando sua primeira unidade fabril no Brasil, em Piracicaba (SP). O inves-
timento previsto foi de US$ 600 milhões. Com capacidade para 150 mil veículos
por ano, a Hyundai vai produzir veículos especialmente projetados para o merca-
do brasileiro com foco no segmento de maior volume, entre eles, o de compactos.
A japonesa Toyota, que já conta com a fábrica de automóveis em Indaiatuba (SP)
e de autopeças em São Bernardo do Campo (SP), prevê finalizar sua segunda fábrica
de automóveis em Sorocaba (SP) no segundo semestre de 2012. Os investimentos
serão de US$ 600 milhões e a expectativa inicial é produzir 70 mil veículos por ano.
A Honda planeja investir mais de R$ 1 bilhão no país até 2014. Os investi-
mentos devem aumentar o índice de nacionalização de componentes e servirão
também à renovação da gama de produtos. Afetada pelo tsunami ocorrido no
Japão em março de 2011, o que resultou em significativa perda de market share,
a Honda pretende comercializar 140 mil unidades no país em 2012.
A Mitsubishi do Brasil18 anunciou, em abril de 2011, investimentos de
R$ 1 bilhão destinados à ampliação da fábrica de Catalão (que alcançará ca-
pacidade de produção de 100 mil veículos por ano), à nacionalização de com-
18
A Mitsubishi do Brasil é a única empresa do grupo japonês que opera de forma independente, sem a participação
da matriz, que fornece componentes para a montagem e recebe royalties pela transferência de tecnologia.
128 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
19
As principais baterias existentes são as de chumbo ácido, as de níquel hidreto metálico, as de sódio e as de íon-lítio. Para
informações técnicas referentes a cada uma, ver Castro e Ferreira (2010).
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 131
20
A taxa de compressão representa o quanto a mistura de ar e combustível é comprimida antes da explosão do motor. Ela é
diretamente proporcional à eficiência do motor e é diferente no etanol e na gasolina. Com etanol, é mais longo o tempo necessário
para a autodetonação da explosão no motor, considerando a mesma quantidade de ar. No motor flex, essa taxa de compressão é
manipulada para ser intermediária entre os dois combustíveis, o que torna o motor menos eficiente.
132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
5. C O NS I DER A Ç ÕE S F IN A IS
A indústria automotiva tem alta relevância para a economia brasileira. Em 2010, res-
pondeu por 19,5% do PIB industrial e por mais de 5% do PIB. O faturamento líquido
no segmento de veículos ultrapassou US$ 83,6 bilhões de dólares em 2010. No mes-
mo ano, a produção de veículos empregou diretamente mais de cem mil pessoas e
estima-se que os empregos diretos e indiretos em toda a cadeia do setor automotivo
sejam de aproximadamente 1,3 milhão de pessoas. A indústria automotiva foi, histo-
ricamente, muito representativa no Brasil, respondendo por inovações, por melho-
rias da qualificação da mão de obra e por uma parcela relevante do PIB.
Atualmente, estudos sobre a viabilidade do desenvolvimento de novas tec-
nologias no setor automotivo e a identificação de rotas tecnológicas promissoras
têm espaço considerável no meio acadêmico e nas instituições de fomento, como
o BNDES. Não basta só a constatação de que novas tecnologias estão surgindo e
de que é relevante incentivá-las, inclusive por meio de apoio financeiro. É impor-
tante que as diferentes rotas tecnológicas sejam estudadas, analisadas e discutidas,
principalmente no que se refere à eletrificação veicular, para que sejam realizadas
ações proativas de incentivo. O desenho de possíveis políticas públicas associadas
às mudanças de paradigma no setor automotivo deve ser embasado por estudos
aprofundados e pela discussão efetiva com empresas e acadêmicos.
134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
R eferências
ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Estudo prospectivo setorial –
automotivo. Relatório de perspectivas. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos,
jul. 2009.
Automotive Business. São Paulo: Automotive Business. Bimestral. Ano 4, n. 13, fev. 2012.
São Paulo, E. M.; Kalache Filho, J. (Orgs.). BNDES 50 anos: histórias setoriais. São
Paulo: DBA; Rio de Janeiro: BNDES, 2002.
Sites consultados
AutoEsporte – <revistaautoesporte.globo.com>.
136 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
EXAME – <www.exame.abril.com.br>.
MERCEDES-BENZ – <www.mercedes-benz.com.br>.
O GLOBO – <www.g1.globo.com/carros>.
SINDIPEçAS – <www.sindipecas.org.br>.
TERRA – <www.terra.com.br>.
TOyOTA – <www.toyotafabricasorocaba.com.br>.
* Engenheiro aeronáutico (ITA), PhD em dinâmica de voo (Cranfield, Inglaterra) e gerente no Departamento de Comércio
Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES. O autor agradece a colaboração de Vanessa de Sá Queiroz e de Paulus
Vinicius da Rocha Fonseca do Departamento de Comércio Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES.
Indústria Aeronáutica 139
R ES UM O
O Brasil, que se orgulha do pioneiro Santos-Dumont viu sucessivas tentativas de se
criar uma indústria aeronáutica, de porte e sustentável, no país não lograrem êxito.
Isso ocorreu até as décadas de 1960 e 1970, quando a industrialização passou a ser
política de Estado. Hoje, a Embraer, criada em 1969 como empresa estatal e privati-
zada em 1994, é uma das quatro maiores fabricantes de aeronaves do mundo – jun-
tamente com a americana Boeing, a europeia Airbus e a canadense Bombardier –,
contribuindo diretamente para o saldo positivo na balança comercial brasileira. O
artigo faz uma análise da trajetória recente da empresa, que concentra a maioria dos
empregos e das receitas do setor, bem como da Helibras, fabricante de helicópteros,
e da ainda tímida cadeia produtiva do setor. Em seguida, analisa as perspectivas para
o setor e para a atuação do BNDES, delineando diversas possibilidades de ampliação
dessa atuação em função dos vários desdobramentos em curso do Plano Brasil Maior,
que incluem também as áreas de espaço e complexo da defesa. Mostra também que
o setor aeronáutico em todo o mundo tem forte dependência dos respectivos gover-
nos nacionais, seja pelas compras governamentais, pelo financiamento ou bolsas de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico e financiamentos às exportações. Por fim, o
artigo conclui que o Brasil está evoluindo positivamente nessa direção.
AB S TR AC T
There was a time when Brazil, which is a country proud of the pioneer Santos
Dumont, saw successive, yet unsuccessful attempts at creating a large-scale and
sustainable aircraft industry. This was the pattern until the 1960-70s, when having
an aircraft industry became government policy. Today Embraer, created in 1969 as
a State-owned enterprise and privatized in 1994, is one of the four largest aircraft
manufacturers in the world – along with the US’ Boeing, Europe’s Airbus and
Canada’s Bombardier – contributing directly and positively to Brazil’s trade balance.
This article analyzes the recent evolution of the company, which concentrates most
of the jobs and revenue in this sector, as well as that of Helibras – a helicopter
140 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
manufacturer – and the still small-scale Brazilian aircraft industry supply chain. The
following section then analyzes the outlook for the Sector, the BNDES’ operations
and possible further contributions. The aim is to outline several possibilities to
expand these efforts in light of various developments that have resulted from the
Brasil Maior Plan, which also includes space and defense. Finally, we show that the
aviation sector across the world is heavily dependent on their respective national
governments, either through government direct purchases of products, or research
funding or grants and technological development and export financing. Thus, we
conclude that Brazil has shown positive evolution in this direction.
IndústrIa aeronáutIca 141
1. i nTR O dUÇ Ã O
a indústria aeronáutica no Brasil apresenta um paradoxo curioso: se, de um lado, o
povo brasileiro se orgulha de alberto santos-dumont, pioneiro da navegação pelo
ar – com seu dirigível nº 6 (em Paris, 1901) – e do voo com o avião – o 14-bis (em Pa-
ris, 1906) –, de outro lado, foi um país em que a fabricação aeronáutica em grande
escala plantou raízes só tardiamente. ao longo das primeiras décadas do século XX,
sucessivas tentativas de se criar uma indústria aeronáutica no país, sustentável no
longo prazo, não lograram êxito [andrade (1976)].
com o fim da segunda Guerra Mundial, em 1945, diversas novas lições de
geopolítica passaram a compor de maneira definitiva o conhecimento e a expe-
riência humana, principalmente nas questões afeitas à defesa da soberania das
nações. entre as mudanças de paradigma ocorridas, figurou a constatação de que
somente com o domínio do seu espaço aéreo é que um país exerce, de forma de-
finitiva, a sua soberania. no limite, equivale a dizer que uma nação deve dispor
de indústria aeronáutica própria com produtos destinados tanto ao mercado civil
quanto ao militar.
Isso fez com que as tecnologias associadas ao projeto, à construção, aos ensaios,
à certificação, à operação e à manutenção de aeronaves passassem à posição de
elevada prioridade nacional, mesmo nos países que, antes da segunda Guerra, não
estavam na proeminência do setor, como a rússia, a china, a Índia, o canadá e até
mesmo a argentina. a despeito da enorme desmobilização de pessoal, aeronaves
e material bélico ocorrida de modo generalizado com o fim do conflito, os investi-
mentos em pesquisa e desenvolvimento em tecnologia aeronáutica deram um salto
espetacular [crouch (2004)]. nesse contexto, também o governo brasileiro passou
a considerar de importância estratégica para o país o domínio da tecnologia ae-
ronáutica. Vem daí a decisão de, nos anos seguintes a 1945, constituir uma escola
de engenharia aeronáutica – o Instituto tecnológico de aeronáutica (Ita) – e um
centro de pesquisas e desenvolvimento em seu entorno – o então centro técnico
da aeronáutica (cta). com isso, graças à feliz combinação, em um mesmo locus,
de escola de engenharia aeronáutica, institutos de pesquisa e desenvolvimento e
142 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
1
Referência ao Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) do CTA, que até o surgimento da Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac), em 2006, era encarregado da certificação de aeronaves tanto militares quanto civis fabricadas no Brasil.
2
“Congelamento” do projeto refere-se à fase em que este não pode mais sofrer grandes modificações, devendo-se mantê-lo
essencialmente inalterado até e durante a construção do protótipo.
IndústrIa aeronáutIca 143
2. O dO M Í ni O d A T E C n OL OG iA
E A i ndUS T R iA L iZ A Ç Ã O C OM O
pO L Í Ti C AS d E E S TA d O 3
de fato, foi somente nas décadas de 1960 e 1970 que a indústria aeronáutica con-
solidou-se no Brasil. com a clara percepção de que se desejava chegar à etapa de
industrialização em larga escala [andrade (1976, p. 270)], os esforços foram afinal
direcionados para a viabilização de aeronaves com utilização imediata nos mer-
cados civil e militar do país. assim foi que a incorporação, em 1969, da empresa
Brasileira de aeronáutica (embraer), empresa estatal, foi realizada para dar curso
à fabricação de três tipos de aeronaves gestadas previamente no cta4 [andrade
(1976, p. 271-274)]:
1. o eMB-110 Bandeirante (Figura 1), bimotor turboélice com 12 assentos para o
transporte de pessoal, por encomenda da Força aérea Brasileira (FaB) – as ver-
sões civis posteriores chegariam a 19 assentos – no montante inicial de oitenta
unidades (em 18 anos de fabricação, mais de 550 aeronaves do tipo – civis e
militares – seriam entregues em 36 países) [Poder aéreo (2011)];
2. o Ipanema, monomotor para pulverização de defensivos agrícolas (em produ-
ção até hoje, extensamente modificado); e
3. o urupema, planador de alto desempenho.
3
vide Coutinho (2000, p. 21).
4
Centro Técnico de Aeronáutica, antiga denominação do atual dCTA, órgão do Comando da Aeronáutica.
144 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
cional por meio do qual seus fabricantes aeronáuticos (a saber, Embraer, Aerita-
lia e Aermacchi) desenvolveriam e fabricariam conjuntamente o AMX. Cerca de
duzentas unidades do AMX foram fabricadas, mais de um quarto delas para inte-
grar a FAB como aeronave de ataque ar-solo.
5
Dos quais aproximadamente 1.100 unidades – nas diversas versões – viriam a ser construídas e entregues de 1997 a 2010,
configurando, portanto, um grande sucesso comercial internacional.
6
Desde 2006 essa competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
7
Financiadora de Estudos e Projetos, órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
8
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, agência estadual paulista.
148 Bndes 60 anos – PersPectIVas setorIaIs
3. A EV O L UÇ Ã O R E C E n T E d O S E T OR
os anos subsequentes à privatização da embraer a alçaram ao status de empresa
global, com operações fabris, de pesquisa e desenvolvimento, apoio técnico ou de
inteligência de mercado espalhadas por todo o planeta (Figura 3).
FRANÇA
Villepinte
CHINA
Le Bourget
EUA Pequim
Nashville Harbin
Fort Lauderdale PORTUGAL
Alverca
BRASIL
Gavião Peixoto
Botucatu CINGAPURA
São José dos Campos Cingapura
9
É importante que estado da arte seja aqui entendido no seu sentido mais amplo possível, isto é, a tecnologia incorporada à
aeronave, o custo de aquisição por assento, o consumo de combustível, o desempenho de decolagem, pouso e em rota e até
mesmo os pesos vazios e máximos de decolagem certificados.
150 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Gráfico 1 Embraer – Ativo Total e Receita Operacional Líquida (ROL) (em milhões de US$)
10.000
9.000
8.000
7.000
US$ MILHÕES
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
600 150
132%
125
450
300
75
US$ MILHÕES
62% 61%
150 50
39% 39% 42% 38%
34% 34%
16% 26% 25% 25
17%
0
14%
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
0
-150
-25
-300 -50
Figura 4 A família dos E-Jets compreende quatro tipos de aeronaves, com capacidade para
setenta a 120 assentos
Evidentemente, tal trajetória de sucesso teria de ser interrompida nos dois anos
seguintes (2009-2010), em função da crise financeira e econômica que se abateu
sobre boa parte do planeta, afetando todos os fabricantes de aeronaves.
No caso da Embraer, a crise trouxe um impacto adicional. Desde o ano 2000, a
empresa vinha, paulatinamente, desenvolvendo o seu braço de aviação executiva,
para reduzir a dependência do mercado dos jatos comerciais, que são adquiridos
naturalmente por empresas aéreas. Tal iniciativa estratégica teve início com a pro-
dução de aeronaves executivas derivadas dos jatos comerciais, como o Legacy 600
(derivado do jato regional ERJ-135), para até 16 ocupantes, e o Lineage 1000 (deri-
vado do E-190), para, tipicamente, 19 ocupantes com elevado nível de conforto em
viagens intercontinentais. Assim, já no fim de 2008 a Embraer começou a entregar
o Phenom 100, um tipo de aeronave inteiramente novo e no estado da arte, para
quatro a sete ocupantes. Juntamente com o seu irmão maior, o Phenom 300, para
oito a nove ocupantes e cujas entregas se iniciaram em dezembro de 2009, ele
compõe os nichos de mercado denominados de very light jets e light jets, respecti-
vamente (figuras 5 e 6).
62%
250
200
Nº DE JATOS ENTREGUES NO ANO
39 119
150
3 8 145
36 99
14
10 21
100 32
14
165
157 153
134 133
121 120 125
50 98 101 105
96 87
60
32
4
-
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 4 Fatias do mercado global de jatos para 61 a 120 passageiros relativas a pedidos
acumulados até dezembro 2011
50
40
30
20
10
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
6.000
5.000
4.000
EM US$ MILHÕES
3.000
2.000
1.000
-
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 1S/2010
0
200
400
600
800
1.000
1.200
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
0
-
fev. 2002 112 112
0
mar. 2002 112 112
6.087
0
1994
abr. 2002 118 118
Entregas
jan. 2003 88 88
4.319
1995
0
mar. 2003 245 245
0
abr. 2003 245 245 3.849
1996
jan. 2004 8 250 258
Backlog
fev. 2004 23 250 273 4.494
1997
mar. 2004 36 289 325
abr. 2004 46 297 343 6.737
1998
jan. 2005 56 301 357
fev. 2005 66 346 412 8.302
1999
mar. 2005 92 335 427
abr. 2005 118 322 440
10.334
2000
jan. 2006 137 315 452
fev. 2006 163 292 455
11.048
2001
mar. 2006 184 359 543
abr. 2006 209 410 619
12.227
2002
jan. 2007 229 401 630
fev. 2007 256 399 655
12.941
novos pedidos firmes registrados (Gráfico 7).
2003
mar. 2007 292 426 718
abr. 2007 334 430 764
jan. 2008 369 466 835 14.658
2004
Gráfico 6 Embraer: evolução do número de empregados
2005
abr. 2008 490 386 876
jan. 2009 521 354 875 19.265
2006
fev. 2009 554 328 882
mar. 2009 582 295 877 23.734
2007
abr. 2009 605 257 862
jan. 2010 625 236 861 23.509
2008
30 500
466
430 437
28 426
419
450
410
401 399
386
26 400
322 315
301 23,8 23,9 23,7
297 292 23,7 23,9 295
22 289 23,4 23,5 300
268
250 257 261
244 245 245 250 245 248 248
236 230 234
20 21,0 250
19,3
18 200
18,3
17,5
16 16,9 17,0 17,017,1
17,4 17,2 16,9 17,0 17,117,3 17,217,2 150
17,0 16,8 16,8
112 112 118 16,4
88
14 14,6 100
14,214,5
14,1
12 12,9 50
12,2 12,4 12,6
12,2 12,4
11,3
10 0
fev. 2002
mar. 2002
abr. 2002
jan. 2003
fev. 2003
mar. 2003
abr. 2003
jan. 2004
fev. 2004
mar. 2004
abr. 2004
jan. 2005
fev. 2005
mar. 2005
abr. 2005
jan. 2006
fev. 2006
mar. 2006
abr. 2006
jan. 2007
fev. 2007
mar. 2007
abr. 2007
jan. 2008
fev. 2008
mar. 2008
abr. 2008
jan. 2009
fev. 2009
mar. 2009
abr. 2009
jan. 2010
fev. 2010
mar. 2010
abr. 2010
jan. 2011
fev. 2011
mar. 2011
abr. 2011
Empregados Backlog
280
239
234
217
213
197
210
173
162
158
EM US$ MILHÕES
155
151
144
142
140
122
114
113
103
88
74
73
73
70
68
70
51
45
-
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
rança pública e 66% dos de uso militar [Helibras (2011a)]. Os helicópteros produzi-
dos por outros fabricantes no exterior – entre os quais, Sikorsky, Bell e Robinson – e
que operam no Brasil são importados como aparelhos prontos e acabados.
4. A C AdEi A p R Od U T iVA
Para além da embraer e da Helibras, a cadeia produtiva da indústria aeronáutica
brasileira é um segmento que ainda carece de um desenvolvimento mais robusto,
seguindo-se os caminhos já trilhados em outros países [Migon e Pinto (2006)].
atendo-se, por exemplo, apenas à distribuição do número de empregos gerados,
a tabela 1 mostra a desproporção entre a embraer e o restante da cadeia produtiva
aeronáutica brasileira. tal desproporção fica ainda mais evidente quando comparada
com as cadeias produtivas dos outros principais países fabricantes de aeronaves.
162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Integrador
Fonte: AIAB.
Nota: AIAB – Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil; AIA – Aerospace Industries Association; AIAC – Aerospace Industry
Association of Canada; ASD – Aerospace and Defense Industries Association of Europe.
10
Offset significa a contrapartida em investimentos e compras realizadas no país comprador da aeronave – no caso, o Brasil – por
parte dos países exportadores – no caso, os países envolvidos com a Airbus.
Indústria Aeronáutica 163
7.000
6.000
5.000
4.000
EM US$ MILHÕES
3.000
2.000
1.000
-1.000
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Secex/MDIC).
Nos países concorrentes do Brasil, é usual acrescentar ainda – aos setores aero-
náutico e espacial (Gráfico 10) – a contribuição do segmento fabricante de material
de defesa, em função das sinergias existentes e do simples fato de que boa parte
dos fabricantes aeronáuticos produz material de defesa como parte substancial de
seu faturamento. Tal consolidação de setores industriais é conhecida pela sigla uni-
versal de A & D (aerospace & defense).
A Tabela 2 mostra os dados de desempenho de A & D no país, de acordo com
levantamento realizado pela AIAB, assim como as contribuições de cada um dos seg-
mentos assim reunidos. Apesar de o segmento aeronáutico ser ainda preponderante,
a evolução recente aponta para um crescimento importante do segmento de defesa,
164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Fonte: AIAB.
Gráfico 11 Geração líquida de divisas (GLD) de setores industriais de alta tecnologia no Brasil
2.000
0
-2.000
-4.000
-6.000
-8.000
US$ MILHÕES FOB
-10.000
-12.000
-14.000
-16.000
-18.000
-20.000
-22.000
-24.000
-26.000
-28.000
-30.000
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Aeronáutica
1.943 1.608 990 1.755 1.745 1.326 1.784 1.114 401 681
e aeroespacial
Farmacêutica (2.132) (1.888) (1.781) (2.093) (2.281) (2.718) (3.764) (4.642) (4.566) (6.378)
Material de escritório
e informática (1.433) (1.169) (1.050) (1.232) (1.550) (2.222) (2.383) (3.104) (2.735) (3.761)
Equipamentos de rádio,
(3.292) (1.454) (1.910) (3.968) (3.884) (5.295) (6.629) (9.786) (7.056) (11.394)
TV e comunicação
Instrumentos médicos
(1.928) (1.621) (1.545) (2.009) (2.408) (2.930) (4.052) (5.513) (4.475) (5.646)
de ótica e precisão
Saldo comercial:
saldo da indústria (6.842) (4.525) (5.296) (7.548) (8.377) (11.839) (15.044) (21.932) (18.431) (26.498)
de alta tecnologia
Fonte: Secex/MDIC.
claramente, muito ainda resta a ser feito e investido, para que o país venha
a dispor de uma cadeia produtiva densa o suficiente para se equiparar ao nível já
alcançado pelas aeronaves que são entregues prontas a seus clientes, por parte de
seus dois fabricantes principais, embraer e Helibras.
5. pER S pEC Ti VA S pA R A O S E T OR
Quando se analisa o conjunto da indústria aeronáutica mundial, a tendência contem-
porânea mais evidente é de que países – e não corporações ou investidores privados –
tracem políticas públicas com vistas a dominar o ciclo completo da indústria e da tec-
nologia aeronáuticas. e isso na sua vertente mais desafiadora na atualidade: a de con-
cepção, projeto, certificação, produção e apoio pós-venda de aeronaves civis para o
(competitivo) mercado global. china, rússia e Japão corporificam essa tendência (vide
tabela 3), com o ímpeto de, aparentemente, levá-la até as suas últimas consequências,
na medida em que massivos apoios governamentais propulsionam as respectivas ini-
ciativas nacionais, independentemente de que a tarefa esteja a cargo de empresas ex-
clusivamente estatais, privadas e estatais (rússia) ou exclusivamente privadas (Japão).
a partir de meados da década passada, os governos desses países teriam concluído que
faltava incluir o setor aeronáutico civil em seus projetos nacionais e trataram de defla-
grar os processos financeiros, industriais e tecnológicos para suprir essa falha.
o resultado são os desenvolvimentos ora em curso, em variados estágios de
germinação, para a produção de novas aeronaves comerciais (vide tabela 3).
Fonte: elaboração própria, com base em dados dos websites dos fabricantes.
Indústria Aeronáutica 167
É de se notar, na Tabela 3, que os projetos chineses ARJ-21 e Comac C-919 são ban-
cados em 100% pelo Estado chinês. Eles integram o Plano Quinquenal (2011-2015)
com outros seis setores prioritários dessa nação. Além disso, à lista de países acima,
poder-se-ia acrescentar o México, se não fosse por uma diferença fundamental: a
política nacional mexicana não inclui, por enquanto, a construção de um novo mo-
delo de aeronave. Nos últimos oito anos, foram atraídos os mais diversos fabrican-
tes estrangeiros para o país, de forma que o México é hoje um dos mais importantes
fornecedores de partes, peças e subconjuntos completos de aeronaves para as prin-
cipais cadeias produtivas aeronáuticas do mundo. Tal atração se deu na forma de
incentivos fiscais, creditícios, de infraestrutura e de formação de recursos humanos
especializados bancados pelo governo. Com isso, o México logrou trazer para seu
território um setor de alta tecnologia, que gera empregos de alto valor agregado,
é essencialmente exportador e que já teria atingido a marca de US$ 4 bilhões (2009)
a favor da balança comercial do país [Sobie (2011)]. São mais de 200 empresas, com
mais de 27 mil empregados, que incluem grandes nomes do setor, como Bombardier,
Cessna, Goodrich e Safran. A comparação com o caso brasileiro realça contrastes e
nuanças: o México teria um setor industrial aeronáutico de peso integrado às cadeias
produtivas globais, enquanto o Brasil possui um dos quatro maiores fabricantes sem
ter uma cadeia produtiva expressiva. Os dois países têm quase o mesmo número de
pessoas empregadas no setor, com valores exportados semelhantes a partir de 2009.
Portanto, o quadro de tendências que se delineia para os próximos anos da
década atual aponta para o gradual aumento da concorrência a partir de 2015, de-
safiando os duopólios atuais de Bombardier e Embraer (aeronaves de até 120-130
assentos) e de Airbus e Boeing (aeronaves de 130-550 assentos). Naturalmente, os
novos entrantes não contam com a reputação de excelência técnica e consagrado
apoio pós-venda (item de caráter vital para as empresas aéreas) dos fabricantes
estabelecidos. Além disso, suas respectivas autoridades aeronáuticas nacionais ain-
da estão em processo de aprendizado das complexas tarefas e funções requeridas
pela certificação aeronáutica, a qual precisa atingir nível de proficiência adequado
para desfrutar de reputação mundial. Mas nada disso parece deter China, Rússia e
Japão, pois são, declaradamente, projetos nacionais de longo prazo.
168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
As aeronaves constantes das linhas 1 a 5 da Tabela 4 recebiam, até uns oito ou dez
anos atrás, a classificação genérica de regionais, uma vez que seus operadores natu-
rais eram as empresas aéreas regionais. Com a evolução do mercado, tais aeronaves
acabaram sendo adquiridas por todo tipo de empresa aérea – mainlines, baixos custos
(low-cost carriers), regionais etc. – e, portanto, perderam essa denominação. Assim, as
aeronaves constantes das linhas 1 a 8 da Tabela 4 são classificadas mais amplamente
como narrow-bodies, ou seja, de fuselagem estreita, que comportam apenas um corre-
dor (single-aisle aircraft) entre as fileiras de assentos. São empregadas essencialmente
no transporte aéreo doméstico ou internacional transfronteiriço/regional.
Já as aeronaves constantes das linhas 9 a 11 da Tabela 4 são as aeronaves
classificadas como widebodies, ou seja, de fuselagem larga, que comportam dois
Indústria Aeronáutica 169
foi deixada para a próxima década, com o argumento de que ainda não se avançou
o suficiente no campo de novas tecnologias para propiciar os saltos econômicos e
ecológicos requeridos. Já a nova geração de motores (item 2 antes citado) produziu
um dos seguintes efeitos:
• Tais motores fossem incorporados diretamente nas novas aeronaves ainda
em desenvolvimento, casos de Bombardier com as CS100 e CS300 e da Mitsu-
bishi com o MRJ e até das futuras aeronaves de 150 assentos ainda em projeto
conceitual, a chinesa C-919 e a russa MS-21; ou
• Lançamento de novas versões remotorizadas de aeronaves já existentes, o que
ocorreu com a Airbus (nova versão anunciada em dezembro de 2010) e a Boeing
(com anúncio em setembro de 2011). No primeiro caso, as aeronaves da família
A320 se tornam A320neo (new engine option) e poderão ser equipadas tanto
com a tecnologia do novo motor da P&W – GTF – quanto com a da GE – LeapX.
Já no caso da Boeing, a família dos B737 se torna B737MAX e apenas a nova
tecnologia do LeapX da GE é oferecida.
No mercado de aeronaves comerciais, como visto anteriormente, a Embraer é, de
fato, a líder na faixa em que atua, com produtos no estado da arte da tecnologia aero-
náutica. Os E-Jets da Embraer são, claramente, mais avançados do que seus correspon-
dentes canadenses (os CRJs), até por terem tido sua concepção e desenvolvimento tec-
nológico básico em período posterior ao dos canadenses. Tal oportunidade de mercado
para a Embraer deve se estender, ao menos, pelos próximos cinco anos ou se, e quando,
os novos CS100 e CS300 vierem a ser bem-sucedidos. Como o desenvolvimento de uma
nova aeronave do porte em questão, ou mesmo um pouco maior, demoraria entre três e
cinco anos até a sua entrada no mercado, surge a pergunta: não deveria a Embraer estar
justamente agora concebendo ou até anunciando o lançamento de seus próximos pro-
jetos? Essa é, na verdade, uma questão recorrente e complexa [Francis e Perret (2011)].
Nesse quadro geral, a Embraer é a única empresa, entre as quatro principais
do mercado internacional, que ainda não lançou oficialmente projetos novos – ou
possibilidades de remotorização das aeronaves em fabricação – com a nova tecno-
logia de motores a jato. Nos comunicados à imprensa e a investidores, a empresa
apenas adianta que:
Indústria Aeronáutica 171
FINAME) tenha de chegar a 50% ao fim de sete anos, para o último lote de ae-
ronaves. Além disso, faz parte do planejamento estratégico da Helibras o desen-
volvimento de um novo helicóptero feito inteiramente no Brasil, para integrar o
portfólio global de sua controladora, a Eurocopter. A empresa estipula o prazo
de dez anos para materializar esse projeto, que, na verdade, remete o assunto
à origem dos incentivos dados pelo governo brasileiro para trazer a empresa ao
país no fim da década de 1970, ou seja, projetar e construir um helicóptero genui-
namente brasileiro. Por outro lado, não parece haver qualquer tipo de ameaça à
Helibras: não há notícia de que algum outro fabricante de helicópteros pretenda
se instalar no Brasil.
Na indústria aeronáutica em geral, os pesados investimentos realizados du-
rante a fase de projeto de uma nova aeronave, ou seja, nos três a cinco anos do
início da sua fabricação em série, só serão recuperados a partir de determinado
número de unidades comercializadas, algo que geralmente se situa entre 250 e
500 aeronaves. Assim, e conforme já mencionado, o ciclo do produto aeronáutico,
ou seja, o período de tempo que vai da concepção inicial de uma nova aeronave
comercial até o encerramento de sua fabricação (seguida de um apoio pós-venda
que tem de ser continuado ainda por bom tempo) demanda geralmente duas ou
mais décadas. São, portanto, prazos bastante extensos tanto no que diz respeito
a recursos materiais, de engenharia e de produção quanto aos indispensáveis in-
sumos e fluxos financeiros.
Essa situação gera a necessidade de prognósticos de mercado para o setor
muito mais longos do que os habitualmente elaborados para outros setores eco-
nômicos. Assim, o padrão consolidado na indústria é dado pelos documentos co-
nhecidos por Market Outlook, elaborados e publicados a cada ano pelos princi-
pais fabricantes, com projeções de número de aeronaves a serem comercializadas
pelos vinte anos à frente.11 Tais aeronaves são classificadas apenas por faixas de
número de assentos, como na Tabela 4, sem discriminação de marcas de fabrican-
11
Os Market Outlook publicados por Airbus, Boeing, Bombardier e Embraer têm credibilidade no mercado de transporte aéreo
mundial por dois motivos principais: (a) são fundamentados em décadas de experiência acumulada pelos fabricantes de aeronaves,
que os utilizam em suas políticas de marketing, planejamento e controle da produção; são renovados anualmente; e (b) refletem o
comportamento observado em longas séries temporais de indicadores fundamentais para o setor, tais como o RPK.
Indústria Aeronáutica 173
Crise do petróleo Crise do petróleo Guerra do Golfo Crise asiática 11 set. Gripe aviária Crise financeira
5,0
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
Cenário econométrico 2011-2030 Crescimento médio do PIB mundial Crescimento médio do RPK
(demanda de passageiros) mundial
Como a Boeing não atua nesse mercado, sua aposta é de aumento do chamado
tamanho médio de aeronave, ou seja, que o mercado demandará mais aeronaves
de 180 assentos do que de 150 assentos, movimento já detectado na atualidade. O
encolhimento do mercado do jato regional não parece muito plausível em função
justamente dos mercados ainda emergentes, que demandam esse porte de aerona-
ve (70 a 130 assentos).
Para além dos parâmetros usuais que determinam a competitividade das aero-
naves comerciais – menores custos de aquisição e operação, performance, estado da
arte tecnológico etc. –, uma nova dimensão está adquirindo grande importância nes-
ta e na próxima década: o desempenho ambiental. Isso se dá no contexto crescente
das limitações e regulações internacionais quanto a emissões dos gases que seriam
responsáveis pelo efeito estufa, notadamente CO2 e NOx. No caso da indústria do
transporte aéreo, a contribuição é estimada em apenas 2% do total de emissões anuais
de CO2 que ocorrem no planeta em função da atividade humana. Porém, dada sua
grande visibilidade internacional, sua associação com pessoas de elevado poder aqui-
sitivo e/ou poder político, o setor tem sido alvo de sucessivas tentativas de tributação
e regulação por parte de entidades como a União Europeia (UE), a Organização de
Aviação Civil Internacional (OACI) e a International Air Transport Association (Iata). A
UE, por exemplo, pretende instituir um sistema de cap & trade12 já a partir de 2012,
embora sabendo que será objeto de forte contestação judicial.
Nesse quadro, as empresas aéreas têm pressionado os fabricantes de aeronaves
a aumentar o desempenho ambiental das novas aeronaves a serem entregues, o
que significa, concretamente, duas iniciativas:
1. diminuir, por todos os meios possíveis, o consumo de combustível, o que auto-
maticamente reduz as emissões de CO2 e NOx; e
2. estabelecer a cadeia produtiva e consolidar a certificação aeronáutica para os
novos tipos de querosene de aviação (QAV), obtidos com base no processamen-
to de biomassa (algas, óleo de soja, de milho etc.). Tais tipos de combustível são
12
Por esse sistema, cada empresa aérea só terá direito a emitir 80% dos gases produzidos em 2011, em virtude de operações de
transporte dentro, de ou para a UE. Os 20% restantes têm de ser extintos ou comprados no mercado livre de créditos de carbono
(conhecido como ETS – Emissions Trade Scheme).
IndústrIa aeronáutIca 177
6. O ApO i O d O B n d E S
o apoio do Bndes ao setor aeronáutico no país adquiriu um porte mais signifi-
cativo após a privatização da embraer em 1994. naquela ocasião, como visto, os
novos controladores aportaram cerca de us$ 500 milhões. o Bndes contribuiu com
us$ 300 milhões adicionais por meio de diversos instrumentos de renda fixa e renda
178 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
variável, recursos esses que já retornaram ao Banco, exceto pelo pequeno resíduo
de participação acionária (com rendimentos excepcionais no caso da renda variá-
vel). Desde então, a maior parte do apoio tem sido prestado, seja para a Embraer
ou para a Helibras, na forma de financiamento a seus clientes, tanto no caso de
exportações como em vendas no mercado doméstico. A carteira de financiamentos
do BNDES atinge hoje a cifra aproximada de US$ 8 bilhões, representando mais de
setecentas aeronaves espalhadas pelo mundo.13
Em vista do que foi apresentado nas seções anteriores, é natural que se possa
conceber um rol de ações, medidas ou políticas operacionais do BNDES que venham
a fomentar ainda mais o setor. Antes de aprofundar o tema, porém, é preciso aten-
tar para o quadro já existente, que pode ser sintetizado da seguinte forma:
• Os países que contam com o setor de indústria aeronáutica em suas econo-
mias apoiam-no fortemente por meio de um leque de instituições, medidas e
políticas públicas, emanadas essencialmente das mais altas esferas do Poder
Executivo, referendadas ou modificadas pelo Poder Legislativo.14 Parece pouco
provável que o Brasil possa trilhar caminho alternativo a esse, como deixar que
as forças do livre mercado prevaleçam indiscriminadamente.
• De fato, apesar de o Banco ter lançado o BNDES Pro-Aeronáutica em 2007, foi
em 2008, com o lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP),
que o setor de indústria aeronáutica foi formalmente contemplado no nível
ministerial do Poder Executivo brasileiro. Do grupo de trabalho daí resultan-
te, coordenado por representante do BNDES, emanou uma série de medidas
de fomento ao setor. Na parte concernente ao BNDES, claramente o BNDES
Pro-Aeronáutica já atendia essencialmente ao que lhe era demandado. No
entanto, pequenos ajustes no programa foram feitos, a partir de 2009-2010,
para contemplar a totalidade da demanda esperada do Banco. Assim, o Pro-
-Aeronáutica continua em vigor até pelo menos 2013, inclusive com a alocação
13
Em comparação, a carteira do correspondente americano, o US Ex-Im Bank, ultrapassa US$ 50 bilhões (aeronaves Boeing), o
mesmo valendo para os correspondentes da União Europeia (aeronaves Airbus).
14
Nos Estados Unidos, por exemplo, há um órgão para o fomento da parte civil, com verbas de P & D, que é a NASA, e outro para
o setor militar, a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA). No Japão, tal tarefa está a cargo do Ministério de Indústria e
Comércio (MITI), na União Europeia, isso fica a cargo dos chamados Programas Quadro (Framework Programs) e assim por diante.
Indústria Aeronáutica 179
7. C O nC L US Õ E S
olhando-se em retrospecto a evolução recente da indústria aeronáutica no país,
parece não haver dúvidas quanto ao papel histórico desempenhado pelo Bndes
no apoio ao setor. se é verdade que tal apoio se realizou de forma mais marcante
logo no período pós-privatização da embraer (ocorrida em dezembro de 1994)
e, desde então, no financiamento às exportações de suas aeronaves, também é
verdade que seus fornecedores têm recebido atenção na formulação de políticas
específicas. nesse particular, o Programa Bndes Pro-aeronáutica é voltado essen-
cialmente ao financiamento de pequenas e médias empresas da cadeia produtiva
aeronáutica instalada no país, por meio de instrumentos financeiros de renda fixa
e renda variável.
Por outro lado, se há uma conclusão que parece permear todos os estudos
aprofundados do setor de indústria aeronáutica mundial, é a de que esse setor tem
forte dependência dos respectivos governos nacionais. seja pelo canal das compras
governamentais – essencialmente de material de defesa e de segurança pública –,
seja de financiamento ou bolsas para pesquisa e desenvolvimento tecnológicos,
seja em financiamentos às exportações, não há registro de fabricante aeronáutico
bem-sucedido que dependa apenas das forças – e dos recursos – do livre mercado.
no Brasil, esse tipo de percepção começou a se solidificar na esfera governa-
mental a partir do retorno das chamadas políticas públicas para a indústria, mate-
rializadas sucessivamente pela Política de desenvolvimento Produtivo (PdP) e pelo
atual Plano Brasil Maior (PBM). com isso, é esperado que as ações do governo bra-
sileiro comecem a adquirir as feições daquelas empreendidas pelos governos das
nações concorrentes do país no setor de indústria aeronáutica.
como parte indissociável desse esforço, a atuação do Bndes poderá se dar para
bem além daquelas áreas já tradicionais para o setor aeronáutico, ou seja, o apoio
à indústria e ao comércio exterior, que lhe são familiares e onde construiu histórico
considerável. os desafios que se apresentam, como o do apoio à inovação, que in-
clui também, entre seus muitos matizes, o da sustentabilidade, só poderá se dar de
forma efetiva se o papel do Banco estiver coordenado às demais vertentes do apoio
Indústria Aeronáutica 181
Apêndi ce
Síntese das histórias dos demais principais fabricantes
de jatos comerciais
Boeing
A Boeing foi fundada em 1916 em Seattle, Washington, Estados Unidos. Em sua lon-
ga história, comprou ou absorveu mais de vinte empresas dos setores aeronáutico,
espacial e de defesa. Só tem fábricas nos Estados Unidos (nos estados de Washington
e Carolina do Sul), embora partes estruturais substanciais de suas aeronaves (mais de
um terço em massa) sejam produzidas no Japão, graças aos pesados investimentos
feitos em parcerias de risco pelas empresas aeronáuticas do país asiático. Sua cadeia
produtiva tem empresas fornecedoras em praticamente todos os estados americanos,
de forma a gerar apoio político e orçamentário a seus programas civis e militares. Ao
contrário da Airbus, tem longa experiência com programas de defesa, e seu fatura-
mento é dividido meio a meio entre os mercados civil e militar há várias décadas.
Airbus
A Airbus foi fundada como entidade estatal em 1969 pelos governos da França,
da Inglaterra e da Alemanha (pouco depois a Espanha se juntaria ao grupo). Essa
entidade era integrada pelos fabricantes aeronáuticos desses países, a saber: Aeros-
patiale, British Aerospace e Deutsche Airbus (pouco depois a CASA espanhola seria
182 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Bombardier
A Bombardier foi fundada em 1934 como fabricante de snowmobiles (tendo se
mantido desde então como uma das principais empresas desse setor, que inclui
jetskis). Por conta de uma crise nesse mercado na década seguinte, estabeleceu a
diretriz estratégica de ser uma empresa diversificada: é hoje um dos maiores fabri-
cantes de material ferroviário do mundo, além de estar entre os quatro maiores
produtores de aeronaves civis – comerciais e executivas. Essa parte aeronáutica do
seu portfólio corporativo foi sendo adquirida e incorporada ao longo de várias dé-
cadas, sendo as mais significativas as da Canadair (1986), Short Brothers (1989), da
Irlanda, Learjet Corp. (1990), dos Estados Unidos, De Havilland (1992), do próprio
Canadá, e Skyjet (2000), dos Estados Unidos [Bombardier (2011a)]. Por causa dessa
miscelânea de empresas incorporadas, sua cadeia produtiva estende-se por vários
países, principalmente Canadá, Estados Unidos e Irlanda. Mais recentemente, uma
política corporativa de redução de custos levou-a a estabelecer importante unidade
fabril no México. Também estabeleceu, em 2011, ampla parceria com o complexo
de fabricantes aeronáuticos estatais da China, que envolve desde encomendas de
conjuntos estruturais para as suas futuras aeronaves CSeries até desenvolvimento e
marketing conjunto das suas aeronaves e das futuras aeronaves civis chinesas sendo
atualmente projetadas.
Indústria Aeronáutica 183
R e f er ênc i as
Airbus. Global Market Forecast 2011-2030. Airbus S.A.S., set. 2011. Disponível em:
<http://www.airbus.com>. Acesso em: 10 out. 2011.
Bernardes, R. Embraer, elos entre Estado e mercado. São Paulo: Hucitec, 2000.
Coutinho, L. Prefácio. In: Bernardes, R. Embraer, elos entre Estado e mercado. São
Paulo: Hucitec, 2000.
Crouch, T. D. Wings: a history of aviation from kites to the space age. Nova York:
W. W. Norton & Company, 2004.
Francis, L; Perret, B. Family troubles. Aviation Week & Space Technology, 21 set.
2011, p. 24-25.
* respectivamente, gerente, chefe de departamento, economistas, coordenador de serviços e gerente do departamento de suporte
e controle operacional da área de operações indiretas do bndes. os autores agradecem a claudio bernardo Guimarães de moraes,
superintendente da área de operações indiretas, e a filipe lage de sousa, editor do BnDES Setorial, pelos seus comentários e
valiosas sugestões.
BENS DE CAPITAl 187
R ES UM O
Este artigo trata da indústria de bens de capital no Brasil no período 2003-2011,
considerando aspectos de produção e produtividade, seu desempenho no comércio
exterior, as várias formas de apoio do BNDES e os desafios e perspectivas para o
setor. Na segunda seção, vê-se que a produtividade média do setor no período de
2003 a 2009 foi superior à observada para a economia. Na terceira seção, foi con-
siderado o desempenho comercial, com destaque para a crescente importância do
Mercosul nas exportações brasileiras, a grande penetração dos produtos chineses
na pauta de importações do Brasil e o crescimento das importações por conta de
preços mais reduzidos. A quarta seção mostra que os equipamentos de transporte
foram os itens que receberam maior volume de financiamentos, seguidos de equi-
pamentos industriais, agrícolas e de infraestrutura. Na quinta seção, argumenta-se
que os estímulos voltados para a modernização e o desenvolvimento tecnológico
de máquinas-ferramenta são fundamentais para assegurar a sobrevivência do se-
tor. Nesse sentido, discute-se que o BNDES deve assumir nas próximas décadas o
desafio de construir os instrumentos apropriados indutores dessa transformação.
AB S TR Ac T
This article addresses the capital goods industry in Brazil from 2003 to 2011,
considering aspects of production and productivity (Section 2), its performance in
foreign trade (Section 3), the various forms of BNDES support (Section 4) as well as
future challenges and prospects for the sector (Section 5). In Section 2, we noted
that average productivity in the sector from 2003 to 2009 was higher than that for
the economy as a whole. In Section 3, we considered the commercial performance,
highlighting the growing importance of Mercosur in Brazilian exports, the extensive
penetration of chinese products in Brazilian imports, as well as the import growth
due to lower prices. In Section 4, we show that transport equipment have received
a higher volume of financing, followed by industrial, agricultural and infrastructure
188 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
1. I NTR O DUÇ Ã O
O papel da indústria de bens de capital como um dos propulsores do desenvol-
vimento econômico de um país é da maior relevância. Por manter vínculos com
praticamente todas as etapas da atividade produtiva e por ser capaz de ampliar
a capacidade produtiva da economia, o setor de bens de capital incorpora par-
cela significativa do desenvolvimento das cadeias produtivas e surge como um
importante difusor de progresso técnico entre os setores. Essa disseminação de
progresso contribui para a expansão do mercado interno, sustenta a evolução da
produtividade e serve de estímulo ao aumento da competitividade da economia
no médio e longo prazos.
Em consonância com esse entendimento, em seus sessenta anos de história o
BNDES esteve especialmente ligado ao desenvolvimento da indústria brasileira e,
em particular, do setor de bens de capital. Os instrumentos de apoio são diversifi-
cados e abarcam ampla variedade de produtos e programas, o que permite o dese-
nho de políticas industriais cada vez mais sólidas e adaptadas para o setor.
Este trabalho tem como objetivo principal dimensionar e avaliar o desem-
penho da indústria de bens de capital – máquinas e equipamentos – no Brasil
na última década (2003-2011) e a inserção do BNDES nesse contexto. O trabalho
contém seis seções, incluindo esta introdução. A segunda seção realiza uma fo-
tografia das principais características do setor de bens de capital, considerando
a evolução dos principais indicadores do setor e de seus subsetores durante o
período. A terceira seção trata do setor externo, buscando dimensionar o de-
sempenho comercial da indústria brasileira de bens de capital no período, as-
sim como sua relação com a competitividade do setor. A quarta seção descreve
o apoio do BNDES nesse quadro evolutivo. A quinta seção aborda os principais
desafios e perspectivas para o setor. A sexta seção apresenta as conclusões do
trabalho.
190 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2. DES EM pEN H O D O S E T OR D E B E N S
DE c ApI TAL N A c ION A L N O p E R ÍOD O
2003- 2011: p R OD U Ç Ã O E p R OD U T IVID A D E
Taxa de inVesTiMenTo
25
19,3
18,8
18,4
20 17,9
17,6
16,8
16,2
15,8
15,5
15
PART. %
10
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Classes e atividades 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. %
2003-2009
Total Brasil 1.288.867 1.553.062 1.715.619 1.909.976 2.152.798 2.396.957 2.571.598 99,5
Máquinas para escritório e
equipamentos de informática 1.635 1.303 1.718 2.562 2.790 2.479 2.919 78,5
Máquinas, aparelhos
e materiais elétricos 6.430 7.966 8.844 10.530 12.131 12.351 10.956 70,4
Material eletrônico
e equipamentos de
comunicações 2.979 3.661 4.900 4.792 4.488 3.972 3.462 16,2
Aparelhos/instrumentos
médico-hospitalar,
medida e óptico 3.906 4.676 4.742 5.661 6.553 7.905 7.187 84,0
Caminhões e ônibus 1.642 2.266 2.628 2.084 2.407 2.959 2.719 65,6
Outros equipamentos
de transporte 5.956 5.797 4.875 5.484 7.528 9.459 7.405 24,3
Total máquinas e equip. 22.548 25.669 27.707 31.113 35.897 39.125 34.648 53,7
Participação % 1,75 1,65 1,61 1,63 1,67 1,63 1,35
Classes e atividades 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. %
2003-2009
Total Brasil 84.034.981 88.252.473 90.905.673 93.246.963 94.713.909 96.232.609 96.647.139 15,0
Máquinas para escritório e
equipamentos de informática 18.996 23.644 28.943 40.919 47.261 55.091 54.134 185,0
Máquinas, aparelhos
e materiais elétricos 159.503 179.076 190.165 207.396 212.465 257.158 248.588 55,9
Material eletrônico
e equipamentos de
comunicações 79.335 99.132 100.709 93.781 97.646 88.681 88.531 11,6
Aparelhos/instrumentos
médico-hospitalar, medida
e óptico 101.958 103.677 115.169 117.004 127.005 137.014 133.540 31,0
Caminhões e ônibus 19.307 25.395 25.237 21.191 22.687 24.764 23.956 24,1
Outros equipamentos
de transporte 80.372 95.711 101.854 116.585 121.985 126.568 114.838 42,9
Total máquinas e equip. 459.471 526.635 562.077 596.876 629.049 689.276 663.587 44,4
Tabela 2 Brasil – grupo máquinas e equipamentos – valor adicionado bruto por trabalhador (R$ MIL)
Uma análise da evolução da produção industrial por categoria de uso, com base nos
dados da Tabela 3, permite verificar que a categoria de bens de capital foi a que re-
gistrou as maiores taxas de crescimento da produção vis-à-vis as categorias de bens
intermediários e de bens de consumo.
Bens de Capital 193
Bens de consumo (2,7) 7,3 6,0 3,3 4,7 1,9 (2,7) 6,4 (0,5) 19
Bens de consumo 3,0 21,8 11,4 5,8 9,1 3,8 (6,4) 10,3 (2,0) 58
duráveis
Semiduráveis (11,2) 3,1 (1,6) (3,2) 3,1 (2,0) (10,2) 6,4 (9,0) (25)
Não duráveis (0,3) 3,3 8,6 3,3 2,0 2,5 0,2 4,2 0,9 42
Indústria geral 0,1 8,3 3,1 2,8 6,0 3,1 (7,4) 10,5 0,3 28
Categorias de uso 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Var. %
2003-2011/
1994-2002
Bens de capital 2,2 19,7 3,6 5,7 19,5 14,3 (17,4) 20,9 3,3 57
1. Bens de capital – 0,3 16,2 2,7 9,9 19,9 6,2 (23,4) 18,6 (2,2) 33
exclusive (2)
2. Equipamentos 7,0 28,3 5,4 (3,3) 18,5 34,2 (5,7) 24,5 11,6 148
de transporte
industrial
Tabela 5 Produção física industrial – bens de capital por finalidade (var. % em 12 meses
em relação ao mesmo período do ano anterior)
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Var. %
2003-2011/
1994-2002
Bens de capital 6,7 20,2 (2,2) 5,2 18,5 2,7 (31,6) 27,3 2,8 54
para fins industriais
Bens de capital agrícolas 21,9 6,4 (37,7) (16,5) 48,4 35,1 (28,5) 31,7 (4,4) 37
Bens de capital para construção (7,6) 38,0 32,0 8,2 18,7 4,8 (48,5) 95,8 5,6 94
Bens de capital para o setor de 10,0 12,5 28,5 22,2 26,0 12,0 (32,5) (3,8) (11,1) ND
energia elétrica
Bens de capital equipamentos 7,4 25,6 6,6 (1,6) 18,0 31,3 (8,8) 26,0 12,4 140
de transporte
Bens de capital de uso misto (3,5) 14,8 3,4 11,6 15,4 2,5 (14,7) 13,4 (4,4) 13
Segundo, com relação aos bens de capital para construção, sua produção apre-
sentou queda somente em 2003 e em 2009, movimento neutralizado pelo cresci-
mento ocorrido em anos anteriores.
E, terceiro, o forte crescimento da produção de bens de capital para equipamen-
tos de transporte no período 2003-2011, em comparação com igual período anterior.
Tabela 6 produção física industrial – bens de capital por atividade (var. % em 12 meses em
relação ao mesmo período do ano anterior)
Máquinas e equipaMenTos 4,7 21,1 1,4 (1,3) 25,3 15,5 (29,4) 38,6 (0,2)
Máquinas para esCriTório e 7,1 33,4 10,7 51,8 13,9 (5,7) (5,0) 12,8 (4,5)
equipaMenTos de inforMáTiCa
Máquinas, aparelhos e MaTeriais 1,8 11,9 17,5 23,4 26,0 10,6 (26,9) (0,1) (9,3)
eléTriCos
MaTerial eleTrôniCo, aparelhos e (11,6) 2,5 (6,8) (13,6) 15,2 (14,3) (27,7) (17,4) 6,9
equipaMenTos de CoMuniCações
VeíCulos auToMoTores 3,7 40,0 6,0 (4,2) 22,8 22,0 (21,0) 53,9 15,4
ouTros equipaMenTos de TransporTe 12,0 12,5 4,4 (1,7) 11,3 56,6 16,2 (4,2) 5,6
deMais aTiVidades (2,4) 8,3 (7,7) 14,0 2,4 2,3 (12,5) 13,7 (1,3)
3. A B AL ANÇ A c OME R c IA L D OS B E N S
DE c ApI TAL N O B R A S IL : pA R c E IR OS
c O M ER c I A IS E A pA U TA D E E Xp ORTAÇÃ O
E I M pO RTA Ç Ã O (2 0 0 3 -2 0 1 1 )
Um dos indicadores mais importantes para avaliar a viabilidade e a capacidade
de crescimento de um setor no longo prazo é seu desempenho na frente exter-
na. A situação da balança comercial, a evolução do saldo comercial ao longo do
tempo, as exportações e importações desagregadas por tipos de bens e países
de origem e destino são aspectos fundamentais nesse sentido. Assim, para ava-
liar o setor de bens de capital brasileiro em relação a seu desempenho no perío-
do 2003-2011 e às suas possibilidades de crescimento futuro, esta seção analisa
a balança comercial do setor, acompanhando sua evolução e os principais aspec-
tos de sua performance.
196 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
80.000
60.000
40.000
US$ MILHÕES; FOB
20.000
-20.000
-40.000
-60.000
Continuação
Máq. equip., ind. alimentos, bebidas e fumo (21) (119) (116) (248)
Colheitadeira 104 83 46 43
2007-2009
Importações 9,10 19 30
2009-2011
Importações 2,30 58 62
Exportações 10,40 30 44
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).
2003 2007
País de destino Posição US$ milhões Part. % País de destino Posição US$ milhões Part. %
Estados Unidos 1º 4.178 38,9 Estados Unidos 1º 6.277 20,9
Argentina 2º 959 8,9 Argentina 2º 4.661 15,6
México 3º 587 5,5 Venezuela 3º 1.739 5,8
Alemanha 4º 552 5,1 México 4º 1.540 5,1
Chile 5º 451 4,2 Alemanha 5º 1.296 4,3
China 6º 325 3,0 Chile 6º 1.226 4,1
Itália 7º 318 3,0 Colômbia 7º 984 3,3
África do Sul 8º 235 2,2 Canadá 8º 891 3,0
Colômbia 9º 182 1,7 Holanda 9º 775 2,6
Venezuela 10º 151 1,4 Peru 10º 695 2,3
Paraguai 11º 148 1,4 África do Sul 11º 685 2,3
Reino Unido 12º 145 1,4 Reino Unido 12º 564 1,9
França 13º 140 1,3 França 13º 532 1,8
Coreia do Sul 14º 128 1,2 Cingapura 14º 486 1,6
Venezuela 15º 127 1,2 Angola 15º 460 1,5
Subtotal - 8.627 80,3 Subtotal - 22.812 76,1
Mercosul** - 2.190 20,4 Mercosul** - 10.422 34,8
Total - 10.747 100,0 Total - 29.963 100,0
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.
* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.
Obs.: Em 2007, a China ocupava a 17ª posição, com US$ 429 milhões, como destino das exportações de bens de capital.
Bens de Capital 201
Como se viu, os preços das importações subiram apenas 21% em todo o período, bem
abaixo dos preços das exportações. Essa redução no preço relativo das importações
deslocou a demanda das empresas para os bens de capital importados, o que au-
mentou o quantum de importações e agravou o déficit comercial do setor. De fato,
202 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Continuação
2003 2007
País de origem Posição US$ milhões Part. % País de origem Posição US$ milhões Part. %
França 8º 541 3,8 França 8º 1.611 3,8
Suécia 9º 395 2,7 Taiwan 9º 1.548 3,7
Espanha 10º 394 2,7 Cingapura 10º 994 2,4
Suíça 11º 373 2,6 Malásia 11º 886 2,1
Reino Unido 12º 348 2,4 Suécia 12º 858 2,0
Taiwan 13º 273 1,9 Espanha 13º 799 1,9
Cingapura 14º 227 1,6 Suíça 14º 601 1,4
México 15º 165 1,1 Reino Unido 15º 553 1,3
Subtotal - 12.760 88,6 Subtotal - 36.641 86,9
Mercosul** - 682 4,7 Mercosul** - 1.843 4,4
Total - 14.399 100,0 Total - 42.167 100,0
2009 2011
País de origem Posição US$ milhões Partic. % País de origem Posição US$ milhões Partic. %
Estados Unidos 1º 9.086 19,6 China 1º 16.794 22,8
China 2º 8.913 19,2 Estados Unidos 2º 12.760 17,4
Alemanha 3º 4.633 10,0 Alemanha 3º 7.411 10,1
Japão 4º 3.243 7,0 Japão 4º 4.541 6,2
Coréia do Sul 5º 2.463 5,3 Coréia do Sul 5º 4.378 6,0
Argentina 6º 2.218 4,8 Itália 6º 3.528 4,8
Itália 7º 2.051 4,4 Argentina 7º 3.266 4,4
França 8º 1.525 3,3 França 8º 2.158 2,9
Taiwan 9º 1.405 3,0 Taiwan 9º 1.887 2,6
Malásia 10º 800 1,7 Malásia 10º 1.372 1,9
Finlândia 11º 786 1,7 Suécia 11º 1.351 1,8
México 12º 714 1,5 Suíça 12º 1.121 1,5
Espanha 13º 699 1,5 Espanha 13º 1.110 1,5
Suécia 14º 687 1,5 México 14º 1.031 1,4
Tailândia 15º 649 1,4 Reino Unido 15º 1.015 1,4
Subtotal - 39.872 86,0 Subtotal - 63.724 86,7
Mercosul** - 2.341 5,0 Mercosul** - 3.525 4,8
Total - 46.387 100,0 Total - 73.523 100,0
tas cobradas entre eles são inferiores às aplicadas ao resto do mundo, tornando os
produtos brasileiros relativamente mais baratos.
Por outro lado, seria de esperar que as tarifas protecionistas impostas pelo bloco
ao resto do mundo desestimulassem a penetração de produtos estrangeiros nos países-
-membros. Entretanto, isso não ocorreu, e tais tarifas não se mostraram suficientes para
evitar a elevação do coeficiente de penetração1 de máquinas e equipamentos no
Brasil – que registrou um aumento de 22,3%, em 2003, para 36,6%, em 2010 – nem
tampouco para conter a entrada de produtos chineses, que, conforme visto, é crescente.
Assim, as medidas de defesa comercial adotadas acabam por expor a fragilidade
nas condições de competitividade da indústria brasileira de bens de capital, que tem
a ver com os níveis de produtividade dessa indústria. Políticas de reserva de mercado,
sem estímulos mais agressivos ao aumento da produtividade, tendem, no longo prazo,
a reduzir ainda mais a capacidade competitiva da economia. Desse modo, os dados
expostos trazem à tona a necessidade, por parte do BNDES, de adoção de medidas
que caminhem em direção ao aumento da produtividade e, em especial, ao desenvol-
vimento de novas tecnologias nas empresas pertencentes ao setor de bens de capital.
Fonte: OMC.
1
O coeficiente de penetração das importações refere-se à parcela do consumo aparente – isto é, da produção interna subtraída das
exportações e acrescida das importações – que é atendida pelas importações.
BENS DE CAPITAl 205
4. O f I NANc I A M E N T O D O B N D E S
AO S ETO R D E B E N S D E c A p ITA L
NO pER Í O D O 2 0 0 3 -2 0 1 1
fonTes de finanCiaMenTo: produTos e proGraMas
2
valores correntes atualizados para 2011 com base no índice de preços de bens de capital, da fundação Getulio vargas (fGv). todos
os valores referidos nesta seção foram atualizados para 2011.
206 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
foram aumentados de 4,5% para 5,5% a.a., no caso de bens de capital mecânicos,
e de 5,5% para 8% a.a. para caminhões e ônibus. Em abril de 2011, outra alteração
se seguiu: as taxas de juros foram elevadas para 10% a.a. nos financiamentos a
caminhões e ônibus e para 6,5% a.a. para os demais bens de capital adquiridos por
micro, pequenas e médias empresas, ou 8,7% a.a. para as grandes empresas. Ao
mesmo tempo, foram criadas taxas menores para a inovação tecnológica (4% a.a.)
e a aquisição de componentes de bens de capital (5% a.a.). O Procaminhoneiro –
programa específico para aquisição de caminhões por parte das pessoas físicas ou
empreendedores individuais – teve sua taxa alterada para 7% a.a.
A participação nos financiamentos também sofreu alterações. Para as micro,
pequenas e médias empresas, passou de 100% para 90%, na aquisição de outros
bens de capital, e para 80%, na aquisição de ônibus e caminhões. Para as grandes
empresas, a participação caiu de 80% para 70%. Essas alterações não foram ca-
pazes de mudar a trajetória de crescimento das operações aprovadas, que conti-
nuaram em ascensão, saltando de R$ 34,6 bilhões, em 2009, para R$ 69,7 bilhões,
em 2010. Somente em 2011, por conta de outros fatores, houve um declínio para
R$ 55,5 bilhões3 nas operações, que ainda assim se mantiveram em um patamar
muito superior aos observados antes de 2009.
Aprovações Desembolsos
R$ milhões Δ% R$ milhões Δ%
2003 15.562 - 12.609 -
2004 15.664 1 14.499 15
2005 14.403 (8) 13.682 (6)
2006 15.224 6 14.609 7
2007 24.316 60 22.808 56
2008 30.023 23 28.482 25
2009 34.650 15 25.366 (11)
2010 69.669 101 54.211 114
2011 55.532 (20) 52.400 (3)
2003-2011 275.042 - 238.666 -
Fonte: BNDES.
3
Todos os valores considerados a preços constantes de 2011.
Bens de Capital 207
55.532
60.000
R$ MILHÕES, A PREÇOS CONSTANTES DE 2011
50.000
34.650
40.000
24.316
30.000
15.562
20.000
10.000
0
2003 2007 2009 2011
Fonte: BNDES.
80.000 73.252;
nov. 2010
70.000
55.925;
dez. 2011
60.000
50.000 52.763;
R$ MILHÕES
dez. 2011
40.000
30.000
24.366,4;
20.000
out. 2009
10.000
0
dez. 2006
dez. 2003
dez. 2004
dez. 2005
dez. 2000
dez. 2001
dez. 2002
dez. 1998
dez. 1999
abr. 2005
abr. 2006
abr. 2007
abr. 2002
abr. 2003
abr. 2004
abr. 1999
abr. 2000
abr. 2001
ago. 2006
ago. 2007
ago. 2003
ago. 2004
ago. 2005
ago. 2001
ago. 2002
ago. 1999
ago. 2000
Aprovações Desembolsos
Fonte: BNDES.
208 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Continuação
Fonte: BNDES.
* Programa do Finame, Finame Leasing e Finame Agrícola.
4
A relação dos equipamentos que compõem cada um desses grupos é apresentada no Apêndice deste estudo.
Tabela 16 Grupos de equipamentos financiados por programas do Finame (2003-2011)
Fonte: BNDES.
211
212 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Por meio do PSI, foram destinados R$ 111,4 bilhões para aquisição de equi-
pamentos nesse período. Desse total, 46% foram para transportes, 18% para
equipamentos agrícolas, 16% para equipamentos industriais e 12% para equipa-
mentos de infraestrutura.
O conjunto de programas não classificados no PSI financiou o montante de
R$ 153,7 bilhões. Desse total, 55% foram para equipamentos de transportes, 18%
para equipamentos agrícolas, 12% para equipamentos industriais e 9% para equi-
pamentos de infraestrutura.
O Modermaq financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 12,7 bi-
lhões. Os principais foram equipamentos industriais, com 45% do total, e equipa-
mentos de infraestrutura, com 29%.
O Provias financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 1,0 bilhão.
Desse total, 64% foram aplicados em equipamentos de infraestrutura e 36% foram
para equipamentos de transporte.
O Finame Componentes financiou R$ 489 milhões. Desse total, 19% foram para
equipamentos de geração e distribuição de energia e 81% para outros equipamentos.
Por meio do Revitaliza, foram direcionados R$ 142 milhões para aquisição
de equipamentos. Desse total, 56% foram para equipamentos industriais, 20%
para equipamentos de geração e distribuição de energia, 10% para equipamen-
tos de infraestrutura e os demais 4% para outros equipamentos.
O Programa Moderniza BK, com operações aprovadas no valor de R$ 164 mi-
lhões, financia uma grande diversidade de máquinas e equipamentos, em geral per-
tencentes ao grupo de outras máquinas e equipamentos. O programa Moderfrota,
com R$ 16,7 bilhões de financiamentos, concentra os recursos especificamente em
máquinas e equipamentos agrícolas, assim como o Moderinfra, com R$ 1,17 bilhão
em operações aprovadas.
Continuação
5. DES Af I O S E p E R S p E c T IVA S
Na última década, uma série de fatores contribuiu para alterar bastante o ambien-
te econômico e tecnológico de empresas e nações. Entre os mais significativos es-
tão as mudanças nas relações geopolíticas entre Oriente e Ocidente, o crescimento
mundialmente disseminado da informação digital, o avanço da infraestrutura física
e financeira, as tecnologias computadorizadas de produção, bem como a prolifera-
ção de acordos bilaterais e multilaterais de comércio.
Esse fenômeno, intitulado genericamente de globalização, tem gerado profun-
do impacto sobre as possibilidades de crescimento mundial. Para os países em de-
senvolvimento, representa um fator de transformação de suas economias, incluin-
do mudanças drásticas na natureza da competição com os países desenvolvidos.
Analogamente, para as indústrias – em particular, a brasileira –, significa exposição
a forças competitivas que, embora não sejam necessariamente novas, estão se tor-
nando cada vez mais complexas e difíceis de mitigar.
Nesse contexto, o aumento da competitividade figura como o principal desafio
imposto às empresas implantadas no país, que serão obrigadas a enfrentar ques-
tões envolvendo custos de produção, qualidade dos produtos, gargalos estruturais,
qualificação da mão de obra e atraso tecnológico.
Bens de Capital 215
Inovação
5
A Pintec é realizada pelo IBGE, com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação.
Bens de Capital 217
6
De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial (2012), nem o gasto absoluto em P&D, nem o P&D como percentagem do
PIB são indicadores eficazes da efetividade da inovação. Apesar do gasto absoluto relativamente baixo em P&D, Suíça e Suécia estão
entre os países mais inovadores do mundo. Enquanto isso, a China tem o segundo maior gasto absoluto em P&D, mas figura na
29ª posição do Índice de Inovação Global. Não obstante, tal paisagem irá se modificar de alguma forma, dado o crescente foco das
nações emergentes em inovação.
218 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
6. c O Nc L US Õ E S
Em relação aos propósitos e resultados apresentados ao longo deste trabalho sobre
a indústria de bens de capital nacional, algumas conclusões surgem naturalmente.
Conforme se mostrou na segunda seção, no período 2003-2009 a produtividade
média do segmento produtor de máquinas e equipamentos no Brasil foi superior
à observada para a economia, com destaque para a categoria de caminhões e ôni-
bus. No entanto, o crescimento do segmento ocorreu abaixo da produtividade de
alguns outros isoladamente, dando mostras de certa estagnação.
220 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Apêndi c e
Classificação dos equipamentos CNAE2.0 e CNAE 2.0 Resumido
Equip. destino Grupo CNAE 2.0-Resumido (IBGE)
Caminhões
Veículos ferroviários
Aeronaves
1. Transporte Outros equip. transporte
Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras
Outras máquinas e equipamentos industriais
Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica
Máquinas-ferramenta
Maq. equip. extração mineral e construção
Máquinas para siderurgia e metalurgia
Máq. equip. ind. alimentos, bebidas e fumo
Máq. e equip. para ind.têxtil
Máq. e equip. p/ ind. couros e calçados
Máq. e equip. para ind. celulose, papel e papelão
Máq. e equip. para ind. do plástico
Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras
Equipamentos p/ ind. de cerâmica
2. Industrial Outras máquinas e equipamentos industriais
Tratores agrícolas
Colheitadeiras
Equip. para Irrigação
Outros equipamentos e implementos agrícolas
3. Agrícola Máq. e equip. para beneficiamento e armazenagem
Máq. e equip. p/ terraplanagem, pav. e construção (exceto tratores)
Máq. e equip. de uso na extração mineral e na construção
4. Infraestrutura Equipamentos de infraestrutura diversos
Equip. de energia eólica
Equip. de energia solar
Geradores, transformadores e motores elétricos
Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica
5. Equip. p/ geração e distrib. energia Fabricação de motores e turbinas
6. Equipamentos para Informática e
Telecomunicações Equip. de informática e telecomunicações
7. Equip. médico-hospitalares e
laboratórios Instr. e mat. p/ uso médico, odontológico e art. óticos
Outros equip. e aparelhos elétricos
Motores, bombas, compressores e válvulas
8. Outros equipamentos Equipamentos diversos
Bens de Capital 223
R e f er ên c ias
Além, A. C.; Pessoa, R. M. O setor de bens de capital e o desenvolvimento econômico:
quais são os desafios? BNDES Setorial, n. 22. Rio de Janeiro: BNDES, 2005.
Nassif, A.; Ferreira, T. T. O setor de bens de capital: diagnóstico e perspectivas. In: Além, A.;
Giambiagi, F. (coords.). O BNDES em um Brasil em transição. Rio de Janeiro: BNDES, 2010.
Silveira, I. O setor de bens de capital. In: Gomes, A. C. S.; Albarca, C. D; Faria, E. S. T.;
Fernandes, H. H. (coords.). BNDES 50 anos: histórias setoriais. Rio de Janeiro: BNDES, 2002.
*Respectivamente engenheiro, gerente setorial e chefe do Departamento da Cadeia Produtiva de P&G da Área de Insumos Básicos
do BNDES. Os autores agradecem a preciosa ajuda de Rodrigo Antônio Parra Romeiro e Giovani Cavalcanti Nunes na discussão sobre
as perspectivas tecnológicas do segmento de exploração e produção offshore do setor de P&G nacional.
CADEIA DE Petróleo e Gás 225
R ES UM O
As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada de pré-sal
e a perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos
próximos anos transformaram significativamente o cenário do setor de petróleo e
gás (P&G) no Brasil. A localização dessa nova fronteira exploratória, a grandes dis-
tâncias da costa e em elevadas profundidades, em conjunto com a magnitude das
reservas e as características do óleo encontrado, criam um novo paradigma para o
segmento de Exploração e Produção offshore no país, sobretudo do ponto de vista
do desenvolvimento tecnológico. Os elevados investimentos que serão realizados,
aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem a continuidade
indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações incrementais e
rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova indústria nacio-
nal do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é patente que a indústria
brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a
uma posição de destaque, senão de liderança no uso de novas tecnologias no setor
que inevitavelmente deverão ser desenvolvidas. O desenvolvimento de uma cadeia
nacional de fornecedores de bens e serviços, pelo seu perfil caracteristicamente
multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades positivas para
os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de estratégias para a
promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico ganha significativa relevân-
cia. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas públicas do
setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo cenário, suas
oportunidades e riscos associados. A discussão que se coloca neste artigo conside-
ra esses aspectos, focando na dinâmica do segmento de E&P offshore, apontando
algumas das diversas inovações que deverão ser desenvolvidas nos próximos anos
e apresentando, a partir da discussão dos papéis que os diversos atores públicos e
privados poderão assumir na dinâmica de desenvolvimento futura, algumas das
possíveis estratégias a serem adotadas no âmbito das políticas públicas para a pro-
moção do desenvolvimento competitivo e sustentável de uma cadeia nacional de
fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G.
226 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
AB S TR AC T
Discoveries of giant oil and gas reserves in the pre-salt layer and the perspective of
increased growth in national production of these inputs over the coming years have
significantly transformed the scenario of Brazil’s Oil & Gas (O&G) sector. The location
of this new exploration front, far from the shores and at great depths, coupled with
the magnitude of the reserves themselves and the characteristics of the oil found,
have created a new paradigm for the offshore Exploration and Production (E&P) of
O&G in the country, above all from the perspective of technological development.
The high investments to be made, together with the long-term characteristics of
the project, offer indispensable continuity to disruptive innovation, and not just
routine and incremental innovation, which may contribute to setting up a new
national oil industry. From every angle, it is patently clear that the Brazilian oil
industry has been offered a rare opportunity which may put it in the spotlight,
and maybe even in the leadership in terms of use of new technology within the
sector, which will inevitably be developed. Development of a national supply
chain of goods and services, due to its multi-sectorial profile, has the potential to
generate important positive externalities for other sectors in the economy. In this
context, formulating strategies to foster industrial and technological development
has gained significant importance. Discussing alternatives and paths to be taken in
public policy in the sector should obligatorily take into account the understanding
of this new scenario, its opportunities and the risks associated. The discussion in
this article takes these aspects into consideration, focusing on the dynamics of the
offshore E&P sector, highlighting some of the diverse innovation that is expected to
be developed in the coming years. Furthermore, based on the discussion concerning
the role that diverse public and private players may take on in the future dynamics
of development, it presents some of the possible strategies to be adopted within
the scope of public policy to foster competitive and sustainable development of a
national O&G supply chain.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 227
1. i nTR O DUÇ Ã O
o setor de petróleo e gás (P&G) no Brasil vive um momento positivo e está inseri-
do em um cenário completamente distinto ao observado nas últimas décadas. o
peso relativo que esse setor vem ganhando na economia nacional demonstra sua
importância no que tange ao impacto macroeconômico que decorrerá das ativida-
des relacionadas a ele. A descoberta de novas reservas e o expressivo aumento da
produção de óleo e gás que se esperam nos próximos anos implicam uma mudança
de paradigma, com o país adquirindo o potencial de ser importante exportador1
de óleo e gás e entrando para um seleto grupo entre os maiores países produtores
desses insumos.
os elevados investimentos previstos revelam o tamanho das oportunidades
para o desenvolvimento da indústria brasileira. trata-se do setor da economia
nacional que mais investirá, o qual conta com a empresa que tem hoje o maior
plano de investimentos do mundo, a Petrobras. Além disso, os investimentos das
demais operadoras vêm crescendo no período recente.2 Em conjunto com a de-
manda interna expressiva, a Política de Conteúdo local assume papel central no
estímulo à indústria brasileira, em um cenário que possibilita a realização de um
planejamento sólido e de longo prazo. A economia, forte e estável, e um parque
industrial diversificado criam as condições necessárias para um importante salto
de qualidade da indústria.
Ao mesmo tempo em que as oportunidades são muitas e o momento é único,
os desafios são também significativos. Políticas públicas deverão ser construídas
para estimular, de forma eficiente e sustentável, a competitividade da indústria
nacional, por meio do aumento de sua capacidade produtiva para o fornecimento
de bens e para prestação de serviços, da elevação da qualificação técnica e profis-
sional e, sobretudo, do desenvolvimento tecnológico e da inovação. A capacidade
1
Apesar de o Brasil exportar certo volume de petróleo e já ter atingido a autossuficiência, o cenário que se vislumbra abre grandes
oportunidades para o crescimento significativo da exportação desse insumo no país. Outro aspecto relevante é que o petróleo
tipicamente exportado no presente é um óleo pesado, enquanto o petróleo encontrado no pré-sal é um óleo leve de excelente
qualidade e, portanto, de maior valor no mercado.
2
Cabe ressaltar que grande parte dos investimentos das demais operadoras vem sendo realizado em parceria com a Petrobras.
228 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
das empresas em inovar deve estar no centro da discussão e será, como pode se ver
mais adiante, parte vital e condição necessária para o processo de desenvolvimento
do setor.
Diante desse cenário, cabe ressaltar que no segmento de exploração e pro-
dução (E&P) offshore de óleo e gás se localizam as maiores oportunidades para o
desenvolvimento da indústria nacional, seja em relação à escala dos investimentos,
seja na agregação de valor de suas atividades, ou ainda, pela inter-relação que
este mantém com os demais setores da economia. Este último aspecto abre inte-
ressantes alternativas para o adensamento de diversas cadeias de fornecimento
existentes. Assim, discutir a dinâmica desse segmento é de suma importância para
a formulação das estratégias voltadas para o desenvolvimento industrial e tecnoló-
gico do país nos próximos anos.
Por esses motivos, uma abordagem construída não apenas na oferta dos diver-
sos setores da economia como entidades estanques e sem relação entre si, mas, so-
bretudo, no estabelecimento de ações estruturadas que combinem as necessidades
em diversos dos segmentos da indústria e no entendimento do papel de cada um
destes para o atendimento às demandas relacionadas às atividades de exploração
e produção offshore de óleo e gás, representa uma mudança de visão significativa.
Essa abordagem pode ser entendida pela cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados ao setor de petróleo e gás natural, a qual envolve diversos atores e um
perfil caracteristicamente multissetorial.
A discussão que se estabelece neste artigo considera esses aspectos focando na
dinâmica do segmento de E&P offshore e nas estratégias para o desenvolvimento
de sua cadeia de fornecedores de bens e serviços. Para isso, será exposto um históri-
co resumido da trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore nacional,
seguido de uma contextualização das principais ações institucionais ocorridas no
setor no período de 1997 a 2012. Posteriormente, será realizada uma caracteriza-
ção da cadeia de fornecedores de bens e serviços, apontando o perfil das empresas
que a compõem. Na sequência, discutem-se algumas das inovações e possíveis rotas
tecnológicas associadas ao cenário que se vislumbra, dadas as características da ex-
ploração e produção nos reservatórios da camada de pré-sal e o porte dos investi-
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 229
2. Hi S TÓ R i C O D O D E S E n VOLViM E n T O DO
S EGM EnTO D E E & P OF F S H OR E n A C iOn A L
A trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore no país está inti-
mamente ligada à evolução das atividades de perfuração em lâminas d’água de
maior profundidade. Compreender essa trajetória passa pelo conhecimento do
histórico das principais descobertas e marcos da exploração e produção de óleo
e gás na costa brasileira, assim como de sua relação com a dinâmica do setor nas
últimas décadas.
o início da atividade de exploração e produção marítima de petróleo e gás
remonta ao ano de 1961, quando a Petrobras inicia a busca por campos de óleo e
gás na plataforma continental3 em uma faixa marítima que vai do Espírito santo ao
Maranhão. A criação pela Petrobras de seu centro de pesquisa, o Cenpes, em 1968,
o qual, apesar de ter seu foco de atuação voltado, inicialmente, para o segmento
de downstream,4 demonstra a percepção, por parte da empresa, da necessidade de
geração de conhecimento voltada para as demandas tecnológicas do setor.
o primeiro grande resultado da busca por acumulações de óleo e gás na pla-
taforma continental data do início da década de 1970, quando foi descoberta pela
Petrobras a província petrolífera da Bacia de Campos, no rio de Janeiro. Nessa
mesma década, os dois choques do petróleo, em 1973 e 1979, com a consequente
elevação do preço do óleo no mercado mundial, tornaram a produção offshore
viável economicamente.
3
A plataforma continental se situa na orla dos continentes e tem profundidade máxima de 200 m.
4
Envolve as atividades de refino, transporte e comercialização ligadas ao setor de P&G.
230 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
5
Águas rasas vão até uma profundidade de 400 m; águas profundas até 1.000 m; e, a partir daí, são denominadas ultraprofundas.
6
Projetos turn-key são caracterizados pela contratação a preços e prazos definidos de pacotes fechados, nos quais o contratado entrega
ao contratante, no caso a operadora de P&G, o projeto pronto para entrada em operação. Em alguns casos, a contratação em pacotes
fechados prejudica o fornecimento local, mesmo quando este tem competitividade em relação a seus concorrentes estrangeiros.
7
EPCistas são empresas tipicamente contratadas para a realização e gestão de projetos complexos envolvendo a construção de
grandes sistemas. Atuam nas atividades de engenharia, contratação do fornecimento e construção do empreendimento (EPC é a
sigla de Engineering, Procurement and Construction).
CADEIA DE Petróleo e Gás 231
8
Upstream é um termo usado na indústria para se referir ao segmento de exploração e produção (E&P).
9
Estimativas realizadas pela Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip/Booz) indicam uma demanda por bens e serviços
ligados ao segmento de E&P de aproximadamente US$ 400 bilhões entre 2010 e 2020.
10
A camada de pré-sal tem espessura irregular variando entre 1.000 e 2.000 m e é constituída por um tipo de rocha formada
exclusivamente de sal petrificado no fundo dos oceanos, comprimido sob outras lâminas menos densas e que formam a crosta
oceânica. Essa formação é típica no litoral brasileiro e inédita no setor de P&G, criando condições propícias para a acumulação e
aprisionamento de óleo e gás abaixo dela.
232 BNDEs 60 ANos – PErsPECtIVAs sEtorIAIs
3. EV O L UÇ ÃO D O A R C A B OU Ç O
i nS Ti TUC i O n A L
Na presente seção será traçado um breve panorama dos principais marcos da evolu-
ção do arcabouço institucional do setor de P&G nacional nas décadas de 1990 e 2000.
11
A primeira rodada de licitação foi realizada em 1999 e a última no fim de 2008.
CADEIA DE Petróleo e Gás 233
12
Nesse período, o contexto macroeconômico e institucional do país era distinto do momento atual. O preço do petróleo oscilava
em torno de US$ 18/bbl e as reservas consistiam em campos de petróleo pesado e de baixa qualidade. Com o passar dos anos,
ocorreram diversas mudanças positivas em relação à situação econômica e institucional do país, e o preço do petróleo passou para
um patamar bastante diferente, em torno de US$ 100/bbl.
13
Em alguns casos, na admissão temporária fora do Repetro, o recolhimento dos tributos é proporcional ao tempo de permanência
do bem no país. O intuito da admissão temporária é permitir a entrada de um determinado bem no país por um breve período de
tempo, sabendo-se que este bem posteriormente voltará para o exterior.
234 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
14
Apesar do emprego do termo admissão temporária, em situações práticas, por exemplo, quando ocorre a importação de uma
plataforma, a qual permanecerá no país por um longo período, cerca de 25 anos, suspende-se os tributos de importação, segundo a
justificativa de que esta voltará para o exterior depois desse período.
15
Por exemplo, no caso da Petrobras, as plataformas que são construídas no país são exportadas fictamente para Petrobras
Netherlands B.V. (PNBV), que por sua vez afretam as plataformas para Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) aqui no Brasil. Assim, o
regime favorece o aumento de ativos da empresa no exterior.
16
A principal assimetria tributária em decorrência do Repetro é ocasionada pelo ICMS.
CADEIA DE Petróleo e Gás 235
pago pelo afretamento é abatido do imposto de renda aqui no país como des-
pesa operacional.17
Não há dúvida, todavia, que o Repetro contribui para desonerar investimentos
no setor de P&G no Brasil, país que à época de sua criação apresentava perspecti-
va não tão promissora de exploração e produção de óleo e gás.18 Também não se
discute a importância que este representa para reduzir custos e elevar a competi-
tividade das operadoras de P&G, papel importante que vem sendo desempenhado
desde seu início. No entanto, uma discussão que assume grande importância no
âmbito da Política Industrial e nas demais ações voltadas para o desenvolvimento
das empresas fornecedoras refere-se à amplitude restrita desse regime, a qual tem
o potencial de criar, como abordado, uma desvantagem competitiva para as em-
presas instaladas no país. Discutir tais questões de forma mais detida é vital para a
construção de um cenário favorável ao desenvolvimento industrial do setor.
17
A operadora proprietária da plataforma prefere pôr sua propriedade em uma subsidiária no exterior e afretá-la para sua empresa
no Brasil a contabilizar o ativo no Brasil. Esse mecanismo permite à operadora pagar menos impostos, uma vez que a alíquota do
imposto de renda de onde se localiza a subsidiária é menor do que a daqui.
18
Na época da criação do Repetro, o preço do barril de petróleo oscilava na faixa de US$ 18/bbl (preços correntes do óleo tipo WTI) –
segundo dados consultados pelos autores no U.S. Energy Information Administration (EIA) em 2011 –, e as reservas consistiam em
campos de petróleo pesado. Atualmente o preço do petróleo está em um patamar bastante superior, de cerca de US$ 100/bbl, e as
reservas do pré-sal revelam um óleo leve de melhor qualidade.
19
O Prominp conta com a participação de diversas instituições públicas e privadas. A coordenação geral do Prominp é de
responsabilidade do Ministério de Minas e Energia.
236 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
20
A qualificação de mão de obra engloba profissionais de diversos níveis: básico, médio, técnico, inspetores, e superior.
21
Antes da sétima rodada, realizada em 2005, já havia compromisso de conteúdo local. No entanto, a mesma era realizada de forma
declaratória pelas próprias operadoras. Além disso, havia muito questionamento em relação ao método de apuração do conteúdo
local. Somente a partir da sétima rodada, a metodologia de apuração foi padronizada, exigindo a certificação por empresas
independentes. A metodologia adotada pela ANP foi desenvolvida no âmbito do Prominp e baseada em metodologia do BNDES.
22
Podem ser citados como exemplos de consequência da Política de Conteúdo Local a instalação de uma fábrica de montagem da
Rolls Royce para turbogeradores a gás com conteúdo local de 50% e a construção de vários centros de pesquisa e desenvolvimento
no país por parte de diversas multinacionais. Além disso, ao atrair uma empresa estrangeira de porte da Rolls Royce para fabricar
algo que o país não produz, será necessário desenvolver fornecedores localmente, e/ou atrair alguns de seus fornecedores
internacionais para o país.
CADEIA DE Petróleo e Gás 237
cida por ser um país competitivo e com alta tecnologia em bens e serviços para a
exploração e produção de petróleo no mundo, bem como é um dos países de maior
renda per capita e qualidade de vida do planeta. Grande parte desse panorama foi
possível pelo sucesso obtido na implantação de políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento do setor de P&G local, motivadas pelas descobertas de petróleo
no Mar do Norte a partir do fim da década 1960, dentre as quais se destaca a elabo-
ração de uma Política de Conteúdo Local, a criação da Statoil (empresa controlada
pelo estado), a criação de um fundo soberano, disponibilidade de financiamento
público, incentivos para investimentos em P&D, políticas de transferência de tecno-
logia, investimentos públicos em áreas como infraestrutura, entre outras ações para
o desenvolvimento do setor e da cadeia produtiva de petróleo e gás norueguesa.23
Depreende-se dos exemplos anteriores, que a adoção de uma política de conteú-
do local tem o potencial de ser parte importante da dinâmica de desenvolvimento
das empresas fornecedoras de bens e serviços da cadeia produtiva de P&G. Cabe
destacar que esta, apesar do potencial de ser um poderoso instrumento para o
desenvolvimento da indústria local, deve estar sempre muito bem calibrada, a fim
de que se desenvolva uma cadeia produtiva sustentável economicamente e compe-
titiva internacionalmente.
23
Outro exemplo seria o caso da Coreia do Sul. Na década 1960, a Coreia do Sul era um país muito pobre, com nível de
desenvolvimento similar a alguns países africanos. A partir das décadas de 1960 e 1970, a Coreia do Sul implantou políticas
econômicas espelhadas naquelas que promoveram o desenvolvimento do Japão no passado. Muitas dessas políticas se assemelham
às políticas econômicas norueguesas. A Coreia do Sul conseguiu desenvolver sua indústria naval, de eletrônicos de alta tecnologia,
automobilística etc. Algumas décadas depois de adotar essas políticas econômicas, a Coreia do Sul ultrapassava o Brasil em nível
de desenvolvimento e de renda per capita. Hoje, a Coreia do Sul é reconhecida como um país de alta tecnologia, produzindo e
desenvolvendo navios, plataformas e sondas para o setor de petróleo e gás, automóveis, celulares e tablets de última geração.
24
Estão sendo levadas em consideração apenas algumas ações da Petrobras para o fortalecimento da cadeia produtiva de petróleo e
gás brasileira, e não seus custos de oportunidades.
238 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
tar a construção completa de suas plataformas e sondas no país. Além disso, decidiu
construir novas refinarias no Nordeste brasileiro.25
Foi possível, priorizando o direcionamento de parte de sua demanda de bens
e serviços para o Brasil, reativar e construir novos estaleiros para navios de apoio e
estaleiros de grande porte para a construção de navios petroleiros, plataformas e
sondas. Ademais, a Petrobras intensificou acordos de cooperação com diversas em-
presas e universidades no Brasil para desenvolver soluções para suas necessidades.
Antes mesmo das obrigações de conteúdo local, suas ações se voltaram para
o desenvolvimento de fornecedores locais brasileiros, caso estes atendessem aos
requisitos técnicos a custos compatíveis, ou ainda, para a atração de fornecedores
estrangeiros para se instalarem no país. Com a instituição da Política de Conteúdo
Local, essas ações proativas para desenvolver a cadeia de petróleo e gás brasileira
se tornaram compromissos, metas e necessidades formais. Cabe destacar que a Pe-
trobras sempre procurou desenvolver uma cadeia de petróleo e gás nacional com-
petitiva, a fim de reforçar sua posição no mercado e permanecer como um grande
ator no setor de petróleo e gás mundial.
Por fim, depois da descoberta de petróleo na camada de pré-sal, a Petrobras
reviu seu plano estratégico26 e intensificou seus investimentos no Brasil, em especial
no segmento de exploração e produção offshore de P&G, gerando uma demanda
de centenas de bilhões de dólares de bens e serviços de sua cadeia de fornecedores.
25
No Plano de Negócios da Petrobras, estão previstos, além do projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj),
investimentos para a construção da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) em Pernambuco e para as refinarias Premium I (Maranhão) e
Premium II (Ceará).
26
A Petrobras reduz sua preocupação com a inserção de petróleo pesado no mercado internacional e com a busca de descobertas
no exterior.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 239
4. C AR AC TER iZ A Ç Ã O D A C A D E iA D E
f O R nEC ED OR E S D E B E n S E S E RViÇ OS
R EL AC i O nA D OS A O S E T OR D E P & G
A cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G envolve
diversos segmentos da indústria e uma complexa rede de inter-relações com os de-
mais setores da economia. Entende-se aqui como cadeia de fornecedores o conjun-
to de empresas que produzem bens e/ou prestam serviços, direta ou indiretamente,
para as atividades de exploração, desenvolvimento, produção de petróleo e gás,
refino, petroquímica, transporte, estocagem e distribuição de derivados.
A cadeia de fornecedores de bens e serviços pode ser estratificada em elos, nos
quais estão presentes empresas de diferentes ramos e atividades. Em regra geral, no
primeiro elo de fornecimento encontram-se as empresas que fornecem bens e pres-
tam serviços de forma direta às operadoras do setor de petróleo, como os EPCistas,
construtores, fabricantes de equipamentos submarinos, integradores, prestadores de
serviços de engenharia e de outros serviços, entre outros. No segundo elo, estão os
27
Condição necessária, mas não suficiente. Para aumentar a competitividade da cadeia ou da indústria, há necessidade de se adotar
outras medidas relacionadas à macroeconomia, microeconomia, tributárias, infraestrutura etc. Tais medidas vão além do escopo
deste artigo.
28
O modelo de partilha se aplica aos campos de petróleo na camada de pré-sal não licitados até aquela data.
29
O modelo de concessão é válido para todos os contratos já licitados, até mesmo para aqueles onde houver petróleo na camada de
pré-sal.
240 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
fornecedores de bens e serviços para as empresas do primeiro elo, por exemplo, fa-
bricantes de turbinas, guinchos e guindastes, geradores, prestadores de serviços de
engenharia etc. O terceiro elo é composto por fabricantes de insumos ou ferramen-
tas e equipamentos especiais ou específicos para a construção de bens de capital e
prestação de serviços necessários para o setor de P&G, como fabricantes de aços es-
peciais, forjados, fundidos, flanges, conexões etc. Esse desdobramento pode atingir,
para algumas das subcadeias de fornecimento, níveis inferiores a esses.
Cabe destacar que um fornecedor, dependendo da atividade a ser desenvol-
vida e de seu cliente, pode estar, ao mesmo tempo, em diferentes elos da cadeia.
É bastante comum haver, por exemplo, fabricantes de equipamentos que forne-
çam diretamente às operadoras de P&G e, ao mesmo tempo, para intermediários,
como os EPCistas ou fornecedores de equipamentos de grande porte. Isso pode
ocorrer também com o segmento de prestação de serviços, a exemplo dos serviços
de engenharia.
No caso do segmento de E&P offshore, as demandas técnicas, tecnológicas e
de segurança existentes exigem o desenvolvimento de bens e serviços de eleva-
da complexidade. Portanto, suas atividades revelam, em geral, maior potencial de
agregação de valor e densidade tecnológica que nos demais segmentos da cadeia
de valor do setor. Por esses motivos a análise exposta no artigo ficará concentrada
nesse segmento.
Uma forma de representar o segmento de E&P é sugerida no Quadro 1, na qual
pode ser observada uma visão seguindo a ótica da operadora de P&G, combinada
a uma visão da estrutura industrial. A visão da operadora representa os segmentos
primários do mercado de equipamentos e serviços relacionados às atividades de E&P.
Cada um desses segmentos se relaciona de uma forma particular com suas diversas
cadeias de fornecimento e, portanto, constitui uma potencial demanda para cada
um dos setores representados na visão da estrutura industrial.
A título de ilustração será tomado o segmento de E&P como modelo. Nesse
segmento há significativa demanda por serviços específicos de engenharia para
o desenho das estruturas e, em especial, para os projetos básicos de engenharia
dos sistemas existentes nas plataformas, sondas e embarcações. Além disso, para
CADEIA DE Petróleo e Gás 241
30
Apesar de grande parte dos investimentos previstos para os próximos anos se concentrar no segmento de E&P, não se pode
desprezar os elevados investimentos nos demais segmentos, a exemplo dos expressivos investimentos destinados à ampliação e
modernização do Parque de Refino do país.
Quadro 1 Cadeia de fornecedores de bens e serviços para a exploração e produção de petróleo e gás
VISÃO DA OPERADORA
Informação de Contratos de Serviços de perfuração e Revestimento e Infraestrutura Produção e Apoio logístico Desativação
reservatório perfuração equipamentos completação de poços manutenção
• Aquisição e • Sondas de • Brocas de perfuração • Tubos de aço • Engenharia e desenho • Extração artificial • Marítimo • Tamponamento
processamento perfuração • Lamas de perfuração • Serviços de • Construção e • Equipamentos • Aéreo e abandono
de dados onshore revestimento montagem de submarinos e • Serviços de
sísmicos • Controle de sólidos • Terrestre
• Sondas de e tubulação infraestrutura offshore de superfície limpeza
• Imaging de perfuração • Ferramentas de poços
• Tubulação flexível • Instalação de • Manutenção • Tratamento
reservatórios offshore • Aluguel de ferramentas contínua infraestrutura offshore de poços e deposição
• Gerenciamento • Sondas de • Serviços de pesca • Inspeção e • Equipamentos de • Produtos químicos de efluentes
e integração workover • Perfuração direcional revestimento processamento em especiais • Remoção e
de dados de tubulação campo deposição de
• Perfilagem convencional • Serviços de
• Equipamentos • Bombeamento • Construção de compressão instalações
• Perfilagem durante a
geofísicos de pressão plataformas, sondas, offshore e onshore
perfuração (LWD)
242 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
• Siderurgia • Equipamentos • Bombas • Motores de grande porte • Geradores e motores elétricos • Serviços de
• Tubos de produção • Turbinas a vapor • Turbinas a gás • Subestação e transformadores engenharia
offshore • Construção e
• Flanges e • Compressores (alternativos) • Guinchos • Painéis de distribuição elétrica
conexões • Equipamentos montagem
submarinos • Compressores (centrífugos) • Guindastes (offshore) • Automação
• Caldeiraria • Serviços de
• Umbilicais e • Motores a combustão • Válvulas • Instrumentação e medição produção onshore
linhas flexíveis • Telecomunicação e offshore
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Prominp (2011) e Bain & Company e Tozzini Freire Advogados (2009).
CADEIA DE Petróleo e Gás 243
5. i nO VAÇ ÃO n A C A D E iA D E f OR n E C E D ORES
DE B EnS E S E RViÇ OS PA R A A
EX PL O R AÇ Ã O E P R OD U Ç Ã O OF F S H ORE
DE PETR Ó L E O E G Á S n AT U R A L
Com base no que já foi exposto nos tópicos anteriores, serão abordadas as questões
relativas à inovação à luz de um cenário em que: (i) a Petrobras se mantém com
papel de destaque na definição da demanda, porém acompanhada pela presença
cada vez mais significativa dos investimentos realizados por outras operadoras, for-
mando um mercado no segmento de E&P extremamente atrativo e que demandará
intensivo investimento no desenvolvimento de novas soluções, com destaque para
as atividades a serem realizadas no pré-sal; (ii) a cadeia de fornecedores de bens e
serviços é dominada em diversos de seus segmentos por empresas multinacionais
de grande porte, algumas das quais estão investindo em capacidade produtiva de
forma a cumprir as exigências da Política de Conteúdo local e, até mesmo, instalan-
do centros de P&D no país; e (iii) as empresas nacionais,31 como já abordado, são em
sua maioria MPMEs, as quais, salvo exceções em alguns segmentos como se verifica
mais adiante, praticam uma cultura de baixo investimento em P&D.
Discutir as estratégias e alternativas para a promoção do desenvolvimento tec-
nológico deve, obrigatoriamente, passar pelo entendimento desse novo cenário,
de suas oportunidades e riscos associados, os quais aliados à característica de proje-
to de longuíssimo prazo oferecem a continuidade indispensável para inovações de
ruptura, e não apenas inovações incrementais e rotineiras, que poderão constituir
uma nova indústria nacional do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é pa-
tente que a indústria brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara
que pode levá-la a uma posição de destaque, se não de liderança, no uso de novas
tecnologias no setor que precisarão ser desenvolvidas. É com essa orientação que
se desenvolve a discussão dos tópicos seguintes.
31
A Constituição considera nacional as empresas constituídas sob leis brasileiras e com sede no Brasil. Neste artigo, porém, faz-se
uma distinção entre empresas de controle nacional e de controle estrangeiro. Essa distinção é importante para o delineamento de
certas estratégias para promoção do desenvolvimento tecnológico e a capacidade de geração local de conhecimento.
246 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
32
Floating, Production, Storage and Offloading (unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência) é um tipo de navio-
plataforma utilizado pela indústria petrolífera para a produção, armazenamento e escoamento da produção por navios aliviadores.
CADEIA DE Petróleo e Gás 247
33
A marinização consiste no desenvolvimento e adequação dos equipamentos e sistemas para o ambiente submarino.
34
Jargão do setor para os equipamentos de processo presentes na superfície de uma plataforma.
248 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Por fim, uma das alternativas estudadas para a otimização da logística de pro-
dução, uma vez que a distância da costa dos campos do pré-sal é bastante superior
à encontrada nos campos do pós-sal,35 prevê a construção de FPSOs plug and play,36
o que permitirá maior agilidade na conexão destes com os sistemas submarinos. Esse
projeto demandaria o desenvolvimento de soluções totalmente novas para o acopla-
mento entre os sistemas de superfície e as instalações submarinas. Reduzir a carga
aplicada nessa interface é crucial. Uma alternativa já testada e que deve ser alvo de
aprimoramentos é a utilização de um sistema de risers37 flexíveis flutuantes. Outras
opções também são consideradas, como a utilização de boias de sustentação que
permitirão, em conjunto com conexões flexíveis, a sustentação de risers rígidos.
35
No pré-sal é comum encontrar distâncias de 300 km da costa, enquanto no pós-sal a distância típica é de 150 km.
36
Projetos desse tipo foram também motivados pelas condições encontradas em outras regiões do planeta, como as presentes
no Golfo do México, que, pela grande incidência de tempestades climáticas e furacões, geram grande risco para as unidades de
superfície em operação nesses locais. Nesses casos, a agilidade na conexão e desconexão dessas unidades é necessária para que o
deslocamento das unidades de superfície para regiões seguras possa ocorrer de forma mais eficiente.
37
Para entendimento em detalhes das funcionalidades de cada um dos componentes do segmento de E&P, ver Mendes, Romeiro e
Costa (2011).
CADEIA DE Petróleo e Gás 249
38
O segmento de turbomáquinas, responsável pelos sistemas de fornecimento de energia nas unidades estacionárias de produção,
representa aproximadamente 25% dos custos das instalações de superfície. Por esse motivo e aliado às grandes dimensões dos
atuais turbogeradores, esse segmento vem sendo constante foco para a atuação das operadoras de P&G a fim de desenvolver novas
soluções de menores dimensões e custos.
250 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Inovações em poços
39
Pela maior profundidade dos reservatórios do pré-sal as temperaturas do óleo e gás que se encontram nestes são mais elevadas
que nos reservatórios do pós-sal, o que é bastante crítico, pois aumenta o diferencial entre a temperatura do óleo (até 100oC) e da
água próxima ao leito marinho (aproximadamente 4oC).
40
Estrutura cristalina composta por ligações entre moléculas de água e gás natural que ocorre em uma faixa de temperatura e
pressão. Em certas circunstâncias, podem bloquear a elevação e escoamento do óleo e gás para a superfície.
CADEIA DE Petróleo e Gás 251
41
Os reservatórios de oléo e gás do pré-sal são basicamente constituídos por rochas carbonáticas (carbonato de cálcio).
O conhecimento sobre questões como permeabilidade e porosidade, relativas à capacidade de absorção do óleo por essas rochas,
ainda é bastante inicial e abre extenso campo de pesquisas geológicas ligadas ao setor.
42
Os reservatórios do pré-sal encontram-se em profundidades a partir de 5.500 m contados desde o nível do mar, podendo atingir
profundidades bastante superiores a isso. Para que se tenha uma ideia, a perfuração no campo de Lula, em 2007, atingiu cerca de
7.000 m de profundidade a partir do nível do mar.
43
Já houve um ganho significativo de performance na taxa de perfuração dos poços do pré-sal, com um salto de 5 m para 20 m por
hora, em razão, em grande parte, da utilização de brocas mais resistentes e das novas técnicas de perfuração.
252 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Nanotecnologia
6. C O nS i DER A Ç ÕE S S OB R E A S E S T R AT É G iA S
PARA A PROMOÇÃO DO DESEnVOLViMEnTO
TEC nO L Ó G iC O n A C A D E iA D E
f O R nEC ED OR E S D E B E n S E S E RViÇ OS
nO S EGM E n T O D E E & P OF F S H OR E
Neste tópico, será realizada uma breve discussão sobre o potencial de arraste que
as operadoras podem assumir no desenvolvimento de novas tecnologias e uma
análise sobre o perfil de investimento em P&D das empresas da cadeia de fornece-
dores de P&G, indicando uma visão não exaustiva sobre alguns dos segmentos es-
tratégicos que deveriam ser focos iniciais de atuação da política industrial do setor.
Ao fim, vão se abordar alguns aspectos relevantes para que se criem as condições
necessárias à formação de um ambiente favorável à promoção da inovação, em
especial, para as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços.
44
Existem diversas definições para o que se convém chamar de Projeto Básico de Engenharia. Aqui assume-se que o mesmo deve ter
nível de detalhe suficiente para que: (i) os fornecedores e EPCistas consigam estimar os custos envolvidos na execução desses projetos
com precisão suficiente para participarem do processo de concorrência e (ii) possam estar garantidos os requisitos de qualidade e
confiabilidade no que tange a aspectos como o design, materiais e nível de qualificação da mão de obra envolvida [Baron (2011)].
CADEIA DE Petróleo e Gás 255
exige que novas soluções sejam elaboradas. Existe, como se pode prever, certo nível
de padronização dos equipamentos e serviços prestados, porém o espaço existente
para o desenvolvimento de soluções inovadoras a serem desenvolvidas em conjun-
to com a cadeia de fornecedores de bens e serviços é especialmente superior ao
encontrado em outros setores da economia,45 sobretudo em relação às atividades
que serão realizadas nas novas fronteiras exploratórias em águas ultraprofundas e
na exploração e produção das reservas do pré-sal.
Todos esses motivos, em paralelo com a experiência e o conhecimento acu-
mulados nas atividades de exploração e produção offshore de óleo e gás, com
sua condição de liderança nos investimentos nesse segmento, a qual será inevi-
tavelmente mantida nos próximos anos e, não menos importante, com a rede de
inovação constituída pelo Cenpes em conjunto com a cadeia de fornecedores e os
diversos centros de pesquisa no país, posicionam a Petrobras como um potencial
direcionador das rotas tecnológicas. Papel semelhante, porém com menor poten-
cial de arraste da cadeia de fornecedores, pode ser assumido pelas demais ope-
radoras do setor, desde que estas consigam, no médio prazo, estruturar em suas
cadeias produtivas um ambiente de inovação voltado para o desenvolvimento de
soluções adequadas a suas necessidades. Sinergias poderão ser aproveitadas pelas
distintas operadoras, uma vez que seus fornecedores são, em diversos segmentos,
as mesmas empresas.
Apesar de poderem desempenhar papel decisivo, a atuação das operadoras
não é irrestrita. O que se demonstra aqui é apenas o potencial existente para que
estas assumam papel relevante na promoção do desenvolvimento tecnológico fu-
turo. Nesse aspecto, é justamente na contratação de bens e serviços que se encon-
tram grandes oportunidades e, para isso, é crucial que questões como a forma da
contratação em “pacotes fechados” seja revista, ao menos nos segmentos de maior
valor agregado e conteúdo tecnológico.
45
O setor de telecomunicações pode ser citado como exemplo de setor no qual as operadoras encontram um espaço limitado para a
indução de novas tecnologias a serem desenvolvidas por suas cadeias de fornecedores. Em geral, as operadoras de telecomunicações
assumem um papel passivo no processo de desenvolvimento tecnológico e são puramente compradoras das rotas tecnológicas
definidas pelos principais fornecedores dos sistemas e redes de telecomunicações.
256 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
46
Na verdade, os projetos de inovação são caracteristicamente projetos cooperativos. Mesmo grandes empresas desenvolvedoras de
tecnologia e detentoras de grandes equipes dedicadas exclusivamente à realização de P&D estabelecem, em geral, algum nível de
cooperação com outras empresas e ICTs, estruturando suas redes de inovação. O que se discute é a capacidade que as operadoras de P&G
têm em induzir a cooperação entre empresas e entre empresas e ICTs, auxiliando na identificação das competências necessárias para os
projetos e na promoção de oportunidades para as empresas nacionais.
CADEIA DE Petróleo e Gás 257
mento sobre essas novas soluções, o que também leva a um tempo mais extenso
para a adoção e contratação destas. Há de se considerar, ainda, o elevado risco
tecnológico e o longo tempo para o desenvolvimento de algumas dessas solu-
ções inovadoras.
47
A referência, nesse caso, foi níveis de investimento em P&D superiores a 2,0% das receitas. A escolha arbitrária desse valor limita
a análise por diversos motivos, um deles, que vale ser citado, é que a necessidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento
dos segmentos varia de acordo com suas características e dinâmicas particulares.
258 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Sétimo Encontro Nacional do Prominp (2010).
* Oliveira (2010).
** Estratificação dos segmentos da cadeia produtiva baseada na visão da estrutura industrial adotada pelo Programa de
Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp).
*** Média ponderada da participação do investimento em P&D perante o faturamento das empresas por sua representatividade
no faturamento do setor – Fonte: Prominp.
48
Esses subsegmentos foram desmembrados para fornecer maior detalhamento na análise da capacidade produtiva e
competitividade dos segmentos de turbinas, compressores e motores, respectivamente, e não dispõem de dados desmembrados
quanto aos investimentos em P&D.
260 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Informação de
FOCO INICIAL
Alto reservatórios Revestimento
e completação Produção e
manutenção
Serviços de
Moderado perfuração e
equipamentos
associados Contratos
Baixo, Infraestrutura
de perfuração Mercado
mas demanda
mundial
alto nível AMBIÇÃO em 2007
tecnológico
(US$ 8 Bilhões)
de fornecedores Apoio
logístico
Baixo
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Bain & Company Tozzini e Freire (2009).
49
Sondas de perfuração onshore, plataformas de perfuração offshore e sondas de workover.
50
Engenharia e desenho, construção e montagem de infraestrutura offshore, instalação de infraestrutura offshore e equipamentos
de processamento em campo.
262 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
51
O termo “tropicalização” refere-se a tecnologias desenvolvidas para cenários distintos ao que se desenha e que necessitam de
adaptações para uso nas atividades de exploração e produção do pré-sal. Nesses casos, em que o desenvolvimento mais importante
da tecnologia é realizado no exterior, apenas ajustes ou inovações incrementais de menor complexidade são necessárias.
52
No âmbito dos contratos de concessão em conjunto com o Regulamento da ANP 5/2005, fica estabelecido que, quando devida a
participação especial para um determinado campo, o valor correspondente a 1% da receita bruta da produção deve ser destinado
ao investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento, do qual, pelo menos, 50% devem ser aplicados na contratação de
projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados. Na cessão
onerosa, o montante correspondente a 0,5% da receita bruta de produção deve ser destinado às despesas realizadas em atividades
de pesquisa e desenvolvimento.
264 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
53
A Finep lançou, em 2010, uma chamada pública que previa R$ 115,7 milhões para o financiamento de cerca de sessenta projetos
cooperativos empresa-ICTs com foco no desenvolvimento de soluções para o pré-sal. Outros dois editais destinados a projetos em
óleo e gás foram lançados em 2011, um para o apoio a projetos laboratoriais (cerca de R$ 30 milhões) e um segundo utilizando o
instrumento de subvenção econômica (cerca de R$ 8 milhões).
54
O Programa BNDES P&G oferece para os projetos de inovação, além das condições previstas nas linhas de inovação do BNDES,
novidades como a possibilidade de financiamento a operações de internacionalização, fusões e aquisições, desde que associadas
à busca por novas tecnologias, ou ainda, operações com empresas-âncora, cujo sentido é incentivar a cooperação na cadeia de
fornecedores dando maior capilaridade e acesso a crédito às empresas de menor porte.
CADEIA DE Petróleo e Gás 265
2,5
1,5
R$ BILHÕES
0,5
0
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
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2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
2022
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Revista Brasil Energia (2012).
55
A Lei 12.351/2010, que institui o Regime de Partilha da Produção, também cria o Fundo Social (FS), para o qual foram transferidas
todas as receitas de royalties provenientes dos poços de P&G do “polígono do pré-sal” destinadas à União. Com essa medida o
CT-Petro poderá perder 90% das atuais receitas. No entanto, o FS contempla a aplicação de recursos na área de ciência e tecnologia.
Por conseguinte, trata-se de uma questão administrativa do poder executivo, que afeta a governança sobre a aplicação dessas
receitas e que ainda não está em prática, pois o FS ainda não foi regulamentado. Excepcionalmente, o governo federal publicou o
Decreto 7.657, de 23.12.2011, que prorroga, até 31.12.2015, a destinação para o CT-Petro dos royalties dos campos que iniciaram
sua produção até 31.12.2009.
266 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
56
Entre os campos concedidos na Bacia de Santos encontram-se os sete blocos da cessão onerosa. Nestes, a obrigação contratual
prevê que 0,5% da receita bruta seja destinado a atividades de P&D; nos demais, esse percentual é 1%. Incluindo a cessão onerosa,
espera-se que pelo menos 15 contratos já assinados iniciem a produção entre 2012 e 2021.
57
Ambas as alternativas estão sendo discutidas no âmbito da política industrial do setor e necessitariam de mudanças regulatórias,
uma vez que, como já abordado, a aplicação desses recursos, no presente, está restrita à contratação, por parte das operadoras, de
projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 267
7. A ATUAÇ ÃO D O B n D E S PA R A
A PR O M O Ç Ã O D O D E S E n V OLV iME n T O
i nDUS TR i A L E T E C n OL ÓG iC O
DAS EM PR E S A S D A C A D E iA
DE f O R nEC E D OR E S D E P & G
o BNDEs vem envidando relevantes esforços para colaborar com a política de de-
senvolvimento industrial e tecnológico para a cadeia de fornecedores de bens e ser-
viços relacionados ao setor de P&G. A própria estratégia de atuação do BNDEs para
o setor vem sendo aperfeiçoada continuamente, buscando corresponder às deman-
das da sociedade e visando ao desenvolvimento econômico e social sustentável e
de longo prazo do país. o momento que o setor de P&G vive motivou uma nova
abordagem por parte do Banco, com maior enfoque na cadeia de fornecedores de
bens e serviços de P&G. Como reflexo dessa nova dinâmica, o BNDEs alterou sua
estrutura organizacional, criando, em 2010, o Departamento da Cadeia Produtiva
de Petróleo e Gás, cujas atribuições compreendem tanto a participação no trabalho
de articulação institucional quanto as atividades relacionadas ao fomento e finan-
ciamento das empresas fornecedoras de bens e serviços de P&G.
Mais recentemente, no segundo semestre de 2011, aprovou-se a criação do
Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia de Fornecedores de Bens e ser-
viços relacionados ao setor de Petróleo e Gás Natural (BNDEs P&G), para o qual
uma carteira de operações de financiamento já foi constituída. Com o programa, o
BNDEs abriu novos caminhos para o apoio à cadeia de empresas fornecedoras de
bens e serviços de petróleo e gás, estreitando o relacionamento já existente entre
o Banco e o setor, facilitando o acesso ao crédito às MPMEs e oferecendo condições
de financiamento mais favoráveis, de forma a atender às necessidades existentes
268 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
8. C O nS i DER A Ç ÕE S f in A iS
As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada pré-sal e a
perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos pró-
ximos anos transformaram o cenário do setor de P&G no Brasil. A localização dessa
nova fronteira exploratória, a grandes distâncias da costa e em elevadas profun-
didades, em conjunto com a magnitude das reservas e as características do óleo
encontrado, criam um novo paradigma para o segmento de exploração e produção
offshore no país, posicionando-o como o principal mercado no mundo para as em-
presas fornecedoras de bens e serviços desse segmento.
o desenvolvimento de uma cadeia nacional de fornecedores de bens e serviços,
por seu perfil multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades
positivas para os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de
estratégias para a promoção do desenvolvimento tecnológico ganha significati-
va relevância. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas
públicas do setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo
cenário, suas oportunidades e riscos associados. os elevados investimentos que se-
rão realizados, aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem
a continuidade indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações
incrementais e rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova
indústria nacional do petróleo.
Por todos os ângulos que se observa, é patente que a indústria brasileira de
petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a uma posição de
destaque, se não de liderança, no uso de novas tecnologias no setor, que vão pre-
cisar ser desenvolvidas. o objetivo deve ser, em última instância, estimular o desen-
volvimento de empresas competitivas e sustentáveis capazes de atuar globalmente
em posições de liderança no uso de tecnologias-chave.
A construção de uma agenda efetiva com esse objetivo deveria se concentrar na
identificação de focos prioritários de atuação e, com base na trajetória recente do ar-
cabouço institucional, no qual a Política de Conteúdo local ocupa papel de destaque,
definir estratégias integradas de promoção do investimento em inovação.
270 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
os reais benefícios das reservas de petróleo da camada pré-sal vão muito além da
mera produção e refino do petróleo e encontram no desenvolvimento da cadeia
de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G uma grande opor-
tunidade. Somente a clareza nos objetivos e uma elevada capacidade de coorde-
nação das diversas ações e frentes de atuação permitirão que o país se beneficie
de grande parte da dinâmica de inovação que, inevitavelmente, ocorrerá no setor
de P&G nos próximos anos, gerando riqueza e retorno para a sociedade de forma
sustentável no longo prazo.
R e f er ênc i as
ANP/PUC. Avaliação da competitividade do fornecedor nacional com relação aos
principais bens e serviços. Rio de Janeiro, 1999 (mimeo).
Baron, H. Where does basic engineering stops? Technip Editions, 2011. Disponível
em: <http://www.toblog.fr/en/baron/article/additions-for-the-next-edition/where-
does-basic-engineering-stops/blog.html>. Acesso em: abr. 2012.
* Respectivamente chefe, gerente e engenheiro do departamento de Gás, Petróleo e bens de capital sob Encomenda do bndES.
Construção Naval 275
R ES UM O
Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro
experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos, que
se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva quanto no
aumento da produção de embarcações. Tal fato decorreu, principalmente, do cres-
cimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a necessidade de novas
embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao desenvolvimento da
indústria nacional. As empresas de petróleo e gás efetuaram grandes encomendas
aos estaleiros nacionais, enquanto a União atuou, entre outros, com exigências de
percentual mínimo de conteúdo local nas atividades de exploração e produção e
com a criação de um fundo garantidor à indústria. Neste artigo será apresentado o
histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cenário atual, apon-
tando os principais programas demandantes do período, bem como seus impactos
na nova configuração do setor. Serão discutidos o posicionamento brasileiro no mer-
cado mundial e os fatores estratégicos de competitividade associados à indústria na-
val. A questão da inovação, fundamental para o desenvolvimento do setor, também
será abordada. Por fim, serão expostas as perspectivas da indústria naval nacional,
destacando-se o papel do BNDES no apoio ao setor.
AB S TR AC T
After long-term stagnation, the Brazilian shipbuilding industry’s investments have
increased in the past decade, resulting in higher productive capacity and modernization
as well as higher ship outputs. This was mainly caused by the Oil & Gas offshore boom
and by local industry development policy. Oil & Gas companies placed large orders with
national shipbuilders. At the same time the Brazilian federal government established
local content requirements for Exploration & Production activities and a new credit
guarantee fund, among others. In this article, we detail the historical trajectory of the
Brazilian shipbuilding industry for the last 30 years with a focus on the most relevant
governmental incentives granted. Brazil’s relevance in world markets is discussed as
276 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
well as the naval industry’s strategic competitive factors. Innovation issues, which are
considered fundamental for the sector’s development will also be discussed. Finally,
the national shipbuilding industry’s outlook is presented, highlighting BNDES’s role
in bolstering the naval sector.
Construção naval 277
1. i nTR O DUÇ Ã O
Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro
experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos,
que se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva
quanto no aumento da produção de embarcações. tal fato decorreu, principal-
mente, do crescimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a ne-
cessidade de novas embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao
desenvolvimento da indústria nacional.
a elevação nos preços internacionais do petróleo ao longo do decênio incenti-
vou a exploração e a produção em águas profundas e ultraprofundas, mais distan-
tes da costa, e criou uma demanda por navios-sonda, plataformas de produção e
embarcações de apoio marítimo com características e exigências técnicas diferen-
ciadas. a descoberta de grandes volumes de óleo na camada pré-sal ratificou a ro-
bustez e a perenidade da demanda por embarcações offshore. verificou-se, ainda,
a necessidade de ampliar e renovar a frota de navios petroleiros e gaseiros do país
para escoar a produção de óleo, gás e derivados.
Cumpre ressaltar que a Petrobras é a maior operadora de petróleo do país e,
portanto, responde pela maior parte da demanda por embarcações offshore. Da
mesma forma, a transpetro, sua subsidiária de logística e transporte de combustí-
veis, é a maior demandante de navios petroleiros e gaseiros.
Diante do novo cenário, o governo brasileiro, visando estimular o setor naval
do país, atuou, em conjunto com a Petrobras e a transpetro, lançando algumas
medidas de política industrial. as empresas efetuaram grandes encomendas aos
estaleiros nacionais, enquanto a união atuou com exigências de percentual mínimo
de conteúdo local nas atividades de exploração e produção; com incentivos fiscais;
com a criação de um fundo garantidor à indústria; e com a concessão de crédito
aos agentes financeiros do Fundo de Marinha Mercante (FMM).1 Destaque-se, com
1
O FMM é um fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos para o desenvolvimento da marinha mercante e da indústria
de construção e reparação naval brasileiras. Sua fonte básica de recursos é o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha
Mercante (AFRMM), incidente sobre o frete cobrado pelo transporte aquaviário de carga de qualquer natureza descarregada em
porto brasileiro, ou seja, sobre as atividades de cabotagem e importação de mercadorias.
278 BnDEs 60 anos – PErsPECtIvas sEtorIaIs
relação a esse último ponto, o papel do BnDEs, que, como repassador de recursos2
do FMM, apoiou fortemente o setor, tendo contratado cerca de r$ 30 bilhões e
liberado aproximadamente r$ 10 bilhões no período de 2000 a abril de 2012.
as ações realizadas lograram êxito em retomar os investimentos no setor. no pe-
ríodo de 2000 a 2011, relevantes inversões foram realizadas em estaleiros, houve am-
pliação e modernização da capacidade produtiva, novos investidores passaram a atuar
no setor e verificou-se um significativo crescimento da produção de embarcações.
o presente artigo divide-se em quatro seções, além desta introdução. na primeira,
é apresentado o histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cená-
rio atual, apontando os principais incentivos concedidos ao setor. Em seguida, discu-
tem-se o posicionamento brasileiro no mercado mundial e os fatores estratégicos de
competitividade associados à indústria naval. na terceira seção, é abordada a questão
da inovação, também fundamental para o desenvolvimento do setor. Finalmente, na
quarta seção, são expostas as perspectivas da indústria naval nacional, bem como as
considerações finais deste artigo, destacando-se o papel do BnDEs no apoio ao setor.
2. Hi S TÓ R i C O
a Nova demaNda À iNdÚSTria Naval
2
Até 2004, o bndES era o único agente financeiro repassador de recursos do FMM. Porém, com a publicação do
decreto 5.269/2004, a condição de agente foi estendida aos bancos oficiais federais habilitados (bb, cEF, basa e bnb). A despeito
dessa mudança, o bndES continua sendo o principal agente financeiro do fundo.
3
A crise econômica mundial experimentada na década de 1980 trouxe consigo a retração do comércio internacional marítimo e a
consequente queda nos valores dos fretes. Tal situação impactou a arrecadação do FMM, fragilizou a situação financeira dos armadores
nacionais e reduziu drasticamente o nível de atividade dos estaleiros aqui instalados, levando alguns participantes do mercado à falência.
4
O momento de declínio da produção nacional coincidiu com a chamada “terceira revolução industrial e tecnológica”, quando a
base microeletrônica passou a ser empregada nos mais diversos ramos da indústria, atingindo a automação integrada flexível, o que
tornou os processos da indústria nacional ainda mais obsoletos. Além disso, durante o período de estagnação produtiva brasileira,
as embarcações construídas no resto do mundo passaram a ter porte e complexidade cada vez maiores, o que exige dos estaleiros
elevada capacidade produtiva, organizacional e tecnológica [Lima (2009, p. 137)].
Construção Naval 279
5
Jumborização – modernização e aumento da capacidade de carregamento de uma embarcação, por meio de um corte transversal
vertical do navio, para inserção de um trecho de casco.
6
Pela Lei 9.432/97, as embarcações estrangeiras somente poderão participar da navegação de cabotagem e da navegação interior de
percurso nacional, bem como da navegação de apoio portuário e da navegação de apoio marítimo, quando afretadas por empresas
brasileiras de navegação.
7
AHTS (Anchor, Handling, Tug and Supply): navio de suprimento, reboque e manejo de âncoras, dotados de guindastes com
importante capacidade de tração. PSV (Plataform Supply Vessel): navio de suprimento com capacidade de carga tanto em seu convés
principal e nas cabines quanto em tanques para transporte de produtos químicos, água, combustível e lama. PLSV (Pipe Laying
Support Vessel): navio voltado à construção submarina que realiza o lançamento de dutos a serem instalados no fundo do mar.
RSV–ROV (Remote Operated Vehicle Support Vessel): navio que realiza trabalhos de manutenção submarina, mapeamento do leito
oceânico para a passagem de dutos, entre outros serviços de natureza submarina, por meio de robô controlado remotamente pela
embarcação. OSRV (Oil Spill Response Vessel): navio de combate ao derramamento de óleo. MPSV (Multipurpose Support Vessel):
navio que combina capacitações de diversos tipos de embarcações de apoio.
Construção Naval 281
essas embarcações podem ser incorporadas pelo programa, já que o Prorefam III
ainda tem diversas embarcações a serem contratadas.
Adicionalmente, a Petrobras contratou embarcações do tipo LH (line handling),
UT (utility boat) e P (passenger),8 que são embarcações de pequeno porte, também
não contempladas no Prorefam.
O Gráfico 1 mostra a produção nacional de embarcações de apoio marítimo,
por tipo de embarcação. Note-se a concentração de embarcações do tipo PSV no
total das entregas da década. Ressalte-se que as embarcações mais complexas já
contratadas devem ser entregues nos próximos anos.
Gráfico 1 Embarcações construídas no Brasil nos últimos dez anos – por tipo
PSV
54%
3% UT
3% PLSV
3% ROV
3% P
17%
17% LH
AHTS
8
LH (line handling): navio para manuseio de espias. UT (utility boat): navio supridor de carga rápida. P – (passenger): barco de
alumínio para transporte de passageiros.
282 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
FMM ao armador e/ou ao estaleiro contratado. Entre 2000, e abril de 2012, o Banco
desembolsou cerca de R$ 5,5 bilhões às embarcações do programa.
Com relação à frota para movimentação de carga, os incentivos se deram, prin-
cipalmente, por intermédio da Transpetro, que lançou, nos anos de 2005 e 2008, os
Programas de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro I e II (Promef I e II),
contratando a construção de 49 navios-tanque em estaleiros nacionais.
A Transpetro já contratou a totalidade dos 23 navios previstos no Promef I e
dos 26 navios do Promef II. Essas embarcações correspondem a navios petroleiros,
comumente qualificados por sua capacidade de carga como Panamax, Aframax e
Suezmax,9 a navios de produtos e a navios gaseiros.
As encomendas da Transpetro foram contratadas de cinco estaleiros, quais sejam:
Atlântico Sul, Mauá, Eisa, Superpesa e STX-Suape, este último ainda em implantação.
Ainda no segmento de transporte de cargas, visando fomentar o surgimento de
armadores privados nacionais e reduzir a dependência do mercado externo de fretes
para a atividade de cabotagem, a Petrobras lançou em 2010, em duas etapas, o Pro-
grama Empresa Brasileira de Navegação (EBN 1 e EBN 2), no qual oferecia contratos
de afretamento de 15 anos de vigência a 39 embarcações a serem construídas no país.
As embarcações encomendadas no âmbito do EBN são, em grande parte, si-
milares às do Promef e foram contratadas por nove armadores a cinco estaleiros,
havendo ainda três embarcações sem estaleiro definido.
No Gráfico 2, relacionam-se os contratos já celebrados no âmbito do Promef e
do EBN por tipos de embarcação. Esses navios representam, em boa medida, a na-
tureza da produção naval de cabotagem dos próximos anos.
A retomada do setor, resultante dos programas antes citados, estimulou as en-
comendas aos estaleiros nacionais de empresas privadas de transporte marítimo de
outros setores. Destaquem-se os investimentos da Log-In Logística, empresa sub-
sidiária da Vale, que recentemente encomendou cinco navios porta-contêineres e
dois navios graneleiros internamente.
9
Panamax (cerca de quinhentos mil barris); Aframax (cerca de oitocentos mil barris); Suezmax (cerca de 1,1 milhão de barris).
Os tipos Panamax e Suezmax são assim denominados porque suas dimensões permitem a passagem pelos canais do Panamá e de
Suez, enquanto o Aframax é considerado um navio de médio porte (Average Freighter).
Construção Naval 283
60
50
5
40 7
8 12
30
3
49
20 14 39
14
10 7
8
6
4
0
Promef I e II EBN I e II
10
A despeito da maior necessidade de adequação às características dos campos, deve-se destacar o recente esforço da Petrobras em
padronizar, tanto quanto possível, as encomendas de plataformas de produção, tal como ocorreu nas contratações das oito FPSOs
(Floating, Production, Storage and Offloading) que vão operar nos blocos BM-S-9 e BM-S-11 e das quatro FPSOs que vão operar
na cessão onerosa. A padronização possibilita ganhos de escala e aceleração da curva de aprendizado dos estaleiros envolvidos na
construção dos diferentes módulos das FPSOs.
11
Além das ampliações dos estaleiros Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, os estaleiros Jurong, no
Espírito Santo, e Enseada do Paraguaçu, na Bahia, encontram-se em implantação para atender à demanda das sondas.
284 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Os incentivos da União
12
Podem ser registradas no REB embarcações brasileiras ou embarcações estrangeiras afretadas a casco nu com suspensão da
bandeira e desde que no limite de tonelada de porte bruto permitido de acordo com a frota de bandeira nacional da empresa.
Construção Naval 285
13
A partir da sétima rodada de licitações (2005), o conteúdo local empregado nas fases de exploração e desenvolvimento deixou de
ser declaratório, e foi introduzida exigência de Certificação de Conteúdo Local, regulamentada pelas Resoluções ANP 36 a 39/2007.
286 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2010 0 - 0 - 0 - 0 -
Cumpre ressaltar que parte relevante dos investimentos nos projetos prioriza-
dos ainda se encontra em andamento ou a iniciar.
A capacidade instalada de processamento de aço no país, referente a estaleiros
de médio e grande portes, totaliza atualmente 529 mil toneladas/ano, ocupando
uma área de 3,97 milhões de m².
Os estaleiros de médio porte são aqueles com capacidade de produção de pe-
quenas e médias embarcações, atualmente especializados na construção de em-
barcações de apoio marítimo. Na Tabela 3, destacam-se os estaleiros STX-Niterói e
o Aliança, no estado do Rio de Janeiro, o Navship, em Santa Catarina, e o Wilson
Sons, em São Paulo.
14
Em 2010, não houve reunião do Conselho Diretor do FMM e, portanto, não houve concessão de prioridades.
Construção Naval 287
RENAVE
6 (18%)
OSX* 5 (6%) 5 (15%)
11 (13%)
EISA
GRÁFICO 3A: 4 (5%) GRÁFICO 3B:
MARKET SHARE – MARKET SHARE –
NAVIOS-TANQUE 3 (3%) SONDAS
SUPERPESA
3 (3%) 3 (9%)
12 (14%) SÃO MIGUEL
6 (18%) RIO
3 (3%)
MAUÁ GRANDE
A DEFINIR JURONG*
7 (22%)
22 (25%)
16 (8%)
OUTROS
ALIANÇA 16 (8%) 53 (24%)
GRÁFICO 3C:
MARKET SHARE –
EMBARCAÇÕES
DE APOIO
18 (9%)
STX
19 (9%) 22 (11%)
21 (10%)
WILSON SONS
EISA
DETROIT
3. PO S i C i O nA M E n T O D A in D Ú S T R iA
nAVAl B R A S il E iR A n O M E R C A D O
M UnDi Al E fAT OR E S E S T R AT É g iC OS
DE C O M PET iT iViD A D E
o crescimento da indústria de construção naval brasileira ao longo da década foi
acompanhado de crescimento desse setor no mundo. Diferentemente da indús-
Construção Naval 289
Ano Mundo China (A) Coreia do Sul (B) Japão (C) Brasil (D) (A+B+C)/mundo (%) (D)/mundo (%)
Preço do aço
15
O percentual indicado refere-se à construção de navios de carga, como petroleiros e gaseiros. Para sondas, plataformas e embarcações
de apoio mais complexas, o custo do aço não é tão relevante, já que essas embarcações dispõem de maior conteúdo tecnológico.
Construção Naval 291
sas, principais produtos siderúrgicos utilizados pelo setor naval, era irregular e pul-
verizada, enquanto a oferta era realizada apenas pela Usiminas, caracterizando
uma estrutura de monopólio. A produção nacional de chapas e bobinas grossas
destinadas ao setor naval no período de 2007 a 2011 passou de 1,6% para cerca de
2,2% das vendas internas desses produtos.
Atualmente, a demanda da indústria naval encontra-se mais robusta e rele-
vante para a indústria siderúrgica nacional. Além disso, o Brasil conta hoje com
três fornecedores de chapas grossas – a Usiminas, a CSN e a Arcelor Mittal –, e
foram anunciados alguns investimentos para expansão da produção, como o da
empresa Gerdau.
16
Indicador-padrão de produtividade de mão de obra na indústria naval. HH (homem-hora)/CGT (compensated gross tonnage – tonelagem
bruta compensada): medida que equilibra as variações no nível de complexidade entre os tipos de embarcações existentes. Para o
segmento offshore, especialmente sondas e plataformas, utiliza-se o indicador HH/t.
292 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
NÍVEL TECNOLÓGICO
ELEMENTO 1 2 3 4 5
CAD/CAM; CAD/CAM/CIM;***
INFORMATIZAÇÃO CAD
MRP ERP
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da National Shipbuilding Research Program (NSRP).
* São incluídos guindastes, pórticos, cábreas e sistema conjunto de trilhos + guindastes.
** Apesar de não aplicável a chapasde amior espessura, considerada o estado das artes da tecnologia de corte.
*** CAD – Computer aided design; CAM – Computer aided manufacturing; CIM – Computer integrated manufacturing.
Com relação aos ativos que definem a capacidade de movimentação, os níveis tec-
nológicos 1 e 2 dispõem de equipamentos de baixa capacidade de içamento, enquanto
a partir do nível 3 começam a ser movimentados e unidos grandes blocos. Assim, nos
níveis 1 e 2 são edificados de 250 a trezentos blocos para a construção de um navio,
enquanto no nível 5 a construção se dá a partir da edificação de 12 a vinte blocos. A
redução no número de blocos proporciona a redução dos prazos de construção.
Construção Naval 293
Disponibilidade de navipeças
17
Exceção se faz à indústria de navipeças, que oferece extensa possibilidade de inovação de produtos.
Construção naval 295
nos anos 2000, calcada em nova demanda por embarcações voltadas às atividades
petrolíferas, os estaleiros então instalados não dispunham de estrutura financeira
robusta que lhes permitisse investir em atividades de P&D para atender às necessi-
dades de seus clientes. assim, passaram a adquirir os projetos e os equipamentos
de alto conteúdo tecnológico de fornecedores internacionais.
a busca de inovações pelos estaleiros brasileiros foi determinada pela necessi-
dade de atender aos requerimentos dos armadores (demand pull). nesse sentido, a
participação de parceiros internacionais – acionistas, fornecedores e consultores – foi
relevante para que os estaleiros nacionais tivessem acesso às tecnologias já utiliza-
das por outros países.
os projetos básicos têm sido importados das matrizes dos acionistas estrangei-
ros dos estaleiros ou de empresas projetistas reconhecidas internacionalmente. as
inovações em navipeças de alto conteúdo tecnológico e em bens de capital especí-
ficos para a indústria naval têm sido introduzidas no mercado brasileiro por meio
de importações. não há, ainda, grande participação de empresas nacionais no de-
senvolvimento desses produtos.
o cenário de novas encomendas nacionais configura uma oportunidade para
que a indústria de navipeças se junte aos estaleiros para desenvolver a engenharia
básica de novos produtos internamente, reduzindo a dependência dos fornecedo-
res internacionais.
Com relação às inovações em processos, a indústria naval brasileira proporciona
grandes possibilidades, já que existe uma defasagem da engenharia de processos
nacional vis-à-vis a estrangeira, tanto em processos de fabricação quanto em tec-
nologias gerenciais.
18
Mbpd/dia: mil barris de petróleo/dia.
Construção Naval 297
R e f er ênc i as
ANP – Agência Nacional do Petróleo. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás
natural e biocombustíveis – 2011. Rio de Janeiro, 2011.
Bi b l i o gra f i a
Almeida, L. M. Estudo de caso sobre a indústria naval sul-coreana. Rio de Janeiro, 2009.
De Negri, J. A.; Kubota, L. C.; Turchi, L. Inovação e a indústria naval no Brasil. Belo
Horizonte, 2009.
Sites consultados
* respectivamente, economista, engenheira, engenheiro, gerente setorial e chefe do Departamento de Produtos intermediários
químicos e farmacêuticos da área industrial do BnDes. Os autores agradecem os comentários de Maurício neves, tânia tinoco, filipe
lage de sousa, andré sant’anna e Mário fernandes. eventuais erros remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos autores.
Complexo IndustrIal da saúde 301
R es UM O
a saúde é uma das áreas de maior convergência entre aspectos sociais e econômi-
cos do desenvolvimento, pois condiciona o pleno exercício dos direitos humanos e
demanda uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnologia. nos países em
desenvolvimento, as transições epidemiológica e demográfica apontam para um
crescimento acelerado do mercado e a aproximação de suas necessidades de saú-
de às dos países desenvolvidos. dessa forma, a construção de uma base industrial
em saúde passou ao centro das agendas nacionais de desenvolvimento. no Brasil,
o maior desafio do Complexo Industrial da saúde é ampliar os investimentos em
inovação, como forma de expandir sua competitividade. o objetivo deste trabalho
é discutir o papel do Bndes em um contexto em que promover a inovação constitui
meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
aB s TR ac T
Health promotion is a basic condition for human rights fullfilment and requires
a complex chain of high technology goods and services, being a key area of both
social and economic development. In developing countries, the demographic
and epidemiological transitions points out to an intense growth of the market
and to a convergence of their health needs to those of developed countries.
thus, building a health care industrial base became a central issue in national
development political agendas. In Brazil, the greatest challenge for the Health
Industry is increasing innovation investments, in order to compete in the global
market. In this context, we discuss the role of Bndes in fostering innovation as
means to expand Brazilian people’s access to new health products.
Complexo IndustrIal da saúde 303
1. i nTR O DUÇ Ã O
a saúde é uma das áreas mais importantes do ponto de vista do desenvolvimento
econômico e social, tanto como condição para o pleno exercício dos direitos humanos
quanto como demandante de uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnolo-
gia. o direito à saúde, como parte do papel do estado, adiciona um papel fundamental
às políticas públicas, buscando ampliar o acesso da população a esses produtos.
ao longo de seus sessenta anos de história, o Bndes vem atuando no forta-
lecimento das indústrias de saúde no Brasil por meio de suas diferentes linhas de
financiamento. a partir de 2003, a instituição passou a atuar de forma prioritária
na cadeia farmacêutica e, mais recentemente, em todo o Complexo Industrial da
saúde, como parte dos focos das recentes políticas industriais. por meio de um pro-
grama específico, o Bndes profarma, o Banco vem contribuindo para a ampliação
da competitividade e dos esforços de inovação na indústria de saúde brasileira.
no entanto, diversos são os desafios previstos para o futuro. desde a segunda
metade do século xx, o Brasil está em processo de transição do perfil de deman-
da por saúde, aproximando-se do de países desenvolvidos, com alta prevalência
de doenças crônico-degenerativas. esse movimento, associado à contínua melhoria
de indicadores sociais e de renda, gera uma perspectiva de elevado crescimento
da demanda por saúde, impondo um grande desafio para a sustentabilidade do
sistema público de saúde brasileiro, que se propõe universal, conforme consagra a
Constituição de 1988.
pelo lado da oferta, embora tenham ocorrido avanços nos esforços de inovação
das empresas brasileiras, as bases produtiva e tecnológica instaladas no país não
acompanharam as mudanças no perfil da demanda. Como reflexo da fragilidade
competitiva, o déficit comercial do Complexo Industrial da saúde alcançou us$ 10
bilhões em 2011. Contudo, novas trajetórias tecnológicas e tendências de mercado,
como a ascensão da biotecnologia na indústria farmacêutica e a busca por soluções
integradas na indústria de equipamentos médicos, se apresentam como grandes
oportunidades para incorporação de competências produtivas e tecnológicas na
indústria brasileira de saúde.
304 Bndes 60 anos – perspeCtIVas setorIaIs
2 . s aÚDe c O M O D e s e n VOLViM e n T O
a organização mundial de saúde (oms) define saúde como “um estado de com-
pleto bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças” [oms
(1946)]. por envolver aspectos objetivos e subjetivos, a saúde é um dos temas mais
complexos para as teorias tradicionais do desenvolvimento, que geralmente se
restringem à análise do crescimento econômico, do aumento da renda e do avan-
ço tecnológico.
se considerada uma perspectiva mais ampla, como a proposta por sen (2000),
a saúde passa a ter um papel central no desenvolvimento econômico e social. para
o autor, o desenvolvimento consiste na remoção das várias restrições que limitam a
escolha individual e reduzem as oportunidades de ação das pessoas. a expansão da
liberdade é, simultaneamente, o fim precípuo e o principal meio para a promoção
Complexo Industrial da Saúde 305
estima-se que a saúde receba cerca de 20% (US$ 270 bilhões) do total de recursos
de P&D1 [Burke e Matlin (2008); Batelle (2011)].
Assim, dado o constante deslocamento da fronteira tecnológica em saúde, o
desenvolvimento industrial significa não apenas construir uma base produtiva, mas
também internalizar competências de inovação, de modo a ser capaz de participar
do deslocamento da fronteira do conhecimento e compreender mais rapidamente
as novas tecnologias.
A inovação tecnológica (ou o progresso técnico) é considerada a chave para o
desenvolvimento por um variado espectro de correntes da teoria econômica, desde
as diversas abordagens de inspiração schumpeteriana (destruição criadora) até os
modelos neoclássicos de crescimento (progresso técnico), passando pelos estrutura-
listas (mudanças estruturais) e marxistas (desenvolvimento das forças produtivas),
em um raro consenso entre tradições tão díspares.
A interação entre a base industrial e a prestação de serviços (hospitais, clíni-
cas, centros de diagnóstico) no atendimento à saúde impõe a necessidade de uma
análise integrada e sistêmica, entendida no conceito de Complexo (Econômico-In-
dustrial) da Saúde [Gadelha (2003)]. Essa abordagem se propõe a analisar a saúde
de uma perspectiva mais ampla, que leva em conta a articulação entre a geração
e difusão tecnológica e a dinâmica social. As políticas de promoção do desenvolvi-
mento industrial e tecnológico passam, assim, a considerar sua articulação com as
demandas sociais.
Em síntese, busca-se discutir o apoio do BNDES ao Complexo Industrial da Saú-
de com base em uma visão particular de desenvolvimento econômico, definida por
Celso Furtado como:
1
O valor percentual refere-se ao levantamento de Burke e Matlin (2008) e teve o ano de 2005 como referência; Batelle (2011)
apresenta os dados de investimento em P&D total no mundo por países, com referência a 2010.
Complexo IndustrIal da saúde 307
3. TR ans i Ç Õ e s in T e R n a c iOn a is D a s aÚ D e
TeNdêNcias da deMaNda Por saúde No MuNdo
2
Metodologia adotada pela Organização Mundial da saúde [OMs (2012)]. consiste no cálculo de um índice sintético, o Disability-
adjusted life Years (DalY), ou anos de vida ajustados por incapacidades, definido como a soma dos anos de vida perdidos em razão
da mortalidade prematura e dos anos vividos com a incapacidade (por causa da doença ou das sequelas).
3
conforme classifica o Banco Mundial, países de renda baixa, média e alta são, respectivamente, aqueles cuja renda nacional Bruta
per capita em 2009 foi: inferior a us$ 995; entre us$ 996 e us$ 12.195; e superior a us$ 12.196.
4
causas transmissíveis: doenças infectocontagiosas, problemas nutricionais e perinatais; causas não transmissíveis: basicamente
doenças crônico-degenerativas, como câncer, diabetes e hipertensão; causas externas: violência, guerra, acidentes e autoflagelo.
308 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
nascer aumenta. Na comparação entre 1970 e 2009, nota-se melhora em todos esses
indicadores na média mundial e em todas as classes de países. Nesse contexto, o Brasil
sobressai, ao passar de uma situação de alinhamento com os países de renda média
para aproximar-se dos indicadores dos países de renda elevada (Tabela 1).
100
80
60
(%)
40
20
0
Países de renda baixa Países de renda média Países de renda alta
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de OMS (2008) e do Banco Mundial, Databank.
10.000
9.000
8.000 21%
16%
7.000
MILHÕES DE HABITANTES
12%
6.000
10%
5.000
60% 58%
4.000 62%
8%
58%
3.000
54%
2.000
0
1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015* 2020* 2025* 2030* 2035* 2045*
Fonte: Elaboração própria, com base em dados e estimativas da United Nations Population Division.
* Estimativa.
Tabela 2 Participação do gasto com saúde na renda per capita, por classes de países,1995
e 2009 (em %)
1995 2009
5
Neste trabalho, buscou-se abordar as diferentes indústrias de saúde de forma integrada, enfatizando as diferenças quando necessário.
Os dados do CIS se referem à soma das indústrias farmacêutica e de EMHO, as mais representativas entre os setores industriais.
Complexo Industrial da Saúde 311
respondem por cerca da metade do mercado mundial. Tal estrutura é resultado dos
enormes investimentos em P&D para o lançamento de novos produtos, que conso-
mem entre 10% e 20% da receita das empresas mais representativas [IMS Health
(2012); PhRMA (2011); Kalorama (2012)].
As demais empresas buscam vantagens competitivas por estratégias de enfo-
que, especializando-se em nichos de mercado ou plataformas tecnológicas. Não
obstante a estratégia competitiva, a inovação tecnológica é o principal fator de
competitividade das indústrias de saúde.
Estima-se que o mercado do CIS cresça entre 4% e 6% a.a. nos próximos quatro
anos. Entretanto, a média camufla uma grande diferença no crescimento entre os
países: tendo em vista as transições epidemiológica e demográfica mais intensas
nos países em desenvolvimento, essas nações devem se tornar o “motor do cresci-
mento” do CIS, com taxas estimadas acima de 10% a.a. [IMS Health (2011); Kalora-
ma (2012)].
O maior dinamismo dos mercados emergentes vem intensificando os movimen-
tos de consolidação no CIS, liderados pelas grandes multinacionais do setor, por
meio de investimentos externos diretos e aquisições de empresas nos mercados-
-alvo. Além das razões tradicionais relacionadas a custos, o deslocamento da pro-
dução em direção aos países em desenvolvimento busca maior proximidade e adap-
tação dos produtos a esses mercados.
No caso farmacêutico, com o fraco desempenho dos mercados maduros, em es-
pecial Estados Unidos, Europa e Japão, a tendência é que a participação dos países
emergentes no mercado mundial praticamente dobre em um período de dez anos,
alcançando 37% até 2015, como indica o Gráfico 3 [IMS Health (2011)].
O maior interesse das grandes multinacionais em relação aos países em desen-
volvimento reflete não só o crescimento acelerado desses mercados como também
o crescente hiato entre a ampliação dos investimentos em P&D das grandes em-
presas (dobraram na década de 2000) e o número de novos produtos lançados no
mercado, que foi reduzido à metade.6
6
Dados se referem ao mercado norte-americano, conforme analisam Reis, Landim e Pieroni (2011).
312 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
100
19%
26%
80 37%
60
%
40 81%
74%
63%
20
0
2005 2010 2015
Maduro Emergente
1.000
900
800 21%
700
18%
600
US$ BILHÕES
500
400 10%
300
200
100
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011* 2012* 2013* 2014* 2015* 2016*
Outros Biotecnologia
7
indicador que varia entre 0 e 1, em que 0 significa perfeita igualdade de renda (todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à
absoluta desigualdade (uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm).
8
renda familiar per capita superior a r$ 1.126 (de 2009).
Complexo Industrial da Saúde 315
65
60
55
50
%
45
40
35
30
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Classes A, B e C Classes D e E
Os desafios do SUS
O Brasil é um dos poucos países do mundo que assumiram a ousada proposta de cons-
truir um sistema público e universal de atenção à saúde da população, conforme con-
sagra a Constituição de 1988. Por essa razão, do ponto de vista da demanda, o Sistema
Único de Saúde (SUS) representa uma parcela expressiva do mercado de produtos de
saúde (cerca de 30% do mercado total) e alcançou R$ 18 bilhões em 2011, dos quais
R$ 11 bilhões em medicamentos e R$ 7 bilhões em EMHO [Brasil (2011) e Aguiar (2012)].
Referência em diversas áreas de saúde, como imunização, transplantes, tratamen-
to da AIDS e distribuição gratuita de medicamentos, o SUS é o único sistema público
de saúde no mundo que assiste, de forma integral, mais de cem milhões de pessoas. O
gasto total com saúde representa cerca de 9% do PIB brasileiro, uma média próxima
aos padrões internacionais (Gráfico 6). No entanto, ao se analisar a parcela pública dos
gastos em saúde, o país ainda apresenta uma estrutura de desembolso próxima à de
países de renda baixa (apenas 46% dos gastos são oriundos do Estado), inferior a países
da Améria Latina e incompatível com um modelo que se pretende universal.
316 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Gráfico 6 Gasto com saúde público e privado como percentual do PIB, 2009
18
16
14
12
10
% PIB
4 49%
63% 84%
66%
2 46%
52% 43%
41%
0
Renda baixa Renda média Paraguai Brasil Argentina Renda alta Reino Unido Estados Unidos
9
Até mesmo pela via judicial, em que pacientes que necessitam de produtos ou serviços ainda não incorporados pelo SUS entram
com ação contra o Estado para receber o tratamento, com impactos significativos e imprevisíveis sobre o orçamento público.
A questão é controversa, envolvendo elementos que escapam ao escopo deste trabalho.
Complexo Industrial da Saúde 317
10
Para isso, foi instituída no Brasil a Comissão para Incorporação de Tecnologias (Citec) pela Portaria 3.322/2006 do Ministério da Saúde.
11
Em 2008, o Ministério da Saúde definiu, pela primeira vez, uma lista de produtos estratégicos, atualizada pela Portaria MS 1.284,
de maio de 2010.
12
Os produtos fabricados no Brasil eram registrados no Conselho de Política Aduaneira e passavam a receber proteção tarifária
contra importações.
318 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
13
Lei 5.772, de 1971.
Complexo Industrial da Saúde 319
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
-
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Farmacêutico EMHO
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma, IMS Health, Abimo e Ministério da Saúde.
10.000
31% 33%
8.000
28%
4.000
2.000
24% 21%
16% 17%
13%
-
2007 2008 2009 2010 2011
Apesar desse cenário, há uma relevante base industrial instalada no país, cuja pro-
dução responde por aproximadamente metade do mercado interno, tanto de medi-
camentos quanto de equipamentos e materiais médicos e hospitalares [Sindusfarma
(2012); Abimo (2011)].
A indústria brasileira de EMHO tem atuação relevante em nichos de média in-
tensidade tecnológica, especialmente nas áreas de odontologia e de equipamentos
médicos, como incubadoras neonatais, monitores e aparelhos de ultrassonografia,
que respondem por 30% da produção local. Entretanto, o setor é muito pulveri-
zado: há mais de quatrocentas empresas atuando no país, a maioria com receita
anual inferior a R$ 50 milhões [Abimo (2011)].
As empresas farmacêuticas brasileiras, por sua vez, tem maior porte, com qua-
tro companhias figurando na lista das dez maiores do setor do país. Apesar de já
serem importantes no mercado interno, ainda estão distantes das grandes mul-
tinacionais que atuam no setor. Com empresas nacionais de maior porte, o atual
estágio da indústria farmacêutica brasileira é de consolidação da estratégia baseada
na formulação e comercialização de medicamentos genéricos e de ampliação gra-
dativa dos investimentos em atividades de maior risco.
Dessa forma, o maior desafio para o CIS é a ampliação sistemática dos investi-
mentos em inovação. Na última década, houve um esforço expressivo das empresas
para isso, refletido no aumento dos investimentos em P&D captados pela Pintec
(Gráfico 9). Embora superiores à média da indústria de transformação brasileira,
ainda são baixos em relação ao padrão de competição internacional da indústria de
saúde, baseado em vultosos investimentos em P&D.
Ao mesmo tempo, observa-se uma crescente pressão no mercado interno em
função do movimento global em direção aos mercados emergentes. No caso das
indústrias de EMHO, vem ocorrendo uma inédita entrada de companhias multina-
cionais – como Phillips e GE –, realizando movimentos de aquisição de empresas
locais e implantação de unidades produtivas no Brasil.14
14
Destaque para a aquisição das empresas Dixtal, VMI, Tecso Informática e Wheb Sistemas pela Phillips e da XPRO pela GE.
Complexo Industrial da Saúde 321
1,8
1,6
1,4
1,2
1,0
%
0,8
0,6
0,4
0,2
0,0
2003 2005 2008
15
Por exemplo, em 2010, o grupo francês Sanofi-Aventis adquiriu a brasileira Medley e, em 2011, a Pfizer adquiriu 40% do
laboratório nacional Teuto.
322 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Alemanha Brasil Canadá E.U.A Inglaterra*
% em US$ % em unidades
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma (2012) e IMS Health (2012).
* Referente a 2010.
16
O termo biossimilar é utilizado para medicamentos biológicos com estrutura similar e ação semelhante ao medicamento biológico de
referência. O termo biogenérico não é adequado nesse caso, uma vez que ainda não é possível a cópia exata de medicamentos biológicos.
Complexo IndustrIal da saúde 323
5. a aTUaÇ ÃO D O B n D e s n O P e R ÍOD O
R ec enTe
ao longo de seus sessenta anos de história, o Bndes vem apoiando as empresas do
CIs por meio de seus diferentes instrumentos. até o início dos anos 2000, a instituição
inseria as diferentes indústrias do complexo em uma classificação de base técnica,
isto é, a indústria farmacêutica como um subconjunto das indústrias de base química
e da indústria de emHo apoiada no âmbito do complexo eletrônico. Como reflexo
dessa visão, a ação do Bndes, à época, apresentava um caráter menos sistêmico.
em 2003, o Bndes participou ativamente das discussões do Fórum de Compe-
titividade da Indústria Farmacêutica, embrião das recentes políticas industriais. a
política Industrial, tecnológica e de Comércio exterior (pItCe) foi lançada em 2004
324 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Gráfico 11 BNDES Profarma, operações contratadas ou aprovadas, períodos selecionados (em R$)
Exportação
100.186.223
Reestruturação Produção
347.160.253 Produção 11% 351.736.448
444.218.092
39%
39% GRÁFICO 11A GRÁFICO 11B
PROFARMA PROFARMA
PRIMEIRA FASE 50% SEGUNDA FASE
(ATÉ SET. 2007) (OUT. 2007 A MAR. 2012)
OPERAÇÕES APROVADAS OPERAÇÕES APROVADAS
OU CONTRATADAS OU CONTRATADAS
50%
11%
Inovação
443.724.169
Inovação
102.868.931
6. O nO V O Pa P e L D O B n D e s
o entendimento sistêmico da saúde, em suas vertentes social e econômica, exige o
fortalecimento do Complexo Industrial da saúde como um dos instrumentos para
ampliar o acesso à saúde no país. assim, o direcionamento dos investimentos para a
inovação, principal fonte de competitividade da indústria, implica um papel ainda
mais ousado das políticas públicas e, em particular, do Bndes, nos próximos anos.
328 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
R ef er ênc i as
Abimo – Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos,
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andré Carvalho Foster Vidal
andré Barros da Hora*
* respectivamente administrador e gerente do departamento de indústria de Papel e celulose da área de insumos básicos do bndes.
Papel e Celulose 335
R ES UM O
O presente trabalho busca fazer um panorama do setor de papel e celulose, no
Brasil e no mundo, com base no histórico recente do setor, bem como apresentar
as perspectivas para o futuro. Nos últimos dez anos, a China passou a ser o gran-
de produtor e consumidor mundial de papéis, enquanto outros países emergentes
apresentaram aumento na produção, ainda que em ritmo um pouco inferior ao
observado no consumo. O Brasil apresentou um razoável crescimento na demanda,
com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores, sendo que o baixo consumo
per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em relação à celulose,
resultou em poucos projetos de expansão de capacidade no país. A mudança da
China à condição de grande produtor global de papéis resultou no expressivo au-
mento do volume importado de celulose. Em contraste, o Brasil passou a ser o gran-
de fornecedor global desse insumo. Para o futuro da indústria brasileira de papéis,
questões como o baixo consumo per capita, as dificuldades e entraves logísticos e
tributários, bem como o reduzido porte das empresas, precisam ser equacionadas
para que a competitividade nacional aumente e os investimentos, enfim, ganhem
expressividade. Na celulose, a indústria deve buscar mecanismos de fortalecer a po-
sição competitiva alcançada, garantindo que os grandes projetos anunciados para
os próximos anos se concretizem, apesar da queda na rentabilidade dos produto-
res. Ao mesmo tempo, a indústria deve mirar em inovações ligadas ao conceito de
biorrefinaria, para garantir a sua rentabilidade e posicionamento no longo prazo.
AB S TR AC T
This study aims to provide an overview of the pulp and paper industries, in Brazil
and worldwide, based on the sector’s recent history, besides aiming to present
perspectives for the future. Over the past decade, China has become the major
producer and consumer of paper, while other emerging countries showed
an increase in production, although at a smaller rate than that recorded in
consumption. Brazil presented reasonable growth in demand, with supply growing
336 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
at slightly lower rates. The low per-capita consumption and low competitiveness
in paper production, in relation to pulp, resulted in very few projects aimed at
expanding the country’s capacity. The change in China’s status to the major global
producer of paper resulted in an expressive increase in the volume of imported
pulp. In contrast, Brazil has become the major global supplier of this input. For the
future of the Brazilian paper industry, issues such as low per-capita consumption,
the logistics and tax difficulties and barriers, as well as the small size of companies
must be weighed up so that national competitiveness increases, and investment,
ultimately, becomes expressive. In pulp, the industry should encounter mechanisms
to strengthen the competitive position achieved by ensuring that large-scale
projects announced for the coming years are actually executed, despite the decline
in producer profitability. At the same time, the industry should aim at innovations
linked to the concept of biorefinery to ensure its profitability and positioning in
the long term.
PaPel e Celulose 337
1. i nTR O DUÇ Ã O
motivação e eStrutura Do artigo
55% 223
APARAS DE PAPEL
409
CONSUMO 4% 17
TOTAL DE FIBRA
CELULOSE NÃO 68%
MADEIRA 115
CELULOSE
INTEGRADA
41%
169
394
CELULOSE DE
PRODUÇÃO GLOBAL MADEIRA VIRGEM 32% 54
DE PAPÉIS
CELULOSE DE
MERCADO
10
2,5%
PRODUÇÃO
BRASILEIRA
32 Demais papéis DE PAPÉIS
29 Sanitários Demais pastas 7
51 Papel-cartão
BSKP 22
143 I&E e Imprensa
9 38%
PRODUÇÃO
BRASILEIRA DE BHKP 25
139 Papelão
BHKP MERCADO
ondulado
Caracterização técnica
1
A celulose pode ser fabricada com outros vegetais (também chamada nonwood pulp). Especialmente na China, ainda existe muita
produção de celulose oriunda do bambu, porém a qualidade da celulose é baixa e o processo produtivo é altamente poluente.
2
Existe ainda a celulose solúvel (destinada à fabricação de uma ampla gama de produtos, com destaque para o segmento têxtil).
340 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
3
Na Figura 1, é possível notar que o consumo de fibras é superior à produção de papéis, e um dos motivos são as altas perdas
derivadas do uso de aparas de papel. Outros motivos incluem o uso de cargas minerais no papel, além dos diferentes teores de
umidade nas fibras e nos papéis.
Papel e Celulose 341
4
Stock Keeping Unit, ou unidades de manutenção de estoque.
342 BNDes 60 aNos – PeRsPeCTIVas seToRIaIs
da China nos últimos anos tenha levado esse país a figurar como o grande consumi-
dor e produtor mundial de papéis, conforme será visto em detalhes mais adiante.
essas razões ajudam a explicar o motivo da baixa participação brasileira na pro-
dução mundial de papéis (ver Figura 1), de apenas 2,5% em 2010, não sendo, porém,
as únicas. Deficiências lógisticas, alta e complexa carga tributária, desvio de finalida-
de de papel imune (explicado em detalhes mais à frente), pequeno porte das empre-
sas de papéis, além da competição por recursos com a celulose (que oferece maior
rentabilidade econômica e potencial de crescer em outros mercados via exportação),
ajudam a complementar o quadro. ao longo do texto, especialmente na sexta seção,
a baixa competitividade brasileira em papéis será explorada em maior detalhamento.
2. UM A V i S ÃO D E C in QU E n TA A n OS
DA i nDÚS T R iA n A C iOn A L
segundo a associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), em 1952 produziam-
-se no Brasil cerca de 262 mil toneladas de todos os tipos de papel, com destaque
para os de embalagem, que correspondiam a 48% do total. Já a produção de fibras
totalizava 121 mil toneladas, das quais 45% de celulose, a maioria fibra longa, e
54% de pastas de alto rendimento.
em 1956, o Plano de Metas, esforço do estado brasileiro em promover o de-
senvolvimento econômico, proporcionou ao setor de papel e celulose o apoio mais
constante do BNDes. um dos projetos importantes dessa época, que também con-
tou com o apoio do Banco, foi o de fabricação de papel com celulose proveniente
do eucalipto, cujo advento constituiu um marco para a indústria e permitiu ampliar
a produção de celulose brasileira.
No período compreendido entre 1957 e 1973, a produção de papel aumentou
cerca de quatro vezes, e o consumo três. Por outro lado, a produção de celulose e
pastas de alto rendimento aumentou substancialmente mais que o consumo, pos-
sibilitando o início das exportações, em especial da celulose derivada do eucalipto.
entre 1974 e 1980, a produção brasileira de celulose cresceu 201%, atingindo
2,9 milhões de toneladas. No mesmo período, a fabricação de papéis aumentou
PaPel e Celulose 343
3. PAnO R AM A D O ME R C A D O D E PA P É iS
DemanDa
entre 2000 e 2010, o CaGR5 global do consumo aparente de papéis foi de 1,8%,
como se pode verificar na Tabela 1. em 2010, a demanda global foi de 394 milhões
de toneladas, um incremento de 65,8 milhões de toneladas em relação ao patamar
5
compound annual growth rate, ou taxa média de crescimento.
344 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
registrado em 2000. No mesmo período, o CAGR do PIB global foi de 3,4%. A prin-
cipal razão para tal divergência reside na redução do consumo per capita de papéis
em mercados maduros, em especial nos papéis gráficos (I&E e imprensa).
Fonte: RISI.
Papel e Celulose 345
6
A embalagem dos produtos exportados entra nas estatísticas do país exportador como consumo interno.
346 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
no Brasil foi de 3,4%, ao passo que o da China foi de 9,3% e dos demais emergentes de
4,7%. Entretanto, o Brasil ainda experienciou um ligeiro aumento na participação da
demanda mundial, saindo de 2,1% em 2000 para 2,5% em 2010. A explicação para tal
fato reside na contração ocorrida em mercados maduros (-1,4%), que detinham uma
alta participação na demanda global (66,5% em 2000 e 48,1% em 2010).
Tais taxas de crescimento são semelhantes, porém um pouco superiores, às do
consumo per capita de papéis (à exceção dos mercados maduros): a China apresen-
tou um CAGR de 8,7% no período, seguido dos demais emergentes (3,1%), Brasil
(2,2%) e mercados maduros (-2%). Em 2000, o consumo per capita chinês era 76%
do brasileiro, e essa razão subiu a 140% em 2010. Apesar da queda no consumo per
capita em mercados maduros, em 2010 este ainda foi o triplo do consumo chinês.
Conforme ilustra o Gráfico 1, o consumo per capita (medido em kg/habitante/
ano) de papéis no Brasil em 2010 (48) foi inferior ao de outros emergentes, como
Coreia do Sul (201), Chile (78), Turquia (69), México (64) e Argentina (63), quase
igual ao da África do Sul (48), mas superior a de outros emergentes, como Rússia
(46), Indonésia (25) e Índia (9).
300
250
200
150
100
50
-
Mercados maduros China Brasil Demais emergentes
2000 2010
2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 92.859 28,2 China 91.655 23,2
China 37.640 11,4 Estados Unidos 75.246 19,1
Japão 32.099 9,8 Japão 27.872 7,1
Alemanha 18.757 5,7 Alemanha 19.763 5,0
Reino Unido 12.826 3,9 Itália 10.829 2,7
França 11.475 3,5 Índia 10.776 2,7
Itália 10.983 3,3 Reino Unido 10.515 2,7
Canadá 7.839 2,4 França 9.924 2,5
Coreia do Sul 7.396 2,2 Brasil 9.507 2,4
Espanha 6.842 2,1 Coreia do Sul 9.426 2,4
Demais países 90.175 27,4 Demais países 119.215 30,2
Total mundo 328.892 100,0 Total mundo 394.728 100,0
Fonte: RISI.
Oferta
Como a produção de papéis tende a se situar próxima à demanda, seu crescimento foi
muito semelhante ao do consumo. O crescimento da produção versus o crescimento
do consumo foi de -0,9% x -1,4% nos mercados maduros; 10,9% x 9,3% na China;
3,1% x 3,4% no Brasil; e 3,7% x 4,7% nos demais emergentes. Ou seja, apesar da
semelhança nas taxas, o crescimento da oferta foi superior ao da demanda nos mer-
cados maduros e na China, ao passo que o contrário ocorreu no Brasil e nos demais
emergentes. A China foi a grande responsável pelo aumento da oferta de papéis no
mundo: a variação na produção de 2010 em relação a 2000 foi de 59,7 milhões. Nos
demais emergentes, houve adição na produção de 24,7 milhões de toneladas; no
Brasil, de apenas 2,6 milhões de toneladas; e nos mercados maduros houve retração
de 20,3 milhões de toneladas. Os mercados maduros, que representavam 71% da
produção mundial em 2000, passaram a representar 53% em 2010 (Gráfico 2).
348 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
450.000
400.000
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
-
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: RISI.
O ranking dos dez maiores produtores mundiais (Tabela 3) guarda muita seme-
lhança com o dos maiores consumidores. Quatro emergentes ganharam posições: China,
Coreia do Sul, Indonésia e Brasil. Entretanto, como apontam as diferenças nas taxas de
produção e crescimento, os países desenvolvidos perderam menos espaço, proporcio-
nalmente, no ranking dos maiores consumidores do que no de maiores produtores.
2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 86.011 26,3 China 92.599 23,5
China 32.864 10,0 Estados Unidos 75.849 19,3
Japão 31.828 9,7 Japão 27.288 6,9
Canadá 20.813 6,4 Alemanha 23.122 5,9
Alemanha 18.182 5,6 Canadá 12.787 3,2
Finlândia 13.509 4,1 Finlândia 11.789 3,0
Suécia 10.786 3,3 Suécia 11.410 2,9
França 10.006 3,1 Coreia do Sul 11.120 2,8
Coreia do Sul 9.308 2,8 Indonésia 9.951 2,5
Itália 9.087 2,8 Brasil 9.796 2,5
Demais países 84.772 25,9 Demais países 108.188 27,5
Total mundo 327.166 100,0 Total mundo 393.899 100,0
Fonte: RISI.
Papel e Celulose 349
Comércio internacional
7
A Bracelpa não divulgou a capacidade instalada de 2010.
350 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
uma parte do grande aumento nas exportações por parte da região. A América La-
tina também sofreu déficits na balança, que se deteriorou no decorrer do período.
O Brasil foi o único país da região que registrou saldo positivo entre 2000 e 2010,
enquanto o Chile experienciou saldo positivo em alguns anos do mesmo período.
Gráfico 3 Exportações sobre produção em âmbito global, aberto por tipo de papel
50
45
40
35
30
25
%
20
15
10
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: RISI.
Tabela 4 Saldo Comercial de papéis, por região e países selecionados (em mil toneladas)
Fonte: RISI.
2.000 3,5
3,0
1.500
2,5
1.000
MIL TONELADAS
2,0
R$/US$
500
1,5
-
1,0
-500
0,5
-1.000 -
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
8
É importante lembrar que, em cada segmento, existem outros diversos subsegmentos que apresentaram déficits individualmente.
Um exemplo notável são os papéis de I&E revestidos.
PaPel e Celulose 353
Nesses papéis, o peso da fibra virgem nos custos é mais relevante, e o Brasil, além
de dispor de uma celulose altamente competitiva, tem grandes produtores (como
Klabin, suzano e IP), com algumas plantas modernas e de grande porte, o que
permitiu ao Brasil exportar de forma competitiva (em especial para o restante da
américa latina, bastante dependente de papéis importados).
4. PAnO R AM A D O ME R C A D O D E C E L U L OSE
DemanDa
9
todas as referências à celulose no texto referem-se à polpa oriunda de madeira destinada à produção de papéis, exceto quando
explicitamente mencionado.
10
a razão calculada foi feita com base em consumo de fibra/produção de papéis, sem ajuste por perdas, umidade ou uso de outros
aditivos no papel, como cargas minerais.
354 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
58
56
54
52
50
%
48
46
44
42
40
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: RISI.
Gráfico 6 Consumo aparente global de celulose, por tipo (em mil toneladas)
200.000
180.000
160.000
140.000
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: RISI.
2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 57.360 31,2 Estados Unidos 48.306 26,1
China 19.380 10,5 China 32.396 17,5
Canadá 15.962 8,7 Japão 10.679 5,8
Japão 14.148 7,7 Canadá 9.335 5,1
Finlândia 10.361 5,6 Suécia 9.186 5,0
Suécia 8.755 4,8 Finlândia 8.810 4,8
Alemanha 5.968 3,2 Alemanha 6.994 3,8
Brasil 4.795 2,6 Brasil 6.079 3,3
Rússia 4.307 2,3 Rússia 5.756 3,1
França 4.289 2,3 Indonésia 4.601 2,5
Demais países 38.796 21,1 Demais países 42.640 23,1
Total mundo 184.121 100,0 Total mundo 184.783 100,0
Fonte: RISI.
11
Definido pela razão do consumo de aparas de papel sobre a produção de papel.
356 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Oferta
2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 56.933 30,8 Estados Unidos 49.243 26,5
Canadá 26.871 14,5 China 22.042 11,9
China 16.438 8,9 Canadá 18.536 10,0
Finlândia 11.910 6,4 Brasil 14.062 7,6
Suécia 11.517 6,2 Suécia 11.877 6,4
Japão 11.319 6,1 Finlândia 10.508 5,7
Brasil 7.463 4,0 Japão 9.393 5,1
Rússia 5.885 3,2 Rússia 7.421 4,0
Indonésia 4.308 2,3 Indonésia 6.278 3,4
Índia 2.770 1,5 Chile 4.114 2,2
Demais países 29.564 16,0 Demais países 32.109 17,3
Total mundo 184.978 100,0 Total mundo 185.582 100,0
Fonte: RISI.
que muitas das novas capacidades localizadas no hemisfério sul destinam-se a ofertar
celulose aos grandes produtores de papel, localizados principalmente em países
desenvolvidos e na China.
Se for considerada somente a celulose de mercado, a participação do Brasil no
mercado global, que era de 8,5% em 2000, foi a 18% em 2010. Se fizermos um cor-
te ainda maior e considerarmos apenas a produção de BHKP de mercado, o Brasil
saiu de uma participação de 22% em 2000 para 38% em 2010.
Esse grande salto na produção veio principalmente por meio de quatro grandes
projetos de celulose de mercado, de classe mundial, que iniciaram suas atividades en-
tre 2000 e 2010. O primeiro foi a terceira linha da unidade de Aracruz (ES) da então
Aracruz (atual Fibria), com capacidade de produção de 700 mil t/ano de celulose. Com
start-up em 2002, o projeto garantiu à empresa, que na época era a segunda maior
produtora mundial de fibra curta de eucalipto, a liderança mundial nesse segmento.
Posteriormente, em 2005, na região sul da Bahia, houve o início das opera-
ções da primeira planta de celulose da Veracel (joint-venture da Stora Enso e da
Aracruz), nos limites dos municípios de Eunápolis e Belmonte, com capacidade de
900 mil t/ano e que é, ainda hoje, uma das plantas mais eficientes do mundo, em
função da alta produtividade das florestas da região. Ainda na Bahia, o projeto de
uma nova linha na planta da Suzano em Mucuri, com capacidade de produção de
1 milhão de t/ano de celulose de mercado, começou em 2007. Na época, foi a maior
escala de uma planta de celulose em todo o mundo e foi responsável por levar a Su-
zano (que era denominada Suzano Bahia Sul Papel e Celulose) a ser segunda maior
produtora nacional de celulose.
Por fim, o quarto grande projeto iniciou-se em 2009, no que foi a primeira
planta de celulose no estado de Mato Grosso do Sul: uma nova unidade da en-
tão VCP (Votorantim Celulose e Papel, atual Fibria) com capacidade instalada de
1,3 milhão de t/ano. Apenas nesses quatro projetos, foram adicionados quase
quatro milhões de toneladas de capacidade instalada de BHKP no mercado. É
interessante notar o contínuo aumento de escala nos projetos de celulose: saindo
de 700 mil t/ano em 2002, para 900 mil t/ano em 2005, 1 milhão t/ano em 2007 e
1,3 milhão de t/ano em 2009. Essa grande escala contrasta com os investimentos
358 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
em papel: o maior projeto do período, o MA-1100 da Klabin, adicionou 420 mil t/ano
de capacidade produtiva no mercado.
Outro destaque na oferta brasileira no período foi a formação da Fibria, a
maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo, oriunda da fusão
entre a VCP e a Aracruz, em 2009. Segundo estimativas da consultoria RISI, a Fibria
detém 10% da capacidade instalada global de celulose de mercado, sendo 21% se
considerada apenas BHKP.
Comércio internacional
90
80
70
60
50
%
40
30
20
10
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Total Mercado
Fonte: RISI.
Papel e Celulose 359
Tabela 7 Saldo comercial de celulose, por região e países selecionados (em mil toneladas)
Fonte: RISI.
360 BNDes 60 aNos – PeRsPeCTIVas seToRIaIs
Demais
China
Demais 12%
Estados Unidos Estados Unidos
22%
28%
22%
19%
China 3%
2000 2010
47% 47%
Europa Europa
Fonte: aliceWeb.
5. O APO i O D O B n D E S
a maioria dos grandes projetos ocorridos nos últimos dez anos no Brasil teve apoio do
BNDes. De 2001 a 2010, os desembolsos diretos para projetos industriais em celulose
(não incluindo a formação da base florestal, investimentos em renda variável ou ca-
pital de giro) foi de R$ 5,4 bilhões, ao passo que para papéis, o montante foi inferior,
de R$ 2,5 bilhões (Gráfico 9). Tal situação ilustra o menor nível de investimentos em
papéis do que em celulose, conforme destacado anteriormente. Dos quatro grandes
projetos de celulose ocorridos no país no período, o único que não foi apoiado pelo
Banco foi o projeto da Cenibra. em papéis, o Banco financiou o projeto Ma-1100 da
Klabin, porém não participou da linha de I&e da IP em Três lagoas (Ms).
Papel e Celulose 361
6
R$ BILHÕES
-
Indireto Direto
Celulose Papel
No total, o apoio direto e indireto do BNDES foi de R$ 9,4 bilhões, o que resulta
em uma média anual de quase R$ 1 bilhão. Para maiores informações sobre o apoio
do BNDES, nos últimos dez anos, ao setor de produtos florestais, sugere-se consul-
tar Vidal e Da Hora (2011).
12
O BNDES pode atuar tanto diretamente, quanto indiretamente, por meio de agentes financeiros. De acordo com as políticas
operacionais vigentes à época da elaboração deste artigo, apenas operações acima de R$ 10 milhões podem ser realizadas de
forma direta.
362 BNDes 60 aNos – PeRsPeCTIVas seToRIaIs
6. PER S PEC Ti VA S
PaPéiS
taBela 8 resultado de 2011 em PaPéis no brasil, em relação a 2010 (em mil toneladas)
emBalagem 4.926 1,3 4.384 0,8 606 3,9 64 (8,6) 542 5,7
i&e 2.682 (0,8) 2.347 0,0 1.034 (5,2) 699 (4,9) 335 (5,9)
imPrenSa 129 4,0 533 (9,0) 2 100,0 406 (12,3) (404) (12,6)
PaPel-Cartão 732 (6,9) 550 (9,2) 221 3,8 39 18,2 182 1,1
DemaiS 438 (5,4) 495 3,1 181 4,0 238 24,6 (57) 235,3
total PaPéiS 9.879 0,4 9.282 0,1 2.052 (1,1) 1.455 (3,1) 597 4,4
Fonte: Bracelpa.
Para os próximos anos, é provável que a demanda por papéis continue sendo
influenciada pelo crescimento do PIB e, uma vez que as perspectivas econômicas
são favoráveis aos países emergentes, estes devem continuar praticando melhor
desempenho do que os mercados maduros, à semelhança dos últimos anos.
Vale notar ainda que o consumo per capita de papéis nos mercados maduros
guarda significativa distância do observado nos mercados emergentes (ver Gráfico 1),
o que é outro indício do potencial de ganho destes últimos.
Papéis gráficos
Tanto nos mercados maduros quanto nos emergentes, mas em especial nos pri-
meiros, o consumo de papéis gráficos (I&e e imprensa) deve continuar pressionado
Papel e Celulose 363
13
A base da RISI considera cerca de 87% da capacidade instalada de I&E do mundo.
14
Todas as referências a dados médios de plantas de papel e celulose no texto referem-se a uma média ponderada por capacidade
instalada.
364 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
que máquinas de I&E com menos de 1,76 metro de diâmetro e velocidade inferior a
120 m/min deverão ser fechadas, dando lugar a novas e modernas máquinas.
O Brasil tem plantas com idade tecnológica semelhante às da Europa Ociden-
tal e do Japão, porém com escala muito menor (média de 64 mil t/ano, sendo a
maior planta, da IP em Três Lagoas, de 200 mil t/ano). Entretanto, a situação ainda
é melhor do que a do restante da América Latina, com a menor escala (média de
32 mil t/ano) e um dos mais antigos parques industriais do mundo (idade tecnoló-
gica média de 24 anos).
Esses dados estão representados no Gráfico 10.
20 40 60 80 100 120
0
CHINA
5
IDADE TECNOLÓGICA MÉDIA (ANOS)
BRASIL
10
Demais asiáticos
Europa Ocidental
15
Japão
África, Europa
Oriental e Oceania
20
25
Demais América
América do Norte
30
setor, a Ásia deve aumentar sua capacidade instalada de I&E em quase 8 milhões
de t/ano até 2016, enquanto a Europa e a América do Norte devem fechar cerca de
3 milhões de t/ano no mesmo período. Já no papel imprensa, o aumento de capaci-
dade da Ásia provavelmente será próximo de 800 mil t/ano, ao passo que América
do Norte e Europa devem fechar quase 500 mil t/ano de capacidade.
Gráfico 11 Saldo comercial de papéis gráficos na China, Indonésia e Coreia do Sul (em mil
toneladas)
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
(500)
(1.000)
(1.500)
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: RISI.
800 70
700 60
600
50
500
MIL TONELADAS
40
%
400
30
300
20
200
10
100
0 0
2005 2006 2007 2008 2009 2010
Toneladas % do total
Fonte: Bracelpa.
Papel e Celulose 367
midor. Algumas inovações tendem a unir o papel com outros materiais, como no
caso das caixas de embalagem “longa vida” (embalagens cartonadas assépticas),
em que a união de papel-cartão com polietileno de baixa densidade e alumínio
permitiu criar uma embalagem que melhor preserva e conserva as bebidas. Ou-
tras inovações são relacionadas ao design, buscando conferir mais sofisticação
à embalagem do produto e, assim, aumentar a percepção de valor pelo cliente,
ou mesmo de permitir novas funcionalidades à embalagem. Esta última função
também deve ser buscada por meio de avanços tecnológicos, inclusive pelo uso
de nanotecnologia [Santi (2011)], criando embalagens inteligentes. Algumas das
possíveis vertentes que vão ditar o rumo das inovações no setor de papéis para
embalagem nos próximos anos são: a redução no uso de matérias-primas, a se-
gurança alimentar, o potencial de reciclagem, a inteligência das embalagens, a
sofisticação do design e a conveniência do cliente.
No Brasil, segundo a Bracelpa, a produção de papéis para embalagem (exclusi-
ve papel-cartão) cresceu 1,3% em 2011, ao passo que o consumo aparente cresceu
0,8%. Já o papel-cartão sofreu retração de -6,9% na produção e de -9,2% no con-
sumo. O que explica a divergência entre as taxas de crescimento desses tipos de
papéis é a maior base de comparação em papel-cartão (houve acréscimo na produ-
ção de 5,2% em 2010 em relação a 2009, ao passo que nos papéis para embalagens
esse valor foi de 3,2%) e o aumento da importação de produtos industrializados no
Brasil (que já vêm embalados, o que reduz a produção local de embalagem). Nesse
caso, o P.O. foi menos pressionado por ser muito utilizado na embalagem de pro-
dutos alimentícios. Em 2010, 46% das vendas de produtos acabados de P.O. tiveram
essa destinação, segundo a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO). O
país deve continuar apresentando demanda crescente por papéis para embalagens,
em especial pelas perspectivas positivas para o crescimento do PIB nos próximos
anos. Do lado negativo, a principal ameaça à demanda possivelmente virá pelo
aumento da importação de produtos que já vêm embalados.
Já a oferta brasileira deve continuar crescendo, acompanhando as perspec-
tivas positivas para a demanda. O país deve continuar recebendo pequenos in-
vestimentos em plantas de fabricação de P.O. à base de aparas de papel, bem
Papel e Celulose 369
Papéis sanitários
Os papéis sanitários também revelam tendências de crescimento muito positivas no
mundo, uma vez que praticamente inexistem produtos substitutos (à exceção de
algumas aplicações, em especial no mercado corporativo, como secadores de mão
à base de ar quente). Os papéis sanitários foram os únicos que não sofreram retra-
370 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ção no consumo global no recessivo ano de 2009, quando a demanda global por
papéis recuou 5,6%, mas a demanda por papéis sanitários cresceu 0,9%. O fato de
sua demanda ser estável mesmo em momentos de crise demonstra a consistência
do crescimento esperado para o segmento.
Esse crescimento nos próximos anos deverá vir, sobretudo, dos mercados emer-
gentes, uma vez que a melhoria de renda e o aumento da população urbana tra-
zem ao mercado milhares de novos consumidores, especialmente na China. Mas,
mesmo em mercados maduros, as perspectivas para o setor são positivas. Os papéis
sanitários foram o único segmento em que os mercados maduros experienciaram
crescimento no período 2000-2010 (ver Tabela 1).
Os papéis sanitários estão entre os tipos de papel menos negociados internacio-
nalmente, em razão de sua baixa densidade, o que encarece muito o frete. Mesmo
dentro dos países, as unidades produtoras de papéis sanitários costumam ter escala
reduzida e presença dispersa pelo território, já que precisam estar bastante próxi-
mas dos mercados consumidores para serem competitivas. Assim, mais do que em
qualquer outro tipo de papel, nos sanitários o crescimento da demanda nos países
será seguido muito de perto pela oferta.
No Brasil, a maior parcela de papéis sanitários consumida refere-se a papéis
higiênicos de folha simples. Entretanto, conforme Tabela 9, nos últimos anos, vem
ocorrendo um crescente aumento da composição de papéis higiênicos de folha du-
pla, como ocorrido em mercados maduros, um sinal da melhoria de distribuição de
renda da população [Vital (2008)].
Fonte: Bracelpa.
Papel e Celulose 371
Segundo a RISI, com base nos projetos anunciados por empresas do setor, o
Brasil deve receber cerca de 260 mil t/ano de novas capacidades de papéis sanitá-
rios até o fim de 2016. Considerando as estimativas da RISI de que a capacidade
instalada brasileira encerrou o ano de 2011 em 1,2 milhão de t/ano, e com base nos
anúncios realizados, o crescimento da oferta brasileira seria da ordem de 4% a.a.
Celulose
15
A taxa de recuperação é definida como o consumo de aparas sobre o consumo de papel, ou seja, quanto do papel consumido foi
direcionado para a reciclagem.
Papel e Celulose 373
24% 22%
54%
Papéis sanitários
Fonte: Fibria.
Fonte: RISI.
* A planta da Klabin será flex, produzindo fibras curta e longa.
16
Para mais informações, ver Parecer CGU/AGU 01/2008, publicado em 19 de agosto de 2010.
Papel e Celulose 375
7.000 45
40
6.000
35
5.000
30
MIL TONELADAS
4.000 25
%
20
3.000
15
2.000
10
1.000
5
0 0
jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012
Fonte: RISI.
Competitividade
Globalmente, os custos de produção da celulose vêm se elevando nos últimos anos,
reflexo direto do aumento no custo de seu principal insumo, a madeira. Houve
aumentos no custo desta em decorrência da valorização da terra. A inflação global
nos preços das terras vem ocorrendo na esteira do crescimento da população mun-
dial e da renda em países emergentes, que eleva a demanda por alimentos, madei-
ra e biocombustíveis. Uma vez que a população mundial deve continuar crescendo,
assim como a renda em países emergentes, e que pressões ambientais por fontes
de energias limpas continuarão impulsionando a demanda por biocombustíveis, a
pressão nos custos de terras, e, por consequência, da madeira, deverá permanecer.
Em BHKP, o CAGR do custo-caixa médio dos maiores produtores globais17 (me-
dido em US$/t), incluindo frete até a Europa, entre 2000 e 2011, foi de 4,1%. Em
parte, o aumento da média global foi puxado pelo Brasil, cujo CAGR foi de 5,8% e
que se tornou o maior produtor mundial de celulose de mercado BHKP no mundo.
Nas regiões de alto custo, o CAGR foi de 3,5% (ver Gráfico 15).
17
Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.
376 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
No Brasil, além da inflação do preço da terra, vem pesando nos últimos anos a
elevação do custo de mão de obra, bem como a apreciação do real em relação ao
dólar. Desde 2002, o diferencial de custos de produção do Brasil em comparação
às regiões de alto custo vem se reduzindo. Naquele ano, o custo-caixa médio dos
produtores brasileiros (considerando frete para Europa) esteve 41% abaixo da
região de alto custo, enquanto, em 2011, esse diferencial foi de apenas 15%. A
menos que a atual tendência de uma moeda forte e de aumentos reais na renda
dos trabalhadores se altere, o Brasil continuará com menor destaque na posição
competitiva global de BHKP, ainda que continue figurando entre os produtores
de menor custo.
700
600
500
400
300
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100
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: RISI.
* Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.
700
600
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400
300
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100
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2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: RISI.
* Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.
45
40
35
30
25
20
15
10
0
Finlândia Suécia EUA Portugal África do Sul Chile Austrália Indonésia Brasil 1990 Brasil 2000 Brasil 2010
Folhosas Coníferas
Fonte: Abraf.
7. C O nC L US Õ E S
Nos últimos dez anos, a China passou a ser o grande produtor e consumidor mundial
de papéis, enquanto outros países emergentes obtiveram aumento na produção, ainda
que em ritmo um pouco inferior ao observado no consumo. Já nos mercados maduros,
houve retração na demanda, em especial pelo declínio no consumo de papéis gráficos,
muito afetados pela concorrência com os meios digitais. o Brasil contou com um razo-
ável crescimento na demanda, com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores. Po-
rém, o baixo consumo per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em
relação à celulose, resultaram em poucos projetos de expansão de capacidade no país.
a promoção da China à condição de grande produtor global de papéis resultou
no expressivo aumento do volume importado de celulose pelo país. em contraste,
o Brasil passou a ser o grande fornecedor global de BeKP de mercado, tornando-se
o segundo maior exportador global de celulose. Nos países do hemisfério norte, a
pouca competitividade, em relação aos do hemisfério sul, levou a diversos fecha-
mentos de capacidade instalada no período.
Nos próximos anos, a tendência para o consumo global de papéis será de cresci-
mento, ainda que a taxas inferiores ao crescimento do PIB, e, como os papéis gráficos
380 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
R e f er ênc i as
Abraf – Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas. Anuário estatístico
da ABRAF 2006: ano base 2005. Brasília, 2006.
______. Anuário estatístico da ABRAF 2011: ano base 2010. Brasília, 2011.
ABPO – Associação Brasileira de Papelão Ondulado. Anuário Estatístico. São Paulo, 2010.
Juvenal, T.; Mattos, R. O setor de celulose e papel. BNDES 50 Anos – Histórias Setoriais.
Rio de Janeiro, 2002.
Sites consultados
Fibria – <www.fibria.infovest.com.br>.
RISI – <www.risi.com>.
Produção Editorial
Expressão Editorial
Impressão
Gráfica Stamppa
VOLUME II
Organizador:
filipe Lage de Sousa
1ª edição
r i o D e JA n e i r o – o u t u B r o D e 2 0 1 2
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
P re side nt e
Luciano Coutinho
V i ce - pr e side nt e
João Carlos Ferraz
Vários autores.
ISBN: 978-85-87545-45-9
CDD – 332.28
VOLUME 1
Prefácio................................................................................................................. 5
Apresentação........................................................................................................ 9
Prefácio................................................................................................................. 5
Apresentação........................................................................................................ 9
Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desen-
volvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento
básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas.
No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de
1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/
PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias ad-
versas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o proces-
so de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa
nacional de desestatização.
Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firme-
mente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, cola-
borando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento
(FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascenden-
te foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência
do Lehman Brothers em setembro de 2008.
O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fun-
damentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três
décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de
estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os inves-
timentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais
instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida supe-
ração do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu
empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de
forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal.
Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo
conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira.
A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas
para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis.
Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cená-
rio internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvol-
vidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado
prefácio 7
mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportuni-
dades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores
de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços
e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossinté-
ticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de
nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas
oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira gera-
ção, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de
cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimen-
to de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a
perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais
de desenvolvimento do país.
Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da institui-
ção, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potenciali-
dades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com
um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspec-
tivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras,
este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às
demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e
pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável
em todos os sentidos.
Luciano Coutinho
Presidente do BNDES
ap r es enta ç ã o
Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que
mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise
bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial;
ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistente-
mente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica
de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transforma-
ções em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia
brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora.
Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publica-
ção com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns
setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencia-
lidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições
positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes
e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento
brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de
sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores
per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a
sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar.
Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um intro-
dutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia
brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais pro-
váveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os
resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investi-
mento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira
no período recente, bem como suas perspectivas.
Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particular-
mente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro
artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos
equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays),
10 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços
correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a
produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria
aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube apro-
veitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente
competitivas e examina os principais desafios para mantê-las.
A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e
suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume.
Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da es-
pecificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do
pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assun-
to é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários
para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas des-
cobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no
qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a
desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saú-
de, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no
penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação cons-
titui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um
exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I.
Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em ferti-
lizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição
para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais
do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta
publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustí-
veis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da
necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo se-
guinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado,
contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem.
Apresentação 11
*respectivamente economista e engenheiro do departamento de indústria química da Área de insumos básicos do bndes.
os autores agradecem os comentários de gabriel lourenço gomes, felipe dos santos pereira, marcelo gonçalves tavares e rodrigo
matos huet de bacellar, respectivamente: chefe de departamento e gerente do departamento de indústria química e assessor e
superintendente da Área de insumos básicos, e os comentários da Área de pesquisa econômica do bndes (ape). os autores são
gratos também a david roquetti filho, diretor-executivo da associação nacional de difusão de adubos (anda), e carlos eduardo
florence, diretor-executivo da associação dos misturadores de adubos do brasil (ama) por recebê-los para conversas sobre o setor.
erros e omissões eventualmente remanescentes são, entretanto, de responsabilidade dos autores.
Química 13
R ES UM O
O setor de fertilizantes é um segmento estratégico para o país, estando a eleva-
ção da produtividade da agricultura fortemente relacionada a sua utilização. No
entanto, a produção interna tem sido insuficiente para atender à demanda, o que
tem ocasionado uma forte elevação das importações de fertilizantes ano após ano
e tornado o segmento responsável por cerca de um terço do déficit da indústria
química. Os diversos investimentos planejados para os próximos anos serão capazes
de reduzir a dependência externa, porém ainda serão insuficientes para suprir o
mercado nacional. O setor sofre com problemas de infraestrutura portuária e de ar-
mazenamento, e também relacionados a questões tecnológicas, regulatórias, tribu-
tárias e ambientais, que merecem destaque e serão objeto de estudo neste artigo.
AB S TR AC T
The fertilizer industry is a strategic segment for the country, and the increase in
agricultural productivity is strongly related to the use of fertilizer. However, domestic
production has been unable to meet demand, which has caused a sharp rise in
imports of fertilizers year after year. This has resulted in the segment accounting for
approximately one third of the deficit in the chemical industry. Several investments
planned for the coming years will be able to reduce dependence on imports, but it
will still be unable to supply the national market. The sector suffers from problems
with port infrastructure and storage, and also with technological, regulatory, tax
and environmental issues that warrant attention and will be the focus of this paper.
Química 15
1. i nTR O DUÇ Ã O
Na década de 2000, a produção da indústria química brasileira não acompanhou a
evolução do consumo interno, ocasionando um déficit crescente e persistente no
setor. Os intermediários para fertilizantes, segmento importante da indústria quí-
mica, são responsáveis por cerca de um terço do déficit, e as perspectivas são de que
a demanda por adubos eleve-se ainda mais nos próximos anos.
O Brasil dispõe de um enorme potencial agrícola. O agronegócio é responsável
por parcela importante do Produto interno Bruto (PiB), e o país é um dos maiores
produtores e fornecedores globais de grãos, cana-de-açúcar, carne e produtos flores-
tais, tendo uma das estruturas de custos mais competitivas do mundo. as projeções
de crescimento da população e sua urbanização, a alta procura por alimentos reali-
zada por china e índia e o apelo para utilização de biocombustíveis exigirão que a
produção agrícola se eleve para acompanhar a demanda. No entanto, a quantidade
de terras disponíveis para a agricultura é limitada, criando a necessidade de que as
terras cultiváveis aumentem sua produtividade. Esse aumento de produtividade vem
ocorrendo por meio do uso de fertilizantes, aliado a outras tecnologias.
como um grande produtor agrícola, o país é também um grande consumidor
de fertilizantes, atrás apenas de china, índia e Estados unidos. apesar de ser um
grande demandante, porém, a produção interna de insumos para fertilizantes é
insuficiente para atender ao consumo, e cerca de 60% dos fertilizantes utilizados
provêm de importações. a alta dependência externa deixa o país vulnerável a flu-
tuações de câmbio e preços e traz o risco de escassez de insumos básicos.
Tendo em vista a importância estratégica dos fertilizantes para o país, é necessário
reduzir a participação das importações no consumo nacional, elevando a produção
interna. O país tem reservas de fósforo e potássio, matérias-primas para a produção
de fertilizantes fosfatados e potássicos, com potencial para serem exploradas. além
disso, com a descoberta do pré-sal, a oferta de gás natural, que é insumo básico para
a produção de nitrogenados, deve ser ampliada. contudo, para destravar os investi-
mentos no setor, são necessários investimentos em logística e formulação de políticas
que solucionem impasses regulatórios, tecnológicos, tributários e ambientais.
16 BNDES 60 aNOS – PERSPEcTiVaS SETORiaiS
2. A i nDÚS TR iA QU ÍMiC A
caracterização do Setor
a indústria química está presente em quase todas as cadeias produtivas dos mais
diversos setores, fornecendo insumos e produtos para a indústria, agricultura e
serviços. Em razão de sua importância, ocupava em 2009 a quarta posição no PiB in-
dustrial, que corresponde a 10,11% do PiB gerado pela indústria de transformação,
ficando atrás apenas da indústria de alimentos e bebidas; coque, produtos deriva-
dos de petróleo e biocombustíveis; e veículos automotores, reboques e carrocerias.
a indústria química envolve a fabricação de produtos com base em reações
químicas que convertem matérias-primas (petróleo, gás natural e outras fontes, até
mesmo da biomassa) em mais de setenta mil produtos químicos existentes. Embora
todos tenham em comum o fato de empregarem processos químicos (ou biotec-
nológicos) para síntese dos produtos, há grandes diferenças nas características dos
produtos e processos de produção, nos respectivos mercados e padrões de compe-
tição nos diferentes segmentos da indústria química.
Química 17
Faturamento
Japão e Alemanha. Índia, Rússia, Brasil e Coreia cresceram, respectivamente, 14% a.a.,
13% a.a., 11% a.a. e 10% a.a. A indústria química brasileira ganhou a posição de
países como Itália e Reino Unido.
Gráfico 1 Ranking de faturamento da indústria química mundial, 2010 (em US$ bilhões)
China 903
EUA 720
Japão 338
Alemanha 229
Coreia 139
França 137
Brasil 129
Índia 125
Itália 105
Reino Unido 94
Rússia 83
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1.000
R$ 125,4 bilhões, cerca de US$ 76,2 bilhões, em 2011. Compreendem, assim, produ-
tos petroquímicos (básicos, ou de segunda geração, como as resinas termoplásticas,
termofixas e elastômeros), outros produtos orgânicos, além de produtos inorgâni-
cos, como cloro e álcalis, gases industriais e intermediários para fertilizantes.
Dentre os produtos químicos de uso industrial, destacam-se os petroquími-
cos básicos e resinas termoplásticas (responsáveis por 33% do faturamento total
do segmento em 2011), produtos e preparados químicos diversos (17%), outros
produtos químicos orgânicos (15%), intermediários para fertilizantes (9%), inter-
mediários para resinas e fibras (7%), e outros inorgânicos (6%). A petroquímica
corresponde ao principal segmento da indústria química brasileira, com cerca de
60% do faturamento total dos produtos químicos de uso industrial, o equivalente a
US$ 45,9 bilhões. Assim, a petroquímica, com quase um terço do faturamento glo-
bal da indústria, é o principal segmento da indústria química no país.
Tabela 1 Faturamento da indústria química por segmento, 2011 (em US$ bilhões)
Petroquímicos 45,9
Inorgânicos 17,4
Outros 2,2
300
261,9
226,1
225,2
250
201,2
200,9
179,6
176,4
176,1
200
140
150 158,5
108,9
91,3
123,8 128,5
79,8
100 101,3
103,5
82,6
72,3
60,3
50 43,6 45,5
38,8 37,3
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Produção
1
Os dados de produção industrial foram retirados da PIA-Empresa e correspondem ao valor bruto da produção industrial, da
Tabela 1.4 (Estrutura do valor da transformação das empresas industriais com 30 ou mais pessoas ocupadas). O valor bruto da
transformação industrial é dado pela soma de vendas de produtos e serviços industriais (receita líquida industrial), variação dos
estoques dos produtos acabados e em elaboração e produção própria realizada para o ativo imobilizado. Para os anos 2000-2006 foi
utilizada a divisão 24 do CNAE 1.0 e para os anos 2007-2009 a divisão 20 do CNAE 2.0. A fim de compatibilizar as duas séries, foi
separado o grupo de fabricação de produtos farmacêuticos, 24.5 do CNAE 1.0. Vale ressaltar que, como os dados utilizados captam
as informações apenas para o universo de empresas de portes médio e grande (acima de trinta empregados), o valor da produção
pode estar subestimado.
Química 21
Gráfico 3 Produção física industrial por subsetores sem ajuste sazonal, 2000-2011
(2002=base 100)
175
150
125
100
75
50
jan. 2000
jul. 2000
jan. 2001
jul. 2001
jan. 2002
jul. 2002
jan. 2003
jul. 2003
jan. 2004
jul. 2004
jan. 2005
jul. 2005
jan. 2006
jul. 2006
jan. 2007
jul. 2007
jan. 2008
jul. 2008
jan. 2009
jul. 2009
jan. 2010
jul. 2010
jan. 2011
jul. 2011
Fonte: PIM/IBGE.
22 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Balança comercial
45
40
35
30
25
EM US$ BILHÕES
20
15
10
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
2011. Depois de uma breve melhora dos números em 2009, com redução do
déficit em razão da crise econômica que ocasionou uma queda na demanda e
nos preços no mercado internacional, o déficit do setor vem crescendo signifi-
cativamente nos últimos dois anos. Em 2011, a balança comercial da indústria
química foi negativa em US$ 26,5 bilhões, um aumento de 28,3% em relação a
2010 e de 14,2% em relação ao déficit obtido em 2008, que era o maior da série
histórica. As importações atingiram US$ 42,3 bilhões (19% das importações to-
tais do país), ultrapassando a cifra recorde de US$ 34,7 bilhões, em 2008. Já as
exportações vêm apresentando um crescimento mais moderado, somando qua-
se US$ 15,8 bilhões no último ano (cerca de 6% das exportações totais do país).
O déficit comercial de produtos químicos do país concentra-se nos segmentos
de produtos químicos orgânicos, farmacêuticos e inorgânicos, que responderam
por mais de 70% em 2011.
O segmento de intermediários de fertilizantes, que está inserido no grupo de
inorgânicos, é o principal item da pauta de importação dos produtos químicos,
sendo um dos maiores responsáveis pela elevação no déficit do setor nos últimos
anos. Conforme é mostrado no Gráfico 5, no ano de 2011, o segmento representou
cerca de um terço do déficit da indústria química. As importações alcançaram cerca
de US$ 8,7 bilhões, valor 78,5% superior ao verificado no ano de 2010. O produto
cloreto de potássio foi o item de maior importação, com US$ 3,5 bilhões.
A América do Norte e a União Europeia são os principais fornecedores para
a indústria química brasileira, totalizando 55% do total das importações em
2011. A Ásia ocupa a terceira posição, com 17%. Já no que diz respeito ao des-
tino das exportações da indústria química brasileira, há um maior equilíbrio dos
atores. Os países do Mercosul são os principais clientes, sendo responsáveis por
22% do total exportado; seguidos por União Europeia e América do Norte, cada
uma com parcelas referentes a 21%. Tal configuração se reflete na estrutura do
déficit, que se concentra na América do Norte e União Europeia. Com os países
do Mercosul verifica-se pequeno superávit, mas não capaz de reverter o déficit
com as outras regiões.
24 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Farmacêuticos 26%
Orgânicos 16%
Defensivos agrícolas 8%
Químicos diversos 4%
Fibras e fios 3%
Tintas 1%
Produtos de limpeza 0%
0 4 8 12
US$ BILHÕES
Fonte: Abiquim.
Atuação do BNDES
4,5
4,0
3,5
3,0
R$ BILHÕES
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
2
A indústria química é representada pelo código 20 do CNAE 2.0.
26 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Tabela 2 Participação dos desembolsos do BNDES por segmento3 da indústria química (em %)
Setor de atividade 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total
Sem classificação 10 2 6 1 10 0 4 1 0 0 0 0 2
3
Para classificação do segmento, foi utilizada a CNAE principal da empresa que obteve financiamento.
Química 27
3. O S EGM En T O D E f E RT iL iZ A n T E S
caracterização do Setor
Pode ser definida como fertilizante toda substância mineral ou orgânica, obtida de
forma natural ou industrial, que forneça às plantas os nutrientes básicos necessá-
rios a seu desenvolvimento. O objetivo principal é devolver ao solo os elementos
retirados em cada colheita, mantendo ou elevando a produtividade.
Os primeiros produtos usados como fertilizantes eram adubos orgânicos, como
excrementos animais, cinza vegetal oriunda da queima de plantas e lodo de rios,
28 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Cadeia produtiva
GÁS NATURAL
PETRÓLEO ENXOFRE NATURAL ROCHA FOSFÁTICA
ROCHA POTÁSSICA
RESÍDUOS PESADOS PIRITAS “IN SITU”
NAFTA
MATÉRIAS-PRIMAS
PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS
ÁCIDO ÁCIDO
NÍTRICO SULFÚRICO
ÁCIDO
FOSFÓRICO
FERTILIZANTES BÁSICOS
NITRATO DE SULFATO DE
UREIA TERMOFOSFATO
AMÔNIO AMÔNIO
SUPERFOSFATO ROCHA
TRIPLO PARCIALMENTE
ACIDULADA
NITROCÁLCIO MAP
SUPERFOSFATO
SIMPLES
CLORETO
DAP
DE POTÁSSIO
DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
O primeiro elo da cadeia é formado pela indústria extrativa mineral, que for-
nece as matérias-primas básicas (rocha fosfática, rocha potássica, enxofre e gás na-
tural ou nafta) para a produção de fertilizantes. Em seguida, entramos na indústria
de fabricação de produtos químicos inorgânicos, que, a partir dos insumos obti-
dos da indústria extrativa, produzem as matérias-primas básicas e intermediárias,
como o ácido sulfúrico, ácido fosfórico e amônia anidrida. A indústria de fabricação
de fertilizantes simples e intermediários compõe o terceiro elo da cadeia, do qual
resultam: superfosfato simples (SSP); superfosfato triplo (TSP); fosfato de amônio
(MAP e DAP); nitrato de amônio; sulfato de amônio; ureia; cloreto de potássio; ter-
mofosfatos; e rocha fosfática parcialmente articulada.
O quarto elo contempla o processo de granulação e mistura dos fertilizantes,
que origina os fertilizantes finais, mais conhecidos como NPK. Por fim, estes são
distribuídos e comercializados no quinto elo, sendo utilizados pelo produtor rural
na agricultura.
O Agronegócio
4
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – produção em toneladas mil. O valor
apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Inclui algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola,
centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras), soja, sorgo, trigo e triticale.
5
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – Área Plantada em hectares mil. O valor
apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Os dados mais recentes são estimativas sujeitas a revisões. Inclui
algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola, centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras),
soja, sorgo, trigo e triticale.
6
Fonte: Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA). Refere-se a fertilizantes entregues ao consumidor final avaliados em
nutrientes medidos em toneladas. No momento da elaboração não estava disponível a quantidade entregue em 2011.
32 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Gráfico 7 Produção de grãos, área plantada e consumo de NPK no Brasil (1977 = base 100)
400
350
300
250
200
150
100
50
0
1977
1979
1981
1983
1985
1987
1989
1991
1993
1995
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
Produção grãos Área plantada Consumo NPK
Mercado mundial
mundial. O Brasil foi o quarto maior consumidor, respondendo por 6% do total glo-
bal. Cabe lembrar que China, Índia e Brasil vêm apresentado taxas de crescimento
para o consumo de fertilizantes de 4% a.a., superior à taxa mundial e à dos EUA.
Gráfico 8 Consumo mundial de NPK por nutriente, 1990, 2000 e 2010 (em milhões ton)
180
160 27
140
24 22 40
120
100 33
36
80
60 104
79 82
40
20
-
1990 2000 2010
Fonte: IFA.
Mercado brasileiro
Gráfico 9 Consumo brasileiro de NPK por nutriente, 2000-2010, (em milhões ton)
12
10
4,3 4,2
4,3 3,9
8
3,7 3,1
3,5
3,5
6 2,8 3,0
2,9
2
2,5 2,8 2,5 2,6 2,9
2,4 2,3 2,3
2,0 1,7 1,9
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: ANDA.
36 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Outras
Soja
23%
36%
5%
Algodão
6%
Café
15% 15%
Cana-de-açúcar Milho
Fonte: ANDA.
Gráfico 11 Entrega de fertilizantes por unidade de federação, 2010 (em mil ton)
4.500
4.000
3.500
3.000
MILHARES DE TONELADAS
2.500
2.000
1.500
1.000
500
-
MT SP MG RS PR GO BA MS SC MA ES AL PE PI TO PA SE RO PB RJ RN DF CE RR AP AM AC
Fonte: ANDA.
30
25
20
MILHÕES TON
15
10
-
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: ANDA.
3.000
NITROGÊNIO
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: ANDA.
4.500
FÓSFORO
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: ANDA.
5.000
POTÁSSIO
4.500
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
1.000
500
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Fonte: ANDA.
Química 41
7
Consumo aparente = produção + importação - exportação
42 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
N P K
Matérias-primas Ureia/Nitrato MAP/DAP TSP SSP Cloreto de NPK misturadoras
básicas de amônio potássio
Fospar Outros
Cibrafértil
Bunge
Profertil
Vale
8
Número obtido em entrevistas na ANDA com especialistas no setor.
44 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Preços
Os fertilizantes são commodities, sendo seu preço determinado pelo mercado in-
ternacional. São variáveis relevantes na formação de preço nacional dos fertili-
zantes o custo da matéria-prima, o custo do transporte marítimo, custos portuá-
rios, tributos externos e internos, e custo de transporte até os centros produtores
[Saab e Paula (2008)].
Os preços internacionais dos fertilizantes revelaram uma trajetória ascendente
até o ano de 2007, ocorrendo uma intensa alta no ano de 2008. Os elevados preços
foram resultado da grande expansão no mercado agrícola, que exerceu pressão
sobre o mercado de fertilizantes e consequentemente sobre os preços. O acelerado
crescimento das economias da China e da Índia aumentou o consumo de fertilizan-
tes e, como a oferta mundial é concentrada em poucos países produtores e limitada
por conta do alto custo do investimento e dotação de recursos naturais, houve re-
flexo no aumento de preços. Além disso, o petróleo e derivados que servem como
insumos para o setor também experienciaram elevação de seus preços.
No ano de 2009, a crise financeira mundial causou impacto sobre diversas
commodities minerais, incluindo os fertilizantes. Além disso, no mercado mundial,
também houve uma queda na demanda por commodities agrícolas, reduzindo a
procura por fertilizantes. Tal fato levou os produtores a utilizarem os estoques de
fertilizantes formados no período de alta, reduzindo ainda mais o preço. Recen-
temente, com a recuperação da demanda no mercado agrícola global, observa-se
novamente uma alta na demanda por fertilizantes, causando um movimento as-
cendente nos preços. No Gráfico 16, são exibidos os preços internacionais de alguns
fertilizantes básicos e suas matérias-primas.
Química 45
1.200
1.000
800
US$/TON
600
400
200
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 17 Índice de Preço ao Produtor IPP – Fertilizantes, 2000-2011 (jan. 2000 = 100)
300
250
200
150
100
50
0
jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011
Fonte: FGVDados.
Produto Unidade 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Algodão
com caroço 15 kg 42,0 42,3 33,4 37,1 42,1 39,7 47,2 71,5 58,5 48,2 42,4
Arroz em casca Saca de 60 kg 23,3 24,2 21,3 18,4 20,4 22,8 22,3 24,9 32,9 20,6 23,8 38,9
Batata-inglesa Saca de 60 kg 9,2 11,6 12,7 16,9 11,4 11,4 13,8 19,5 9,8 12,5 28,8
Café arábica Saca de 60 kg 2,2 3,7 4,0 3,7 3,6 2,7 2,6 3,0 4,4 3,8 3,0 2,3
Cana-de-açúcar TONELADAS 18,9 17,2 18,4 20,4 26,7 21,9 15,9 19,8 36,3 27,3 21,9 19,2
Feijão Saca de 60 kg 6,9 5,6 5,2 5,7 8,1 7,1 7,0 7,7 6,2 6,2 6,5 10,8
Laranja Caixa de 40,8 kg 45,5 39,3 45,5 63,8 65,2 48,0 59,7 79,3 94,8 48,9 75,6
Milho Saca de 60 kg 27,7 42,1 30,8 32,7 41,7 40,1 39,3 37,9 51,0 47,4 48,9 43,3
Soja Saca de 60 kg 18,9 18,8 15,6 15,5 17,3 19,6 20,4 20,6 26,3 19,4 25,3 24,2
Trigo Saca de 60 kg 27,1 21,5 21,7 29,3 30,7 28,0 26,5 37,8 33,4 34,5 41,4
Fonte: ANDA.
para Renovação da marinha mercante (aFRmm), que representa tarifa de 25% co-
brada sobre o valor do frete, demurrage e outras despesas portuárias.
adicionalmente, o setor paga alíquota de 2% de compensação Financeira pela
Exploração de Recursos minerais (cFEm), que incide sobre o valor final da receita
total depois da venda do produto, cobrado pelo Departamento Nacional de Produ-
ção mineral (DNPm) pela lavra de recursos minerais nos municípios brasileiros, do
qual parcela de arrecadação destina-se às prefeituras [Brasil (2011)].
Todas as alíquotas de importação para fertilizantes estão zeradas, constando
na Lista de Exceção da TEc (Tarifa Externa comum). Tal fato facilita ainda mais a
importação de fertilizantes e intermediários e é visto como uma barreira ao inves-
timento nacional pelos representantes do segmento. No que se refere a tributos
internos, o setor é isento de iPi, e as alíquotas da contribuição para o PiS/Pasep
e a confins incidentes sobre a importação e receita bruta de vendas no mercado
interno de fertilizantes foram reduzidas a zero. com relação ao icmS, vigoram a
base de cálculo reduzida de 30% nas operações interestaduais, o diferimento nas
operações internas nos principais estados consumidores (mG, GO, mT, mS e PR) e a
isenção nas operações no estado de São Paulo a partir de 1995 [Lafis (2011)].
4. TEnDênC i A S D O S E T OR D E f E RT iL iZ An TES
creScimento do mercado e balanço de oFerta e demanda
De acordo com estimativas da Organização das Nações unidas (ONu), em 2050 a pro-
jeção é de que a população mundial seja de 9,3 bilhões de pessoas, podendo alcançar
10,6 bilhões caso não ocorra a redução prevista da taxa de natalidade dos países mais
populosos (uNFPa).9 além de crescer, a população estará em um mundo mais rico,
alimentando-se de uma dieta mais farta. Esses fatores alertam para a necessidade
de produção de alimentos capaz de atender à demanda crescente. Segundo maté-
ria publicada no Valor Online, em 9 de fevereiro de 2012, a Food and agriculture
9
state of World population (2011).
48 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
240
.
CONSUMO DE FERTILIZANTES EM MILHÕES DE TONELADAS
A.A
3%
200
160
120
80
40
0
61 73 83 89 92 95 98 ‘01 ‘04 ‘07 10 13 16 19
K2O P205 N
Fonte: IFA/ANDA.
10
Projeções do agronegócio para 2010-2011-2020-2021.
Química 49
4,0 PREVISÃO
DEMANDA
3,0
2,0
IMPORTAÇÃO
1,0
PRODUÇÃO
0,0
90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16
PREVISÃO
5,0
DEMANDA
4,0
3,0
IMPORTAÇÃO
2,0
1,0
PRODUÇÃO
0,0
90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16
6,0 PREVISÃO
5,0
DEMANDA
4,0
3,0
2,0 IMPORTAÇÃO
1,0
PRODUÇÃO
0,0
90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16
11
Sumário Mineral 2011 – Fosfato.
Química 53
A questão tributária também merece atenção. Hoje o setor alega que a alíquo-
ta de ICMS sobre a produção local, que varia de 4,9% a 8,4%, torna os produtos
nacionais menos competitivos que os importados. As vendas interestaduais das in-
dústrias locais são tributadas, enquanto as importações são isentas. Logo, resolver
essa questão poderia destravar investimentos, incentivando a produção interna e
aumentando a competitividade do setor.
Estão sendo elaborados pelo governo três projetos de lei para reformular o mar-
co regulatório do setor de mineração, que engloba o setor de fertilizantes. Um dos
objetivos é redesenhar o sistema de arrecadação dos royalties da mineração, que
ocorre por meio do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Re-
cursos Minerais (CFEM). A ideia é taxar menos os minerais usados na construção civil e
mais aqueles que, hoje, são exportados com pouca agregação de valor. Para o grupo
de fertilizantes, o governo planeja uma redução da alíquota, que hoje é de 2%. Os
outros dois pontos abordados na política de governo referem-se à instituição de um
novo Código de Mineração, com as novas regras de concessão e lavra, e a criação de
uma Agência Nacional de Mineração (ANM), que fará a fiscalização e o recolhimento
da CFEM, de acordo com Valor Econômico, em 29 de agosto de 2011.
Por fim, um grande desafio é aumentar a inovação nessa indústria. O setor não
tem uma tradição inovadora, contudo existem pesquisas iniciais para a produção de
fertilizante organomineral e para a utilização de polímeros. De acordo com Ali Aldersi
Saab, pesquisador de fertilizantes da Embrapa e coordenador do Plano Nacional de
Fertilizantes em 2009, esses dois tipos de fertilizantes trazem mais qualidade e menos
perdas. O polímero encapsula o fertilizante, reduzindo problemas com a lixiviação.
Segundo ele, polímeros como o de nitrogênio diminuem em até 50% a perda do
mineral. No entanto, são necessárias mais iniciativas de pesquisa para entender o
comportamento e eficácia desses novos tipos de fertilizantes [Revista Plantar (2012)].
5. C O nC L US Ã O
No Brasil, a indústria química vem tendo importante participação no PiB e na pro-
dução da indústria de transformação, servindo como fornecedora de insumos para
uma série de outras indústrias. No entanto, sua produção, que é concentrada prin-
cipalmente em commodities, vem experimentando uma trajetória constante nos úl-
timos anos, não acompanhando o crescimento do mercado interno. Sendo assim,
as importações de produtos químicos têm aumentado ano a ano e respondido por
uma parcela cada vez maior do consumo nacional. O déficit comercial no setor atin-
giu elevados valores, aumentando a vulnerabilidade externa do país.
um dos principais segmentos responsáveis pelo déficit comercial da indústria
química é o setor de fertilizantes. O segmento representa cerca de um terço do
déficit, e o fertilizante cloreto de potássio é o item que vem apresentado maior im-
portação na pauta. a dependência externa desse produto chega a 90%. O agrone-
gócio brasileiro, que corresponde à cerca de 23% do PiB, tem uma correlação forte
com o setor, já que o aumento da produção de grãos para atender à população e
à demanda por biocombustíveis passa principalmente por uma elevação de produ-
tividade da terra, que pode ser obtida com a utilização correta dos fertilizantes.
Dessa forma, este é um segmento estratégico para o país e merece maior atenção.
Para impedir a eclosão de déficits comerciais cada vez maiores na indústria quí-
mica, investimentos expressivos no setor de fertilizantes serão exigidos nos próxi-
mos anos, em função do crescimento projetado para a produção de grãos (soja,
milho, trigo, arroz e café) brasileira, da ordem de 23% até 2020. Esse crescimento
deverá ser baseado na produtividade, já que a área plantada deverá expandir-se
somente em 9,5%. Os investimentos deverão englobar a adição de capacidade em
fertilizantes, para reversão da tendência ascendente das importações, ainda que
para sua viabilização sejam exigidas medidas de política industrial.
Existem no momento diversos projetos anunciados para fertilizantes fosfatados e
nitrogenados, que, caso executados, serão capazes de reduzir a dependência externa
brasileira. as amplas perspectivas abertas pelo pré-sal poderão elevar a disponibili-
dade de gás natural, utilizado como matéria-prima para fabricação de nitrogenados,
Química 57
embora ainda seja necessária uma política de utilização para uso do gás natural como
matéria-prima, de modo a elevar a competitividade da indústria brasileira no plano
mundial. No caso de fertilizantes à base de potássio a situação é mais delicada, pois
apesar de grandes reservas confirmadas no Amazonas, a dúvida quanto a viabilidade
econômica e questões ambientais vem adiando o início da exploração.
Além disso, o aproveitamento de fontes alternativas de potássio também vem
sendo avaliado por algumas empresas. O setor não tem um caráter muito inovador,
contudo existem pesquisas iniciais para a produção de fertilizante organomineral
e o uso de polímeros, que poderão reduzir as perdas com lixivação, melhorando o
aproveitamento dos fertilizantes.
Para incentivar ainda mais investimentos no setor é necessário resolver alguns
gargalos. Problemas com infraestrutura portuária e de armazenamento, assim como
questões tecnológicas, regulatórias, tributárias e ambientais merecem destaque e
necessitam da formulação de uma política específica. O governo lançou recente-
mente o Plano Brasil Maior, que avaliará medidas importantes de desoneração dos
investimentos e das exportações para iniciar o enfrentamento da apreciação cam-
bial, de avanço do crédito e aperfeiçoamento do marco regulatório da inovação, de
fortalecimento da defesa comercial e ampliação de incentivos fiscais e facilitação
de financiamentos para agregação de valor nacional e competitividade das cadeias
produtivas. O Plano contempla diversos setores, e um deles é a indústria química,
devendo o segmento de fertilizantes fazer parte dessa agenda de discussão.
O BNDES, além de apoiar projetos de investimentos, também participa de for-
ma ativa na formulação de políticas econômicas, fomentando e apoiando o cresci-
mento de uma estrutura produtiva diversificada, sustentável e competitiva. Desta
forma, o banco pode desempenhar um importante papel ajudando na construção
de uma política para o setor de fertilizantes.
R e f er ênc i as
ANDA – Associação Nacional para Difusão de Adubos. Anuário Estatístico do Setor de
Fertilizantes. São Paulo, 2010.
58 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
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Cenário de fertilizantes no Brasil. Revista Plantar. 16 abr. 2012. Disponível em: <http://
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fertilizer trends and outlook to 2011/12. Roma, Itália, 2008.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa da Indústria Anual. IBGE, 2009.
UNFPA – United Nations Population Fund. State of world population 2011. Disponível
em: <http://www.unfpa.org/public/op/preview/home/sitemap/swp2011>. Acesso
em: 20 abr. 2012.
União quer taxa maior para minério bruto. Valor Econômico. 29 ago. 2011.
Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/990688/uniao-quer-taxa-maior-
para-minerio-bruto>. Acesso em: 24 abr. 2012.
Vale diz agora olhar com ‘viés positivo’ projeto na Argentina. O Estado de São
Paulo, São Paulo, 4 mai. 2012. Disponível em: <http://clippingmp.planejamento.
gov.br/cadastros/noticias/2012/5/4/vale-diz-agora-olhar-com-vies-positivo-projeto-
na-argentina>. Acesso em: 7 mai. 2012.
Vale pretende investir US$ 15 bilhões em fertilizantes até 2020. Vale. 29 set. 2011.
Disponível em: <http://200.225.83.183/pt/release/interna.asp?id=21085>. Acesso
em: 24 abr. 2012.
Verde Fertilizantes planeja investir US$ 654 milhões em MG. Valor Econômico.
31 jan. 2012. Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/2512098/verde-
fertilizantes-planeja-investir-us-654-milhoes-em-mg>. Acesso em: 24 abr. 2012.
Sites consultados
mBac – <www.mbacfert.com>.
* Este artigo recupera e aprofunda a discussão desenvolvida em milanez, Cavalcanti e Faveret Filho apud Além e giambiagi (2010).
** respectivamente, gerente e economista do Departamento de biocombustíveis da área industrial do bnDES. os autores
agradecem os comentários da equipe da área de Pesquisa Econômica (APE) da área industrial do bnDES.
BIOCOMBUSTÍVEIS 63
R ES UM O
O setor sucroenergético vem passando por mudanças significativas nas últimas dé-
cadas. Além da tradicional produção de açúcar, as empresas do setor consolidaram
em seus portfólios de produtos o etanol e a bioeletricidade. Essas transformações
tiveram como contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura
se adequar à realidade econômica setorial e nacional. O objetivo deste artigo é des-
crever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroenergético brasileiro
e, sobretudo, apresentar as diretrizes que vêm orientando a atuação do Banco e
as perspectivas para o futuro do setor. Tais diretrizes moldam a visão de futuro do
BNDES e, consequentemente, formam a base dos principais objetivos que o Banco
vem perseguindo nesse setor. Dentre eles, destacam-se o apoio à inovação e à cria-
ção de um mercado internacional do etanol.
AB S TR AC T
The Brazilian sugarcane industry has experienced significant changes in the recent
decades. Companies have consolidated, besides sugar, ethanol and bioelectricity in
their product portfolios. In turn, BNDES aims to continuously adjusting its operations
to changing economic scenarios. In order to present BNDES’ role in the Brazilian
sugarcane industry, this paper focuses on the BNDES’ main guidelines for the future
of this industry. These guidelines shape the objectives to be pursued in next years.
Among these objectives, it is important to mention the support for innovation and
for construction of an international market for ethanol.
BIOCOMBUSTÍVEIS 65
1. i nTR O DUÇ Ã O
O início da história da cana-de-açúcar no Brasil remonta aos primeiros anos de
nossa colonização, quando os canaviais destinavam-se à fabricação de açúcar para
atender às demandas do continente europeu. Apesar de secular, a cultura da cana
no Brasil vem enfrentando suas mudanças mais significativas nos últimos quarenta
anos de sua história. Nesse período, as empresas processadoras de cana deixaram
de produzir apenas açúcar e consolidaram o etanol carburante em seu portfólio de
produtos e, ainda mais recentemente, também a energia elétrica.
Entre as transformações mais importantes para o setor, foi emblemática a intro-
dução dos veículos de motores bicombustíveis (também conhecidos como veículos
flex) no mercado nacional. Estes podem usar como combustíveis gasolina ou etanol,
ou uma mistura dos dois em qualquer proporção. Disponível desde 2003, essa nova
tecnologia representou uma renovada fonte de demanda pelo etanol combustível,
cuja produção mais do que dobrou em apenas seis anos.
Ao longo desses anos, as mudanças do setor sucroenergético vêm tendo como
contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura se adequar à
realidade econômica setorial e nacional. Com a atenção voltada a isso, o objetivo
deste artigo é descrever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroener-
gético brasileiro.
O trabalho está dividido em sete seções, incluindo esta introdução. Na seção se-
guinte, faz-se uma breve descrição do passado recente do setor, com destaque para
as mudanças regulatórias que afetaram o contexto econômico desde seu surgimento.
Na terceira seção, são ressaltados os principais aspectos de sustentabilidade do
setor, com destaque para o etanol de cana-de-açúcar e a eletricidade gerada por
meio dos resíduos da cana. São exploradas as principais características que fazem
tais produtos serem considerados soluções relevantes, ainda que não exaustivas,
para a mitigação do avanço do aquecimento global.
A quarta descreve o apoio que o BNDES vem dando ao setor sucroenergético
nos últimos anos, especialmente na forma de desembolsos para projetos de amplia-
ção de capacidade produtiva.
66 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2. A Hi S TÓ R i A R E C E n T E D O S E T OR
S UC R O EnE R G É T iC O
A produção de cana-de-açúcar é uma das atividades econômicas organizadas mais
antigas do Brasil. A despeito das vicissitudes ocorridas no decorrer da história eco-
nômica brasileira, a atividade açucareira perdurou durante os séculos e foi a gran-
de e, na maior parte dos casos, única fonte de renda de seus produtores até o últi-
mo quarto do século XX. Todavia, parte significativa da produção nacional de cana
encontrou, nos anos 1970, finalidade distinta: a produção de etanol carburante.
Na verdade e ao contrário do que por vezes se imagina, o etanol de cana-de-
-açúcar faz parte da matriz energética brasileira há quase oito décadas. O uso do eta-
nol como aditivo à gasolina foi introduzido no Brasil em 1931. Seu nível de mistura
situou-se em uma média de 7,5% até 1975, quando o primeiro choque do petróleo
exigiu uma ampliação de seu uso como meio de reduzir as importações de petróleo,
o que culminou com a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool).
Entre outras medidas, o Proálcool fixou metas de produção e paridades de pre-
ço entre o etanol e o açúcar, de forma que fosse incentivada a oferta do produto.
Em 1979, em razão de novo aumento de preços do petróleo, o Proálcool foi am-
pliado, com o estabelecimento de estímulos para o uso de etanol hidratado1 em
1
o etanol hidratado, usado como combustível substituto da gasolina, apresenta concentração de 96%. o etanol anidro, usado
como aditivo na gasolina, cerca de 99,5% de concentração, necessitando de etapas suplementares de destilação [milanez, Faveret
Filho e rosa (2008)].
BIOCOMBUSTÍVEIS 67
2
Este estudo não foi atualizado até o momento e não há informações similares para anos mais recentes.
3
Estimativa calculada com base nos produtos finais: etanol, açúcar, eletricidade, levedura e aditivo e crédito de carbono.
BIOCOMBUSTÍVEIS 69
3. AS PEC TO S P OS iT iV OS D O S E T OR
S UC R O EnE R G É T iC O
o eTanol de cana-de-açúcar
4
Conforme comentado, boa parte da pecuária brasileira é praticada de forma extensiva. Assim, a expansão da cana e a consequente
valorização da terra exigirão maior rentabilidade das áreas com pastagens e, com isso, a necessidade de incorporação de melhores
técnicas e o correspondente aumento da produtividade por hectare da pecuária. Tal movimento já é percebido no estado de São
Paulo, onde a lavoura de cana se expandiu, majoritariamente, em áreas de pastagens, sem que houvesse redução significativa do
rebanho paulista. De acordo com estimativa da Universidade de São Paulo (USP), se a média nacional de concentração do rebanho
fosse igual à praticada na pecuária paulista (1,5 cabeça/hectare), seriam disponibilizados mais de quarenta milhões de hectares para
outras culturas. Ver FEA-USP (2009).
BIOCOMBUSTÍVEIS 71
Gráfico 1 Produtividade média de etanol por área para diferentes culturas celulósicas
Trigo
Sorgo sacarino
Mandioca
Milho
Beterraba
Etanol de resíduo
celulósico
Cana
5
Cabe lembrar ainda que esse desempenho não é verificado em outras matérias-primas. Parte da explicação reside no fato de que a
energia necessária para fabricação do bioetanol da cana provém do próprio processamento industrial, na medida em que o bagaço
gera a energia primária requerida pela usina. Nos demais casos, por não disporem de tal alternativa, as usinas precisam recorrer a
outras fontes primárias de energia, muitas das quais de origem fóssil.
72 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Cana 9,3 89
Trigo 0,97-1,11 19 a 47
Beterraba 1,2-1,8 35 a 56
Mandioca 1,6-1,7 63
Com relação a esse aspecto, destaca-se que foi lançado pelo Ministério da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento, em 17 de setembro de 2009, o Zoneamento
Agroecológico da Cana, cujo objetivo é delimitar as áreas em que será estimulado
e, principalmente, em que será desestimulado o plantio da cana-de-açúcar. Além de
critérios de aptidão de clima e de solo, foram excluídos do zoneamento os biomas
da Amazônia e do Pantanal, além da Bacia do Alto Paraguai. Com essa organização
do espaço, não é mais possível obter licenças ambientais para instalação ou am-
pliação de usinas, tampouco financiamento de fontes oficiais de crédito, nas áreas
consideradas inaptas.
A principal evidência de que as vantagens ambientais do etanol de cana-de-
-açúcar começam a ser reconhecidas internacionalmente foi a decisão da Agência
de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) de qualificar o etanol brasileiro
como biocombustível “avançado”.6
6
Segundo definição da Seção 201b do Capítulo II da Energy Independence and Security Act de 2007: “The term ‘advanced biofuel’ means
renewable fuel, other than ethanol derived from corn starch, that has lifecycle greenhouse gas emissions, as determined by the Administrator,
after notice and opportunity for comment, that are at least 50 percent less than baseline lifecycle greenhouse gas emissions.”
BIOCOMBUSTÍVEIS 73
Com essa decisão, a EPA reconhece o etanol de cana como o único biocombus-
tível capaz de reduzir, no mínimo, 50% das emissões de gases de efeito estufa, o
que implicará um potencial de importação, pelos Estados Unidos, de pelo menos 15
bilhões de litros até 2022.
Além de seu relevante e comprovado impacto na mitigação das emissões de
CO2, o etanol de cana-de-açúcar apresenta ainda outra vantagem importante na
luta contra o aquecimento global, qual seja, sua rápida capacidade de implemen-
tação. Entre as opções energéticas renováveis de que atualmente se dispõe ou que
estão em vias de se tornar economicamente viáveis, apenas uma parcela é capaz de
ser utilizada nos veículos automotores. O bioetanol de cana é um exemplo disso,
podendo utilizar todo o sistema atual de transporte e distribuição de combustíveis
veiculares e, sobretudo, não exigindo qualquer alteração nos motores do ciclo Otto
para mistura de até de 10% na gasolina [Labrador (2009)].
A bioeletricidade da cana-de-açúcar7
7
Esta seção é baseada em Nyko, D. et al. (2011).
74 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
100
90
80
% DO MÊS COM MAIOR OFERTA
70
60
50
40
30
20
10
0
Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Fontes: Site de ONS (www.ong.org.br) e Unica. Dados elaborados com base no histórico da operação em 2008 (ENA)
e na moagem de cana da safra 2007-2008 no centro-sul.
Nota: ENA = Energia Natural Afluente.
norTe 3.950 7,1 4.411 7,5 5.529 8,9 5.856 8,9 6.188 9,0
nordesTe 8.242 14,9 8.683 14,8 9.110 14,6 9.566 14,6 10.043 14,7
sudesTe/
cenTro-oesTe 34.064 61,4 35.914 61,3 37.763 60,5 39.741 60,6 41.483 60,5
sul 9.189 16,6 9.583 16,4 9.982 16,0 10.397 15,9 10.828 15,8
sin 55.445 100,0 58.591 100,0 62.384 100,0 65.560 100,0 68.542 100,0
Além das vantagens para a oferta de energia elétrica, a maior inserção da bio-
eletricidade gera também um importante efeito microeconômico, que é o de au-
mentar a resiliência do setor sucroenergético. Em razão da alta volatilidade dos
preços do etanol e do açúcar, a presença de uma receita estável e de longo prazo
viabilizada pela venda de eletricidade melhora o perfil econômico-financeiro do
setor e, com isso, aumenta sua capacidade de resistir a flutuações de preço de seus
principais produtos.
De acordo com a Unica,8 a eletricidade gerada a partir de biomassa foi de
10,9 mil GWh em 2011, o que equivale a 12% da energia total ofertada pela Usina
de Itaipu. Apenas durante a safra (maio a setembro) de 2011, a bioeletricidade ge-
rada foi de 7,1 mil GWh, o que representou 31% de toda a geração termelétrica do
Brasil no mesmo período.
4 . O APO i O RE C E n T E D O B n D E S A O S E TOR
S UC R O EnE R G É T iC O
Nesta seção, é apresentado de forma ampla o apoio do BNDES ao desenvolvimento
da indústria sucroenergética nacional nos últimos anos. Os desembolsos do Banco
são relacionados e segmentados por produto apoiado e por destino geográfico dos
financiamentos. Tais desembolsos também se traduzem em produção adicionada
pelos projetos financiados pelo Banco.
8
Ver: <http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=E9CE1848-bEEF-488A-84Db-68C618246070>.
76 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Desembolsos
8,3
8
7,5
7,4
5,9
6
4,7
R$ BILHÕES
4
2,7
2
1,5
1,4
1,2
0,9
0,9
1
0,4
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES.
*
O Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.
Tabela 3 Distribuição dos desembolsos do BNDES por natureza da operação (em R$ milhões)*
Fonte: BNDES.
* O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.
Por região
Conforme mostra a Tabela 4, a Região Sudeste concentra a maior parte dos desem-
bolsos dos últimos anos, resultado que está em linha com a distribuição geográfica
do setor. O estado de São Paulo recebeu, sozinho, em 2011, 45% dos desembolsos
destinados ao setor, o que reflete sua liderança como produtor de açúcar e etanol
no país, com cerca de 60% da moagem nacional. Por sua vez, a Região Centro-Oes-
te recebeu outra grande parte dos desembolsos, o que corrobora sua tendência de
sediar o maior número dos novos investimentos. No último ano, sua participação
no total de investimentos do setor no país atingiu 14%. Juntas, as regiões Centro-
-Oeste e Sudeste concentraram quase 70% dos desembolsos em 2011. Em uma aná-
lise mais ampla, é provável que esse valor se revele significativamente maior, visto
que boa parte dos projetos localizados em mais de um estado (interestaduais) tam-
bém se localiza nessas regiões.
78 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Fonte: BNDES.
O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.
*
Fonte: BNDES.
5. AS Di R ETR i Z E S D A AT U A Ç Ã O D O B n DES
O BNDES vem pautando sua atuação no setor sucroenergético por cinco diretrizes
principais, quais sejam:
1. ampliação da capacidade de produção;
BIOCOMBUSTÍVEIS 79
6. PER S PEC Ti VA S
Conforme previamente discutido, o BNDES considera o etanol e a bioeletricidade da
cana-de-açúcar soluções viáveis para contribuir para a redução das emissões de gases
de efeito estufa. Assim, a agenda futura do Banco está calcada na necessidade de
continuar o estímulo ao aumento da competitividade da indústria sucroenergética,
de forma a prepará-la para gerar atores capazes de se sobressair em um mercado
internacional que, diante da crescente preocupação com o aquecimento global, se
formará cedo ou tarde.
No que tange à manutenção da competitividade da indústria brasileira, cabe
mencionar que o BNDES continuará priorizando o apoio a projetos de inovação
para o setor, comprometimento já consubstanciado pelo PAISS. Conforme discu-
BIOCOMBUSTÍVEIS 83
7. C O nS i DER A Ç ÕE S f in A iS
O setor sucroenergético vem passando por mudanças significativas nas últimas dé-
cadas. Além da tradicional produção de açúcar, as empresas do setor consolidaram
em seus portfólios de produtos o etanol e a bioeletricidade. Essa diversificação au-
mentou a competitividade dessas empresas, mas o potencial da cana-de-açúcar está
muito além desses três produtos.
No futuro, as usinas processadoras de cana também produzirão novos itens,
como os biocombustíveis de maior densidade energética (querosene de aviação,
diesel e butanol, por exemplo) e produtos químicos de maior valor agregado. Essa
diversificação produtiva possibilitará às empresas tornarem-se grandes biorrefina-
rias. Nesse contexto, o BNDES vem moldando sua atuação no setor, especialmente
no que se refere ao apoio à inovação tecnológica.
Vislumbra-se ainda a criação de um mercado internacional de etanol, para o
qual será importante aumentar a competitividade do setor. Para isso, o BNDES vem
apoiando diversas iniciativas, como aquelas que procuram ampliar o número de
países produtores do etanol de cana-de-açúcar e aquelas referentes à constituição
de infraestrutura nacional de apoio à atividade produtiva.
Em síntese e sem perder de vista a sustentabilidade socioambiental, as re-
centes iniciativas do BNDES procuram manter o setor sucroenergético brasileiro
na vanguarda mundial da inovação e da produção de biocombustíveis, bem
como procuram divulgar as vantagens do etanol de cana-de-açúcar para o res-
tante do mundo.
BIOCOMBUSTÍVEIS 85
R e f er ênc i as
ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Anuário Estatístico
Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2011. Disponível em:
<www.anp.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2011.
Sites consultados
* Respectivamente, economista, chefe de departamento, gerente e contador do Departamento de Agroindústria da área industrial
do BNDES. Os autores agradecem os comentários da economista luiza Rodrigues.
Agroindústria 89
R ES UM O
Este artigo apresenta o histórico do apoio do BNDES ao complexo agroindustrial e
mostra sua visão sobre os temas que deverão estar em sua agenda futura. Por quase
trinta anos após sua criação, em 1952, a atuação do BNDES no apoio ao agronegócio
mostrou-se bastante tímida. A partir da década de 1980, com a responsabilidade de
executar o Proálcool, seu papel começa a ser relevante no setor. A década de 1990
consolida essa tendência, destacando-se o apoio à indústria de proteína animal.
Ao longo dos anos 2000, houve o fortalecimento do apoio às cooperativas agroin-
dustriais e a internacionalização de grandes empresas brasileiras. Novos desafios se
apresentam no horizonte e farão parte da agenda do Banco, destacando-se a busca
pela produção ambientalmente sustentável, concomitantemente a um expressivo
incremento de demanda em função do aumento populacional no mundo.
AB S TR AC T
This paper presents the history of the BNDES’ support for the agroindustrial
sector and shows its vision on issues that are expected to be on agenda in the
future. For the first thirty years after its creation, in 1952, the BNDES’ efforts
to provide support for agribusiness were rather timid. As of the 1980s, with
the responsibility of running the Proálcool program, the BNDES’ became
relevant. The 1990s consolidated this trend, with support for the animal protein
industry taking a leading role. Throughout the 2000s, support for agroindustrial
cooperatives was strengthened and large-scale Brazilian companies were
internationalized. New challenges have surfaced on the horizon and will
become part of the Bank’s agenda, especially the pursuit for environmentally
sustainable production, along with a significant increase in demand due to
worldwide population growth.
AgroindústriA 91
1. i nTR O DUÇ Ã O
na segunda metade do século XX, a propriedade agrícola mudou sua atividade de
subsistência para uma operação comercial, em que os agricultores consomem, cada
vez menos, o que produzem [Araújo, Wedekin e Pinazza (1990)]. o moderno agri-
cultor passou a ser um especialista, confinado às atividades de cultivo e criação. Por
outro lado, as funções de armazenar, processar e distribuir alimento foram se trans-
ferindo, em larga escala, para organizações além da fazenda. Essas organizações,
tipicamente empresas ou cooperativas, transformaram-se em operações altamente
especializadas. A jusante da fazenda, formaram-se complexas estruturas de arma-
zenamento, transporte, processamento, industrialização e distribuição.
Criou-se um novo arranjo de funções fora, e a montante, da fazenda: a pro-
dução de insumos agrícolas e fatores de produção, incluindo máquinas e imple-
mentos, tratores, combustíveis, fertilizantes, suplementos para ração, vacinas e me-
dicamentos, sementes melhoradas, matrizes, agroquímicos, entre outros, além de
serviços bancários, técnicos de pesquisa e informação [gonçalves (2005)].
A expressão Complexo Agroindustrial (CAi) foi então criada para caracterizar
uma tipologia marcada pelas relações intersetoriais indústria-agricultura-comércio-
-serviços em um padrão agrário moderno, no qual o setor agropecuário passa a ser
visto de maneira integrada à indústria [Fajardo (2008)].
Atualmente, o complexo agroindustrial brasileiro desempenha um significati-
vo papel na economia do país, abrangendo todas as instituições que desenvolvem
atividades, no processo de produção, elaboração e distribuição dos produtos da
agricultura e pecuária, envolvendo desde a produção e fornecimento de recursos
até a entrega do produto ao consumidor final.
segundo o mais recente censo agropecuário [iBgE (2009)], em 2006, o Brasil
contava com 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupavam cerca
de 36,7% de seu território total. Esse número vinha mantendo-se praticamente
constante nos vinte anos anteriores. Em relação ao número de unidades registra-
das, os estabelecimentos de menos de 10 hectares representavam pouco mais que
47%, enquanto os de mais de 1.000 hectares respondiam por, aproximadamente,
92 BndEs 60 Anos – PErsPECtiVAs sEtoriAis
2 . Hi S TÓ R i C O
1952-1980: sUbstitUição De importaçÕes
1980-1990: exportação
O fim da década de 1970 foi marcado pela crise internacional decorrente do segundo
choque do petróleo. Nesta época, além do elevado preço da commodity, as fontes
1
A conta-movimento, criada em 1965 e extinta em 1986, dava ao Banco do Brasil acesso direto aos recursos do Tesouro sem
aprovisionamento prévio.
94 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2
O BNDES, por apresentar uma estrutura operacional enxuta, em geral realiza diretamente operações de grande porte, hoje
superiores a R$ 10 milhões. Assim, para possibilitar mais capilaridade de sua atuação, adota a forma indireta, em parceria com
agentes financeiros, que repassam as linhas e programas do BNDES para operações de menor porte.
3
Decreto-lei 1.940, de 25 de maio de 1982.
Agroindústria 95
1.200
1.000
800
R$ MILHÕES
600
400
200
0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
1990-2000: expansão
4
Dentre os programas criados no período, destacam-se: Finame Agrícola, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf), Programa Nordeste Competitivo, Programa Finame Especial, Programa de Incentivo ao Uso de Corretivos de Solos
(Prosolo), Programa de Apoio à Comercialização do Algodão Brasileiro (Pró-Algodão) e Programa de Incentivo à Mecanização, ao
Resfriamento e ao Transporte Granelizado da Produção de Leite (Proleite).
Agroindústria 97
10.000
9.000
8.000
7.000
6.000
R$ MILHÕES
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
Industrial Agropecuário
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Faveret Filho, Lima e Paula (2000).
Nota: Modificado e atualizado.
Uma característica importante apontada por Faveret Filho, Lima e Paula (2000)
é que as operações agropecuárias foram, em sua maioria, indiretas, ou seja, realiza-
das por meio de agentes financeiros, e corresponderam, em 1999, a 93% do valor
desembolsado ao setor.
Já em relação ao comportamento da participação da agroindústria no total
desembolsado pelo BNDES, há dois momentos distintos no decorrer dos anos 1990.
Até 1994, houve crescimento expressivo, alcançando o pico de 29% nesse mesmo
ano. A partir de então, ocorreu sua redução, atingindo 15% em 1999. Essa queda é
atribuída, entre outros fatores, ao aumento dos desembolsos para o setor de infra-
estrutura, principalmente em energia elétrica, gás, telecomunicações e transportes.
Além disso, houve uma situação extremamente desfavorável para o setor agro-
pecuário a partir do fim de 1994, caracterizada pela elevação brusca da taxa de
juros concomitante à queda nos preços dos principais produtos agrícolas. Como os
financiamentos eram feitos com taxas pós-fixadas, o endividamento dos produto-
res aumentou ao mesmo tempo em que suas receitas diminuíam. Com isso, o nível
98 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Fonte: BNDES.
Agroindústria 99
4.000
3.500
3.000
2.500
2.000
1.500
822
821
1.000
768
780
743
725
709
712
680
500
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Agronegócio Brasil
Fonte: BNDES.
5
Os programas do governo federal administrados pelo BNDES, como Pronaf, Prodecoop e Moderfrota, apresentavam taxas de juros
fixas em 2011, variando entre 6,5% a.a. e 9,75% a.a.
102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
6
Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol), Cooperativa Agropecuária Mourãoense (Coamo) e C.Vale – Cooperativa
Agroindustrial, situadas, respectivamente, nos seguintes municípios: Cafelândia, Campo Mourão e Palotina.
Agroindústria 103
10.000.000
8.000.000
6.000.000
R$ MIL
4.000.000
2.000.000
-
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES.
104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
7
Pessoa ou empresa que desenvolve atividades de cultivo e produção de tabaco.
AgroindústriA 105
3. V i S ÃO DE f U T U R O
DemanDa
A população mundial atual está em torno de sete bilhões de pessoas. Existem di-
versas projeções para seu crescimento até o ano de 2050, oscilando de oito a dez
bilhões de habitantes. o número mais provável e aceito, contudo, é de nove bilhões
de pessoas [Wolfgang e samir (2010)].
106 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Biocombustíveis x alimentos
A partir da década de 1960, os insumos utilizados na produção agrícola passaram
a apresentar uma taxa de crescimento de seus preços sistematicamente superior a
dos preços das commodities agrícolas [Fuglie, MacDonald e Ball (2007)]. As margens
da produção estão cada vez mais apertadas. Isso leva os produtores a redireciona-
rem seus investimentos para o cultivo das espécies mais valorizadas no mercado e
a direcionarem seus produtos aos mercados que são melhores pagadores, como é o
caso da indústria de biocombustíveis.
Com isso, há alguns anos, uma discussão se tornou bastante comum nos principais
órgãos internacionais: a produção de biocombustíveis como substituto aos combus-
tíveis fósseis – principalmente o petróleo – e sua ameaça à produção de alimentos.
A escalada dos preços dos alimentos verificada entre os anos 2003 e 2009 pôs
esse tema ainda mais em evidência. De acordo com Neves et al. (2011), dados da
FAO mostram que os preços dos alimentos subiram, em média, 14,7% entre 2003
e 2005, 34,2% entre 2005 e 2007 e impressionantes 57,1% entre 2007 e 2008. Em
alguns países, os preços em 2009 eram cerca de 80% superiores a 2007.
Diversos estudos e entidades atribuíram à produção de biocombustível a maior
parcela da causa dessa brusca elevação de preços. O argumento parte do princípio
de que a produção de biocombustível afeta direta e indiretamente a produção de
alimentos, o que levaria a sua maior escassez e consequente valorização. Direta-
mente, quando a produção de soja, milho e cana-de-açúcar, em vez de se destinar
à alimentação humana ou ração animal para posterior produção de alimentos, se
volta à produção de etanol – a exemplo do milho e da cana-de-açúcar – e de biodie-
sel – caso da soja; indiretamente, quando os insumos que seriam utilizados para a
produção de diversos alimentos são usados para a produção de culturas destinadas
8
(1) Desenvolvimento econômico; (2) crescimento da renda e melhoria de sua distribuição; (3) ingresso de um enorme contingente
populacional que vive abaixo da linha da pobreza no mercado consumidor; e (4) processo acelerado de urbanização.
Agroindústria 109
4. S US TEnTAB iL iD A D E
o complexo agroindustrial (CAi) produz e emite gases do efeito estufa em todos os
seus elos, desde a produção no campo e seus insumos, passando pelo processamento,
distribuição, refrigeração, preparação para consumo (residências e restaurantes) e
descarte final. Embora não haja estudos que quantifiquem as emissões desses gases
por todo o complexo, o Painel intergovernamental de Mudanças Climáticas (iPCC, em
inglês) estima que os impactos diretos da agricultura respondam por 10%-12% das
emissões globais, excluindo aquelas resultantes do uso de combustível, produção de
fertilizantes e da correção do solo para agricultura [garnett (2010)].
Agroindústria 111
Ainda segundo Garnett (2010), o IPCC aponta cinco alternativas para redução
dessas emissões ao longo do CAI. São elas:
1. Promoção de ações que sequestrem carbono no solo. Devem ser avaliadas com
cautela, uma vez que o balanço líquido de seus efeitos pode ser pouco signifi-
cativo, ou até mesmo, negativo. Isso porque o reflorestamento ou a cobertura
vegetal de uma área agricultável podem levar ao uso de outra terra menos ade-
quada ao cultivo, demandando correção do solo, atividade que gera emissão
de gases do efeito estufa.
2. Otimização do uso de nutrientes. Para isso é necessária melhor precisão na do-
sagem e na frequência de aplicação de fertilizantes, combinada com a incorpo-
ração de culturas fixadoras de nitrogênio nos processos de rotação.
3. Promoção do aumento da produtividade. No aspecto da redução das emissões,
significa maior rendimento por unidade de gases gerados na cadeia, ou seja,
maior produtividade no cultivo (agricultura) e na criação de animais e otimiza-
ção do uso de insumos. Nesse contexto, o termo “intensificação sustentável” é
utilizado para designar aumentos de rendimento que não aumentam os danos
ao ecossistema.
4. Gerenciamento e beneficiamento dos efluentes e resíduos. Inclui os processos
de tratamento de biomassa, compostagem, digestão anaeróbica e sistemas fe-
chados com recirculação de efluentes e aproveitamento de resíduos no próprio
processo produtivo.
5. Redução da intensidade de carbono nos combustíveis consumidos. Trata do uso
eficiente de energia e do uso de combustíveis alternativos de fontes renováveis,
tais como biomassa, biogás, energia eólica e solar.
Além do aquecimento global, a expectativa de escassez de água representa
uma relevante preocupação ambiental. Segundo a FAO (2007), o uso global da
água cresceu a uma taxa maior que o dobro da taxa de crescimento da população
mundial no último século.
A tendência de escassez da água vem sendo agravada pelas mudanças climáti-
cas, principalmente nas regiões mais secas. Para minimizar tal ameaça, são neces-
sárias várias medidas além da redução do impacto da ação humana sobre o meio
112 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
5. i nO VAÇ ÃO
no campo
9
período necessário para que os animais atinjam o peso vivo ideal para abate.
114 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
10
ISAAA é o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas, na sigla em inglês.
11
A canola (ou colza) (Brassica napus L. var. oleífera) é uma espécie oleaginosa, da família das crucíferas, produzida de forma
semelhante a outros grãos do Sul do Brasil. Destaca-se como uma excelente alternativa econômica (não exige ativos específicos,
valendo-se da mesma estrutura de máquinas e equipamentos disponíveis nas propriedades) para uso em esquemas de rotação de
culturas, particularmente com trigo, diminuindo os problemas de doenças que afetam esse cereal. Além de produção de óleo para
consumo humano (indicado como alimento funcional por médicos e nutricionistas), a canola também se presta para a produção de
biodiesel (adaptado de Embrapa Trigo).
Agroindústria 115
que se complete o processo de inovação. O Brasil conta com grande número de ins-
tituições dedicadas à extensão rural e assistência técnica. Essa atividade precisa ser
reforçada tanto em seu alcance, ampliando o número de propriedades rurais aten-
didas, quanto em seu conteúdo, por meio de constante treinamento e atualização
tecnológica das equipes técnicas.
Na indústria
6. EX PO RTAÇ ÕE S
no agronegócio, a porcentagem de valor agregado captada em torno da matéria-
-prima é baixa e geralmente declinante. As estratégias que decorrem dessa óti-
ca enfatizam a necessidade de explorar as opções de avançar ao longo da cadeia
[Wilkinson et al. (2008-2009)]. Além do aspecto financeiro, a entrada das empresas
em novos mercados traz outros importantes benefícios. Empresas exportadoras, em
geral, são levadas a ampliar suas capacitações internas para atingir mercados mais
exigentes, tanto em relação aos custos, quanto à qualidade.
118 BndEs 60 Anos – PErsPECtiVAs sEtoriAis
no Brasil, a Lei Kandir, vigente desde 1996, desonerou o imposto sobre Circu-
lação de Mercadorias e serviços (iCMs) nas exportações de matérias-primas. isso
permitiu, por um lado, maior competitividade nas exportações das commodities
agrícolas brasileiras e, por outro, reduziu sensivelmente a viabilidade da produção
agroindustrializada destinada ao mercado externo [Wesz Júnior (2011)].
segundo a Associação Brasileira das indústrias da Alimentação (Abia), o Brasil é
o sétimo exportador mundial de alimentos processados e, no geral do agronegócio,
incluindo exportação de café em grão, soja em grão e matéria-prima, o Brasil é o
quinto exportador mundial em valor e o segundo em volume (excluindo pescados).
Por outro lado, entre os maiores exportadores de alimentos em valor, estão Alema-
nha e holanda, grandes importadores de matéria-prima, processadores e reexpor-
tadores de alimentos de maior valor agregado.
o Brasil pode evoluir significativamente na agregação de valor dos produtos
agropecuários exportados. Para isso, são necessárias melhorias no sistema brasileiro
de transporte e logística, revisão da política tributária, constante negociação dos
alimentos processados na pauta dos acordos bilaterais e intensificação da prática
da inovação nas empresas brasileiras.
7. C O nC L US Ã O
no decorrer de seus sessenta anos de existência o BndEs esteve ao lado do agrone-
gócio brasileiro, apoiando-o de acordo com as políticas de governo vigentes, em di-
ferentes intensidades e com diversos objetivos. Essa história está longe de seu fim.
Com o Plano Brasil Maior, política industrial atualmente vigente, a inovação
é a grande aposta para o desenvolvimento da diversificada economia brasileira.
nesse contexto, o BndEs volta seus esforços para viabilizar os investimentos de
todo o complexo agroindustrial, apoiando seus diversos elos e, indiretamente,
apoiando a infraestrutura, fator determinante para manutenção e aumento da
competitividade do agronegócio brasileiro.
A sustentabilidade, considerada em suas dimensões econômica, social e am-
biental também, torna-se cada vez mais importante e presente na agenda de
Agroindústria 119
R e f er ênc i as
Abia – Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação. Sugestões da
Indústria da Alimentação para Alavancagem da Exportação de Alimentos
Processados com Valor Agregado. 2012. Disponível em: <http://abia.org.br/vst/
SugestoesINDALparaAlavancagemExportacaoAlimsProcessados.pdf>. Acesso em:
23 abr. 2012.
Informativo Abag. São Paulo: Associação Brasileira do Agronegócio, n. 77, ano 11,
out.-nov. 2011.
FAO – Food and Agriculture Organization. Interview, Dr. Jacques Diouf, Director-
General of FAO, the coordinating agency within the UN system for World Water
Day Newsroom. Focus on the issues, 2007.
Freitas Júnior, G. Área com transgênicos no país deverá crescer 54% até 2020/21. Valor
Econômico, 12 abr. 2012.
Garnet, T. Where are the best opportunities for reducing greenhouse gas
emissions in the food system (including the food chain)? Food Policy, 2010.
Disponível em: <doi: 10.1016/j.foodpol.2010.10.010>. Acesso em: 23 mai. 2012.
Kearney, J. Food consumption trends and drivers. Londres: The Royal Society
Publishing, 2010.
Neves, M. F. et al. Food and Fuel: The example of Brazil. Holanda: Wageningen
Academic Publishers, 2011.
Neves, M. F. Exportações do Agro a caminho dos US$ 100 bilhões. Folha de São
Paulo, São Paulo, Caderno Mercado, Página B5, em 28 jan. 2012.
* respectivamente gerente, economistas e estagiária do departamento de Bens de Consumo, Comércio e serviços da área Industrial
do Bndes.
Bens de Consumo 123
R ES UM O
Este artigo expõe um breve histórico dos ramos tradicionais da indústria de bens
de consumo, abrangendo móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produ-
tos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, com ênfase no desempenho da
indústria brasileira, na análise da atuação do BNDES e no período 2001-2011. O
texto oferece uma reflexão sobre os desafios, as oportunidades e as estratégias que
definirão a trajetória dos setores estudados no futuro próximo.
AB S TR AC T
This paper presents a brief history of the traditional branches of industry, including
furniture, footwear, textiles and clothing, beverages and personal care products,
perfumes and cosmetics, with emphasis on the performance of Brazilian industry, in
analyzing the performance of BNDES and in the period 2001-2011. The text offers
a reflection on the challenges, opportunities and strategies that will define the
trajectory of the sectors studied in the near future.
Bens de Consumo 125
1. i NTR O DUÇ Ã O
Ao completar sessenta anos de existência, o Bndes dedica o ano de 2012 à refle-
xão, organizando em perspectiva histórica os principais desafios perante os quais a
indústria brasileira se encontra, bem como as oportunidades existentes.
entre 1930 e 1980, o Brasil passou por grandes transformações sociais, apre-
sentou dinamismo econômico e experimentou severas oscilações institucionais.
Trata-se do período central da história republicana brasileira. nos anos que se se-
guiram a 1930, consolidou-se no Brasil o desenvolvimentismo como ideologia, ten-
do a industrialização como meta e a substituição de importações como método.
Como resposta às necessidades reveladas por essa estratégia, em 1952 foi criado
o Banco nacional de desenvolvimento econômico (Bnde),1 que desde então vem
atuando de modo decisivo no apoio ao desenvolvimento do país.
o complexo industrial brasileiro se completa e amadurece ao longo da se-
gunda metade do século XX, passando a contar com setores tradicionais, como o
moveleiro; emblemáticos, como o automobilístico; básicos, como o químico; es-
tratégicos, como o de bens de capital; e avançados, como o aeronáutico. É nesse
período que se incluem as três fases clássicas da história econômica recente do
Brasil: o Plano de metas, o milagre econômico e o II Pnd, assim como algumas das
principais crises enfrentadas pelo país, como o colapso institucional de 1961-1964,
a crise da dívida do início da década de 1980, o regime de alta inflação (1980-
1994) e a crise energética de 2001.
outros fenômenos sociais ocorreram ou se aceleraram depois de 1952 no país,
como a urbanização, o ganho de importância do setor de serviços, a consolidação
democrática, a modernização da agricultura e o surgimento de uma economia do
conhecimento engendrada pela revolução da microeletrônica, da informática e das
comunicações em geral. não obstante a evidente importância do setor terciário, o
valor estratégico de certos ramos e a existência de ilhas de excelência, as indústrias
tradicionais brasileiras chegam à segunda década do século XXI ainda responden-
1
em 1982, o Banco passou a se chamar Banco nacional de desenvolvimento econômico e social (Bndes).
126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ram quase sempre hostis ao investimento e à economia real, seja pelos momentos
depressivos vividos em 1981-1983, 1990-1992, 1998-1999, 2001, 2003 e 2009, seja
por adversidades cambiais como a de 1994-1998 ou a de 2010-2011, seja pelo nível
da taxa básica de juros, com diversos momentos de aperto monetário entre 1988 e
1992 e situada sempre acima de 15% a.a. entre 1995 e 2005 (sendo ainda hoje uma
das mais altas do mundo), seja, por fim, pela instabilidade gerada pelo regime de
alta inflação que caracteriza todo o período 1980-1994.
A possibilidade de haver, na segunda metade da década de 2010, uma combi-
nação de inflação sob controle (até 5% a.a.), juros reais básicos baixos (inferiores
a 2% a.a., o que reduziria bastante uma das principais pressões sobre a taxa de
câmbio) e crescimento econômico sustentável (da ordem de ao menos 3% a.a.), em
um quadro de estabilidade institucional, além de redução da concentração de ren-
da, diminuição da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) e
equilíbrio nas contas externas, representaria um contexto macroeconômico inédito
para o país, tomados não somente os sessenta anos de existência do BNDES, mas
também todo o período republicano.
Para examinar os setores selecionados, este artigo se estrutura em dois blocos.
No primeiro, são mostrados indicadores que ilustram a evolução das indústrias tra-
dicionais no mundo e no Brasil, bem como a atuação do BNDES. O segundo bloco
resume desafios, perspectivas e possíveis estratégias compatíveis com o cenário bá-
sico esperado para a década de 2010.
O texto mostra as grandes transformações observadas no comércio internacio-
nal, sobretudo a importância assumida pela produção chinesa. Com presença mun-
dial discreta e com o mercado doméstico absorvendo grande parte da produção
nacional, será visto que o fenômeno asiático vem se mostrando menos perigoso
pelos pequenos prejuízos observados no market share das exportações brasileiras
no comércio mundial do que pelo acirramento da concorrência no próprio solo bra-
sileiro. Ainda assim, os índices aqui apresentados mostram grande controle do mer-
cado doméstico pelos produtores locais, embora o quadro venha se deteriorando.
As estatísticas mostram também a destacada relevância das indústrias tradicionais
para o emprego e o PIB.
128 Bndes 60 Anos – PeRsPeCTIVAs seToRIAIs
2 . PANO R AM A D A S iN D Ú S T R iA S
TR ADi C i O N A iS D E B E N S D E C ON S U MO
NO S ANO S 2 0 0 0 E O PA P E L D O B N D ES
As indústriAs trAdicionAis de bens de consumo no mundo
Têxteis e confecções
Segundo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) (2011), os principais paí-
ses produtores de têxteis e confecções no ano de 2009 foram, em ordem decrescen-
te de volume produzido, China, Hong Kong, Estados Unidos (EUA), Índia, Paquistão
e Brasil. Juntos, esses países respondem por aproximadamente 70% da oferta mun-
dial. Já os maiores produtores de artigos de vestuário são China, Hong Kong, Índia,
Paquistão, Brasil e Turquia, responsáveis por 65% da produção mundial.
Ao contrário dos países asiáticos, que se encontram plenamente inseridos na
cadeia produtiva global, a produção brasileira é, em sua maior parte, voltada ao
mercado interno. Desse modo, apesar de figurar entre os maiores produtores mun-
diais, o país não se encontra entre os maiores exportadores – em 2009, o Brasil foi
o 24º maior exportador de têxteis do mundo e o 41º de vestuário.
Calçados
A produção de calçados também se concentra na Ásia. Conforme Associação Portu-
guesa dos Industriais de Calçados, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos
(APICCAPS) (2011), a China foi responsável por 62,4% da quantidade produzida de
calçados no mundo em 2010, seguida da Índia (10,2%), Brasil (4,4%), Vietnã (3,8%)
e Indonésia (3,3%). Por outro lado, o consumo de calçados é geograficamente dis-
perso, acompanhando a distribuição da população e da renda. A Ásia é o principal
mercado consumidor de calçados do globo (49%), seguida de Europa (20%) e Amé-
rica do Norte (17%). O Brasil é o quarto maior país consumidor, detendo 4,5% do
volume mundial, logo atrás de China (15,2%), EUA (13,4%) e Índia (11,7%).
A origem das exportações mundiais se concentra na Ásia (85%), que atua em
segmentos de menor preço e produção em grande escala. Já a Europa se destaca
por atuar em segmentos superiores, em virtude de sua capacitação em desenvolvi-
130 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mento de produtos, design e marcas. A Itália, por exemplo, apesar de ser o nono
maior produtor de pares de calçados do mundo, figura como o quarto maior ex-
portador em volume e o segundo em valor. Em razão da melhor qualidade de seus
produtos e do segmento em que atuam, os países europeus ocupam nove entre as
15 primeiras posições do ranking de valor exportado. O Brasil, apesar de ter perdi-
do participação no mercado internacional nos anos 2000, ainda é um dos grandes
fornecedores de calçados, ocupando a nona posição entre os maiores exportadores
em volume e a 12ª posição em valor.
Móveis
De acordo com Projeto PIB (2009), até meados da década de 1990, os países desen-
volvidos eram os principais produtores e consumidores de móveis. Em busca de van-
tagens competitivas de custo, acesso a matérias-primas e mercados consumidores,
as grandes empresas do setor instalaram fábricas e desenvolveram fornecedores
em países em desenvolvimento, aumentando a participação destes no cenário in-
ternacional. Apesar dessa relocalização da produção, os países de alta renda ainda
contam com ligeira vantagem quanto ao valor produzido.
Dados do Centre for Industrial Studies (CSIL-Milano) evidenciam que, em 2010,
cerca de 52% do valor de produção mundial de móveis estava concentrado em
países desenvolvidos – apesar de a China ser o maior produtor mundial. Destes, me-
rece destaque a produção de EUA (14%), Itália (7%), Alemanha (6%), Japão (3%)
e França (3%). Entre os países de média e baixa renda despontam China (31%),
Vietnã (2%), Polônia (2%) – países cuja produção cresce rapidamente em função de
investimentos em plantas desenhadas para exportação – e Brasil (2%). Os maiores
exportadores de móveis são China, Itália, Alemanha e Polônia, nessa ordem, e os
importadores, EUA, Alemanha, França e Reino Unido.
Bebidas
O setor de bebidas inclui a fabricação de bebidas alcoólicas – destilados, vinhos e cer-
vejas – e não alcoólicas – águas envasadas, refrigerantes, chás e refrescos. O consumo
132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2
A brasileira Ambev, quarta maior cervejaria do mundo, está presente em 14 países das Américas e, por meio da Anheuser-Busch
InBev (AB InBev), integra a maior plataforma de produção e comercialização de cervejas do mundo.
Bens de Consumo 133
Embora a retomada do crescimento do PIB nos anos 2000 tenha sido influenciada,
no início, pelas exportações, o ciclo de crescimento observado a partir de 2004 se con-
solidou por meio da demanda interna, isto é, pela ampliação do consumo das famílias
e do investimento. Como visto no artigo introdutório do Volume I “A economia bra-
sileira: conquistas dos últimos dez anos e perspectivas para o futuro” , a combinação
de fatores como o aumento da renda média do trabalho, a significativa ampliação das
políticas de transferência de renda, a estabilidade do nível de preços e a expansão do
acesso ao crédito recuperou o poder de compra do brasileiro e contribuiu para a emer-
gência da chamada “nova classe média”. Com esse novo contingente de consumidores,
dotado de poder de compra ampliado e demandas reprimidas, o país assistiu a uma
explosão de consumo, que impactou positivamente a demanda por bens da indústria
em geral, incluindo a dos segmentos tradicionais de bens de consumo, como evidenciam
as informações do Gráfico 1.
Gráfico 1 Consumo final das famílias de bens tradicionais a preços de mercado de 2009 –
Brasil, 2001-2009 (R$ milhões)*
230.000
220.000
210.000
200.000
190.000
180.000
170.000
160.000
*Em função das agregações das fontes de dados disponíveis, algumas estatísticas do presente trabalho contam com representações mais
amplas dos setores. Os segmentos de HPPC e de móveis , por exemplo, incluem, respectivamente, a fabricação de produtos de limpeza e
de produtos das indústrias diversas nas estatísticas das Contas Nacionais.
134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Como será visto nas próximas seções, o bom desempenho das vendas no merca-
do interno de produtos das atividades aqui analisadas não foi plenamente aprovei-
tado pela indústria brasileira, em particular depois da crise financeira internacional,
o que suscitou ações por parte do BNDES como resposta à perda de competitivida-
de dos produtos nacionais ante os importados. Antes de detalhar questões relativas
ao desempenho econômico propriamente dito dos setores em questão no Brasil,
assim como as ações do BNDES, é necessário expor características dessa indústria
que reportam sua importância para a economia do país.
Relevância
Segundo a Pesquisa Industrial Anual (PIA Empresa) do IBGE, o setor de bens de consu-
mo tradicionais foi responsável por cerca de 12% do valor da transformação industrial
e 11% do valor bruto de produção da indústria de transformação brasileira em 2010.
Se essa participação já é relevante, o setor evidencia ainda mais sua importância na
absorção de mão de obra. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que em 2010 o setor ocupou mais
de 1,84 milhão de pessoas, o que representou 24% do emprego formal da indústria de
transformação e 4% do total do emprego formal no Brasil. É importante salientar que
a maior parte da mão de obra ocupada no setor encontra-se em MPMEs (Gráfico 2),
em particular nos segmentos de produção de vestuário e móveis. Se por um lado esse
atributo indica que o setor não se beneficia de economias de escala, por outro expli-
ca a elevada empregabilidade que é capaz de sustentar.
As características desse setor também são importantes do ponto de vista do de-
senvolvimento regional. As indústrias tradicionais de bens de consumo dispõem de
certa facilidade de se realocarem no espaço geográfico em resposta a mudanças nas
condições econômicas. O baixo requerimento de capital e de obras civis, o dispên-
dio relativamente pequeno com treinamento da mão de obra e o baixo custo de
transporte de insumos e produtos favorecem a disseminação e movimentação dessas
atividades no espaço.3 Além disso, há nesses setores um grande número de peque-
3
Na década de 1990, por exemplo, uma das estratégias adotadas pela indústria de calçados brasileira para enfrentar a concorrência
advinda da abertura comercial foi se realocar na Região Nordeste em busca de menores custos de mão de obra, entre outros incentivos.
Bens de Consumo 135
100
11 10
90 23
31
33
80 18 40
44
29
70
25
60
33 39 28
50
25
32
40 34
30
30
23
23 24
20
32 29
16
10 22
13 16
11
6
0
Bebidas Têxteis Vestuário Calçados HPPC Móveis Total
Fonte: MTE/Rais.
Nota: Classificação das empresas por número de empregados: micro – 1 a 19; pequena – 20 a 99; média – 100 a 499; grande – 500 ou mais.
4
Deve-se destacar que as empresas dos setores mais interiorizados, em particular as MPMEs, com frequência se concentram em
sistemas produtivos locais de forma a se beneficiar de economias externas às firmas, mas internas ao sistema local a que pertencem.
136 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
500.000
450.000
400.000
350.000
300.000
250.000
200.000
150.000
100.000
50.000
-
Bebidas Têxtil Vestuário Calçados HPPC Móveis
Fonte: MTE/Rais.
1 1 1 1
100 2 3 3 4
90 12
16 18
20
80
70 29
32
32
60 31
50
40
30
56
48 46 44
20
10
-
1995 2000 2005 2010
Fonte: MTE/Rais.
Bens de Consumo 137
Desempenho
Em que pese a patente melhoria dos fundamentos da economia brasileira e o ciclo
de crescimento verificado entre 2004 e a crise financeira internacional de 2008, os
setores tradicionais de bens de consumo não acompanharam de maneira uniforme
a performance da economia brasileira, motivando por parte do BNDES uma ação já
em 2007, com o lançamento do Programa de Revitalização de Empresas (Revitali-
za), cujos desembolsos ultrapassaram os R$ 3,2 bilhões até 2011.
Por meio de informações contidas no Gráfico 5 e na Tabela 1, é possível dis-
tinguir dois grupos de produtos das indústrias tradicionais de bens de consumo
segundo seu desempenho econômico nos anos 2000. O primeiro deles, formado
por produção de bebidas, HPPC e móveis, caracteriza-se por taxas médias de cres-
cimento anual positivas entre 2001 e 2011, enquanto o segundo grupo, compos-
to por têxteis, vestuário e calçados, por taxas negativas no período. No primeiro
grupo, merece destaque o setor de bebidas, cuja produção de R$ 34 bilhões em
2001 passa a R$ 47,9 bilhões em 2011 – elevação média de 3,5% ao ano em termos
reais. Depois de apresentar taxa média de crescimento anual negativa entre 2001
e 2003, o setor registra os melhores resultados entre as atividades analisadas. Tal
fato o conduziu em 2009 à posição de setor mais relevante em relação ao valor de
produção na classe dos bens tradicionais de consumo. Merece destaque também o
setor de HPPC, tanto por ser o único que cresce a taxas médias anuais positivas em
todos os recortes de tempo analisados, como pela variação real de 2,7% ao ano de
sua produção entre 2001 e 2011. Já a produção de móveis apresentou taxa média
anual de crescimento de 2,0%, obtendo em 2011 o maior valor de produção entre
os setores analisados.
Por sua vez, no segundo grupo, destaca-se negativamente o desempenho do
setor de calçados, cujo valor de produção cai de R$ 23 bilhões em 2001 para R$ 16
bilhões em 2011 – variação de cerca de 30% em termos reais. Apesar de os seto-
res de têxteis e vestuário terem alcançado resultados positivos durante o ciclo de
crescimento da economia brasileira entre 2004 e 2008, o desempenho negativo
nos períodos imediatamente anterior (2001 a 2003) e posterior (2009 a 2011) com-
prometeu o resultado global do período analisado. Em termos reais, a produção
138 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Gráfico 5 Valor da produção a preços básicos de bens tradicionais (R$ milhões de 2009)
50.000
45.000
40.000
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* 2011*
Tabela 1 Variação média anual do valor da produção de bens tradicionais por período a
preços de 2009 (%)
25
20
15
10
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* 2011**
inserção externa em princípios dos anos 2000. No entanto, dos seis setores analisa-
dos, quatro desempenharam trajetórias declinantes no decorrer da última década,
com destaque para o setor calçadista, cujo coeficiente de exportação caiu de 30,4%
em 2001 para 14,3% em 2011.
35
30
25
20
15
10
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* 2011**
Gráfico 8a Bebidas
1,20 -
-0,10
1,00
-0,20
0,80 -0,30
-0,40
EXP., IMP.
0,60
SALDO
-0,50
0,40 -0,60
-0,70
0,20
-0,80
- -0,90
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 8b Têxteis
6,00 1,00
0,50
5,00
-
4,00
-0,50
EXP., IMP.
SALDO
3,00
-1,00
2,00
-1,50
1,00
-2,00
- -2,50
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 8c Vestuário
2,00 0,4
1,80 0,2
-
1,60
-0,20
1,40
-0,40
1,20
-0,60
EXP., IMP.
1,00
SALDO
-0,80
0,80
-1,00
0,60
-1,20
0,40
-1,40
0,20 -1,60
- -1,80
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 8d Calçados
2,50 2,00
1,80
2,00 1,60
1,40
1,50 1,20
EXP., IMP.
SALDO
1,00
1,00 0,80
0,60
0,50 0,40
0,20
- -
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 8e HPPC
1,20 0,25
0,20
1,00
0,15
0,10
0,80
-
EXP., IMP.
0,60 -0,10
SALDO
-0,15
0,40
-0,20
-0,25
0,20
-0,30
- -0,35
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 8f Móveis
1,00 1,00
0,90 0,90
0,80 0,80
0,70 0,70
0,60 0,60
EXP., IMP.
SALDO
0,50 0,50
0,40 0,40
0,30 0,30
0,20 0,20
0,10 0,10
- -
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: MDIC/AliceWeb.
Bens de Consumo 145
5
<http://www.cnpt.embrapa.br/culturas/cevada/index.htm>.
Bens de Consumo 147
ausência de mercado alternativo para cevada fora do padrão malte, alto custo de
produção, mão de obra pouco qualificada, infraestrutura de recebimento, secagem
e armazenamento deficientes e baixa competitividade em preço ou qualidade pe-
rante o mercado internacional.
O apoio do BNDES
O BNDES manteve nos últimos dez anos uma política de permanente apoio às in-
dústrias tradicionais. Conforme será visto a seguir, os números do Banco refletem
de modo amortecido a dinâmica macroeconômica do país, bem como as caracterís-
ticas da estrutura produtiva nacional, com grande aumento dos desembolsos aos
setores tradicionais aqui estudados a partir de 2007.
O Gráfico 9 mostra que entre 2001 e 2007 os investimentos da indústria tradicio-
nal oscilaram pouco, sem revelar nenhuma tendência, em torno de um patamar rela-
tivamente baixo, o que se explica pelo comportamento cauteloso da indústria, uma
vez que a sustentabilidade da retomada do crescimento econômico permaneceu in-
certa nesse período: o crescimento econômico de 2004 e de 2005 não foi suficiente
para elevar de forma significativa o grau de confiança dos investidores brasileiros,
tradicionalmente avessos ao risco, depois de três anos consecutivos de conjuntura
econômica ruim, com a crise energética de 2001, o forte repique inflacionário de
2002 – ano em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 12,53%
de variação anual) – e o ajuste recessivo que orientou a política econômica de 2003.6
Apesar da crise internacional, o período entre 2008 e 2011 mostra certa tendência de
expansão dos desembolsos, sempre situados em um nível mais alto do que a média
da primeira metade da década. Os desembolsos de cada ano refletem projetos con-
cebidos e negociados no biênio anterior, de modo que o salto observado em 2008 já
espelha a persistente melhoria das condições macroeconômicas ocorrida entre 2004
e 2007, bem como iniciativas como o lançamento do Programa Revitaliza (2007).
6
Além disso, ainda em dezembro de 2005 o Banco Central do Brasil apresentava como meta para a taxa Selic (Sistema Especial de
Liquidação e de Custódia) 18% a.a. (valor que foi de 17,75% em dezembro de 2004, de 16,5% em 2003 e de 22% em dezembro
de 2002). Somente em 2006 a taxa desempenharia uma trajetória de forte declínio (caindo para 13,25% em dezembro de 2006 e
para 11,25% em dezembro de 2007).
148 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
6.000
5.000
4.000
R$ MILHÕES
3.000
2.000
1.000
-
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES.
* Valores deflacionados pelo IGP-M.
100
97
90
80
70
65
60
50
40
36
30
20
19
10
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES.
Nota: O BNDES define como MPMEs as empresas cuja Receita Operacional Bruta anual é inferior ou igual a R$ 90 milhões.
100 1 3
6 4
11 2 11 8 11
90 17
27 14 3
7
24 39 36
80 18 24
22
57 18
70 19
18 19
60
34 43
29
23 28
50 25 29
11
40 42
18 14
16 16
30 13
52 21
20 41
13 36 35
23 24 26 23
10 19
12 15
-
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Outros Cartão BNDES BNDES Exim BNDES Finame BNDES Automático BNDES Finem
Fonte: BNDES.
150 Bndes 60 Anos – PeRsPeCTIVAs seToRIAIs
16
14
12
10
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: Bndes.
7
No caso do Relatório de Mercado Focus, organizado pelo Banco Central do Brasil (de 29.6.2012), por exemplo, as expectativas
dos agentes consultados mostram mediana de 2,05% e 4,2% de crescimento do PIB em 2012 e em 2013, respectivamente, com
variação do IPCA de 4,9% e 5,5%.
8
Durante a década de 2000, foi constatada a possibilidade de reduzir a taxa básica de juros sem causar descontrole inflacionário no
longo prazo: embora a taxa Selic tenha caído de 19,00% a.a. para 10,75% a.a. entre 1999 e 2010, a inflação medida pelo IPCA
também caiu no período, passando de 8,94% para 5,91% (fonte: Ipeadata).
152 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Estratégias e condicionantes
A complexidade que marca a conjuntura atual abre espaço para inúmeras estraté-
gias, cabendo às empresas, guiadas por aspectos microeconômicos e por distintos
níveis de excelência gerencial, o papel de tomar decisões, realizar escolhas, imple-
mentar projetos e correr riscos. Como forma de organizar a análise prospectiva
aqui proposta, dois modelos estilizados serão comentados, embora se enfatize o
reconhecimento de que há outras possibilidades, até mesmo de formas híbridas.
A primeira estratégia a ser exposta, destacada como mais promissora e me-
recedora de atenções crescentes por parte do BNDES, é baseada em competição
por diferenciação, com investimentos associados sobretudo a marketing, design,
Bens de Consumo 153
Ameaças e desafios
o PAPel do bndes
em meio às várias oportunidades que se abrem, aos grandes desafios que surgem
e à multiplicidade de possíveis estratégias, o Bndes vê sua atuação como decisiva.
o período 2000-2020 poderá marcar dois grandes ajustes na trajetória do Ban-
co: relativo à primeira década do século, um dos ajustes levou a um redimensio-
namento que o tornou novamente compatível com as necessidades da economia
brasileira; para a segunda década, o outro ajuste passará menos pelo tamanho do
que pela forma de atuação, cada vez mais associada a inovação, design e investi-
mentos em intangíveis.
em razão da complexidade da conjuntura que se apresenta, o Bndes vem se
preparando para ser tanto um banco quanto um think tanker, analisando projetos
e formulando políticas de apoio ao desenvolvimento econômico brasileiro. A sua
reconhecida expertise em análise de projetos deverá ser acrescentado um grande
esforço de divulgação e interlocução com empresas e associações. os produtos, as
linhas e os programas do Banco precisarão refletir a complexidade do desafio.
Por ser necessário oferecer soluções de crédito a empresas de diversos portes,
será crescente a importância do Cartão Bndes e das operações do Finame e do
Bndes Automático; pela necessidade de contemplar as distintas realidades seto-
riais e temáticas, também serão de especial valor os programas especiais do Bndes,
como o Revitaliza ou novos programas voltados especificamente aos investimentos
em design e moda; por várias estratégias serem válidas, as linhas de crédito tradi-
cionais terão uma função horizontal a cumprir; e pelas dificuldades que cercam os
investimentos em inovação, design, moda e marketing, os ativos intangíveis tende-
rão a ocupar uma natural posição de destaque no âmbito do Bndes.
4. C O NC L US Ã O
este artigo procurou evidenciar a natureza dual e complexa que caracteriza tanto
o histórico da última década quanto as perspectivas da próxima, ao menos no que
se refere à indústria brasileira de bens tradicionais de consumo.
Bens de Consumo 157
R e f er ênc i as
ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Estudos Setoriais de Inovação:
Indústria Têxtil e de Vestuário. Belo Horizonte, 2009.
Costa, A. C. R.; Monteiro Filha, D. C.; Guidolin, S. M. Inovação nos setores de baixa e
média tecnologia. BNDES Setorial, 33. Rio de Janeiro: BNDES, 2011, p. 379-420.
Projeto PIB. Sistema Produtivo Bens Salários. Móveis e artefatos plásticos. Coord.
Renato Garcia. Relatório de Pesquisa. Convênio IE-UFRJ/IE-Unicamp/BNDES, 2009.
* Economista do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo da Área Industrial do BNDES. A autora agradece
as importantes contribuições de gustavo Mello, Marcelo goldenstein e luciane gorgulho, do Departamento de Cultura,
Entretenimento e Turismo da Área Industrial, e de Patrícia Zendron, da Superintendência da Área Industrial BNDES.
ECONOMIA CRIATIVA 161
R ES UM O
O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos
e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se por perda relativa
da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor
de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufa-
tura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada
por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras
e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a
indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a ino-
vação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para
que ele cresça equilibradamente. O importante a se notar é a pouca ou nenhuma
atenção dada ao conteúdo criativo comparativamente à inovação. É preciso en-
tender que a produção de conteúdo criativo gera emprego, renda e, além de criar
propriedade intelectual própria, cria também propriedade industrial derivada da
inovação nele embarcada. O objetivo do artigo é, então, evidenciar a importância
das atividades criativas para o desenvolvimento, destacando tanto sua capacidade
de geração de riqueza quanto a oportunidade aberta para os países em desenvol-
vimento que desejam aumento de competitividade.
AB S TR AC T
The post-industrialization process that began in the 1980s in developed countries
and in the 1990s in the developing countries was characterized by a relative drop
in industrial participation in national product and an increase in the services sector.
As the services sector is less dynamic than the manufacturing sector, what can be
done to ensure sustained growth? The alternative, adopted by many developed
countries, has been to invest in innovative activities and industrial service sectors
of high added value. Among these, we can highlight the knowledge and creativity
industry. In the post-industrial world, innovation and creativity give companies a
competitive edge to help the country grow in a balanced fashion. The important
162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
1. i nTR O DUÇ Ã O
O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos
e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se pela perda relativa
da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor
de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufa-
tura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada
por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras
e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a
indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a ino-
vação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para
que ele cresça equilibradamente.
O objetivo deste artigo é evidenciar a importância das atividades criativas
para o desenvolvimento, destacando-se por um lado sua capacidade de geração
de riqueza e por outro a oportunidade aberta para os países em desenvolvimento
que desejam aumento de competitividade. No caso brasileiro, essa oportunidade
é latente, mas só recentemente o país vem construindo políticas públicas para
incentivar tais atividades. Em seus sessenta anos de existência, o BNDES sempre
se preocupou em ser vanguardista em sua política industrial. Foi assim com os
primeiros investimentos na indústria de bens manufaturados, de insumos básicos,
de capital e de infraestrutura. A aposta agora é o mundo intangível da inovação
e do conteúdo criativo.
Dessa forma, o trabalho se divide em três partes, além desta introdução e das
considerações finais. Na primeira parte, é realizada uma revisão teórica sobre o
processo de desindustrialização que vem ocorrendo em alguns países e seus im-
pactos sobre o crescimento daqueles que ainda não atingiram um nível de renda
adequado. Evidencia-se a importância da inovação e da produção de conteúdo
criativo para o desenvolvimento em tempos modernos. Na segunda parte, são
levantados os números relativos à geração de renda e emprego para as atividades
criativas em alguns países selecionados, como o Reino Unido e o Brasil. No caso
brasileiro, este trabalho levantou os dados de emprego formal para o núcleo da
164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2. AS ETAPAS D O D E S E n VOLViM E n T O
Atualmente, existe um debate sobre quais atividades econômicas são as mais aptas
para impulsionar o crescimento dos países, uma vez que o mundo entrou na era de
pós-industrialização e algumas das atividades de produção manufatureira em mas-
sa foram substituídas por outras ou passaram a ser produzidas em outras regiões
[Bell (1999)].
Até os anos 1980, esse debate não existia, já que o crescimento dos países era
impulsionado pela manufatura tradicional. A industrialização é um fator indutor
do crescimento econômico [Kaldor (1960)], já que é o setor mais dinâmico e difusor
de inovações, no qual as inter-relações da indústria manufatureira com os outros
setores induzem a um aumento de produtividade dentro e fora dela em virtude
de seus rendimentos crescentes. Assim, a indústria tende a gerar crescimento pois:
(i) seus efeitos de encadeamento para frente e para trás na cadeia produtiva são
mais fortes; (ii) tem rendimentos crescentes: a produtividade na indústria é uma
função crescente da produção industrial – “lei de Kaldor-Verdoorn”; (iii) produz
mudança: o progresso tecnológico é difundido por meio do setor manufatureiro;
(iv) a elasticidade-renda dos bens manufaturados é maior do que a elasticidade-
-renda de commodities e produtos primários, tornando a industrialização neces-
sária até mesmo, e sobretudo, para aliviar o balanço de pagamentos [McCombie e
Thirlwall (1994); Thirlwall (2005)].1
O problema que gerou o atual debate derivou do fato de essa industrialização,
considerada indutora do crescimento econômico, ter caminhado para um estágio
de estagnação ou até mesmo de redução de participação no Produto Interno Bruto
1
Em resumo, é a indústria que serve como propulsora do desenvolvimento econômico não apenas porque é ela quem oferece
os maiores ganhos de produtividade para si mesma, mas também porque cria os meios para que as demais atividades, em graus
variados, se mecanizem.
ECONOMIA CRIATIVA 165
(PIB). A evolução do PIB, considerando-se os setores, tende, nos países que passam
por processos de crescimento econômico, a atravessar uma sequência típica de três
fases [Rowthorn e Ramaswany (1999); Tregenna (2009)].
Na primeira fase, há uma queda na participação do setor primário (agrope-
cuária) no produto total, resultante do aumento da produtividade no campo
(derivado da mecanização e da fertilização), gerando alocação da mão de obra
para as cidades (setores secundário e terciário). A segunda fase é caracteriza-
da pela industrialização propriamente dita: a redução da participação do setor
primário é compensada inicialmente por grande expansão da indústria e, em
menor medida, pelo aumento dos serviços. Conforme a produtividade industrial
cresce e o aumento da demanda por seus produtos começa a desacelerar, esse
setor começa a liberar a mão de obra para o setor de serviços. Posteriormente,
na terceira fase, o setor de serviços apresenta crescimento lento, mas contínuo,
no produto agregado.
Essa fase mais tardia é comumente chamada de fase de “pós-industrialização”,
ou até mesmo de “desindustrialização” no caso de haver queda relativa da pro-
dução da indústria em relação à produção total [Palma (2005)]. Assim, conforme a
produtividade industrial cresce e o aumento da demanda por seus produtos come-
ça a desacelerar, esse setor libera mão de obra para o setor de serviços e, em alguns
casos, também aloca mão de obra para atividades produtivas “novas” [Tregenna
(2009); Oureiro e Feijó (2010)]. É muito mais do que uma transição de manufatura
para serviços: é o aumento relativo do investimento em serviços e intangível em
relação ao investimento industrial [Work Foundation (2009)].
Essa última fase da sequência, de queda no emprego industrial, mesmo que
relativa, vem gerando temor em diversos países, como aqueles da OCDE, onde o
emprego na indústria respondia, até recentemente, por elevadas parcelas do em-
prego total.2 Por exemplo, a percentagem do emprego industrial no emprego total
na Grã-Bretanha caiu de 35% em 1970 para 14% nos anos 1990; nos EUA, de cerca
2
Estudos indicam que esse processo de desindustrialização ocorreu em alguns países desenvolvidos quando o PIB per capita nacional
passou a atingir a faixa de US$ 10 mil a US$ 12 mil nos anos 1980 [Palma (2005)]; Rowthorn e Ramaswamy (1999)].
166 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
de 25% para 10%; na Alemanha, de 40% para 23% [Bonelli (2008)]. Apesar da per-
da relativa da participação da indústria no PIB, a produção manufatureira cresceu,
especialmente nos EUA – pelo menos até recentemente (2007).
A “desindustrialização” acabaria ocorrendo por alguns motivos, mais ou me-
nos influentes, dependendo de cada país, de sua estrutura produtiva e da inser-
ção no comércio internacional. O primeiro motivo é uma significativa redução
na elasticidade-renda da demanda por produtos industriais, que ocorre quando
o país alcança certo patamar de renda e sua população já realizou o consumo
de massa “básico”. O segundo é o rápido aumento de produtividade na indús-
tria manufatureira (pelo menos em alguns setores), especialmente relacionado
à introdução de novas tecnologias, economias de escala e especialização. Outro
motivo é a terceirização de atividades antes executadas no interior das fábricas,
que resulta na diminuição do uso de mão de obra direta por unidade de produção
industrial. Por fim, o último é a nova divisão internacional do trabalho, que aloca
as atividades que empregam mão de obra industrial menos qualificada para os
países em desenvolvimento [Tregenna (2009)].
De qualquer forma, na pós-industrialização, haveria uma migração de mão
de obra para atividades tanto relacionadas ao setor de serviços quanto ao setor
industrial mais “novo”, inovador. O problema, então, derivaria do fato de essas
atividades, especialmente as relacionadas a serviços, não disporem do dinamismo
esperado para impulsionarem o crescimento econômico tal qual a manufatura tra-
dicional, sobretudo em países de renda média que ainda não convergiram para os
níveis de renda dos países altamente industrializados, de alta renda [Palma (2005)].3
Os fatores-chaves para que essas atividades tenham dinamismo são a produ-
ção relacionada a bens com alta elasticidade-renda da demanda e a habilidade
para a criação de novos produtos, processos e mercados. Assim, na “nova econo-
mia”, seria necessário induzir a participação das atividades inovadoras e de alto
3
A Fiesp (2008) estimou, com dados do Banco Mundial para 26 países de 1975 a 2005, a contribuição do crescimento médio do
setor de serviços e da indústria para o crescimento médio do PIB: é necessário um crescimento de serviços de 1,14% para se obter
um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem do setor de serviços para o PIB é de 0,87; e basta um crescimento industrial
de 0,89% para se obter um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem é de 1,12.
ECONOMIA CRIATIVA 167
4
Entre as janelas de oportunidade mais expressivas encontra-se a possibilidade de aumento da exportação. Esse aumento mitiga o
chamado limite do balanço de pagamentos ao crescimento impulsionado pela demanda [Thirlwall (2005)].
5
As vantagens comparativas deixam de ser “dadas” pela dotação de fatores e passavam a ser “construídas”.
168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
spillover – de seus efeitos para outros setores da economia, e com maior conteúdo
tecnológico e criativo.
O dinamismo econômico trazido pelas inovações é conhecido desde Schumpeter
[Schumpeter (1984)], que chama de inovação tanto a transformação dos proces-
sos produtivos quanto a introdução de bens e serviços finais novos. O dinamismo
induzido pelas atividades criativas, porém, é menos discutido, mas igualmente re-
levante [Cunningham (2002)]. Este artigo equipara inovação ao conteúdo criativo,
produto das atividades criativas, já que ambos dispõem da capacidade de gerar
dinamismo em uma economia do século XXI. De certa forma, para a geração de
riqueza, a propriedade típica industrial – como a patente – tem a mesma relevância
da propriedade típica criativa – o copyright.6
O interessante é que “inovação” vem sendo objeto de pesquisa acadêmica e
de políticas públicas, sobretudo as industriais, há muitas décadas, ao contrário do
conteúdo criativo, que começou a ser estudado há pouco e ainda padece, de certa
forma, de uma metodologia consistente para sua identificação e valoração para
além do copyright.
Muitas das atividades criativas estão relacionadas ao segmento de serviços, de
mensuração própria e desde os anos 1980 também muito estudado, até mesmo so-
bre seu potencial inovativo [Metcalfe e Miles (2000); Andreassi e Bernardes (2007)].
Entretanto, a mensuração monetária dos bens criativos ainda é pouco estudada.
Uma das exceções é o estudo sobre a inovação “embarcada” [Hippel (2005)] nos
segmentos criativos de games, design e produção audiovisual independente, da
Fundação para Inovação do Reino Unido (NESTA), que concluiu que essas atividades
contêm grande quantidade de inovação [NESTA (2007; 2008)].
A conclusão é que, como a inovação está “escondida” na atividade criativa, isso
leva a sua subestimação nas estatísticas e a prejuízo na tomada de decisão pelos
policy makers. Literalmente, segundo os autores do estudo:
6
Embora o direito autoral recaia sobre conteúdo criativo, se restringe às obras literárias e artísticas e aos programas de computador e
games; diferentemente da propriedade industrial, que tem um caráter visivelmente mais utilitário, abarcando as patentes, as marcas,
as indicações geográficas e os nomes de domínio, para citar os principais.
ECONOMIA CRIATIVA 169
(1) there is a great deal of hidden innovation, and this takes numerous
forms; (2) many of these forms of hidden innovation are quite perva-
sive across the economy; (3) some of these forms of hidden innovation
are more characteristic of creative sectors, and some are especially cha-
creative value chains; (4) in these firms and sectors there is also liable
Criatividade e desenvolvimento
7
O intangível da criatividade gera valor adicional quando incorpora características culturais, inimitáveis por excelência [Reis (2006)].
ECONOMIA CRIATIVA 173
cinema e vídeo, publicações e mídias impressas; e (v) Criações Funcionais, que são
moda, design, arquitetura e arte digital [MinC (2011)].
No presente artigo, utilizamos a definição de economia criativa com base em
seu núcleo8 segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas, do IBGE
(CNAE 2.0): audiovisual (produção e comercialização de cinema e TV), inclusive fo-
tografia; música (instrumentos musicais, produção musical, música ao vivo e distri-
buição da música, inclusive rádio); impressão, edição e publicação (livros, jornais e
revistas); arquitetura (e paisagismo); propaganda e marketing; design; softwares
em geral, inclusive games (produção e serviços associados); artes em geral, inclusive
performáticas (cênicas, espetáculos); patrimônio cultural; e parques temáticos.
8
Este trabalho delimitou como escopo o núcleo da economia criativa, composto essencialmente de serviços que têm a cultura como
parte principal do processo produtivo, tal qual definição da UNCTAD. O uso dessa delimitação recai na necessidade de mapear o
core da economia criativa, pois é ele que impulsiona as demais atividades relacionadas e de apoio, sendo sua mensuração menos
suscetível a erros, se comparada à mensuração de toda a cadeia produtiva.
9
Relatório bi-anual. O de 2012, com dados mais recentes, referentes a 2010, será publicado apenas em 2013. Os dados para a
economia criativa são mais escassos do que o convencional.
174 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
O referido relatório considera os seguintes setores: audiovisual, música, rádio, internet, jogos eletrônicos, informações gerencias,
10
criativos cresceram a uma taxa média anual de 8,7%, e a maior parte dos rendi-
mentos criativos originou-se de direitos autorais, licenças e marketing e distribuição
[Reis (2006)].
Assim, para a economia criativa, a geração de riqueza depende da capacidade
do país de também criar conteúdo criativo, transformá-lo em bens ou serviços co-
mercializáveis e encontrar formas de distribuí-los, no mercado local e no exterior,
ganhando escala e divulgando seu conhecimento [Kuhn (1993)].
O caso do Reino Unido é comumente usado como referência para o uso da
política industrial com base no incentivo de indústrias criativas, em virtude de seu
pioneirismo com a criação de uma agenda política e econômica para o tema. O go-
verno inglês apostou na economia criativa como fonte de recuperação econômica
e, no mapeamento das atividades criativas no país realizado em 1997, que conta-
bilizou a geração total de emprego nas empresas criativas e de atividades criativas
nas empresas não criativas, chegou ao resultado de 5% da população economica-
mente ativa empregada em atividades criativas. Nesse contexto, o então ministro
da cultura inglês, Chris Smith, observou que:
national wealth ... Industries, many of them new, that rely on creativity and
and important part of our national economy. They are where the jobs and
No Brasil, a economia criativa vem ganhando relevância política apenas nos últimos
anos. Em 2004, depois da assinatura pelo Ministério da Cultura da Convenção da
Diversidade Cultural, o termo “economia da cultura” começou a ganhar espaço na
política governamental, inspirando até a inserção do BNDES no tema. A partir de
2011, a criação da Secretaria de Economia Criativa no “novo” Ministério da Cultura
pretende inserir o tema na agenda de desenvolvimento do Brasil. Essa secretaria
liderou a elaboração do Plano Brasil Criativo, que propõe uma política transversal
de desenvolvimento para o país, baseada na economia criativa.
A despeito de a oferta de estatísticas ser ainda incipiente, percebe-se que a
representatividade da economia criativa é significativa. Utilizando os números da
Rais11 para 2010 [Rais (2011)] referentes às atividades aqui consideradas núcleo da
economia criativa,12 este trabalho apurou que 1,96% dos empregados formais esta-
vam alocados em atividades criativas no Brasil. Isto é, dos 44.068.355 empregados
formais, 865.881 eram de atividades criativas. Nos últimos cinco anos, o número de
11
A Rais 2011 – Relação Anual de Informações Sociais dos Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego – utiliza
dados coletados em 2010 e, apesar de ser confiável, apresenta o problema de tratar apenas dos empregos formais. A economia
criativa é uma área com possivelmente grande percentagem de emprego informal. Isso leva à conclusão de que os resultados aqui
gerados são apenas uma proxy da realidade, já que o setor estará sendo subdimensionado. Em junho de 2012, a Rais 2012, com
dados de 2011, ainda não estava disponível para análise.
12
Como visto anteriormente: audiovisual; música; impressão, edição e publicação; arquitetura; propaganda e marketing; design;
softwares em geral e games; artes em geral e performáticas; patrimônio cultural; e parques temáticos.
ECONOMIA CRIATIVA 177
13
“Ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital intelectual como insumos primários”
[UNCTAD (2010)].
14
Metodologia parecida com a utilizada neste trabalho. O núcleo se refere a atividades criativas; as atividades relacionadas envolvem
segmentos de provisão direta de bens e serviços ao núcleo e compostos em grande parte por indústrias e empresas de serviços
fornecedoras de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo; e as atividades de apoio englobam provisão
de bens e serviços de forma indireta.
ECONOMIA CRIATIVA 179
15
É possível separar as atividades culturais das criativas: enquanto as atividades culturais são entendidas como aquelas que geram
bens e serviços em cujo cerne se encontra a produção artística, como as artes visuais e performáticas, o patrimônio cultural e
as produções culturais (cinema e vídeo, TV e rádio, games, música gravada e ao vivo, livros e imprensa), as atividades criativas
(software, arquitetura, design e propaganda) são consideradas aquelas que têm a cultura como um insumo para a produção de bens
funcionais, não culturais [Gorgulho et al. (2009)].
180 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
1997 a 2004 69.500 165.248 28.052 177.555 10.937 19.100 19.976 490.367
180.000
160.000
140.000
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
* BNDES Automático e Cartão BNDES são dois dos produtos do Banco utilizados para operações indiretas, e o Finem Direto é um dos
produtos do Banco utilizados para as operações diretas, como as realizadas no âmbito do Procult.
O BNDES deu um importante passo para a valorização dos setores ligados aos
conteúdos criativos ao criar um programa específico de financiamento voltado à
economia da cultura, o Procult. Assim como foi feito no lançamento das linhas de
inovação, o Banco assumiu seu papel de indução ao desenvolvimento ao promover
a cultura, não apenas do ponto de vista de patrocínio institucional, mas principal-
mente sob seu viés econômico. Com isso, as empresas do setor cultural passaram a
ser vistas como agentes econômicos, geradores de emprego e renda. Filmes, músi-
cas e livros passaram a ser apoiados como produtos dinamizadores de suas cadeias
produtivas. Sob o novo contexto pós-industrial, os serviços culturais passaram a ser
tratados como serviços complexos, com capacidade de gerar efeitos multiplicadores
na economia, assim como fazem as indústrias inovadoras.
ECONOMIA CRIATIVA 183
5. PER S PEC Ti VA S f U T U R A S
E C O nS i DE R A Ç ÕE S f in A iS
As perspectivas futuras para a economia são promissoras. No relatório produzido em
2011 pela consultoria Price Waterhouse Coopers sobre as perspectivas econômicas para
o período de 2011 a 2015, há uma aposta no crescimento do PIB médio nominal anual
de 6,5%, apesar do crescimento mais lento dos países desenvolvidos em crise, compen-
sado pelo destaque econômico dos países em desenvolvimento não afetados pela crise
internacional, como China, Rússia, Brasil e índia. No caso específico das atividades de
entretenimento e mídia,16 core das atividades criativas para a Price, o crescimento mé-
dio anual do PIB projetado para o mesmo período é menor, de 5,7%, mas com alguns
destaques importantes, como o de crescimento absoluto para China, índia e Rússia e
o de crescimento relativo para a América Latina e a área chamada de Oriente Médio
e Norte da África (OMNA) [Price Waterhouse Coopers (2011)]. O crescimento acima da
média mundial para alguns países em desenvolvimento estaria ligado, sobretudo, ao
processo de digitalização, de inclusão digital, que estão atravessando.
região 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2011-
2015
amériCa
do norte 488.572 504.934 498.639 466.333 481.299 498.949 527.500 549.353 580.377 606.677
% 4,9 3,3 (1,2) (6,5) 3,2 3,7 5,7 4,1 5,6 4,5 4,7
omna 422.303 454.104 470.444 460.569 477.141 497.445 524.006 553.880 584.149 613.943
% 6,6 7,5 3,6 (2,1) 3,6 4,3 5,3 5,7 5,5 5,1 5,2
ásia/
PaCÍFiCo 310.086 341.076 364.832 371.256 394.777 410.653 442.679 476.128 508.981 540.716
% 10,5 10,0 7,0 1,8 6,3 4,0 7,8 7,6 6,9 6,2 6,5
amériCa
latina 45.165 51.535 57.145 59.093 66.309 73.754 82.005 90.435 102.162 109.139
% 13,9 14,1 10,9 3,4 12,2 11,2 11,2 10,3 13,0 6,8 10,5
total 1.266.126 1.351.649 1.391.060 1.357.251 1.419.526 1.480.801 1.576.190 1.669.796 1.775.669 1.870.475
% 7,1 6,8 2,9 (2,4) 4,6 4,3 6,4 5,9 6,3 5,3 5,7
16
O setor de entretenimento e mídia para a Price engloba a produção audiovisual para internet, Tv e cinema, produção musical e
sua distribuição, produção de videogames, editoração e propaganda relacionada [Price Waterhouse Coopers (2011)].
184 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
A América Latina recebeu destaque nas projeções. Assim, espera-se que haja
mudança da participação da indústria criativa no PIB de alguns países, como o Brasil.
Para a consultoria, esse movimento ascendente das indústrias criativas decorre da
oportunidade que se abrirá em função da crescente digitalização em andamento
nos países em desenvolvimento, que cria serviços complexos, modelos de negócios,
sinergias colaborativas e relações de consumo. Avanços na área digital encorajam
e possibilitam inovações em equipamentos e dispositivos, que requerem e deman-
dam, de forma crescente, conteúdo criativo [Price Waterhouse Coopers (2011)].
O Brasil ocupa hoje o décimo lugar do ranking mundial em relação ao dispên-
dio com entretenimento e mídia, mas com a projeção de crescimento médio anual
para os próximos anos de 11,4%, uma das mais altas dos países analisados, alcança-
ria o sétimo lugar em 2015.
País 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2011-
2015
(%)
Argentina 4.614 5.411 6.154 6.602 7.512 8.397 9.250 10.073 11.081 11.927 9,7
Brasil 21.192 24.829 27.756 28.718 33.104 37.478 42.239 46.869 53.860 56.731 11,4
Chile 2.175 2.415 2.497 2.523 2.754 2.994 3.227 3.486 3.792 4.031 7,9
Colômbia 5.566 6.328 7.138 7.243 7.811 8.495 9.416 10.539 11.902 13.291 11,2
México 10.913 11.787 12.728 13.051 14.075 15.216 16.556 18.006 19.890 21.384 8,7
Venezuela 705 765 872 956 1.053 1.174 1.317 1.462 1.637 1.775 11,0
Total 45.165 51.535 57.145 59.093 66.309 73.754 82.005 90.435 102.162 109.139 10,5
R e f er ênc i as
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ECONOMIA CRIATIVA 187
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sectors. Londres: NESTA, 2007.
Sites consultados
* gerente do departamento de energia elétrica da área de infraestrutura do Bndes e mestre em economia pelo instituto
de economia da Universidade Federal do rio de Janeiro. o autor agradece os comentários de nelson Fontes siffert Filho,
superintendente da área de infraestrutura, e de Filipe lage de sousa, economista do departamento de acompanhamento
econômico e operações da área de Pesquisa e acompanhamento econômico, do Bndes, bem como o auxílio de Frida Koiffman,
do gabinete da Presidência do Bndes, para a obtenção de dados e referências do Programa nacional de desestatização (Pnd).
eventuais erros e omissões são de absoluta responsabilidade do autor.
Energia Elétrica 191
R ES UM O
O setor elétrico brasileiro, para o BNDES, desde sua fundação em 1952, era uma
das principais prioridades para a concessão de crédito. Com as mudanças institu-
cionais e estruturais do setor, o papel do Banco foi adaptado às necessidades de
cada fase de seu desenvolvimento. Em boa parte da segunda metade do século XX,
as próprias estatais do setor, notadamente a Eletrobras, detinham o papel tanto
de operadores quanto de financiadores, por meio de recursos internos, setoriais e
endividamento a sua disposição. A partir dos anos 1990, com o processo de intro-
dução da iniciativa privada, o papel do BNDES retomou sua importância originária,
seja como gestor da privatização, em um momento inicial, seja como promotor dos
investimentos para expansão setorial. Este artigo retrata justamente essa trajetória
do papel do BNDES ao longo do processo de transformações do setor elétrico.
AB S TR AC T
The Brazilian electric energy sector, since the BNDES was founded in 1952, has
been one of the Bank’s main credit priorities. As a result of institutional and
structural changes in the sector, the Bank’s role was adapted according to each
stage of development. For most of the second half of the 20th century, the
State-owned utilities, especially Eletrobras, played both operational and financing
roles, employing internal, sectorial, debt resources that were at their disposal.
Since the 1990s, with the arrival of the private sector, the role of the BNDES has
regained its original importance, be it as a manager of privatization, initially, or
as a promoter of investment aimed at expanding the sector. This paper precisely
presents the path that the BNDES’ role has taken throughout the transformation
of the electric energy sector.
EnErgia Elétrica 193
1. I NTR O DUç ã O
Este artigo objetiva traçar um panorama da condução dos investimentos do setor
elétrico brasileiro (SEB). nele se expõem as formas de mobilização de recursos fi-
nanceiros para coordenar a expansão setorial.
Dessa perspectiva, avalia-se o papel do BnDES, desde sua criação em 1952 até a
atual conjuntura, com relação à evolução das formas de financiamento do SEB e às
mudanças estruturais do setor.
inicia-se o artigo com uma síntese da trajetória de conformação da organização
setorial (de controle e comando estatal) que predominou entre meados do século XX
e a década de 1990. Esse corte histórico inicial foi escolhido por ser contemporâneo
à criação do BnDES.
Depois, são expostas as modificações estruturais do setor, desde as privatiza-
ções dos anos 1990 até a conclusão do marco regulatório do setor elétrico nos anos
2000. nessa seção, destaca-se o crescimento da importância do BnDES na deter-
minação da estrutura do setor e na mobilização de recursos financeiros para sua
operacionalização e expansão.
Em seguida, é retratada a atual conjuntura do SEB, com a consolidação do papel
do BnDES como seu principal financiador, e mostram-se as perspectivas e desafios
a serem enfrentados. Por fim, são reunidas as principais conclusões deste artigo.
Autoprodutores
Itaipu (50%)
6%
12%
49%
33% Eletrobras
Estados
A Eletrobras era o principal agente do SEB, e seu controle sobre o setor ocorria
da seguinte forma:
• coordenava a operação dos sistemas de transmissão e geração, em função da
necessidade de otimização do parque gerador hidrotérmico;
• planejava a expansão do setor, por meio dos chamados planos decenais e pla-
nos de longo prazo (vinte a trinta anos); e
• controlava os recursos (externos e internos) para o financiamento setorial.
Essa estrutura de mercado foi conformada durante décadas, por meio de um
processo crescente de centralização estatal tanto da operação do setor quanto de
sua expansão, conforme descrito no Quadro 1.
O SEB nasceu de uma estrutura descentralizada, na qual vários sistemas regio-
nais foram sendo construídos em cada estado da federação. Em seus primórdios,
no fim do século XIX, empresas privadas investiram na autogeração de energia, en-
quanto empresas de transportes públicos (bondes) e iluminação pública instalaram
geradores para alimentar suas redes.
Energia Elétrica 195
1945 Criação da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), estatal federal responsável inicialmente pelos investimentos em
geração de energia na bacia do rio São Francisco.
1952 Fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com a atribuição de fornecer recursos para projetos que
demandavam financiamentos a longo prazo. A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), grupo de trabalho que originou
a criação do BNDE, elegeu como prioridade o equacionamento das deficiências de transporte e energia, que eram os dois
maiores gargalos para o crescimento econômico.
1952 Fundação da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), estatal estadual de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
1954 Instituição do Fundo Federal de Eletrificação (FFE), destinado a prover e financiar instalações de produção, transmissão e
distribuição de energia elétrica. Sua gestão foi delegada ao BNDE, e uma parcela do fundo foi repartida entre os estados da
federação. Esse fundo tinha como origem de recursos o Imposto Único de Energia Elétrica (IUEE).
1954 Criação da Companhia Paranaense de Energia (Copel), estatal estadual de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
1957 Criação de Furnas Centrais Elétricas, estatal federal responsável por investimentos de geração e transmissão de eletricidade no
Sudeste do país.
1961 Criação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), como empresa holding dos ativos federais, agregando o controle
de Furnas e Chesf. Além disso, no bojo de sua criação estava a questão do financiamento setorial. Exemplo desse fato foi a
transferência da carteira de aplicações e a administração do Fundo Federal de Eletrificação do BNDE para a empresa.
1962-1966 Encampação e posterior compra dos ativos da American & Foreign Power Company (AMFORP) pelo governo federal. Foram
cerca de dez concessionárias regionais, que em sua maioria foram transferidas para os estados da federação, ou, em poucos
casos, para a Eletrobras.
1966 Criação das Centrais Elétricas de São Paulo S.A. (Cesp), com a fusão de 11 empresas estatais estaduais (alguns ativos antigos da
AMFORP).
1968 Criação da terceira subsidiária da Eletrobras, a Eletrosul Centrais Elétricas S.A., estatal federal responsável pelos investimentos
de geração e transmissão de eletricidade no Sul do país.
1973 Nascimento da quarta subsidiária regional da Eletrobras, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), responsável pela
construção da usina de Tucuruí, no rio Tocantins. A empresa deu início à produção de eletricidade em grande escala na região
Norte do país.
1978 Aquisição pelo governo federal da Light, então concessionária de cidades dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo,
inclusive as capitais. Em 1981, a parcela paulista da empresa passou ao governo do Estado de São Paulo, que alterou o nome da
companhia para Eletropaulo – Eletricidade de São Paulo S.A.
Maceió, Vitória, Niterói, Petrópolis, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Pelotas
[Pinto Jr. et al. (2007)].
Nesse momento, o Brasil tinha algumas ilhas elétricas, mas o mercado concen-
trava-se nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo e nas suas imediações. O
Sudeste concentrava 80% da geração de energia e o Nordeste, apenas 10% [Pinto
Jr. et al. (2007)].
Em resumo, esse quadro ilustra uma conformação setorial desarticulada, con-
centrada nos dois principais centros urbanos (RJ e SP). Isso demonstra que o surgi-
mento do SEB advém do processo de urbanização das capitais do país. Porém, à me-
dida que o processo de industrialização do país avançava, o setor elétrico deixava
de ser apenas um bem de utilidade pública das cidades para se tornar também um
insumo essencial para as indústrias.
Com o crescimento do setor em essencialidade e escala (sobretudo graças à
demanda industrial), foi inevitável a necessidade crescente de articulação entre os
investimentos na expansão da geração e da distribuição de energia, com o objetivo
de aceleração do processo de industrialização.1
Consequentemente, o controle estatal de insumos básicos e da infraestrutura, em
geral, passou a ser visto como condição de existência do processo de industrialização.
Esse controle iniciou-se com um processo de intensificação da regulação seto-
rial (antes esparsa em instrumentos legais), com a criação do Código das Águas, em
1934 (Decreto 24.643/34), que centralizou em um instrumento legal as regras gerais
das atividades de concessão nacionais e estrangeiras do SEB. Contudo, o que come-
çou com maior controle institucional tornou-se, nas décadas seguintes, um controle
de fato por meio da propriedade estatal dos ativos setoriais.
O setor elétrico brasileiro, assim como os demais setores de infraestrutura (te-
lecomunicações, por exemplo), percorreu uma trajetória de crescente controle es-
1
O setor elétrico ganhou grande destaque no Plano de Metas do governo JK (1957-1961), com meta de expansão de 2 GW e
realização de 1,65 GW (a capacidade instalada brasileira em 1950 era de 1,9 GW). Já no período militar, diversos planos, como
o Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), de 1967, o Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo, de 1970, o I Plano
Nacional de Desenvolvimento (I PND), de 1970-1974, e o II PND, de 1975-1979, adotaram como um dos pilares do desenvolvimento
industrial a expansão da oferta de eletricidade [Abreu (1999)]. Com efeito, entre 1960 e 1980, o SEB vivenciou expressiva expansão
da capacidade instalada de geração de energia, com um crescimento médio anual de 10,2% (ver Apêndice 1); isto é, de 4,8 GW, em
1960, o país passou a deter 33,5 GW em 1980.
Energia Elétrica 197
2
Então ainda sem sua vertente social, explicitada em sua razão social apenas em 1982, quando se tornou o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
198 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Com efeito, a partir dos anos 1960, o papel da Eletrobras como financiadora
setorial foi desempenhado por meio dos seguintes esquemas de obtenção de recur-
sos: Fundo Federal de Eletrificação,3 Empréstimos Compulsórios aos Consumidores,4
Reserva Global de Reversão (RGR),5 e Empréstimos Externos.
Além dessas fontes de recursos, havia outras duas fontes complementares, ope-
radas de forma descentralizada, sem o pleno controle da Eletrobras:
• os orçamentos dos estados e da União, importantes para custear os investi-
mentos, sobretudo durante o processo de estatização do setor (descrito no
Quadro 1); e
• a aplicação de uma política de realismo tarifário no suprimento de eletricidade,
que permitia que cada concessionária custeasse os investimentos com as pró-
prias receitas.
Esse modelo de propriedade e financiamento setorial com base nas empresas
estatais permitiu a aceleração dos investimentos na expansão do SEB (ver Apêndice 1)
e explica, em grande medida, a atual estrutura física e produtiva do setor. Essa es-
trutura caracteriza-se por um parque gerador de base hidrotérmica, integrado por
extensa rede de transmissão e distribuição de eletricidade, que interliga boa parte
do território nacional.
Contudo, fatores exógenos ao setor elétrico minaram o esquema de financia-
mento dos investimentos, já a partir dos anos 1970 e, sobretudo, nos anos 1980. A
seguir, uma breve descrição desses fatores.
a. Política de contenção tarifária
A economia brasileira, assim como diversas outras mundo afora, foi severamen-
te impactada pelo choque do petróleo de 1973, reprisado em 1979. A elevação
do preço desse insumo básico fez com que o governo brasileiro adotasse uma
3
O FFE detinha expressiva base de arrecadação, pois o IUEE aplicado sobre os consumidores de energia era de 10%, para a atividade
rural, 35%, para os consumidores residenciais e industriais, e 40%, para os consumidores comerciais e outros.
4
O empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica, instituído em 1962, era um adicional cobrado nas contas de
energia elétrica para financiar a expansão do setor elétrico. A contrapartida dos consumidores era o direito a receber da Eletrobras
resgatável em dez anos, com juros de 12% ao ano. O empréstimo compulsório foi fixado em 15% do valor da conta de energia, no
primeiro ano de sua aplicação, e em 20% nos anos seguintes. Em 1993, foi encerrada sua cobrança.
5
A RGR foi criada em 1957 com a finalidade de constituir um fundo para garantir ao poder concedente os recursos a serem
aplicados nos casos de indenização ao concessionário nos momentos de reversão dos ativos ao Estado ao fim do prazo de
concessão. A partir de 1971, a legislação conferiu à Eletrobras a administração desse fundo, cujo emprego se daria na forma de
empréstimos a concessionários de serviços públicos de energia elétrica, para expandir e melhorar os serviços.
Energia Elétrica 199
6
Nesse momento, as concessionárias de energia elétrica passaram a adotar uma prática defensiva em relação à política de
contenção tarifária. Como seus contratos de concessão lhes concediam direito à remuneração garantida do capital, as empresas
abriram em seus balanços direitos a receber, denominados Conta de Resultados a Compensar (CRC). Basicamente, a CRC
acumulava o diferencial tarifário entre a tarifa vigente a aquela que seria necessária para garantir sua remuneração legal entre
10% e 12% ao ano. Assim nasceu um dos grandes passivos financeiros, que só foram eliminados do SEB nos anos 1990, como
condição necessária para as privatizações. Com a extinção da remuneração legal das concessionárias, em 1993, coube ao Tesouro
Nacional ressarcir as empresas em um total de US$ 23 bilhões, em valores da época [Oliveira e Pinto Jr. (1998), Gomes et al. (2002) e
Araújo e Oliveira (2005)].
200 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
7
Esse era o momento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), lançado em 1974 como resposta ao primeiro choque do
petróleo. O II PND, apesar de abranger o período de 1975 a 1979, resultou na maturação de investimentos em grande medida nos
anos 1980, sendo o serviço da dívida associada também referente a esse período. Inevitavelmente, o sucesso do II PND dependia de
grande volume de recursos e de financiamento de longo prazo, que, apesar da participação do BNDE, foi majoritariamente obtido
por meio de dívida externa a juros pós-fixados.
Energia Elétrica 201
sobretudo, nos anos 1980. Grandes hidrelétricas começaram a ser construídas, tan-
to pelas empresas do grupo Eletrobras quanto por estatais estaduais, como Cesp,
sem que o consumo de energia crescesse em um ritmo que justificasse e viabilizasse
esses investimentos.
Para ilustrar, esse foi o momento em que se iniciaram os projetos de usinas
como Paulo Afonso IV (1979), Itumbiara (1980), Porto Primavera (1980), Tucuruí
(1984) e Itaipu (1984).8 Os projetos sofreram sistemáticos atrasos, em parte por
causa da falta de recursos para seu financiamento, e em parte por causa do bai-
xo crescimento da demanda por energia.9 Nesse momento, o BNDES retomou sua
participação como financiador relevante do setor, com financiamento de mais de
20 GW de usinas hidrelétricas.10
Em resumo, nos anos 1980, o SEB recaiu na chamada armadilha das economias
de escala, pois grandes projetos com atrasos sistemáticos implicaram crescimento
dos custos de financiamento durante sua construção e a postergação das receitas
oriundas da operação [Oliveira e Pinto Jr. (1998)]. Com efeito, o que seria uma vir-
tude para os projetos (economias de escala) tornou-se um vício.
Para sintetizar a reversão do quadro de financiamento setorial, de superavi-
tário para deficitário, entre os anos 1970 e 1980, basta verificar a relação entre a
capacidade de autofinanciamento e investimentos ilustrada no Gráfico 2.
Esse foi o contexto em que o SEB ingressou nos anos 1990 e, em grande
medida, fundamenta a proposição de mudança estrutural. Essa mudança tinha
dois pilares básicos: o ingresso da iniciativa privada, em função da incapacidade
do Estado e das estatais de, sozinhos, viabilizar os investimentos, e a introdução
da competição e da regulação por incentivos com vistas a aumentar a eficiência
econômica do setor.
8
A capacidade instalada das usinas é, atualmente, a seguinte: Paulo Afonso IV, 2,4 GW; Itumbiara, 2 GW; Tucuruí, 8,3 GW; Itaipu,
14 GW; e Porto Primavera, 1,8 GW.
9
O caso de Porto Primavera é o mais emblemático, pois as obras, previstas para serem concluídas em 1988, acabaram apenas
em 2003.
10
No início dos anos 1990, 20 GW representavam mais de 37% do Sistema Interligado Nacional.
202 BnDES 60 anOS – PErSPEctiVaS SEtOriaiS
80
40
-40
-80
3. v I AB I l I zAç ã O D A IN S E R ç ã O
DA I NI C I AT IvA P R IvA D A :
A TR ANS I ç ã O IN C OM P l E TA
O SEB chegou à última década do século XX sobrecarregado de dívidas financei-
ras e passivos cruzados setoriais acumulados nos balanços das concessionárias
desde meados dos anos 1970. O gráfico 3 evidencia, por meio do indicador
dívida líquida/EBitDa, a situação drástica de incapacidade de pagamento das
dívidas em 1993.
Para ilustrar essa conjuntura adversa, basta dizer que a geração de caixa opera-
cional anual das principais distribuidoras11 seria suficiente para pagar suas dívidas
líquidas apenas após 25 anos. Usualmente, o mercado considera como limite de so-
lidez financeira que uma empresa tenha dívida líquida a ser paga por sua geração
11
empresas listadas em bolsa na época: light, escelsa, eletropaulo, CPFl, Coelce, Coelba, Cerj, Celpe, Celg e Celesc.
Energia Elétrica 203
de caixa operacional (representada pelo EBITDA) em até 2,5 anos. Isto é, as empre-
sas estavam endividadas em até dez vezes o que seria recomendável.
Em 1995, as dívidas financeiras totalizavam cerca de US$ 25 bilhões, os direitos
a receber das concessionárias oriundos da CRC, outros US$ 25 bilhões, e a Eletrobras
detinha créditos a receber oriundos da comercialização de energia com distribuido-
ras de US$ 5 bilhões [Ferreira (1999)].
30
25,71
20
13,34
12,43
10
3,96
3,58
3,21
1,71
1,93
1,32
0
1993 2001 2011
Sistema Eletrobras Mistas (GTD) Distribuidoras
Fonte: Elaboração própria, com base em Cadernos de Infraestrutura do BNDES (1996), Brito (2003), balanços das empresas e CVM.
Nota: O Sistema Eletrobras, neste gráfico, é composto apenas de suas quatro subsidiárias (Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul),
sem Itaipu e as contas financeiras setoriais. As empresas mistas variam conforme o ano, pois foram incorporadas mudanças estruturais
ao longo do tempo, como Neoenergia e CPFL, que começaram com distribuição e passaram a atuar em geração.
Essas medidas fizeram com que parte da renda obtida pelas concessionárias de
energia, que poderia ser reinvestida, fosse apropriada pela União, por meio do IR,
e pelos estados, por meio do ICMS.
Com efeito, o SEB necessitava de readequação de suas finanças para, em segui-
da, ser reestruturado. Em outras palavras, os passivos setoriais deveriam ser expur-
gados a fim de viabilizar a inserção da iniciativa privada.
Após debates sobre como superar a crise e garantir a retomada dos investi-
mentos e da eficiência do setor, foi aprovada em março de 1993 a Lei 8.631, que
estabeleceu profundas modificações nas regras de funcionamento do SEB [Gomes
et al. (2002) e Ferreira (1999)]. Em síntese, a lei promoveu:
• o fim da regra de equalização tarifária, o que acabou com acúmulos de passivos
na conta CRC;
• a extinção da remuneração garantida das concessionárias, o que abriu espaço
para outras formas de regulação tarifária;
• o encontro de contas entre concessionárias e União: os direitos a receber das
distribuidoras, acumulados na conta CRC, foram empregados para quitar dí-
vidas com a Eletrobras referentes ao pagamento de suprimento de energia, à
aquisição de combustíveis, à RGR e à Rencor;
• o uso da CRC para pagamento de impostos federais (cerca de US$ 20 bilhões
dessa conta foram usados dessa forma);
• a recomposição tarifária: apenas em 1993, da edição da lei (março) até de-
zembro, a tarifa média de fornecimento das distribuidoras foi reajustada de
37,6 R$/MWh para 60,0 R$/MWh. Essa medida significou a retomada da polí-
tica de realismo tarifário, depois mantida no regime tarifário das concessio-
nárias (ver Gráfico 4).
O advento do Plano Real, em 1994, foi fundamental para dar estabilidade ma-
croeconômica, recuperando a capacidade dos agentes econômicos de vislumbrar
negócios de longo prazo. A estabilidade dos preços deu efetividade ao processo de
recomposição tarifária.
Depois de iniciada a recomposição tarifária e o equilíbrio de contas, foi promul-
gada a Lei Geral de Concessões 8.987, em 1995. Essa lei trouxe especificações ao que
Energia Elétrica 205
120
100
80
R$/MWH
60
40
20
0
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999
12
O segmento de distribuição, por ser uma atividade de monopólio natural, com tarifas reguladas, tem direitos de equilíbrio
econômico-financeiro mais fortes do que aqueles concedidos para geração. Geração, por ser um segmento em que se buscava
introduzir a competição, está sujeito aos riscos de mercado, e seus preços e sua rentabilidade são condicionados pelo mercado.
13
Os segmentos de monopólio natural (transmissão e distribuição de energia) e geração hidrelétrica de grande porte (acima de
30 MW) foram mantidos como concessões. Os demais se tornaram autorizações e, em casos específicos, permissões.
206 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
• separação contábil dos ativos, por meio da segregação dos custos das tarifas
por segmento do setor elétrico (geração, transmissão e distribuição), a fim de
separar os segmentos de monopólio natural (transmissão e distribuição) e per-
mitir o livre acesso ao uso pelos segmentos competitivos (geração e consumido-
res livres, ou agentes comercializadores que o representem);
• estabelecimento das regras gerais para privatização dos ativos; e
• criação do embrião do mercado livre de energia, ao definir a figura do pro-
dutor independente de energia, que poderia vender energia diretamente ao
consumidor livre (inicialmente definido com carga acima de 10 MW).
Esses foram, e são até hoje, os pilares da nova institucionalidade do setor
elétrico brasileiro. No entanto, para a introdução da competição nos segmen-
tos desregulamentados (geração de energia e um novo segmento, denominado
comercialização de energia), há necessidade de conformação de normativos e
instituições específicas, que foram sendo criados na segunda metade da década
de 1990. O Quadro 2 exibe uma síntese da cronologia de implantação dessa nova
organização institucional do SEB.
Contudo, por causa da vulnerabilidade financeira das empresas do SEB para sus-
tentar os investimentos requeridos, sobretudo após o Plano Real, quando o crescimen-
to do consumo de energia voltou a crescer a taxas expressivas, a necessidade da in-
trodução da iniciativa privada tornou-se premente. Aliado a esse fato, está a própria
necessidade da União e dos estados de recuperar suas contas públicas. Nesse sentido,
os ativos do SEB nas mãos da administração pública passaram a ser vistos como fontes
de recursos para sua recuperação financeira, e não mais como fontes de despesas.
Nesse âmbito, o processo de privatização iniciou-se em 1995, com a venda da
distribuidora do Espírito Santo, Escelsa, de forma desarticulada com a transforma-
ção institucional setorial.
A privatização do setor começou com os ativos em poder da União, que foram
incluídos no Programa Nacional de Desestatização (PND).14 Coube ao BNDES a res-
14
O PND foi criado pela MP 155/90 (convertida na Lei 8.031/90) e, após inúmeras MPs, foi consolidado pela Lei 9.491/97. No que
toca aos ativos federais, as empresas Light e Escelsa foram incluídas no PND em 1992 e o Sistema Eletrobras, em 1995.
Energia Elétrica 207
1996 Instituição, pela Lei 9.427/96, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela supervisão setorial.
Regulamentação específica das atividades de autoprodução de energia e do produtor independente de energia (por meio do
Decreto 2.003/96).
1997 Constituição da Aneel e de seu regimento interno (Decreto 2.335/97).
Definição da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97).
Criação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), por meio da Lei 9.478/97.
1998 Criação do Mercado Atacadista de Energia (MAE) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), pela Lei 9.648/98.
2000 Instituição, pela Lei 9.984/2000, da Agência Nacional de Água (ANA), entidade federal responsável pela implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
15
Dívidas securitizadas do Tesouro Nacional e Certificados de Privatização, emitidos no mercado financeiro, foram usados como meio
de pagamento [Velasco Jr. (2010)].
208 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
25
20
15
10
0
Receitas moeda corrente Receitas moeda Transferência de dívidas BNDES: ajuste fiscal BNDES: financiamento
privatização ao setor privado estados acionistas
Estados União
Fonte: BNDES.
*Os valores monetários expostos neste artigo são apresentados em reais correntes por causa da heterogeneidade dos diversos índices de
preços que deveriam ser utilizados conforme segmento de mercado e natureza de gasto para a supressão da inflação intrínseca de cada
um. Índices de preço gerais, como IGP ou IPCA, não são ideais porque têm comportamentos diferentes e, em alguns momentos, opostos à
inflação percebida por segmentos do setor.
Foi a partir das privatizações que o BNDES cresceu em importância como finan-
ciador do setor elétrico brasileiro. Cabe ressaltar que nesse primeiro momento o
crescimento absoluto dos créditos concedidos pelo BNDES não ocorreu em detri-
mento do papel financeiro da Eletrobras.
A intenção era de que a holding atuasse também como financiadora setorial,
embora as subsidiárias do Sistema Eletrobras estivessem incluídas no PND e embora
Energia Elétrica 209
4. S UR gI M ENT O E C ON S E QU Ê N C IA S
DO R AC I O N A ME N T O D E E N E R g IA :
S ANEAM EN T O f IN A N C E IR O
E M UDANç A S IN S T IT U C ION A IS
O SEB iniciou o século XXi com a necessidade de imposição à sociedade de uma
economia de energia de 20%. Obviamente, o diagnóstico desse fato é a falta de
investimentos na expansão setorial, sobretudo no que toca ao parque gerador e ao
sistema de transmissão nacional.
as reformas dos anos 1990 não foram capazes de suprir, por meio da inserção
da iniciativa privada, a lacuna deixada pelas estatais no processo de condução dos
investimentos.
assim, cabe explicitar quais foram as principais causas do modesto nível de in-
vestimentos. após duas décadas de reformas em setores de infraestrutura ocorridas
no Brasil e no mundo, pode-se observar que o êxito das reformas depende estri-
tamente de um processo de transformação de organização industrial que siga os
seguintes passos [Pinto Jr. et al. (2007)]:
1. definição da nova estrutura de mercado, com a separação contábil de ativos e
limites de integração vertical;
2. definição do novo arcabouço regulatório;
3. criação e operacionalização dos entes responsáveis pela regulação setorial; e
4. reformas patrimoniais, por meio de privatizações de estatais.
Pelo exposto na seção anterior, percebe-se que o Brasil adotou sequência
inversa em seu processo inicial de reformas. as privatizações do SEB começaram
em 1995 e atingiram seu auge em 1997 e 1998. a transformação institucional
(ver Quadro 2), porém, foi iniciada em 1996, a criação das principais instituições
foi concluída em 2000 e apenas em 2004 foi delineado o arcabouço regulatório
vigente hoje.
é importante destacar que não foi apenas a sequência inversa de reformas que
inibiu os investimentos setoriais. Outro fator agravante foi a desarticulação do pro-
cesso de reformas, que abriu lacunas institucionais.
EnErgia Elétrica 211
Uma lacuna institucional relevante foi a paralisia das empresas estatais durante
o processo de privatização. caso exemplar disso foi a situação do Sistema Eletro-
bras, que foi incluído no PnD em 1995 e retirado uma década depois (em 2004).
Entre as empresas do grupo, apenas a divisão de geração da Eletrosul (gerasul, hoje
pertencente ao grupo gDF Suez) foi privatizada em 1998. as demais divisões da Ele-
trobras ficaram em compasso de espera para serem vendidas, enquanto a holding
exercia apenas seu papel financeiro.
contribuiu para essa paralisia estatal a vulnerabilidade financeira de seus
balanços, que se recuperaram ao longo dos anos 1990, por conta do reposicio-
namento tarifário, que elevou receitas, e do contingenciamento do setor públi-
co, que inibiu a contração de dívidas pelas estatais. O contingenciamento das
estatais se deu no âmbito do controle do déficit público, pois as estatais contri-
buíam para o atingimento das metas de redução do déficit, de forma direta, ao
distribuírem lucros, e de forma indireta, quando incorporadas no cálculo global
das contas públicas.16
a paralisia dos investimentos da Eletrobras e das demais estatais não foi su-
prida rapidamente pela iniciativa privada, pois havia a expectativa de compra dos
ativos existentes, em vez de investimento em novos, de maior risco associado ao
processo de implantação.
Em relação aos riscos associados a investimentos em novos ativos, é importante
ressaltar que no Brasil, no que toca especificamente à principal fonte de energia
(hidreletricidade), vários leilões de novas outorgas de concessão ocorreram, porém
sem êxito no que se refere à implantação de quase sua totalidade.
Esse fato advém da desarticulação entre os marcos institucionais do setor elétri-
co e os marcos socioambientais associados ao licenciamento dos empreendimentos.
Usinas hidrelétricas foram licitadas sem ao menos terem licenciamento prévio, o
que inviabilizou sua execução.
16
o controle dos gastos das estatais culminou com a emissão da resolução 2.827, de 30 de março de 2001, do Conselho monetário
nacional, que limitou o sistema Financeiro nacional a conceder empréstimos a empresas estatais. após o racionamento, essa
limitação sofreu progressiva flexibilização. no que toca ao seB, as flexibilizações foram vinculadas diretamente à realização de
investimentos para a expansão de acordo com o planejamento setorial.
212 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
17
O SEB tem uma especificidade que é a operacionalização das usinas comandada pelo operador nacional do sistema (ONS),
diferentemente dos demais países cuja operacionalização é decidida por meio da efetiva comercialização da energia realizada
pelo gerador. Em poucas palavras, no mundo, em geral, a dinâmica de mercado e a decisão dos agentes determinam a geração
das usinas, enquanto no Brasil, por causa da necessidade de otimização intertemporal dos recursos hídricos e das fontes
complementares, é o operador do sistema que determina a geração das usinas. Como a decisão de geração envolve um processo de
escolha intertemporal, a otimização é realizada por meio de modelagem computacional que leva em conta cenários de expansão de
oferta e de demanda por eletricidade.
Energia Elétrica 213
máximos do mercado atacadista de energia, pois, para honrar seus contratos, ti-
nham de comprar energia (mais cara) no MAE oriunda de termelétricas.18
No que toca aos consumidores, o impacto evidente foi a elevação tarifária que
ocorreria por conta da RTE das distribuidoras. Para agravar o quadro, nos anos de
2002 e 2003 o Brasil passou por um processo de desvalorização cambial que reper-
cutiu na estrutura de custos das empresas19 e, consequentemente, nas tarifas finais.
Para minimizar os efeitos adversos do racionamento sobre distribuidoras, ge-
radoras e consumidores, foi instituído o Acordo Geral do Setor Elétrico (MP 14/01,
convertida na Lei 10.438/02, a mesma que instituiu o Proinfa). O acordo estabele-
ceu o seguinte:
• redução da sobrecontratação de energia, a fim de minimizar ônus financeiro na
proporção da redução do consumo (20%);
• renúncia por parte das empresas a qualquer pretenso direito oriundo das me-
didas do racionamento;
• recomposição tarifária extraordinária (RTE),20 a fim de cobrir as perdas financei-
ras por conta da redução de receitas das distribuidoras e a aquisição de energia
mais cara no mercado de curto prazo (MAE); e
• constituição de programas de financiamento do BNDES, em caráter emergen-
cial e excepcional, de até 90% das perdas e custos oriundos do racionamento.
Os programas emergenciais de financiamento do BNDES (Gráfico 6) possibi-
litaram a diluição no tempo dos efeitos do racionamento, evitando a quebra de
empresas e a elevação ainda maior das tarifas.
Para as distribuidoras, o BNDES estruturou dois programas emergenciais. O primei-
ro foi logo após o racionamento e objetivou a compensação pela perda das receitas
previamente à RTE. Esse programa foi denominado Programa Emergencial RTE, que
totalizou os maiores desembolsos entre os três programas estruturados (R$ 5,4 bilhões).
18
As despesas com aquisição de energia no MAE explodiriam e as geradoras hidrelétricas não poderiam honrar seus compromissos
no mercado de curto prazo.
19
O indexador principal dos contratos das empresas era o IGP-M, muito dependente da variação cambial. Adicionalmente, é
importante destacar que a energia comprada de Itaipu e das usinas nucleares de Angra I e II é paga em dólares.
20
Os reajustes estabelecidos foram de 2,9% para consumidores rurais e residenciais, com exceção dos consumidores de baixa renda,
e de 7,9% para consumidores industriais e comerciais, entre outros.
214 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Geradoras (MAE)
2,2
9,27
5,38
Distribuidoras (RTE)
1,69
Distribuidoras (CVA)
Fonte: BNDES.
* Liberações totais de recursos agregadas até 30 de dezembro de 2004 para distribuidoras e até 30 de novembro de 2005 para geradoras.
As datas diferem em cerca de um ano, pois os programas tiveram prazos de utilização distintos e foram utilizados conforme a realização
dos contratos de financiamento.
a fim de diluir o impacto tarifário, foi criado o Programa Emergencial cVa, que
antecipou recursos para as distribuidoras e, em certa medida, as compensou pelo
descasamento entre os reajustes tarifários, ocorridos anualmente, acumulados na
conta cVa.
Estima-se que, por meio do Programa Emergencial cVa, se evitou uma eleva-
ção tarifária média, para o conjunto das distribuidoras, de oito pontos percentuais
[Siffert et al. (2005)].
Para as geradoras, o BnDES estruturou apoio emergencial, aqui intitulado Pro-
grama Emergencial MaE, que objetivou cobrir a insuficiência de recursos das em-
presas para a aquisição de energia no mercado de curto prazo (MaE), a fim de
cumprir seus compromissos contratuais de suprimento às distribuidoras, haja vista
a perda de lastro físico com o deplecionamento dos reservatórios.
Em resumo, o apoio financeiro do BnDES foi fundamental para: (i) preservar a
solvência das empresas do setor e, consequentemente, sua capacidade de investi-
mentos; e (ii) conter a elevação tarifária extraordinária.
Uma vez promovidos os ajustes pós-racionamento, deu-se prosseguimento às
transformações institucionais e regulatórias do SEB, a fim de equacionar a causa
do problema, qual seja, a ineficiência do arcabouço institucional vigente para a
promoção dos investimentos setoriais.
5. R Ef O R M AS D E 2 0 0 4 : A C ON C l U S ã O
DO M AR C O R E g U l AT ÓR IO E A
C O NS O l I DA ç ã O D O PA P E l D O B N D ES
O racionamento de energia, ocorrido entre os anos de 2001 e 2002, além de suas
implicações imediatas já detalhadas, impôs à sociedade readequação nos padrões
de consumo, que foram incorporados, em grande medida, após o fim da redução
compulsória. com isso, o SEB passou de um contexto de déficit de oferta para outro
de sobreoferta, que concedeu tempo para os formuladores de política elaborarem
proposições de reforma no arcabouço institucional vigente.
216 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Assim, em 2004, por meio das leis 10.847 e 10.848 e do Decreto 5.163, foi ins-
tituído o novo marco regulatório do SEB. Nele, as modificações mais relevantes
foram as seguintes:
• retirada do Sistema Eletrobras do PND;
• sucessão do Mercado Atacadista de Energia (MAE), que foi liquidado, pela Câ-
mara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE);
• retomada do planejamento da expansão, com a criação de uma empresa es-
tatal, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), subordinada ao Ministério de
Minas e Energia (MME);
• criação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE);21 e
• modificação do mercado relevante para o setor elétrico brasileiro.
Em relação ao mercado atacadista, o novo marco regulatório segmentou-o em
dois ambientes: o Ambiente de Contratação Regulado (ACR) e o Ambiente de Con-
tratação Livre (ACL).
O foco das mudanças do marco regulatório em 2004 foi orientado para o ACR.
Nele, buscou-se conciliar dois objetivos de interesse público: promoção da modi-
cidade tarifária e estímulo aos investimentos para a preservação da garantia de
suprimento ao mercado cativo. Para tanto, no âmbito do ACR, houve modificações
significativas do lado da oferta e do lado da demanda.
Do lado da demanda, as distribuidoras, que fornecem energia aos chamados con-
sumidores cativos, foram obrigadas a centralizar a contratação da energia em um
pool. Antes, as distribuidoras eram livres para realizar contratos bilaterais, de forma
autônoma e sem a imposição de regras sobre prazos e preços da energia contratada.
Do lado da oferta, as principais modificações atingiram os novos empreendi-
mentos, sobretudo hidrelétricas, em função da orientação de promoção de investi-
mentos com modicidade tarifária. São elas:
• em vez de serem realizados pela maior oferta de pagamento do uso do
bem público (UBP), os leilões de concessão de hidrelétricas passaram a ser
21
Entidade técnica de avaliação e recomendação de políticas setoriais ao CNPE. Sua função básica é o acompanhamento setorial
com foco na preservação da garantia de suprimento e na minimização de risco de déficit.
Energia Elétrica 217
22
Para as demais formas de geração (térmica, eólica, PCH, entre outras), diferentemente das hidrelétricas, não há disputa pelo
projeto, mas sim apenas pela comercialização da energia no ACR. O empreendedor deve estruturar seu próprio projeto, obter a
licença prévia e a autorização da Aneel para depois disputar a comercialização da energia no ACR.
218 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
18
16
14
12
10
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES.
Nota: Consolidação até 31.12.2011.
23
Diversas resoluções do Conselho Monetário Nacional criaram exceções para o contingenciamento da contração de dívidas
das estatais no Sistema Financeiro Nacional de acordo com os projetos e planos de expansão para os segmentos de geração e
transmissão definidos pelo MME/EPE.
Energia Elétrica 219
gal pela liquidação financeira dos CCVEs), há, além das penalidades contratuais
usualmente empregadas, um conjunto de garantias, depositadas pelas distri-
buidoras em banco custodiante contratado por estas, que podem ser utilizadas
e são acionadas na ocorrência de inadimplemento.
3. Exposição aos riscos institucionais: Licitação de empreendimentos somente
após a concessão da licença prévia por órgão ambiental competente. Com
isso, boa parte do risco de insucesso no licenciamento é transferido dos em-
preendedores para o poder concedente, que se tornou o responsável por
apresentar somente projetos a serem leiloados com viabilidade socioam-
biental. Ao empreendedor, permanece o risco de insucesso nas fases de li-
cenciamento de instalação e operação da usina, que é bem inferior ao risco
de licenciamento prévio.
À primeira vista, dada a complexidade do mapa de risco que envolve os proje-
tos de geração de eletricidade, as mudanças institucionais foram poucas. Seu im-
pacto, porém, foi fundamental, pois equacionaram os principais riscos ainda pouco
mitigados pelo marco regulatório pré-2004. O grande exemplo do efeito da mi-
tigação dos riscos é a retomada por parte dos empreendedores de várias usinas
hidrelétricas licitadas antes de 2004 pelo critério de maior pagamento pelo uso do
bem público (UBP).24
A menor percepção de risco também possibilitou que o BNDES contribuísse com
a expansão dos investimentos ao modificar, desde 2004, suas linhas de crédito para
o SEB de modo a reduzir os custos financeiros (inclusive o gradiente de taxas de
risco), bem como alongar prazos, conforme pode ser visto na Tabela 1, para o seg-
mento de geração hidrelétrica.
É importante ressaltar que o BNDES não se limitou aos empreendimentos hi-
drelétricos, mas também aprimorou sua política de apoio a PCHs, usinas eólicas e
térmicas biocombustíveis (um sinal claro de fomento à energia renovável), para
promover os investimentos com a menor tarifa possível.
24
Os leilões de concessões de empreendimentos hidrelétricos realizavam-se pelas propostas de pagamento à União pelo UBP. Vencia
quem aceitava pagar o maior valor, mecanismo que onerava os projetos e desestimulava a modicidade tarifária.
Energia Elétrica 221
25
A usina de Belo Monte não foi incluída nessa estatística, pois seu crédito de longo prazo ainda não está aprovado e seu porte
(11.233 MW) distorce a comparação por indicador de capacidade.
222 BnDES 60 anOS – PErSPEctiVaS SEtOriaiS
Estatal
Estatal
6%
Público-privado
17%
Privado
31% 19%
GRÁFICO 8A GRÁFICO 8B
NÚMERO DE PROJETOS CAPACIDADE INSTALADA
75%
52%
Público-privado
Privado
Fonte: BnDES.
nota: consolidação até 31.12.2011.
6. PER S PEC TI vA S S E T OR IA IS
O SEB percorreu uma trajetória de consolidação institucional e financeira que ga-
rantiu significativa estabilidade na promoção dos investimentos setoriais. Entretan-
to, ainda há desafios para o setor, que devem ser contemplados.
26
em resumo, essa lei condiciona a aquisição de estatais a processos de licitação, a fim de promover a transparência e os menores
custos nos gastos de entidades públicas.
27
ver nota de rodapé 16.
Energia Elétrica 223
28
Definida stricto sensu como a geração de energia no local de consumo.
226 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
29
Uma delas é a BRIX, sociedade entre IntercontinentalExchange, que opera as bolsas de Nova York e Londres, entre outras, e Eike
Batista. Outra seria a o Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE), iniciativa de seis comercializadoras de energia.
30
Há um consenso no mercado de que o preço da CCEE, denominado PLD, nas regras vigentes, não sinaliza com a devida
antecedência e intensidade os custos reais de geração, que são repassados para os consumidores por meio de encargos setoriais.
EnErgia Elétrica 227
7. C O NC l US õ E S
nessas últimas duas décadas, o SEB percorreu trajetória de construção de um novo
arcabouço institucional. apesar dos percalços enfrentados, pode-se afirmar que o
marco regulatório geral atingiu grau de maturidade suficiente para a preservação
dos investimentos do setor.
Durante esse processo de maturação setorial, o BnDES desempenhou papel de
destaque como:
1. articulador e financiador da inserção da iniciativa privada (privatizações);
2. financiador dos programas emergenciais pós-racionamento, viabilizando
com isso a transição do setor para a conclusão das reformas institucionais
de 2004; e
3. finalmente, e mais importante entre todos, financiador da expansão do SEB,
com destaque para o segmento de geração.
a Eletrobras, que nos anos 1990 foi idealizada como financiadora setorial, já
que se pretendia privatizá-la, a exemplo do que foi feito com a telebras, retomou
seu papel de investidora de destaque em uma dinâmica de mercado em que esta-
tais e empresas privadas se complementam.
nesse sentido, a organização industrial do setor elétrico brasileiro vigente tem
uma conformação híbrida no que se refere à propriedade dos ativos. Em uma pers-
pectiva histórica, percebe-se que o setor acabou por consolidar um misto entre o
que o caracterizou em seu nascimento (propriedade privada dos ativos), com o que
predominou na maior parte do século XX (controle estatal).
Essa conformação híbrida da propriedade dos ativos é integrada e é resultado
de uma simbiose com o processo de construção do arcabouço institucional no qual
entes públicos conciliaram dois aspectos relevantes: a retomada da indução dos
investimentos pelo planejamento do governo e a inserção do mercado e da con-
corrência como meio de promover eficiência econômica e a modicidade tarifária.
é resultado de um processo de tentativa e erro iniciado com a queda do modelo
estatal e as reformas dos anos 1990. Esse processo perdura até hoje, pois o SEB se
depara com alguns desafios elencados na seção anterior.
228 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
113,3
250 120
100
200
86,5
80
150
GW
53,1
%
60
100
33,5
40
50
20
11,5
4,8
1,9
1,3
0,8
0,4
0 0
1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Continuação
Concessionária Data do Capital Moeda Receita Dívida Apoio do Mutuário Modalidade de
privatizada leilão/venda votante corrente do leilão transferida BNDES envolvimento financeiro
Celpa 9.7.1998 54,98 100,00 450,26 131,00 68,83 Estado do Adiantamento de
Pará recursos a estados
225,00 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
135,00 Acionista Adiantamento e
posterior emissão de
debêntures
Coelce 2.4.1998 54,98 100,00 450,26 422,00 -
Cemig 26.3.1997 32,96 1.130,00 941,75 Estatal do Adiantamento e
Estado de posterior emissão de
Minas Gerais debêntures
600,00 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Energipe (atual 3.12.1997 85,73 96,05 577,10 43,00 53,33 Estado de Adiantamento de
Energisa Sergipe recursos a estados
Sergipe)
208,13 Acionista Adiantamento e
posterior emissão de
debêntures
146,15 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Borporema 30.11.1999 75,26* 87,39 1,29 43,69 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Saelpa (atual 30.11.2000 75,00 100,00 363,00 - 181,50 Acionista Financiamento à
Energisa aquisição de ações
Paraíba)
Total dos programas estaduais 23.048,43 7.343,29 7.522,02
Concessionária Data do leilão/ Capital Moeda Receita Dívida Apoio do Mutuário Modalidade de
privatizada venda votante corrente do leilão transferida BNDES envolvimento
financeiro
Escelsa 11.7.1995 50,00 66,90 357,90 1,86
Light 21.5.1996 55,80 70,00 3.717,30 959,08 609,64 - Participação
societária
(BNDESPAR)
21,60 Funcionários Financiamento
da Light à aquisição de
ações
Gerasul (atual 15.9.1998 50,01 100,00 945,70 1.278,42 -
Tractebel Energia)
Fonte: BNDES.
(Data-base dos créditos: contratação das operações).
Energia Elétrica 231
R e f erências
Abreu, M. P. (org.). A ordem do progresso. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
Araújo, J. L.; Oliveira, A. Diálogos da energia. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro, 2005.
Gomes, A. C. S. et al. BNDES 50 Anos – Histórias setoriais: o setor elétrico, dez. 2002.
Oliveira, A.; Pinto Jr., H. Q. (orgs.). Financiamento do setor elétrico brasileiro: inovações
financeiras e novo modo de organização industrial. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.
R ES UM O
O artigo aborda a importância da logística para a economia do país e faz referên-
cia a um conjunto de ações estratégicas para o alcance dos objetivos propugnados
ao setor de transportes no Plano Nacional de Logística e Transportes, do governo
federal. São apresentadas as referências internacionais sobre o tema e os desafios
e benefícios da reestruturação da matriz de transportes brasileira. Discutem-se o
histórico recente e as perspectivas do setor, partindo da visão integrada, sistêmica,
atentando para fatores econômicos e institucionais. Traçado o panorama geral da
infraestrutura e da logística, são abordados os aspectos de regulamentação, o de-
sempenho dos mercados e os desafios futuros nos diferentes modais. Os principais
elementos abordados fundamentam as avaliações e as propostas para o desenvol-
vimento da infraestrutura de transporte e da logística de cargas brasileira.
AB S TR AC T
The article discusses the importance of logistics for a country’s economy and
refers to a set of strategic efforts to achieve the goals established for the
transport sector in the federal government’s National Plan for Logistics and
Transport. The introduction presents the international references on the subject
and the challenges and benefits in restructuring the Brazilian transport matrix.
Subsequently, we discuss the recent history and perspectives for the sector, starting
with the integrated, systemic view, with attention to economic and institutional
factors. After the overview on infrastructure and logistics, the following section
addresses aspects of regulation, market performance and future challenges in
different approaches. Finally, in the conclusion, the main elements discussed
throughout the paper are recapped to sustain the assessments and proposals for
development of the transport infrastructure and logistics of Brazilian cargo.
LOGÍSTICA 235
1. I NTR O DUÇ Ã O
A logística de cargas é fundamental para a economia de um país. O gerenciamento
do fluxo de bens e serviços perpassa praticamente todas as atividades econômicas,
influenciando a competitividade das empresas. Nas últimas duas décadas, a logísti-
ca assumiu maior relevância, em função das pressões competitivas decorrentes da
maior abertura comercial. O custo logístico no Brasil, por sua vez, é estimado em
cerca de 11% do Produto Interno Bruto (PIB), denotando sua relevância econômica.
Além do custo de transporte, esse custo logístico abarca gastos com estoques, com
manuseio de carga e com a estrutura administrativa de suporte à atividade.
Em nível internacional, dois estudos merecem destaque: Connecting to compete,
de 2010, do Banco Mundial, e The global competitiveness report 2011-2012 (GCR
2011-2012), do Fórum Econômico Mundial. O estudo do Banco Mundial apresenta
o Logistics Performance Index (LPI), indicador que mensura o desempenho logístico
de 155 países, no qual o Brasil figura na 41ª posição. Segundo o estudo, as prin-
cipais deficiências nacionais são os procedimentos alfandegários e a indisponibili-
dade de rotas marítimas, que indica a existência de gargalos nos portos. Também
há espaço para avanços na infraestrutura, indicador no qual o Brasil ocupa a 37ª
posição. O diagnóstico citado é corroborado pelo estudo GCR 2011-2012, que ava-
lia os principais determinantes do desenvolvimento econômico de 142 países. Entre
os diversos fatores analisados está a qualidade da infraestrutura de transportes:
ferrovias, rodovias e portos. De acordo com o estudo, os modais nacionais figuram,
respectivamente, nas posições 91ª, 118ª e 130ª no ranking global.
Além da qualidade da infraestrutura, a própria configuração da rede de trans-
portes influencia o desempenho logístico. Países de grandes dimensões tendem a
concentrar sua matriz de transportes de cargas em modais de menor custo unitá-
rio, como o ferroviário e o hidroviário, este segundo a disponibilidade de rios na-
vegáveis, um potencial competitivo brasileiro. O modal rodoviário é utilizado em
curtas distâncias, nas quais sua operação é mais eficiente. China, Estados Unidos
e Rússia seguem esse padrão. Entretanto, no Brasil, a matriz modal de transporte
de cargas tem predominância do modal rodoviário, que é utilizado mesmo para
236 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2005 2025
A dimensão ambiental também é afetada pela matriz modal, sendo outro as-
pecto incentivador de sua transformação. A concentração no modal rodoviário im-
plica maiores emissões e menor eficiência energética, de acordo com a Tabela 2.
Eficiência Emissão
Carga/potência Consumo CO2 NOx
(t /HP) Índice (Litros /1.000 tku) Índice (kg/1.000 tku) Índice (g/1.000 tku) Índice
Saúde (OMS), de 2007. Esses problemas também atingem os portos organizados: quan-
do construídos, houve insuficiente avaliação prospectiva de como evoluiria a interface
com o meio urbano, inclusive a reserva de áreas necessárias à ampliação dos acessos
rodoviários e ferroviários. Atualmente, muitas zonas portuárias são gargalos na rede
de transporte urbana ou são pouco dinâmicas economicamente.
Este trabalho discute a evolução recente e as perspectivas da rede de trans-
porte e da logística de cargas brasileira. Os principais elementos da discussão en-
volvem a transformação estrutural da matriz modal, com elevação da participação
dos modais ferroviário e hidroviário, e a necessidade de assegurar boa qualidade
da infraestrutura de transporte, inclusive na sua gestão. O artigo analisa os setores
ferroviário, portuário, rodoviário e aquaviário e os operadores logísticos.
2. EV O L UÇ ÃO R E C E N T E E P E R S P E C T IVA S
GER AI S
FoRMaÇÃo de eSTRuTuRa iNSTiTuCioNal
1
para mais informações, ver cruz (1995) e pêgo filho, cândido Júnior e pereira (1999).
238 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2
No setor portuário, os terminais em portos organizados são arrendados, enquanto os terminais de uso privativo (TUPs) são
autorizados, quando não configuram a prestação de serviço público.
LOGÍSTICA 239
3
Transportes (presidente), Casa Civil da Presidência da República, Defesa, Justiça, Fazenda, Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, Planejamento, Orçamento e Gestão, Cidades, Meio Ambiente e Secretário de Portos da Presidência da República.
4
A primeira reunião do CONIT foi realizada em novembro de 2009. O governo federal manifestou interesse em tornar a atuação do
órgão mais efetiva.
240 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
ferroviário e hidroviário, sendo que este carece de uma agenda política e da cons-
tituição de um arcabouço institucional que definam responsabilidades, incentivem
a modernização das administrações hidroviárias e dotem o setor de recursos para a
realização dos investimentos necessários à sua expansão.
Perspectivas gerais
Depois de longo período de baixo crescimento econômico, a economia brasileira
expandiu-se, em média, cerca de 4% a.a. nos últimos oito anos, apesar da crise
internacional eclodida em 2008. As estimativas do Fundo Monetário Internacional
(FMI),5 publicadas em seu World Economic Outlook, em abril de 2012, projetam a
sustentação dessa trajetória nos próximos anos. Em um contexto de maior inte-
gração comercial, as perspectivas de crescimento da economia brasileira exigem
a expansão e a melhoria da infraestrutura de transportes, elemento crucial para
a competitividade da produção nacional de bens. A estratégia governamental é
apoiada na transformação estrutural da matriz modal de transporte de cargas e
no aprofundamento do programa de concessões. Espera-se, no fim do processo,
a obtenção de uma matriz modal equilibrada, com uma rede de transporte mais
extensa, de melhor qualidade e com gestão eficiente.
Mapeamento realizado pelo Ministério dos Transportes indica a necessidade
de investimentos de R$ 428 bilhões, em valores de junho de 2011, na expansão dos
diferentes modais, de 2008 até 2023, conforme Gráfico 1. Esse esforço seria dividido
entre os setores público e privado.
A elevada participação dos modais ferroviário e portuário reflete o objetivo de
rebalanceamento da matriz modal de transporte de cargas. O elevado montante
de inversões no modal rodoviário, por sua vez, atende a necessidade de manuten-
ção da extensa malha rodoviária.
Os principais desafios na consecução dos objetivos propostos são a capacidade
de investimento e a qualidade da gestão dos ativos.
5
Apesar da deterioração do cenário econômico no período compreendido entre a divulgação das projeções do FMI e a finalização
deste artigo, as estimativas mais recentes do Boletim Focus, do Banco Central do Brasil, de 8 de junho de 2012, à exceção de 2012,
cujo crescimento do PIB é previsto em 2,5%, não indicam qualquer modificação substantiva da trajetória traçada.
LOGÍSTICA 241
Outros Aeroportuário
10 22
Rodoviário
124
202
Ferroviário
69
Portuário
6
Pleitos de financiamento ou de participação por meio de instrumentos de renda variável.
242 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
3. ANÁL I S E DA IN F R A E S T R U T U R A
DE TRANSPORTES E DA LOGÍSTICA
BRASILEIRA
SeToR FeRRoviáRio
7
Entre 2000 e 2010, a taxa média anual de crescimento do investimento do setor ferroviário foi de 11,1% a.a., segundo dados da
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), enquanto o crescimento do PIB foi de 3,6% a.a., segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
8
Rede Ferroviária Federal S.A.: sociedade de economia mista, criada em 1957, vinculada ao Ministério dos Transportes, responsável
pelo investimento, pela manutenção e pela operação do sistema ferroviário nacional. Incluída no Programa Nacional de
Desestatização em 1992, foi extinta em 2007.
9
Somam-se os sistemas administrados pela Vale S.A., após o processo de privatização da empresa, em 1997: a Estrada de Ferro
Carajás e a Estrada de Ferro Vitória a Minas.
10
Na prática, esse modelo acabou por delimitar, na maioria dos casos, a atuação dos operadores privados de transporte ferroviário,
basicamente, à sua própria malha.
11
Locomotivas e vagões.
12
Movimentação de carga pelo modal ferroviário, em toneladas x quilômetro útil.
244 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
É possível afirmar que, para os novos gestores, esse período foi de aprendiza-
gem, de confrontação com o planejado, de identificação de potencialidades des-
conhecidas e, por fim, de ajuste de estratégia para o crescimento de longo prazo.
A segunda fase, iniciada em 2000, teve como maior marca o aumento dos indi-
cadores de produtividade. Tendo com base os ativos existentes, os indicadores de
desempenho começaram a crescer a taxas superiores à do crescimento do PIB.
Essa fase teve por mérito a melhoria da gestão, a elevação da receita agregada
e da produção e a redução do número de acidentes gerais, em função de investi-
mentos realizados na capacitação de diversos sistemas ferroviários e na implanta-
ção de mecanismos de prevenção.13 Essa fase se alongou até 2004-2005, quando
tornaram necessárias inversões em novos ativos ferroviários para o aumento da
oferta, notadamente, o aumento da frota de vagões e de locomotivas e a expansão
de capacidade de suporte da via permanente e dos terminais de integração.
Iniciou-se, pois, uma terceira fase de desenvolvimento, com impacto positivo
na indústria ferroviária, com a produção e a entrega, em 2005, de 7.249 vagões.
A partir de então, a indústria brasileira de materiais e equipamentos ferroviários
passou a fornecer, em média, 4.000 vagões/ano durante o restante da década, ba-
sicamente, para o mercado nacional.14 São investimentos relevantes, no período, a
instalação de aparelhos de mudança de via, em função do aumento do número de
pátios, o aumento da capacidade de tração, com a aquisição de locomotivas novas
e a adaptação e modernização no país de locomotivas usadas, até então importa-
das, e a qualificação da via permanente para uma utilização mais intensa.
A partir de 2009, houve a retomada da produção brasileira de locomotivas de
grande potência,15 com o desenvolvimento de plantas industriais em Minas Ge-
rais (Contagem e, mais recentemente, Sete Lagoas), vinculada ao atendimento dos
mercados interno e externo.
13
Entre eles: a instalação de computadores a bordo das locomotivas, de controle da velocidade máxima das locomotivas por trecho,
de detectores de descarrilamento e de temperatura das rodas do trem, de mecanismo de verificação da integridade da composição
para evitar arrasto de vagões descarrilados, de simuladores para treinamento de maquinistas, de controle centralizado do tráfego etc.
14
Na década de 1990, a indústria ferroviária brasileira forneceu, em média, 70 vagões/ano.
15
Potência acima de 4.000 hp (unidade de medida de potência de origem inglesa), equivalente a cerca de 3.000 kw, no Sistema
Internacional.
LOGÍSTICA 245
Vagões Locomotivas
2005 7.249 6
2006 3.668 14
2007 1.327 30
2008 5.118 29
2009 1.022 22
2010 3.261 68
2011 5.616 113
16
A partir do PAC, o financiamento da extensão da malha ferroviária no país conta com a aplicação de recursos públicos diretos,
destinados à implantação das ferrovias administradas pela Valec Engenharia, Construções e Ferrovias (Valec), empresa pública
vinculada ao Ministério dos Transportes. À empresa foi atribuída a função de, entre outros, construir e explorar a infraestrutura
ferroviária pública (estradas de ferro, sistemas acessórios de armazenagem e de transbordo de cargas e instalações e sistemas de
interligação de estradas de ferro com outras modalidades de transporte).
17
A expansão das ferrovias Ferronorte e Transnordestina, em implantação, ainda não foi captada na extensão quilométrica da rede.
18
Cargas em que o modal concorrente, o rodoviário, tem baixa ou nenhuma viabilidade econômica (vantagem comparativa).
19
O transporte de minério de ferro e carvão mineral, que representava 77% em 2000, representou 78% da produção em 2011.
LOGÍSTICA 247
20
Ocorrida no passado.
21
Agente econômico que, em parceria com o concessionário operador, investe no aumento de capacidade do sistema ferroviário
para o transporte de carga de seu interesse, obtendo do concessionário operador uma redução no preço do frete por tonelada
transportada equivalente ao custo anual do capital investido.
22
Na inexistência de acordo entre as partes envolvidas, a ANTT regulará o preço do direito de passagem das composições.
23
A informação sobre oferta (capacidade) e demanda por trecho de cada concessionário deverá se tornar pública, por intermédio da ANTT.
248 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Desverticalização setorial
A expansão da malha ferroviária suscitou debates acerca da organização setorial,
com propostas mais estruturais, entre as quais, a de implantar um modelo compe-
titivo na operação ferroviária.
Nos termos previstos na Lei 11.722, de 17 de setembro de 2008, estão outorga-
dos à Valec a construção, o uso e o gozo de várias novas ferrovias, totalizando até
9.740 km de extensão, cerca de um terço da malha nacional.25
Com parcela significativa do investimento fixo em expansão ferroviária sob a
responsabilidade do setor público, está aberta a possibilidade de uma operação
desatrelada da gestão da infraestrutura, situação não prevista nos contratos de
concessão em vigor. Trata-se da separação da gestão da via permanente da presta-
ção do serviço de transporte.
Essa opção pode permitir, sob determinadas condições, a estruturação de um
mercado contestável26 no transporte, visando à obtenção de preços o mais próximo
possível dos custos.27, 28
24
Como monopolistas setoriais regionais, haja vista o modelo de concessão utilizado, as empresas concessionárias podem se valer
de restrição de oferta e de preços mais elevados que os competitivos, o que seria combatido pela regulamentação por meio de
(ambiciosas) metas de expansão da oferta dos serviços, possibilidade existente nos contratos de concessão.
25
Ferrovia Norte-Sul, EF-151, com 3.100 km de extensão (de Belém, no Pará, até Panorama, em São Paulo); Ferrovia EF-267, com 750 km
de extensão (de Panorama, em São Paulo, até Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul); Ferrovia de Integração Oeste-Leste, EF-334, com
1.490 km de extensão (de Ilhéus, na Bahia, até Figueirópolis, no Tocantins); e Ferrovia Transcontinental, EF-354, com 4.400 km de extensão
(do litoral fluminense, passando por Muriaé, Ipatinga e Paracatu, em Minas Gerais; por Brasília, no Distrito Federal; por Uruaçu, em Goiás;
por Cocalinho, Ribeirão Castanheira e Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso; por Vilhena e Porto Velho, em Rondônia; por Rio Branco e
Cruzeiro do Sul, no Acre; até chegar a localidade de Boqueirão da Esperança, na fronteira do Brasil como Peru).
26
O mercado é denominado contestável quando há possibilidade de entrada e saída sem custos irrecuperáveis e o acesso à
tecnologia existente é disponível.
27
Próximos daqueles definidos em mercado competitivo, no qual há equilíbrio entre o poder de vendedores e de compradores do
serviço de transporte.
28
A aquisição de composições ferroviárias pode se tornar uma barreira à entrada de um novo operador. Seria interessante, para o
caso em tela, de modelagem de operação competitiva (e contestável) no transporte ferroviário, o desenvolvimento incentivado do
mercado de leasing de material rodante no país.
LOGÍSTICA 249
Esse modelo, entretanto, pode não ser indicado a todos os casos. Para ferrovias
com mercados diferenciados, em que há possibilidade economicamente viável do
transporte de múltiplos tipos de carga, como é o caso da Ferrovia Norte-Sul, em
implantação, seria mais adequada uma estrutura desverticalizada entre infraestru-
tura e operação. Entretanto, para ferrovias que servem a poucos ou a um único
cliente e onde há baixa diversificação de carga, com a utilização de grandes lotes
e obtenção de economias significativas de escala, a estrutura verticalizada é a mais
eficiente, além de suprimir custos de transação.
Essa condição impõe redução da velocidade dos trens na travessia das cidades,
impactando na velocidade média29 e no giro das composições. Na medida em que
a carga preponderante do sistema ferroviário ainda não se insere em uma cadeia
em que o tempo de transporte é variável fundamental, essa situação ainda não é
incômoda e não significa diferencial competitivo.
No entanto, para o alcance do desafio da maior inserção do modal ferroviário
no transporte da carga geral, no qual o modal rodoviário é dominante, o aumento
da velocidade média nas ferrovias passará a ser primordial.
O estabelecimento de um pacto entre poder concedente e concessionários fer-
roviários para a fixação de metas de produção30 e de metas socioambientais obje-
tivas nos contratos de concessão, que conduzam a inversões permanentes na supe-
ração de gargalos logísticos ferroviários, pode se tornar um caminho viável para o
desenvolvimento do setor no futuro próximo.
O aumento da velocidade média dos trens seria consequência natural do al-
cance dessas metas contratuais, com benefícios econômicos aos concessionários e
benefícios socioambientais às cidades atendidas pelo sistema.
29
A velocidade média comercial dos trens é de cerca de 19 km/h, considerando os tempos de parada. Em 2009, foi de cerca de
21 km/h [ANTT (2010)].
30
Inclusive de carga geral.
31
No trecho Barreiras-Ilhéus, na Bahia.
LOGÍSTICA 251
Setor portuário
Muitas foram as mudanças no setor portuário depois do advento da Lei dos Portos,32
que modificou a estrutura de funcionamento do setor, notadamente quanto à ope-
ração da superestrutura portuária,33 que, a partir de então, se tornou, além de mais
produtiva, majoritariamente exercida pelo setor privado.
A referida legislação também alterou a função de produção nos portos, ao
reestruturar o uso de mão de obra34 e definir as funções de Autoridade Portuária
(AP)35 e do Conselho de Autoridade Portuária (CAP). 36, 37
A taxa de crescimento da movimentação portuária nos últimos dez anos au-
mentou 31% em relação ao período imediatamente anterior,38 puxada, principal-
32
Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.
33
Instalações de movimentação de carga.
34
Foi criado o Órgão Gestor da Mão de Obra (OGMO), constituído pelos Operadores Portuários, em cada Porto Organizado, com
a função de, entre outros: (i) administrar o fornecimento da mão de obra do Trabalhador Portuário (TP) e do Trabalhador Portuário
Avulso (TPA); e (ii) manter o cadastro e o treinamento profissional competitivo.
35
As APs são responsáveis pela gestão do patrimônio público e pela sua eficiência, além de se responsabilizarem pelo investimento
na infraestrutura portuária, tendo como contrapartida a cobrança de tarifas, pelo uso da infraestrutura dos usuários do porto.
36
Compete ao CAP, entre outros: (i) zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência – atribuição, de certa forma,
superposta com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), após sua criação em 2001; (ii) homologar os valores de
tarifas pelo uso da infraestrutura portuária; (iii) manifestar-se sobre o programa investimentos em infraestrutura portuária; e (iv)
aprovar o plano de zoneamento do porto, todos elaborados e propostos pela AP. Tal fato evidencia certa subordinação da AP ao
CAP, com perda de controle de processos administrados pela AP.
37
A Antaq foi criada com a competência de, entre outros, aprovar as propostas de revisão e de reajuste de tarifas pelo uso da
infraestrutura encaminhadas pelas Administrações Portuárias. No que diz respeito à atuação do CAP, como responsável por
homologar tarifas e planos portuários, não foi revisada a Lei dos Portos.
38
O crescimento da movimentação portuária entre 2002 e 2011 foi de 5,9% a.a., enquanto no período de 1992 a 2001 foi de 4,5% a.a.
252 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
39
Acessos terrestres e marítimos, serviços básicos (energia, água, saneamento), sinalização e controle de tráfego, qualidade
ambiental, manutenção da profundidade dos berços etc.
LOGÍSTICA 253
Ano Granel sólido Granel líquido Carga geral Longo curso Cabotagem Navegação interior Total
Fonte: Antaq/AEP.
40
A navegação de longo curso cresce a taxas superiores à da navegação de cabotagem, elevando sua participação relativa nos
portos. Entre 2002 e 2011, a navegação de longo curso aumentou de 70% para 74% sua participação relativa no período,
enquanto a navegação de cabotagem reduziu-se de 26% para 22%, demonstrando dificuldades de inserção (exceto contêineres).
41
Os terminais de uso privativo são construídos em terreno privado, para movimentação de carga própria, na forma de uma
atividade econômica, inserida em uma cadeia de distribuição verticalizada, oriunda da produção industrial. Complementarmente,
podem, também, movimentar carga de terceiros (quando tomam a forma de terminais de uso privativo misto), participando de um
mercado constituído por terminais de uso público. Os terminais públicos são aqueles instalados em áreas arrendadas nos portos
públicos, que prestam serviço público, e atendem, indiscriminadamente, todos os usuários.
42
Essa proporção é influenciada, em grande medida, pela movimentação de minério de ferro destinado à exportação e de granéis
líquidos (combustíveis e óleos minerais) relacionados ao setor petrolífero (516 milhões de toneladas, em 2011).
43
Dados da Antaq, de 2011.
254 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Regulamentação
O marco regulatório brasileiro, instituído pela Lei dos Portos, delimitou um padrão
de organização similar ao do modelo landlord port.46 Entretanto, incentiva a con-
corrência entre terminais de uso privativo, quando da movimentação de carga de
terceiros, e terminais públicos, no intuito de maximizar a competição entre termi-
nais e mesmo entre portos, em benefício dos usuários.
O debate atual resume-se à forma de atendimento da demanda futura. Onde
estará concentrado o aumento da oferta de infra e superestrutura portuária para o
enfrentamento dos desafios futuros? Nos terminais (públicos) concedidos em portos
públicos? Nos terminais de uso privativo, concedidos, prestando serviço público?47
Em novas unidades portuárias, com Autoridade Portuária privada, no modelo fully-
-privatized port?48 Nos portos públicos existentes?
Novos portos públicos com Autoridade Portuária privada podem ser concedi-
dos, conforme o já previsto no Decreto 6.620, de 29 de outubro de 2008.
44
A projeção da consultoria Drewry (2010) aponta um crescimento médio da movimentação de contêineres de 7,56% na América
do Sul, entre 2012 e 2015.
45
Entre os dez maiores portos de contêineres no mundo, a China concentra mais de 60% da movimentação, com crescimento
acentuado nos últimos cinco anos (2006-2010). Os maiores portos chineses movimentam mais de 20 milhões de TEUs/ano, contra
10 milhões de TEUs/ano do Porto de Roterdã, o principal europeu.
46
Definição do Banco Mundial. Significa que a propriedade da terra é do setor público, enquanto a operação portuária é realizada
pelo setor privado. É o modelo predominante no Brasil e, também, no mundo. No Brasil, a União detém a propriedade da terra e as
Companhias Docas são os administradores dos principais portos públicos.
47
Requerem nova regulamentação.
48
Definição do Banco Mundial. Significa que tanto a propriedade da terra quanto a operação portuária são detidas/realizadas
pelo setor privado, ainda que, no caso brasileiro, em que a movimentação portuária constitui um serviço público, não deixe de
se tratar de um porto público, administrado e operado pelo setor privado. Nesse caso, estará sujeito à regulamentação mínima
que garanta o atendimento indiscriminado a todos os usuários, a qualquer natureza de carga, a qualquer tempo, com preços
próximos ao do custo do serviço.
LOGÍSTICA 255
Novas licitações para a outorga de portos públicos podem se realizar por meio
de regulamentos dispostos no próprio edital de licitação ou, em legislação própria,
que detalhe os limites de atuação da participação do setor privado na figura de
Autoridade Portuária.49
49
Algumas questões são relevantes nesse caso, como: (i) a composição societária da AP, quanto à eventual participação de
operadores (companhias de navegação) ou donos de carga (clientes); e (ii) a autonomia de gestão da AP, no que diz respeito a
sua relação com o CAP e quanto à utilização, pelos terminais instalados em áreas arrendados, de mão de obra do OGMO. Todas
essas questões são consideradas sensíveis à decisão de participação do setor privado na gestão da infraestrutura. O papel dado
à AP quanto a questões de segurança, ordem econômica e estabelecimento de preços de serviços, também pode ser objeto de
regulamentação, possivelmente com a participação da agência reguladora setorial, a Antaq.
256 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Desafios futuros
Diante do exposto, é importante que o conjunto das APs, em um breve período de
tempo, possa:
• aumentar a capacidade de planejamento de longo prazo;
• aumentar a capacidade de investimento;
• aperfeiçoar a governança e a gestão;
• deter capacidade de revisão e formação de preços competitivos das tarifas pelo
uso da infraestrutura portuária;
• tratar os passivos existentes;
• arrendar as áreas existentes de forma competitiva; e
• fortalecer a postura comercial.
50
Entre as principais dificuldades enfrentadas pelas Companhias Docas, destacam-se: (i) as tarifas pelo uso da infraestrutura
portuária são dependentes de aprovação do CAP e Antaq e nem sempre guardam relação com os custos; (ii) há passivos de
toda natureza, ainda não tratados – atuariais, trabalhistas e ambientais, que desequilibram o planejamento de longo prazo; (iii)
há superposição de funções que acabam por distribuir a responsabilidade administrativa no setor entre diversos órgãos; (iv) há
problemas socioambientais com dificuldade de tratamento imediato (invasão de moradias precárias em áreas portuárias, matriz
modal de transportes excessivamente dependente do modal rodoviário, conflito entre trânsito urbano e portuário, poluição e gestão
do uso do solo do entorno do porto, o que gera dificuldades ambientais diversas nas cidades portuárias); (v) o despacho aduaneiro
envolve várias instituições públicas, mas, apesar dos esforços recentes, ainda não é coordenado, o que acaba por elevar o tempo de
permanência da carga no porto, reduzindo a capacidade portuária; (vi) o modelo de utilização de mão de obra avulsa nem sempre se
traduz em vantagem comercial para os terminais portuários; e (vii) falta de regulamentação econômica nos serviços de praticagem.
51
Existem sete Companhias Docas no país: Companhia Docas do Estado do Ceará (CDC), Companhia Docas do Pará (CDP),
Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba), Companhia Docas do Rio Grande do
Norte (Codern), Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
52
Em 2007, por meio da Lei 11.610, foi instituído o Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária, cujos investimentos
estão previstos no PAC, conduzido diretamente pela SEP nos principais portos públicos. Em uma visão mais centralizada, foi atribuída
à SEP a competência de estabelecer as prioridades de dragagem de ampliação, fixar sua profundidade e demais condições, bem
como de assegurar a eficácia da gestão econômica, financeira e ambiental, por meio da aprovação e da fiscalização, entre outros,
dos programas de investimentos e de dragagem.
LOGÍSTICA 257
53
Esses fatores permitirão as APs acessar os mecanismos de crédito disponíveis no mercado, viabilizando mais rapidamente os
investimentos sob sua responsabilidade.
258 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Setor aquaviário
Hidrovias
O potencial hidroviário nacional é pouco explorado56 e sua utilização concentra-se na
Região Norte, onde desempenha papel crucial na capilaridade do sistema de trans-
54
Registra-se que, em 2011, o BNDES realizou chamada pública para a elaboração de um estudo técnico do setor portuário,
suportado por um termo de cooperação técnica celebrado entre o BNDES, a SEP e a Antaq, em fevereiro de 2009. Atualmente em
fase de finalização, o estudo analisará e avaliará a organização institucional e a eficiência de gestão do setor portuário brasileiro e
elaborará um conjunto de propostas de políticas públicas para o curto, médio e longo prazos.
55
É de competência da SEP a administração dos portos marítimos, enquanto o ambiente hidroviário e fluvial é administrado pelo
Ministério dos Transportes, por intermédio do DNIT.
56
A participação do transporte hidroviário é de cerca de 4% na matriz modal de transportes.
LOGÍSTICA 259
57
O Plano Hidroviário Estratégico (PHE) está em desenvolvimento no Ministério dos Transportes. O PHE estabelecerá as diretrizes
gerais para o desenvolvimento do setor, incluindo a definição dos investimentos e das diretrizes institucionais e regulatórias. A Antaq,
por sua vez, realiza o Plano Nacional de Integração Hidroviária (PNIH), que consolidará um banco de dados sobre o setor e servirá de
base para o Plano Geral de Outorgas Hidroviário.
58
Os investimentos em dragagem, sinalização, balizamento e estudos ambientais também são relevantes.
59
Incluem-se as Hidrovias Tapajós-Teles Pires e Araguaia-Tocantins.
60
As eclusas devem ser, preferencialmente, construídas no barramento e no momento da construção da usina.
61
Ver Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário.
62
Segundo o Ministério dos Transportes, as 27 eclusas de maior prioridade em aproveitamentos hidrelétricos previstos e existentes estão
localizadas nos rios Araguaia, Parnaíba, Tapajós, Teles Pires, Tietê e Tocantins e resultam em um montante estimado de R$ 11,6 bilhões.
63
Por exemplo, os rios Tapajós e Teles-Pires, onde está prevista a exploração de diversas novas usinas hidrelétricas.
260 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Transporte de cabotagem
O mercado de contêineres na cabotagem cresceu 7,6% a.a. entre 2001 e 2010. Hou-
ve investimentos na encomenda de navios porta-contêineres na indústria nacional
e a entrada de novos atores. Entretanto, esse transporte ainda está longe de atingir
seu potencial, haja vista a extensão da costa litorânea do país e as condições poten-
cialmente mais econômicas do modal aquaviário.
Alguns aspectos são fundamentais para o desenvolvimento mais acelerado do trans-
porte de cabotagem no país. Entre elas, na carga geral, destaca-se o aumento da fre-
quência dos navios nos portos, o que requer maior número de embarcações dedicadas,
de porte não muito elevado, e operação logística integrada, com a disponibilização de
serviço porta a porta nos mesmos moldes do que é oferecido pelo modal rodoviário.
Somente dessa forma, o serviço rodomarítimo poderá ser comparável com o serviço con-
corrente, que é flexível, de alta frequência e com serviços logísticos integrados.
Nesse sentido, outros aspectos, de natureza tributária, regulatória e de cunho
industrial também podem se tornar impulsionadores do desenvolvimento do trans-
porte de cabotagem, em benefício da economicidade do sistema de transportes
brasileiro: do ponto de vista tributário, as condições definidoras do custo do com-
bustível para o modal aquaviário (vis-à-vis o do modal rodoviário); do ponto de
vista regulatório, a correlação entre transporte de cabotagem, bandeira brasileira
e indústria de construção naval, inclusive regras de afretamento de embarcações,
além das exigências de controle dos contêineres de cabotagem pela Receita Fede-
ral; e do ponto de vista industrial, a capacidade de fornecimento em prazo e custos
competitivos, tendo em vista, entre outros, o cronograma de encomendas de em-
barcações oriundo da indústria de exploração de óleo de gás.
Custos portuários competitivos para transferência da carga de cabotagem para
caminhões, também se inserem no quadro necessário ao desenvolvimento desse
tipo de transporte.
O conjunto desses aspectos, importante fator de competitividade do transpor-
te de cabotagem, dada sua relevância econômica, pode ser objeto de propostas
específicas de política de atuação para o desenvolvimento do modal, inclusive nos
moldes do disposto no estudo de portos mencionado.
LOGÍSTICA 261
Infraestrutura rodoviária
64
Importantes para a manutenção da qualidade do pavimento.
262 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
65
Parcela marginal da receita total dos concessionários de rodovias é composta de receitas acessórias, não advindas da
cobrança de pedágios.
66
Segundo o disposto na Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, Lei das PPPs.
LOGÍSTICA 263
Operadores logísticos
67
Entende-se por operador logístico a empresa que presta serviços simultâneos de gestão de transportes, armazenagem e controle
de estoques. Ao gerenciar parte ou a totalidade da cadeia de abastecimento de clientes (supply chain), agrega valor aos produtos.
68
Em função da complexidade que a variável logística assumiu no processo produtivo ante a expansão de mercados e a diversidade
de soluções, tanto o recebimento dos insumos quanto à distribuição de produtos acabados, são hoje contratados no mercado,
em vez de serem prestados diretamente pelo próprio produtor, havendo uma parceria estreita entre a indústria e os operadores
logísticos, prestadores de serviço logístico (PSL).
69
Para informar aos clientes, por exemplo, a localização e o tempo estimado de chegada da carga.
70
Ver site do Ilos.
264 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
71
Ver Tecnologística (2010, p. 56 a 126) e Valor (2008, p. 39).
72
A capacidade técnica de precificação do valor do serviço logístico a ser prestado pode ser medida pela existência de setor técnico
de engenharia no PSL e a disponibilidade de softwares de simulação e otimização.
LOGÍSTICA 265
Portos secos
Os portos secos são recintos nos quais são executadas operações de movimentação,
armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias, referente tanto à carga de
importação quanto à de exportação.
A administração de portos secos (também denominados EADIs73 e, posterior-
mente, CLIAs74) como infraestrutura logística de armazenagem para bens e mate-
riais importados se constitui em um nicho de mercado para operadores logísticos
no Brasil, no segmento de insumos do processo industrial.
Além disso, os portos secos podem viabilizar, quando em atuação associada aos
terminais de movimentação de carga nos portos,75 a retirada mais rápida da carga
portuária da zona primária para o interior, para posterior desembaraço (despacho
aduaneiro), segundo as necessidades do cliente, de forma a, entre outros benefí-
cios, reduzir o tempo de permanência da carga no porto, aumentando a capacida-
de portuária.
Ao longo dos últimos anos, entretanto, houve diversas modificações no regime
jurídico de outorga de portos secos. A exploração antes entendida como ativida-
de econômica, passou para concessão ou permissão de serviço público (a partir da
Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, posteriormente, complementada pelo Decreto
6.759, de 5 de fevereiro de 2009). Isso, de certa forma, afetou a utilização dessa
infraestrutura de forma complementar às atividades portuárias no desembaraço
aduanerio de mercadorias, notadamente na hinterlândia dos principais portos pú-
blicos de movimentação de carga geral,76 o que seria desejável.
73
Estações Aduaneiras de Interior.
74
Centros Logísticos Industriais Aduaneiros (MP 320, de 24 de agosto de 2006).
75
Notadamente no segmento de contêineres.
76
Portos de Santos, Paranaguá e Rio Grande e outros.
266 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
4. C O NC L US Ã O
A globalização ampliou a demanda pela sofisticação nos serviços logísticos, forçan-
do integração e diversificação dos serviços para auxiliar a operação da cadeia de
suprimentos. A logística, por sua vez, assumiu papel relevante na determinação do
nível de competitividade das empresas nacionais.
Apesar dos avanços recentes, a logística brasileira está em posição intermediária
nas avaliações internacionais. A falta de balanceamento da matriz de transporte de
cargas brasileira, quando comparada à de outros países de dimensões semelhantes,
acarreta diversas ineficiências e sobrecustos, afetando a competitividade brasileira.
Esse diagnóstico motivou a elaboração do PNLT pelo governo federal, cujos
investimentos mapeados subsidiaram a elaboração do PAC.
Ressalta-se que o equacionamento da questão logística em um país com as di-
mensões do Brasil e com os desafios de crescimento associados à redução das desi-
gualdades regionais é complexo e, naturalmente, envolve uma série de variáveis a
serem simultaneamente tratadas.
O PNLT tem o mérito de reorganizar o planejamento estratégico de transportes
e de apontar as ações de médio e longo prazos necessárias ao desenvolvimento
nacional. O desafio maior, entretanto, é aumentar a capacidade de realização tem-
pestiva de projetos que tornem possível atingir as metas estipuladas para os próxi-
mos 13 anos (2025), viabilizando os recursos necessários para tal.77
Uma das restrições existentes é o ritmo da variável investimento, que deverá
ser acelerado. Em contrapartida, o financiamento desses investimentos requererá
novas inversões públicas e privadas em montante superior ao atual.
Há espaço para ampliação da participação do setor privado na infraestrutura
de transportes, principalmente nos segmentos rodoviário, portuário e aeroportuário,
inclusive com recursos complementares oriundos do mercado de capitais.78 Além
77
notadamente os projetos no âmbito do setor hidroviário, como a estruturação dos corredores de alta capacidade nas hidrovias
mais importantes do país, garantindo o uso múltiplo das águas previsto na lei 9.433/97, de 8 de janeiro de 1997.
78
emissões de debêntures, inclusive debêntures de projeto (tendo como garantia a receita oriunda do próprio projeto – recebíveis),
captação de recursos de fundos de investimento, oferta pública de ações e atração de fundos de private equity, para a ampliação do
capital próprio e de terceiros das empresas do setor.
LOGÍSTICA 267
79
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis,
é destinada ao pagamento de subsídios (diesel) e ao financiamento de projetos ambientais e de programas de infraestrutura de
transportes. Segundo a CNT, em 2010, o valor arrecadado foi de R$ 7,7 bilhões (0,21% do PIB), dos quais R$ 4,3 bilhões (0,12% do
PIB) foram efetivamente despendidos em transportes, pouco mais de 52% do total arrecadado.
80
Estimativa com base no investimento necessário ao reordenamento da matriz de transportes brasileira, previsto no PNLT.
268 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
R EF ER ÊNC I AS
Cruz, P. R. D. Endividamento externo e transferência de recursos reais ao exterior:
os setores público e privado na crise dos anos oitenta. Nova Economia, v. 5, n. 1,
UFMG, Minas Gerais, ago. 1995.
81
Ver IEA (2009). O setor abrange o transporte de cargas e de passageiros.
270 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
SITES CoNSulTadoS
ILOS – <www.ilos.com.br>.
B I B L I O GR AF I A
ANTAQ – AGêNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS. Infraestrutura portuária
brasileira. Apresentação. Guarujá, mai. 2012.
THE WORLD BANK. Connecting to compete – Trade logistics in the global economy.
Washington, 2010.
______. Improving logistics costs for transportation and trade facilitation. Policy
Research Working Paper 4558. Washington, 2008.
VALOR ECONÔMICO. Operadores logísticos de carga. Valor – Análise Setorial, mar. 2008.
* respectivamente, assessor da área de infraestrutura social do bndes e gerente do departamento de saneamento ambiental
da área de infraestrutura social do bndes.
Saneamento Urbano 273
R ES UM O
O saneamento no Brasil encontra-se em um momento claro de inflexão de sua
trajetória. Isso porque alguns entraves institucionais históricos foram finalmente
transpostos e há recursos para serem investidos no setor, ao mesmo tempo em que
os índices de prestação dos serviços permanecem muito aquém do desejado. Este
artigo tem como objetivos identificar os avanços obtidos nos últimos dez anos que
levaram a esse ponto de inflexão, apresentar um diagnóstico da situação atual e
discutir as perspectivas futuras, elencando os principais desafios a serem transpos-
tos para o alcance da universalização dos serviços de saneamento no país.
AB S TR AC T
Water supply and sanitation services in Brazil are at a key inflection point of
their trajectories. That’s because some historical institutional barriers were finally
overcome and there are financial resources to be invested in the sector, while the
service provision level remain far from the desired. This article aims to identify
the progress made in the last ten years that led to this turning point, to make a
diagnosis of the current situation and to discuss future prospects, listing the main
challenges to be overcome to achieve universalization of water supply sanitation
services in the country.
Saneamento Urbano 275
1. i nTR O DUÇ Ã O
não há dúvida de que o brasil avançou muito nos últimos dez anos. Passamos por
uma transição de governo de forma madura, nos tornamos líderes globais, nossa
economia vem mostrando solidez mesmo diante de um cenário global de incerteza
e, apenas como ilustração, mais de cinquenta milhões de brasileiros se juntaram a
um já extenso mercado consumidor desde 2003 [neri (2011)].
entretanto, para um país que realmente quer ser protagonista no cenário
global, o brasil ainda precisa avançar muito em aspectos básicos para a socieda-
de, e a questão do saneamento ambiental talvez seja um dos principais desafios
a serem superados.
em 2009, a organização mundial da Saúde (omS) apontava a ausência de sa-
neamento como o 11º fator de risco para as mortes no mundo [omS (2009)]. nesse
contexto, em 28 de julho de 2010, a organização das nações Unidas (onU) reco-
nheceu o acesso aos serviços de saneamento como um direito de todo ser humano,
sendo um fator primário de prevenção para problemas de saúde.
o saneamento no brasil encontra-se muito aquém do desejado, principal-
mente no que tange aos serviços relacionados a coleta e tratamento de esgotos.
Como ilustração, a tabela 1 mostra o percentual de domicílios particulares per-
manentes atendidos por serviços de água e esgoto em 2009, segundo a Pesquisa
nacional por amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto brasileiro de Geografia
e estatística (IbGe).
1
registram-se aqui nossas homenagens aos colegas teresinha moreira, zilda borsoi e mario miceli, que muito contribuíram para a
disseminação do conhecimento setorial no bndes.
278 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Abastecimento de água 96 96
Coleta de esgotos 65 57
Tratamento de esgotos 44 30
2) Aspectos operacionais:
- serviços de água: significativas perdas de faturamento, intermitência no fornecimento de água e baixo índice de
produtividade de pessoal;
- coleta e tratamento de esgotos: maior parte do esgoto lançado in natura ou sem tratamento adequado e
utilização de redes de águas pluviais para coleta de esgotos e impactos diretos sobre a qualidade de vida e a
saúde da população;
- baixo padrão de qualidade no atendimento aos usuários.
3) Aspectos institucionais:
- desconhecimento por partes dos municípios de informações sobre o setor;
- falta de clareza relativa ao acompanhamento e à fiscalização das concessões;
- aparelhamento e capacitação dos poderes concedentes para a aferição de “serviço adequado”, “equilíbrio
econômico-financeiro” e pedidos de revisão de tarifa;
- planejamento dos serviços;
- estabelecimento de instância administrativa para dirimir conflitos;
- indefinição quanto à titularidade dos serviços nas regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e
microrregiões.
iNvesTimeNTos
NeCessáRios paRa a
uNiveRsalizaÇÃo r$ 42 bilhões em 15 anos
soluÇÃo apoNTada
pelos TéCNiCos do aumento da participação privada no setor, seja por meio da transferência da administração das empresas, do
bNdes arrendamento de ativos, da concessão plena dos serviços ou mesmo da compra das Cesbs.
a questão que surge é como esses desafios foram encarados nos últimos dez
anos. o que conseguimos superar? o que ainda permanece? É o que as próximas
seções procuram responder.
3. O S ÚLTi M OS D E Z A n OS D O S E T OR
DE S AnEAM E n T O
De modo geral, percebe-se que o saneamento no brasil se encontra em momento
claro de inflexão de sua trajetória. Isso porque entraves institucionais históricos fo-
ram finalmente transpostos e há abundância de recursos para investimentos no setor,
ao mesmo tempo em que os índices de prestação dos serviços permanecem muito
aquém do desejado, principalmente a cobertura de coleta e tratamento de esgotos.
a presente seção discorre sobre os acontecimentos dos últimos dez anos que
permitiram ao setor chegar a esse ponto de inflexão. Serão apresentados os avan-
284 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Aspectos institucionais
técnica da maioria dos municípios brasileiros, o que demonstra muitas vezes a inca-
pacidade de exercer a função de poder concedente.
Esse quadro mostra a importância de um plano nacional e de planos regionais
para o setor, para que os entes federativos de maior estrutura possam planejar o
saneamento de maneira mais ordenada.
Nesse contexto, a Lei 11.445/07 instituiu a criação do Plano Nacional de Sanea-
mento Básico (Plansab), que tem como macrobjetivo a universalização dos serviços
de saneamento básico no Brasil, observando a compatibilidade com os demais pla-
nos e políticas da União. O Plansab passará a ser o referencial para uma política de
Estado, a ser assumida por todos os governos ao longo dos próximos vinte anos.
A proposta do Plansab foi finalizada em 2011 e, após aprovação pelo Conselho
das Cidades, foi encaminhada à Casa Civil para autorização da realização de con-
sulta pela internet. De forma resumida, o documento prevê a criação de três pro-
gramas de investimentos, divididos em: saneamento básico integrado (visa cobrir
100% dos déficits urbanos); saneamento rural; e saneamento estruturante (que
visa integrar a participação e o controle social sobre os serviços públicos, além de
apoiar a gestão pública).
Finalmente, cabe destacar como outro avanço institucional relevante a Lei sobre
Consórcios Públicos (Lei 11.107), de 6 de abril de 2005, que, embora não esteja dire-
tamente relacionada ao saneamento, teve grande influência no setor. Isso porque,
conforme destacado por Heller (2009), ao estabelecer as bases para a formação de
consórcios entre municípios, entre municípios e estados ou até mesmo envolvendo
a União, para a prestação de serviços, a lei pode: (i) potencializar a prestação in-
tegrada de serviços quando sistemas ultrapassam as fronteiras do território de um
único município; (ii) integrar sistemas municipais visando promover economia de
escala; (iii) regular a relação entre serviços municipais e companhias estaduais; e
(iv) favorecer a prestação dos serviços pelas companhias estaduais.
As duas primeiras consequências correspondem a uma forma de endereçar a
questão sobre a indefinição que ainda persiste quanto à titularidade dos serviços
nas regiões metropolitanas, na medida em que possibilita uma maneira de presta-
ção de serviços nessas localidades.
288 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Já as duas últimas são de impacto relevante para as Cesbs, uma vez que, por
meio do mecanismo do consórcio público, ou do convênio de cooperação, fica pos-
sível a prestação dos serviços de saneamento via contratos de programa, sem neces-
sidade de licitações para a concessão do serviço (o que diminui, em tese, a possibi-
lidade da concessão privada).
Recursos financeiros
para saneamento integrado, R$ 460 milhões para resíduos sólidos, R$ 1,5 bilhão
para desenvolvimento institucional e R$ 610 milhões para estudos e projetos. Se-
gundo o Ministério das Cidades, já foram contratados 2.413 empreendimentos, to-
talizando R$ 48,8 bilhões.
Conforme pode ser observado, os entraves relacionados ao contingenciamento
de recursos para o setor parecem estar superados. Definitivamente, a falta de re-
cursos financeiros não pode mais ser utilizada como justificativa para o não alcance
da universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta/tratamento de
esgoto no país. Mantida essa política de governo, o desafio passa a ser aplicar es-
ses recursos da forma mais eficiente possível, de modo que os índices de prestação
dos serviços subam cada vez mais rápido, o que não ocorreu nos últimos dez anos,
conforme mostrado a seguir.
Aspectos operacionais
De fato, pouco se avançou nos últimos anos no que tange à extensão e à qualidade
da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Como ilustração, a Tabela 4, elaborada com dados publicados pelo Sistema Na-
cional de Informações sobre Saneamento (SNIS), faz uma comparação entre alguns
dos principais índices do setor de 2001 a 2009, segregados pelo modelo de admi-
nistração implantado. Conforme pode ser observado, na maioria dos casos as me-
lhorias observadas foram marginais, sendo que há ainda casos de piora nos índices.
Percebe-se que o cenário não é muito diferente daquele extensamente narrado
pelos técnicos do BNDES no fim da década de 1990. E quanto a isso, não há mais
nada que se possa fazer. O importante agora é identificar os motivos que levaram
ao pequeno avanço, de modo que sirvam como lições aprendidas para que os erros
não sejam repetidos daqui para frente.
Heller (2009) dá uma pista de um desses motivos. Ele destaca que investimentos
em saneamento, para serem eficientes e efetivos, requerem período de maturação de
duração não desprezível (de dois a quatro anos, dependendo do porte do projeto),
para a adequada concepção das soluções de engenharia, o criterioso projeto e a
290 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Tabela 4 Comparativo dos principais índices do setor de saneamento entre 2001 e 2009
Modelo de administração Índice de atendimento total de água Índice de coleta de esgoto Índice de tratamento de esgoto
2001 2009 2001 2009 2001 2009
Empresa privada –
ADMINISTRAÇÃO privada 86,7 93,2 60,9 68,9 67,7 79,6
Prestador de direito privado
com administração pública 95,5 98,2 72,2 62,1 29,3 51,5
De fato, a ausência de bons projetos foi um dos principais motivos para a pe-
quena evolução observada no saneamento nos últimos dez anos. Heller (2009) ex-
plica que a elevada oscilação no ritmo de investimentos leva, inevitavelmente, as
empresas a desmobilizarem nos períodos recessivos seu corpo técnico mais especia-
lizado, que acaba migrando para outros setores. A remobilização desse contingen-
te demanda tempo e, com isso, o setor fica pouco preparado tecnicamente para dar
respostas no período de recuperação de investimentos, gerando inevitáveis prejuí-
zos para a qualidade das soluções adotadas.
E foi exatamente isso que ocorreu no setor de saneamento. Conforme já men-
cionado, o volume de recursos disponíveis para serem investidos no setor sofreu um
salto significativo com o PAC a partir de 2007, mas a ausência de projetos e de um
corpo técnico qualificado limitou em muito o impacto dos investimentos realiza-
Saneamento Urbano 291
dos, de modo que o volume de desembolsos efetivamente realizado foi bem menor
que o volume contratado.
Além desse aspecto limitador, cumpre assinalar que muitos municípios não têm
condições financeiras de arcar com as garantias exigidas nas operações ou, até mes-
mo, com eventuais aumentos no custo dos investimentos apoiados. Na verdade,
muitos não dispõem de capacitação sequer para contratar boas peças de planeja-
mento urbano (planos diretores, planos municipais de saneamento básico), proje-
tos de engenharia, ou até mesmo instruir seus pleitos de financiamento nas institui-
ções financeiras e na Secretaria do Tesouro Nacional, no âmbito do MIP.
Além dessa questão, Albuquerque (2011) menciona outro fator que impediu
maiores avanços no setor: a negligência sistemática dos municípios para formular
seus planos de saneamento básico. Desse aspecto (indispensável à prestação de
serviços de saneamento em qualquer modalidade prevista pela lei), conjugado à
dispensa legal de regulação (nos termos estabelecidos para ambientes concedidos)
para a autoprestação municipal de serviços, resulta um ambiente prejudicado em
qualidade do início ao fim da cadeia de valor dos serviços.
Esse quadro precisa ser alterado. É fundamental que os governos municipais
entendam suas obrigações relativas à Lei de Saneamento para buscar as alternati-
vas viáveis para a elaboração e a execução dos seus planos municipais e, por con-
seguinte, assegurar uma boa prestação dos serviços à população. Espera-se que a
já mencionada obrigação, a partir do exercício financeiro de 2014, de existência de
planos de saneamento básico como condição para o acesso a recursos orçamentá-
rios da União ou recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão
ou entidade do governo federal, impulsione a elaboração dos planos municipais de
saneamento pelos municípios.
Outro aspecto que limitou muito o impacto dos investimentos realizados foi a
baixa capacidade de gestão e governança corporativa de muitas Cesbs, que, confor-
me já mencionado, são responsáveis pela prestação dos serviços de saneamento na
maioria dos municípios brasileiros.
Os problemas de gestão e governança fazem com que muitas companhias não
tenham capacidade de geração de caixa suficiente para fazer frente aos investi-
292 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
mentos necessários, nos prazos requeridos, para ampliação dos sistemas. Além dis-
so, os níveis de endividamento de muitas Cesbs dificultam a obtenção de recursos
externos, uma vez que, em tese, o risco de crédito dessas companhias é maior, di-
ficultando, assim, o acesso ao crédito. Como resultado, o volume de investimentos
efetivamente realizado acaba sendo reduzido.
Adicionalmente, a diminuição da capacidade financeira impede as empresas de
realizar até a manutenção necessária, o que leva à deterioração da qualidade do
serviço prestado e a ineficiências operacionais.
Para alterar esse quadro, as Cesbs deveriam concentrar grande parte dos
seus investimentos no desenvolvimento institucional, a fim de melhorar sua
performance operacional e, consequentemente, sua situação econômico-finan-
ceira, para que no futuro possam voltar a acessar o mercado de crédito e, jun-
tamente com sua própria geração de caixa, realizar investimentos na expansão
de seus serviços.
Exemplos de ações que poderiam ter sido implantadas por muitas Cesbs nessa
última década e que trariam importantes benefícios de longo prazo são a publica-
ção de balanços trimestrais auditados, a implantação de sistemas de gestão e con-
trole internos e a capacitação do corpo funcional.
Vale mencionar que esse quadro não pode ser generalizado, de modo que
há Cesbs que apresentam bons níveis de gestão, com destaque para Sabesp e
Copasa, únicas companhias do setor listadas no segmento de Novo Mercado da
BM&FBovespa.
Em suma, indubitavelmente, o setor avançou muito institucionalmente e na
questão de disponibilização de recursos para investimentos. Por outro lado, a ine-
ficiência operacional permanece e impede avanços mais significativos na prestação
dos serviços. Entre os vários motivos para a existência desse quadro, destacam-se
os seguintes: (i) renúncia ou incapacidade técnica que leva os municípios a não
cumprirem suas obrigações relativas ao marco regulatório (por exemplo, o pla-
nejamento dos serviços); e (ii) os problemas de gestão das companhias estaduais
que impedem não apenas o aumento dos investimentos, mas também uma boa
performance operacional das companhias.
Saneamento Urbano 293
Diante desse quadro, que conjuga problemas críticos em dois dos três prestado-
res de serviços de saneamento (Cesbs e municípios), não há dúvida de que o tercei-
ro (nesse caso, o setor privado) é parte fundamental para a solução dos problemas
ligados ao setor de saneamento.
Conforme destacado por albuquerque (2011), “após décadas de experiência
exclusivista (ou quase exclusivista) do ponto de vista de investimento público, não
parece mais possível deixar de reconhecer a importância do concerto público-priva-
do no provimento perene de investimentos para o setor”.
os avanços institucionais dos últimos anos possibilitam a expansão desse tipo
de atuação, pois proporcionam maior segurança jurídica para os operadores priva-
dos. Por outro lado, o constante descontigenciamento do crédito para investimen-
to público no setor de saneamento indica que esse avanço não se dará pela simples
desestatização dos prestadores.
na realidade, a perspectiva que se aponta é cada vez mais a parceria entre os
setores público e privado, de modo que o melhor desses dois “mundos” seja apro-
veitado. a próxima seção visa justamente detalhar a situação atual da prestação do
serviço e apresentar o cenário futuro previsto para o setor.
229
Privado 67 prestadores (179 concessões plenas e 38 parciais)
AUTARQUIA OU
OPERADOR
PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
CESB
INDIRETA
OPERADOR PRIVADO
Contrato de Concessão
OPERADOR
GESTÃO ASSOCIADA CESB
PRIVADO
Contrato de Programa Contrato de PPP
Modalidade direta
O município, como titular do serviço, tem a opção de prestar, ele mesmo, os serviços
de saneamento básico, o que pode ser feito por intermédio de uma autarquia ou
de uma empresa pública municipal. Como será detalhado mais adiante, o municí-
pio pode fazer uso de um operador privado para alavancar os investimentos, geral-
mente mediante um contrato de parceira público-privada (PPP).
Modalidade indireta
Gestão associada
investir R$ 2,7 bilhões em 2017, dez anos após a implementação do marco regula-
tório, o que representaria cerca de 20% do volume de investimentos necessários,
segundo o Ministério das Cidades.
600,00
500,00
400,00
R$ MILHÕES
300,00
200,00
100,00
0,00
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Água
Esgotamento sanitário
O déficit brasileiro de moradias com coleta de esgoto é muito elevado, o que, jun-
tamente com o baixo nível de tratamento, vem causando sérios problemas acerca
da qualidade da água de muitas regiões brasileiras.
Os investimentos em esgotamento sanitário visando à universalização giram em
torno de R$ 157 bilhões, dos quais R$ 140 bilhões relativos à infraestrutura física.
Já é sabido que as Cesbs, mesmo tendo as concessões de municípios que abran-
gem 70% da população brasileira, não são capazes de arcar com esse montante de
investimentos, por causa de sua gestão ineficiente, que provoca baixa geração de
caixa para investimentos e trava a sua capacidade de endividamento.
Por causa dos altos valores necessários de investimento, os recursos do setor
privado serão indispensáveis para a elevação do índice de coleta e tratamento de
esgoto no Brasil. Como ponto positivo, atualmente há uma série de modelos de
negócios possíveis para a participação privada.
Saneamento Urbano 301
2000 2012
1) Volume de investimentos: 1) Volume de investimentos:
- contingenciamento do crédito para o setor público; - com o advento do PAC, o setor voltou a ter acesso a
- dificuldades das Cesbs para atender às necessidades de aporte recursos perenes para o investimento. O desafio agora
de contrapartidas nos financiamentos externos (BID e Bird). é a execução de projetos bem-elaborados para que o
volume investido aumente na proporção desejada;
2) Aspectos operacionais: - as Cesbs continuam com dificuldade de geração de
- serviços de água: significativas perdas de faturamento, caixa para fazer frente às contrapartidas exigidas e
intermitência no fornecimento de água e baixo índice de investimentos em melhoria da gestão.
produtividade de pessoal;
- coleta e tratamento de esgotos: maior parte do esgoto lançado 2) Aspectos operacionais:
in natura ou sem tratamento adequado e utilização de redes de - serviços de água: significativas perdas de
águas pluviais para coleta de esgotos e impactos diretos sobre faturamento, intermitência no fornecimento de
a qualidade de vida e a saúde da população; água e baixo índice de produtividade de pessoal;
Principais
- baixo padrão de qualidade no atendimento aos usuários. - coleta e tratamento de esgotos: os níveis de coleta e
desafios
do setor tratamento permanecem baixos, utilização de redes
3) Aspectos institucionais: de águas pluviais para coleta de esgotos e impactos
- desconhecimento por partes dos municípios de informações diretos sobre a qualidade de vida e a saúde
sobre o setor; da população;
- falta de clareza relativa ao acompanhamento e à fiscalização - baixo padrão de qualidade no atendimento aos
das concessões; usuários.
- aparelhamento e capacitação dos poderes concedentes para
a aferição de “serviço adequado”, “equilíbrio econômico- 3) Aspectos institucionais:
financeiro” e pedidos de revisão de tarifa; - criação do marco regulatório – Lei 11.445/07;
- planejamento dos serviços; - valorização do planejamento por meio de PMSBs;
- estabelecimento de instância administrativa para - regulação dos serviços, obrigatória por lei;
dirimir conflitos; - indefinição quanto à titularidade dos serviços nas
- indefinição quanto à titularidade dos serviços nas regiões regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e
metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões. microrregiões.
Investimentos R$ 42 bilhões em 15 anos R$ 272 bilhões em vinte anos
necessários
para a
universalização
Solução Aumento da participação privada no setor, seja por meio Aumento da participação do setor privado em
apontada pelos da transferência da administração das empresas, do parceria com o setor público. Implantação de
técnicos do arrendamento de ativos, da concessão plena dos serviços ou governança e gestão profissional nas Cesbs.
BNDES mesmo da compra das Cesbs.
Fonte: Elaboração dos autores.
304 bnDeS 60 anoS – PerSPeCtIVaS SetorIaIS
5. C ARTEi R A D O B n D E S
em meados dos anos 1990, o banco, em boa hora, decidiu apoiar os investi-
mentos em saneamento básico, setor que até então era financiado basicamen-
te pela Caixa.
no início dos anos 2000, a atuação do bnDeS ainda era tímida no setor de sa-
neamento, em função do grau de contingenciamento do setor público existente
nessa época. basicamente, o bnDeS estruturou operações de debêntures com a
Sanepar e a Copasa e apoiou o projeto de despoluição do rio tietê com a Sabesp.
o financiameno ao setor privado ainda era incipidente em função da sua pequena
participação no setor.
Com o advento do PaC em 2007, o bnDeS foi chamado a participar mais in-
tensamente do setor, da mesma forma como sempre atuou em outros setores da
infraestrutura nacional.
Como resultado, nos últimos cinco anos o bnDeS contratou r$ 9,6 bilhões de
recursos para o setor de saneamento, dos quais r$ 4 bilhões foram direcionados a
projetos selecionados no âmbito do PaC.
além disso, as Cesbs foram beneficiadas com r$ 3 bilhões por meio de debên-
tures, dos quais r$ 1 bilhão destinado a melhorias de gestão e combate às perdas
de faturamento dessas empresas.
o Gráfico 2, que mostra a evolução do volume contratado pelo bnDeS desde
2002, evidencia o salto obtido a partir de 2007 em função do lançamento do PaC e
das operações de debêntures com as Cesbs.
o volume de desembolsos do bnDeS para o setor também segue o aumento
observado após 2007. as Cesbs e os estados foram beneficiados com 75% do total
desembolsado nos últimos cinco anos.
Finalmente, a carteira ativa atual do bnDeS no setor de saneamento é de
r$ 12,4 bilhões de financiamento, que alavancaram cerca de r$ 20 bilhões de
investimentos.
Saneamento Urbano 305
2.790
3.000
2.292
2.500
1.883
2.000
R$ MILHÕES
1.435
1.500
1.198
1.000
504
460
352
500
11
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: BNDES.
2.000
230
1.500
250
400 410
80
60
R$ MILHÕES
40 60
100
1.000 300 150
80
90
500 1030
200 870 870
450
300
150 150 190 140
0 80
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Oferta pública de debêntures + FIP + PE/VC Estados água e esgoto Municípios drenagem Municípios água e esgoto
Fonte: BNDES.
306 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
OPERAÇÕES DE MERCADO
4% ESTADOS
14%
MUNICÍPIOS
10%
CARTEIRA BNDES:
R$ 12,4 BILHÕES
9%
Fonte: BNDES.
6. C O nC L US Ã O
em suma, o brasil ainda tem um caminho muito grande a percorrer visando à uni-
versalização dos serviços de saneamento.
mesmo que alguns entraves institucionais históricos tenham sido removidos
com a criação do marco regulatório de 2007 e com a disponibilização de recursos
do PaC, o brasil ainda carece de melhoria na gestão das Cesbs, nas quais a implan-
tação de ações de transparência e governança corporativa são prioritárias. além
disso, a valorização do planejamento e a qualificação técnica do setor também con-
tribuirão para a aceleração do nível de investimentos, considerando que a oferta
de recursos continuará perene pelos próximos anos.
Por fim, cabe destacar a irreversível entrada do setor privado no setor de
saneamento, principalmente na operação de esgotamento sanitário nas regiões
metropolitanas. a participação do setor privado será fundamental para a melhoria
dos indicadores de prestação de serviço nos próximos anos.
308 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
R e f er ênc i as
Albuquerque, G. Estruturas de financiamento aplicáveis ao setor de saneamento
básico. BNDES Setorial, n. 34. Rio de Janeiro: BNDES, 2011.
Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000. P. 32 e 41. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
OMS – Organização Mundial da Sáude. Global health risks – mortality and burden of
disease attributable to selected major risks. Genebra, Suíça, 2009.
rafael r. Herdy
Carlos H. r. Malburg
rodolfo Torres dos Santos*
R es um o
Ao fazermos uma avaliação da atuação do BNDES no financiamento ao setor de
transporte urbano de passageiros nas últimas três décadas, podemos constatar
que, ainda que em diversos aspectos os avanços tenham sido expressivos e nossa
participação nesses avanços seja reconhecida, as carências continuam gigantescas.
Pode-se atribuir boa parte desse passivo às pressões decorrentes de um crescimento
demográfico acelerado na segunda metade do século XX, o que foi agravado por
um processo de urbanização que não foi devidamente acompanhado do aprimo-
ramento dos instrumentos de gestão urbana e nem da redistribuição dos recursos
financeiros necessários para que os municípios fizessem os investimentos em infra-
estrutura, o que só ocorreu com a Constituição de 1988. Contudo, não podemos
omitir a visão imediatista dos gestores, relegando ao segundo plano de prioridades
os projetos e investimentos de longo prazo, como é mostrado nesse artigo em rela-
ção ao transporte coletivo de passageiros.
Ab s tra c t
By analyzing the performance of the BNDES’ financing in the urban passenger
transport sector over the last three decades, we are able to state that, even though
progress has been expressive in several aspects and the Bank’s participation in such
progress is recognized, gaps remain colossal. A large part of this gap can be attributed
to pressure resulting from the accelerated demographic growth throughout the
second half of the 20th century. This was intensified by urbanization that was not
duly accompanied by improvements in urban management instruments or the
redistribution of financial resources. Such funding was needed by municipalities
to invest in infrastructure, which only came about with the Constitution of 1988.
Nevertheless, we cannot omit the immediatist view of managers, who place long-
term investment projects low on the list of priorities when it comes to collective
passenger transport.
Mobilidade Urbana 313
1. I NtR o DuÇ Ã o
a atuação direta ou indireta do estado em atividades econômicas se justifica em
função da existência das falhas de mercado, tais como a existência de monopó-
lios naturais, mercados incompletos ou de externalidades, segundo Giambiagi
e além (2001). entre essas atividades, encontram-se os serviços públicos, cujo
provimento se caracteriza pela prevalência do interesse coletivo sobre o interes-
se individual.
o transporte público se inscreve entre esses serviços, por gerar externalida-
des na medida de sua adequação às características das cidades, assim como em
virtude de algumas soluções para o transporte urbano constituírem mercados
incompletos, principalmente aquelas mais adequadas às áreas intensamente ur-
banizadas. a premência do interesse coletivo no serviço de transporte se evi-
dencia na ineficiência do sistema de transporte, decorrente da massificação do
transporte individual.
ainda que se utilizem, tradicionalmente, apenas os dois benefícios mais evi-
dentes e de mais fácil quantificação, que são a redução do tempo de viagem
dos usuários e a economia dos custos operacionais do sistema de transportes,
fica claro, por meio da análise da relação benefício/custo e da Taxa interna de
retorno e considerando-se sua vida útil, a vantagem dos investimentos em sis-
temas de alta capacidade, o que tende a ficar mais evidente se forem incorpora-
das algumas externalidades que não eram usualmente monetizadas, tais como
redução de acidentes, redução de emissão de poluentes oriundos da queima de
combustíveis fósseis.
este estudo está dividido em nove partes. na segunda parte, busca-se traçar um
panorama da atual situação de mobilidade nas principais cidades do país, seguido
de um histórico da atuação do bndeS no setor. os principais atores, as perspectivas
do setor e aspectos de política industrial são tratados nas seções seguintes, assim
como uma visão da recém-editada Política de Mobilidade Urbana. depois, abor-
dam-se os principais problemas e obstáculos a serem superados, antes de serem
expostas as conclusões.
314 bndeS 60 anoS – PerSPeCTiVaS SeToriaiS
2. PANo R Am A At u A L
DA m o b I L ID A D e u R b A N A
a Constituição brasileira de 1988 incumbe o poder público da prestação dos ser-
viços de transporte urbano de passageiros, direta ou indiretamente, por meio de
concessões ou permissões. a nova lei de Mobilidade Urbana (lei 12.587/2012), que
obriga os municípios com mais de vinte mil habitantes a elaborarem seus Planos de
Mobilidade até 2015, foi concebida de forma a preparar os municípios para cumprir
essa função.
o serviço de transporte urbano está vinculado ao planejamento urbano, so-
bretudo no que se refere ao uso e ocupação do solo, prerrogativas do poder
público municipal. Segundo Souza (2007), a qualidade de vida urbana está ligada
diretamente a tempos de viagem, às distâncias até o trabalho, ao modo como as
pessoas se deslocam, a novas oportunidades de emprego e negócios, ao lazer, à
qualidade do ar, ao nível de poluição sonora, entre outros fatores. os três setores
principais a serem considerados no desenvolvimento urbano são a habitação, o
transporte público e o saneamento básico, cujo atendimento é vetor central no
planejamento da configuração espacial da cidade, por meio de Planos diretores
Setoriais assim como das leis de Uso e ocupação do Solo. Cada vez mais se tornam
importantes na tomada de decisão dos gestores públicos, complementarmente,
questões como a sustentabilidade socioeconômica e ambiental das soluções a se-
rem adotadas.
o desenho dos sistemas de transporte, assim como a escolha dos modos mais
adequados às características da demanda de usuários, é uma decisão complexa que
depende do envolvimento da sociedade. É crucial nesse processo de planejamento
considerar variáveis urbanísticas e ambientais, políticas e sociais, econômicas, tec-
nológicas e industriais. Todos esses elementos são dinâmicos e com amplo potencial
de inovação.
a mobilidade da população depende essencialmente do serviço de transporte
público e seus impactos na qualidade de vida de uma cidade são múltiplos, mere-
cendo destaque os seguintes aspectos:
Mobilidade Urbana 315
1.800
1.641
1.525
1.600
1.400
MILHÕES DE VIAGENS/ANO
1.200
1.000
800
649
600
400
259
216
208
200
20
0
0
Bondes Trens Ônibus Auto
1950 2005
Fontes: Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot).
Tabela 1 Emissão de poluentes por modo de transporte – 2007 (em municípios com mais de
sessenta mil habitantes)
Gráfico 2 Região metropolitana de São Paulo – índice de mobilidade total por renda
familiar mensal (1997 e 2007)
3,0
2,5
MOBILIDADE (VIAGENS/HAB)
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
até 760 760 a 1.520 1.520 a 3.040 3.040 a 5.700 mais de 5.700
Com essa situação indicada pelo gráfico, tende a se elevar mais ainda a deman-
da por transporte coletivo e, em especial, pelo individual, este último tendo seu uso
mais decisivamente relacionado à renda da população (Gráfico 3).
Nesse cenário, a elaboração de planos diretores e projetos e o equacionamento
de fontes de recursos para realização dos investimentos em sistemas de transporte
urbano assumem caráter prioritário. Reforçando a tese, ao considerar o longo pra-
zo de implantação desses investimentos e o contingenciamento de recursos para o
setor ao longo da última década, cresce a necessidade de mobilização de recursos e
incentivos para essa finalidade.
O risco associado a esse cenário é optar-se por soluções de implantação mais
rápida e de menor valor de investimento, em detrimento da escolha do modo
de transporte mais apropriado, considerando-se todos os aspectos destacados
anteriormente.
Mobilidade Urbana 319
Gráfico 3 Região metropolitana de São Paulo – divisão das viagens motorizadas diárias
por renda familiar mensal (1997 e 2007)
90
80
70
60
% DE VIAGENS
50
40
30
20
10
0
Até 760 760 a 1.520 1.520 a 3.040 3.040 a 5.700 Mais de 5.700
dos principais gargalos será função da escolha dos modos de transporte adequados
para atender com máxima produtividade ao volume e às demandas projetadas, da
disponibilidade de recursos próprios e de financiamento, assim como dos resulta-
dos dos estudos de viabilidade econômica e financeira das alternativas.
O uso do transporte coletivo sobre pneus para demandas mais elevadas exige a
ampliação das vias com adoção de faixas exclusivas (intensivo em desapropriações),
com trechos duplicados de maneira a permitir ultrapassagens, intensificação de in-
vestimentos em privilégio semafórico e/ou obras de arte para vencer cruzamentos
em nível e, no limite, na segregação completa do corredor, provocando o seccio-
namento do tecido urbano, o que pode exigir soluções mais caras, como as vias
subterrâneas, ou urbanisticamente desaconselháveis, como os elevados.
Já o modo ferroviário é mais compatível com os corredores de média e alta capaci-
dade, utilizando equipamentos que tiram mais proveito da operação em via segrega-
da, justificando investimentos mais elevados, como os que são necessários para metrôs
subterrâneos e trens de subúrbio. Pode ser do tipo Veículo Leve sobre Trilhos (VLT),
compartilhando o trânsito com os demais veículos e com importante efeito revitaliza-
dor das áreas onde é adotado, como vem sendo o caso nas cidades europeias e norte-
-americanas. A crítica a essa tecnologia refere-se ao impacto visual da rede aérea, o
que já vem sendo solucionado por meio de novas formas de alimentação e propulsão.
No modo rodoviário, a operação na maior parte dos casos foi transferida ao se-
tor privado, sob regime de permissão ou concessão pelo setor público. Em poucos
casos, há concessão da operação por meio de certame licitatório, geralmente em
municípios cuja gestão da mobilidade é mais estruturada, implicando a regulação
pública dos requisitos de qualidade e custo de forma mais eficaz. Em geral, há
apenas regime jurídico permissionário, o que significa maior fragilidade da gestão,
controle e fiscalização do sistema de transporte. Algumas vezes se verifica nesses
casos a “captura” do setor público pelo setor privado, como define Ferreira (2002),
que acontece quando o regulador passa a confundir o bem comum com os interes-
Mobilidade Urbana 321
ses da indústria por ele regulada, havendo interferência significativa dos interesses
privados no planejamento urbano e de transportes.
A economia do setor é caracterizada pelo repartimento de investimentos e
custos operacionais entre iniciativa privada e poder público, geralmente com os
gastos relacionados à infraestrutura, assumidos pelo poder público, e os rela-
tivos ao material rodante e a sua operação, assumidos pela iniciativa privada.
A tarifa é regulada pelo poder concedente (que é, em geral, o município nos
modos sobre pneus, e o estado nos ferroviários e hidroviários) e é revertida
para remunerar o operador do sistema, havendo casos de subsídios públicos à
operação, sobretudo para compensar gratuidades definidas em lei. A gratuida-
de, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU),
pode causar um impacto de cerca de 20% sobre as tarifas nas cidades (vide Co-
municado Ipea 94 e Tabela 2).
Gráfico 4 Variação real* dos preços dos principais insumos das tarifas de ônibus urbano –
Brasil metropolitano, 1999-2009 (em %)
90
72,5
75
60
45,5
45
(%)
23,8
30
15
0
-3,9
-15
Pneu e câmara de ar Óleo diesel Salários Veículos
Como se pode ver, o único entre os principais insumos cujo crescimento foi ne-
gativo quando comparado com a inflação do período (1999-2009) foi o item salário.
Diante dessa lógica predominante e tendo em vista a falta de planejamento,
regulação, fiscalização e controle que se verifica na maior parte dos municípios
brasileiros, o que se reflete no baixíssimo grau de exigência do poder concedente,
a tendência é que a frota de ônibus brasileira seja constituída por veículos que
Mobilidade Urbana 323
1
Este último foi previsto inicialmente como um VLT, solução vetada pelo órgão de patrimônio cultural do DF sob a alegação de que
agrediria visualmente o Plano-Piloto, decretado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco.
Mobilidade Urbana 325
de fornecimento de energia da época, assim como com paradas forçadas por perda
de contato com a rede aérea. Esses problemas, hoje superados pela adoção de faixas
exclusivas de circulação e por um fornecimento confiável de energia elétrica, aliados ao
petróleo barato e a uma persistente tarifa horo-sazonal que pune o uso da tração elé-
trica no transporte, contribuíram para a quase extinção da utilização dessa tecnologia
no Brasil, com a auspiciosa e bem-sucedida exceção de alguns corredores de São Paulo.
Como resultado, há a hegemonia do modo rodoviário no transporte urbano
de passageiros no Brasil. Mais recentemente, na última década do século passado,
tendo em vista a expressiva adoção de novos sistemas de bondes modernos (VLT)
em várias cidades europeias, surgiram iniciativas semelhantes em algumas cidades
brasileiras, como Rio de Janeiro, Santos, São Vicente, Florianópolis, Jundiaí, Forta-
leza e Brasília, entre outras.
As principais características dos modos de transporte sobre trilhos, por tipo, são:
1. Metrô – inteiramente segregado; pode ser em superfície, em elevado ou sub-
terrâneo; mais comumente sobre trilhos, pode ser também sobre pneus; sem-
pre com tração e alimentação elétrica para tirar proveito da maior capacida-
de de aceleração/desaceleração; com espaçamento entre estações de cerca de
700/800 m, apresenta viabilidade em áreas adensadas, com demandas acima de
40 mil passageiros/h/sentido. Demanda vultosos investimentos em infraestrutu-
ra, material rodante e sistemas e longo tempo de implantação, o que deve ser
compensado com o baixo custo de operação e as externalidades positivas que
proporcionam grande viabilidade econômica no longo prazo.
2. Trem de subúrbio – inteiramente segregado nas áreas centrais e parcialmente
nas regiões menos adensadas; geralmente em superfície; com espaçamento en-
tre estações de cerca de 1.000/1.500 m; utiliza equipamento de tração elétrica
ou diesel-elétrica com boa velocidade média. Viabiliza-se com altas demandas
em extensões maiores de subúrbio e periferias metropolitanas. Da mesma for-
ma que o metrô, o trem também é economicamente viável no longo prazo.
3. Veículo leve sobre trilhos (VLT) – são os bondes modernos; a tração elétrica
quando operam em área urbana; vêm sendo objeto de inovações no que se re-
fere à alimentação, eliminando as caras redes aéreas; são considerados vetores
326 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
2
Para o cálculo da relação benefício/custo e da Taxa Interna de Retorno, na análise de viabilidade econômica dos projetos,
utilizam-se, em geral, apenas os dois benefícios mais evidentes e de mais fácil quantificação, que são a redução do tempo de
viagem dos usuários e a economia dos custos operacionais do sistema de transportes. Os principais itens de custo são, geralmente,
transformados em custos econômicos de acordo com o Manual Operacional elaborado pela EBTU. Benefícios como redução de
acidentes e redução de gastos com a saúde decorrentes de emissões vêm adquirindo cada vez mais relevância na quantificação das
externalidades.
Mobilidade Urbana 327
3. R etR o s Pect o D A At u A Ç Ã o D o b N D es
lóGica da aTuaÇÃo hisTórica do bndes
Diretrizes de atuação
1.428,34
1.600
1.400
1.200
944,24
1.000
R$ MILHÕES
657,73
628,47
800
429,53
600
400
238,31
151,15
127,44
200
Fonte: bndeS.
* liberados até jun. 2012.
4. Ato R es Do s e t oR
Como já foi dito, o transporte urbano de passageiros no brasil é atribuição
constitucional dos municípios, que, dessa forma, são os principais atores do setor. o
município é o poder concedente e, na maior parte dos casos, planejador, regulador
e fiscalizador. eventualmente é também operador. eles são responsáveis, em parti-
cular, pelos sistemas de pequena e média capacidade operados por ônibus. ainda
330 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
3
Recentemente a Caixa ampliou sua atuação nesse setor.
Mobilidade Urbana 331
o bndeS busca estabelecer diferenciação nas condições de apoio aos projetos, fa-
vorecendo e estimulando boas práticas, conforme padrões e modelos reconhecidos nos
fóruns especializados, nacionais e internacionais. no passado recente, as condições de
apoio da Finame favoreciam, tanto em prazo quanto em taxas e nível de participação,
os projetos que adotassem ônibus Padron e articulados (padrão Conama), operando
em sistemas integrados e racionalizados. Mais recentemente, no âmbito do PSi, o ban-
co buscou favorecer a adoção da tecnologia de motorização elétrica ou híbrida.
as entidades de classe dos fabricantes de equipamentos, como a associação
brasileira da indústria Ferroviária (abifer) e o Sindicato interestadual da indústria
de Materiais e equipamentos Ferroviários e rodoviários (Simefre), também têm
participação ativa no setor, buscando recuperar competitividade diante dos forne-
cedores estrangeiros.
no início da última década entrou em cena um novo ator, o Ministério das Cida-
des, que substituiu a antiga Secretaria de desenvolvimento Urbano, ligada à Presi-
dência da república. nos processos de descontingenciamento de crédito para finan-
ciamento ao setor público, que tem seu início no estabelecimento de uma margem
pelo Conselho Monetário nacional, o Ministério das Cidades, em sintonia com o Mi-
nistério do Planejamento, orçamento e Gestão, estabelece os critérios de hierarqui-
zação dos projetos apresentados, para efeito de seleção daqueles que serão habili-
tados a receber recursos de orçamento Geral da União (oGU) e de financiamento.
5. PeR s Pec tI VA F u t u R A
o cenário de crescimento econômico experimentado pela economia brasileira nos
últimos anos evidenciou a necessidade de investimento em soluções de mobilida-
de urbana no país. Por definição, essa situação assume contornos mais óbvios nas
grandes metrópoles brasileiras, mas já ocupa um dos principais pontos da agenda
de melhoria de bem-estar social nas cidades de médio porte no país.
em decorrência desse panorama, cresce a pressão social por investimentos nessa
atividade econômica. Com efeito e como dito anteriormente, cria-se um ambiente
para a mobilização de atores privados para buscar espaço de atuação nesse setor.
332 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Quadro 1 PAC Mobilidade de Grandes Cidades – resultado segunda etapa (em R$ milhões)
Continuação
6. PR o DuÇ Ão IN D u s t R IA L
em mapeamento recém-realizado pelo bndeS com os principais planejadores e
gestores da mobilidade urbana das cidades brasileiras, as Secretarias de Transporte
dos estados e Capitais, bem como com abifer, para o período 2012-2016, a expec-
tativa de demanda de material rodante metroferroviário é de cerca 3.460 carros,
Mobilidade Urbana 335
para trinta linhas de metrôs, trens de subúrbio, VLT e Monotrilhos, o que significa
um investimento de aproximadamente R$ 10,7 bilhões, no período.
São Paulo continuará concentrando a maior parte da demanda por material
rodante metroferroviário, sendo pioneiro na adoção do monotrilho (Tabela 3). Des-
taca-se também a demanda por carros metroviários do Distrito Federal e por carros
de trens suburbanos do Rio e São Paulo.
AL 15 15
BA 120 120
CE 120 52 172
DF 379 379
MG 144 144
PE 60 15 75
PR 90 90
RS 144 144
Fonte: BNDES.
Ressalvando que em boa parte dos casos as licitações ainda não tenham sido
homologadas e que não tenha sido assinado contrato de fornecimento, o levan-
tamento realizado apontou que cerca de 65% dos novos carros serão importados,
25% nacionais e, em 10% dos casos, a origem não foi informada.
Em um levantamento por modo de transporte, pode-se verificar que, em sis-
temas metroviários e de trens de subúrbio, a indústria nacional ainda se mantém
competitiva e preserva boa fatia de mercado, apesar da concorrência de fabrican-
tes asiáticos e do tratamento tributário diferenciado nos casos em que o titular da
importação é um ente público, o que acontece na maior parte dos casos.
Ainda não há fabricante de monotrilhos instalado no país, embora exista a pos-
sibilidade de que a Bombardier inicie fabricação nacional em função da demanda
que surge em São Paulo.
336 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS
Com relação aos VLTs, a indústria nacional deverá atender a cerca de 40%
das encomendas, embora seja nítido que o VLT nacional atende a um nicho li-
mitado de mercado que adota motor diesel, enquanto os VLTs importados são
menos poluentes pelo uso de tração elétrica, mais acessíveis por causa do piso
baixo, além de estarem testando formas variadas de alimentação de energia.
Embora não haja grandes barreiras tecnológicas na introdução dessas melho-
rias, elas ainda não se verificaram. Cabe destacar que o levantamento não con-
templou a demanda do VLT do Centro do Rio, que provavelmente será atendida
por material importado.
A inexistência de um projeto de VLT já implantado no Brasil que gere um
efeito-demonstração dessa tecnologia dificulta sua difusão, especialmente consi-
derando-se que a imagem de bonde que ainda persiste é a dos últimos exempla-
res que operavam em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.4 A incerteza sobre a efetiva
escala da demanda interna por equipamentos não estimula os investimentos dos
fabricantes em novas plantas para a produção local.
Fonte: BNDES.
4
Esse antigo sistema de bondes foi palco de recente acidente em razão, ao que tudo indica, da falta de investimentos e falhas de
manutenção.
Mobilidade Urbana 337
Fonte: BNDES.
O Quadro 2 mapeia a demanda por material rodante nos projetos com maior
perspectiva de maturação no horizonte até 2016.
Futura Concecionária VLT VLT Aquisição VLT Centro do Rio de Janeiro 32 480.000.000,00
Parceiro privado (POA) Metrô leve Aquisição Fase 1 do metrô de POA 25 não informado
(metrô leve)
Parceiro privado (POA) Metrô leve Aquisição Fase 2 do metrô de POA 11 não informado
(metrô leve)
Fonte: BNDES.
Mobilidade Urbana 339
Segundo estudo realizado por Levino Pires, João Paulo Rodrigues e Átila Sarkozy,
no âmbito da Comissão Técnica de Economia da ANTP, para eliminar o “passivo”
existente, a demanda por investimentos em mobilidade para as 38 cidades brasi-
leiras com mais de quinhentos mil habitantes, totalizando 56 milhões de pessoas
(29% da população brasileira), encontra-se resumida na Tabela 6.
O estudo sugeriu, de acordo com o perfil de cada um dos municípios, os modos
de transporte que seriam suficientes e adequados para atendimento às necessida-
des de demanda de cada município, refletida em uma quilometragem por modo.
O trabalho utilizou como parâmetros de análise informações dos 38 municípios
sobre tamanho da população, sua distribuição geográfica, índice de motorização,
índice de mobilidade, deslocamentos globais com ênfase nos horários de pico, renda
e projetos existentes. Foi considerado um horizonte de planejamento de dez anos.
Para a estimativa dos investimentos, foram utilizadas como base informações
coletadas pelo Ministério das Cidades de diversos investimentos realizados no mun-
do, bem como informações de projetos brasileiros em andamento. Não foram con-
siderados no estudo os custos com desapropriação.
VLT 48 6,4
Trem 25 4,2
Fonte: <http://portal1.antp.net/rep/18cng/18cng10stmt03.pdf>.
7. Po L Í tI c As PA R A A m ob IL ID A D e
a lei 12.587/2012 veio regulamentar a Política nacional de Mobilidade Urbana,
tendo definido os seguintes objetivos:
i. reduzir as desigualdades e promover a inclusão social;
ii. promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais;
iii. proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à
acessibilidade e à mobilidade;
iv. promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambien-
tais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e
v. consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção
contínua do aprimoramento da mobilidade urbana.
a lei da Mobilidade Urbana estabelece, entre suas diretrizes para a prestação
do serviço de transporte público coletivo, que:
o regime econômico e financeiro da concessão e o da permissão do
8. PR o b L em A s e ob s t Á c u L os A s u P e RA R
a taxa de mobilidade é função direta da renda, como vem sendo verificado na prá-
tica, o que significa que o crescimento econômico brasileiro elevará a mobilidade
da população, gerando pressão de demanda sobre o transporte coletivo e sobre o
transporte individual.
Para fazer frente a essa demanda, alguns passos importantes precisam ser da-
dos, dentre os quais podemos destacar:
1. equacionar fontes de financiamento aos estados e grandes municípios para
permitir investimentos nos modos de média e alta capacidade;
2. viabilizar novas concessões e parcerias público-privadas (PPP) de forma a ala-
vancar investimentos privados;
3. melhorar capacidade de gestão e viabilizar elaboração de projetos básicos e
executivos para o PaC Mobilidade Grandes Cidades;
4. fomentar a indústria nacional de material rodante e sistemas, com vistas ao
desenvolvimento e adoção de tecnologias mais eficientes em consumo energé-
tico, desempenho operacional e emissões (ruídos e gases poluentes);
5. promover o desenvolvimento institucional dos órgãos gestores municipais e es-
taduais, melhorando sua capacidade de planejamento, regulação e fiscalização
sobre o setor;
6. melhorar a competitividade do setor em benefício da eficiência, com reflexos
na qualidade do serviço e modicidade tarifária, por meio da realização de licita-
ções e do estímulo à modernização e ao arejamento empresarial privado;
7. estabelecer e manter políticas de descontingenciamento de crédito ao setor
público mais constantes e previsíveis, de maneira que permita ao setor público
planejar a médio e longo prazos, investir em projetos e ter continuidade no
fluxo de investimentos;
8. resgatar o papel do transporte coletivo como um dos principais vetores estrutu-
radores do desenvolvimento urbano.
Mobilidade Urbana 345
9. c o Nc L us à o
o cenário exposto neste artigo relatou um momento dual para a mobilidade ur-
bana. ainda que a sociedade brasileira experimente, hoje, a escassez quantitati-
va e qualitativa na provisão desse serviço essencial a seu bem-estar, o horizonte
é promissor por alguns aspectos: (i) mobilização de recursos públicos e privados;
(ii) a chegada de entrantes privados no setor, promovendo um choque nos pa-
drões estabelecidos; (iii) oportunidade de modernização no ambiente institucional;
(iv) prioridade na agenda política e social assumida pelo setor; (v) oportunidades
tecnológicas e industriais convergindo para a melhoria na qualidade ambiental.
neste momento complexo e repleto de oportunidades, as projeções para um
ciclo significativo de investimentos ganham contornos mais críveis. Caberá ao
bndeS, no trilho de sua história de atuação, buscar encontrar os mecanismos para
o melhor aproveitamento e aceleração dessa oportunidade, mas também trabalhar
na articulação com atores públicos e privados para remover obstáculos e buscar ga-
nhos de eficiência, para viabilizar a constância e a continuidade dos investimentos
em mobilidade urbana no brasil.
R eF eR ÊNc I As
braSil. lei 12.587/2012, de 3 de janeiro de 2012. institui as diretrizes da Política
nacional de Mobilidade Urbana. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
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em: <http://congressos.antp.org.br/18cng/lists/biblioteca%20do%2018%20
Congresso/allitemsg.aspx>.
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