Você está na página 1de 736

VOLUME I

Organizador:
filipe Lage de Sousa

1ª edição
r i o D e JA n e i r o – o u t u B r o D e 2 0 1 2
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES

P re side nt e
Luciano Coutinho

V i ce - pr e side nt e
João Carlos Ferraz

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não


refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução
parcial ou total dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.

Esta publicação não pode ser comercializada. As publicações editadas pelo


BNDES estão disponíveis gratuitamente em formato impresso e digital. Mais
informações em www.bndes.gov.br/faleconosco.

B661 BNDES 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage


de Sousa. – 1. ed. – Rio de Janeiro: BNDES, 2012.
v. 1: il.

384 p.

Vários autores.

ISBN: 978-85-87545-44-2

1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. 2.


Economia - Brasil. 3. Desenvolvimento econômico - Brasil. I.
Sousa, Filipe Lage de (org.).

CDD – 332.28

Av. República do Chile, 100


Rio de Janeiro – RJ – CEP 20031-917
Central de Atendimento 0800 702 6337
Atendimento a deficientes auditivos 0800 888 9873
S um ár i o

VOLUME 1

Prefácio................................................................................................................. 5

Apresentação........................................................................................................ 9

A economia brasileira: Conquistas dos últimos dez anos


e perspectivas para o futuro............................................................................ 12
Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga,
Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento

Complexo Eletrônico: a evolução recente


e os desafios para o setor e para a atuação do BNDES................................. 42
Ricardo Rivera de Sousa Lima

O papel do BNDES no desenvolvimento do setor automotivo brasileiro.... 98


Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro

A indústria aeronáutica no Brasil: evolução recente e perspectivas..... 138


Sérgio Bittencourt Varella Gomes

O setor de bens de capital no Brasil e o papel do BNDES


como indutor do desenvolvimento, no período 2003-2011.. ....................... 186
Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos,
Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado

Perspectivas para o desenvolvimento industrial


e tecnológico na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados ao setor de P&G....................................................................... 224
Bruno Plattek de Araújo, André Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa

A retomada da indústria naval brasileira.................................................. 274


Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomão Lage e Lucas Duarte Processi

saúde como desenvolvimento: perspectivas para a atuação


do bndes no complexo industrial da saúde................................................ 300
Vitor Pimentel, Renata Gomes, André Landim, João Pieroni e Pedro Palmeira Filho

A indústria de papel e celulose..................................................................... 334


André Carvalho Foster Vidal e André Barros da Hora
4 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

VOLUME 2

Prefácio................................................................................................................. 5

Apresentação........................................................................................................ 9

A INDÚSTRIA QUÍMICA E O SETOR DE FERTILIZANTES............................................... 12


Leticia Magalhães da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva

O futuro do setor sucroenergético e o papel do BNDES............................... 62


Artur Yabe Milanez e Diego Nyko

Apoio do BNDES à agroindústria: retrospectiva e visão de futuro............. 88


Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes

Indústrias tradicionais de bens de consumo no Brasil:


desafios e oportunidades . . ............................................................................. 122
Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva

Criatividade e desenvolvimento.................................................................... 160


Marina Moreira da Gama

O setor elétrico brasileiro E o BNDES:


reflexões sobre o financiamento aos investimentos e perspectivas........ 190
Alexandre Siciliano Esposito

Situação atual e perspectivas da infraestrutura


de transportes e da logística no Brasil . . ..................................................... 232
Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira

O saneamento ambiental no Brasil: cenário atual e perspectivas........... 272


Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira

Transporte urbano: o papel do BNDES no apoio à solução


dos principais gargalos de mobilidade........................................................ 310
Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos
Pr ef ác i o
A construção do futuro
Ao longo do século XX, a economia brasileira passou por mudanças significativas.
O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primários para se
transformar – notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo
impulso de quatro ciclos relevantes de avanço industrial entre 1950 e 1980 – em
uma economia urbanizada, diversificada e complexa. Já no longo período que se
iniciou com a crise da dívida externa no início dos anos oitenta, até o rápido pro-
cesso de robustecimento da posição cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia
experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanços estruturais no
que toca ao seu sistema industrial e de serviços.
A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de
expansão, interrompido pela eclosão da grave crise bancária e financeira mundial
de 2008-2009. Desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desa-
fios derivados do acirramento global da concorrência comercial e industrial. Diag-
nosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal
desta publicação.
Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existência este ano, o BNDES se
orgulha de ter sido, ao longo de sua história, um ator importante no processo de
desenvolvimento econômico e social. E uma das virtudes da instituição foi sua capa-
cidade de antever os desafios do país e se reestruturar para atendê-los.
Nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. Si-
multaneamente, começou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento
das indústrias de base. Nos anos setenta, impulsionou a formação de um amplo se-
tor de bens de capital (seriados e sob encomenda), além da expansão das indústrias
de insumos básicos (siderurgia, metalurgia de não ferrosos, química e petroquí-
mica, celulose e papel), bem como a expansão das indústrias de bens de consumo
duráveis, sem deixar de apoiar o esforço continuado de investimentos em infraes-
trutura, inclusive de telecomunicações.
6 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desen-
volvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento
básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas.
No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de
1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/
PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias ad-
versas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o proces-
so de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa
nacional de desestatização.
Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firme-
mente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, cola-
borando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento
(FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascenden-
te foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência
do Lehman Brothers em setembro de 2008.
O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fun-
damentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três
décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de
estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os inves-
timentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais
instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida supe-
ração do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu
empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de
forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal.
Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo
conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira.
A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas
para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis.
Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cená-
rio internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvol-
vidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado
Prefácio 7

em maior competição internacional no mercado de bens transacionáveis. Simulta-


neamente, a continuidade das rápidas mudanças tecnológicas demanda agilidade
na elaboração de políticas de fomento.
Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de cresci-
mento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos com-
provadamente competitivos tende a aumentar e, por consequência, a atrair mais
recursos para o país. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem opor-
tunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e serviços ao longo da cadeia
produtiva e que requerem conteúdo tecnológico de fronteira.
Nossos agronegócios são extremamente competitivos e podem capturar opor-
tunidades relevantes com o desenvolvimento avançado das cadeias supridoras de
bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas
áreas de nossa indústria de bens de capital e da indústria automotiva, os setores
de caminhões e o de ônibus, considerando as oportunidades de transição tecnoló-
gica em direção a novos padrões de sustentabilidade ambiental, incluindo veículos
híbridos e elétricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentável
coloca o Brasil em posição de destaque por sua capacidade de aglutinar soluções de
baixo carbono, eficiência energética e inclusão social.
Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expansão das infraestru-
turas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a
partir de 2007, com o Plano de Aceleração do Crescimento, e continuarão a crescer
nos próximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edição desse plano.
Mais recentemente o lançamento pelo governo federal de um ciclo de concessões e
parcerias público-privadas em infraestruturas logísticas (rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de
equipamentos, insumos e serviços – além do impacto positivo para a competitivida-
de sistêmica da economia.
Não se deve, porém, considerar apenas os desafios de avançar nas cadeias e se-
tores onde o Brasil já tem constituído vantagens competitivas reveladas ou onde os
gargalos existentes criaram oportunidades rentáveis. É preciso pesquisar e fomen-
tar as nossas chances de desenvolver indústrias e cadeias intensivas em conheci-
8 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportuni-
dades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores
de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços
e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossinté-
ticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de
nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas
oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira gera-
ção, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de
cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimen-
to de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a
perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais
de desenvolvimento do país.
Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da institui-
ção, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potenciali-
dades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com
um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspec-
tivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras,
este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às
demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e
pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável
em todos os sentidos.

Luciano Coutinho
Presidente do BNDES
ap r es enta ç ã o
Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que
mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise
bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial;
ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistente-
mente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica
de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transforma-
ções em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia
brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora.
Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publica-
ção com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns
setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencia-
lidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições
positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes
e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento
brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de
sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores
per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a
sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar.
Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um intro-
dutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia
brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais pro-
váveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os
resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investi-
mento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira
no período recente, bem como suas perspectivas.
Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particular-
mente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro
artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos
equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays),
10 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços
correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a
produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria
aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube apro-
veitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente
competitivas e examina os principais desafios para mantê-las.
A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e
suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume.
Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da es-
pecificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do
pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assun-
to é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários
para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas des-
cobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no
qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a
desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saú-
de, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no
penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação cons-
titui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um
exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I.
Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em ferti-
lizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição
para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais
do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta
publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustí-
veis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da
necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo se-
guinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado,
contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem.
Apresentação 11

O quarto artigo do Volume II aborda alguns setores tradicionais de bens de con-


sumo, exemplificados por móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produ-
tos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. O quinto artigo analisa a evolução
da economia criativa assim como as perspectivas futuras.
Infraestrutura é outro grande setor abordado na publicação. A evolução estrutu-
ral do setor elétrico brasileiro e o seu financiamento são discutidos no sexto artigo.
O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logística e sua evolução nos próxi-
mos anos em diversos modais, tais como: rodoviário, ferroviário, portuário e aqua-
viário. Com relação à infraestrutura urbana, o sétimo artigo aborda a questão de
saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o último artigo do Volume II
apresenta outra questão relevante para os anseios da população nas cidades: a capa-
cidade de mobilidade urbana.
A importância dos setores abordados nesta publicação não se resume a sua repre-
sentatividade no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas também na sua relevân-
cia para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangência, uma boa
performance desses setores auxiliará o Brasil a mudar de patamar, passando para país
de renda alta. Essa mudança representa um grande salto de desenvolvimento por sua
dificuldade e complexidade. A expectativa é que o conhecimento aqui demonstrado
possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira.
Por último, é necessário registrar e agradecer a contribuição de todos os autores
dos artigos desta edição comemorativa e das equipes de todas as áreas envolvidas
nesse projeto: Industrial (AI), Insumos Básicos (AIB), Infraestrutura (AIE), Social (AS),
Operações Indiretas (AOI), Comércio Exterior (AEX) e Pesquisa Econômica (APE).
O empenho e a dedicação desses autores foram essenciais para garantir a quali-
dade das reflexões encontradas na publicação. Cabe também um agradecimento
aos colaboradores do Departamento de Divulgação do Gabinete da Presidência do
BNDES envolvidos na edição do livro.

Filipe Lage de Sousa


Organizador
Adriana inhudes Gonçalves da cruz
Antonio marcos Hoelz Ambrozio
fernando Pimentel Puga
filipe Lage de sousa
marcelo machado nascimento*

* respectivamente, coordenadora de serviços do departamento de acompanhamento econômico e operações da área de Pesquisa


e acompanhamento econômico (aPe/dae); gerente do departamento de Pesquisas e operações (aPe/dePeQ); superintendente da
aPe; economista do Bndes e editor do periódico BNdes setorial; e chefe de departamento da aPe/dae do Bndes.
ECONOMIA BRASILEIRA 13

R es um o
Neste estudo, analisamos as transformações recentes e os desafios da economia
brasileira. A emergência da China como potência econômica mundial implicou um
choque de preços relativos, com barateamento de bens industriais e aumento dos
preços de commodities, nos quais o Brasil tem vantagem comparativa, o que impac-
tou de forma favorável as contas externas. No front interno, o aumento do crédito
e a geração de empregos, aliados a políticas de inclusão social, possibilitaram uma
melhoria no padrão de consumo de milhões de brasileiros, o que, em conjunto
com uma expansão dos investimentos, impulsionou o dinamismo do mercado do-
méstico. A robustez do mercado interno, fortalecido por medidas anticíclicas fis-
cais e creditícias, foi determinante para a resiliência da economia brasileira ante
a crise financeira internacional de 2007-2008, e continuará a ter papel importante
para impulsionar o crescimento do país. Apesar de todos os avanços recentes, será
preciso enfrentar o desafio de aumentar a produtividade brasileira. Argumenta-
mos ainda que o futuro apresenta obstáculos, mas oferece também oportunidades,
que permitirão um aumento tanto dos investimentos quanto da produtividade da
economia brasileira.

Ab s tra c t
In this paper, we analyze the recent transformations in and challenges for the
Brazilian economy. The emergence of China as a world economic power has
changed terms of trade with a reduction of the prices of manufacturing goods
and an increase in commodities prices, in which Brazil has comparative advantage.
This change of terms of trade has positively impacted the Brazilian trade balance.
In the domestic market, the expansion of credit and employment together with
social inclusion policies managed to improve the consumption pattern of millions
of Brazilians. The growth in investments has also boosted the domestic market. The
robustness of the internal market, strengthened by fiscal and credit anti-cyclical
14 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

policies, was a determining factor for the resilience of the Brazilian economy
after the international financial crisis in 2007-2008. Moreover, the internal market
might have a relevant role in the years to come. Despite all the recent progress, it
will be necessary to improve Brazilian productivity. We argue that there are not
only drawbacks in the future but also opportunities which may be able to boost
investments in and the productivity of the Brazilian economy.
ECONOMIA BRASILEIRA 15

Um dos grandes desafios econômicos para qualquer nação é a conciliação de cres-


cimento econômico, estabilidade e redução das desigualdades. Quanto a esse
aspecto, os últimos anos representaram um período de grande sucesso para a
economia brasileira. Por diversos motivos, que envolvem fatores externos, inter-
nos e o desenho de políticas públicas, a economia brasileira alcançou crescimento
médio anual próximo a 4% a.a. entre 2000 e 2011 (Gráfico 1), valor superior ao
observado nas duas décadas anteriores, que foi cerca de 2% anuais. Entre 2004 e
2011, quando a economia apresentou melhor performance, a inflação também se
manteve sob controle, com taxa anual média de 5,4%.
Durante esse período, também foi possível perceber uma substancial melho-
ria na renda e na qualidade de vida das famílias mais pobres, uma queda quase
contínua da taxa de desemprego e forte expansão do crédito. Como resultado,
houve o fortalecimento do mercado doméstico, que desempenhou um papel cru-
cial na resiliência da economia perante a crise internacional de 2007-2008.

Gráfico 1 Variação do Produto Interno Bruto (PIB) a preços constantes (em %)

8 7,53

7
6,09
5,71

6
5,17

5
4,31

3,96

4
3,38

3,16

2,73
2,66

3
2,15

2
1,31

1,15

1
0,25
0,04

0
-0,33

-1
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.


16 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

No front externo, a China se consolidou como potência econômica. O desem-


penho chinês proporcionou uma crescente demanda por commodities e aumentou
o comércio de recursos minerais e energéticos. Avanços na renda e padrão de vida
nos mercados emergentes elevaram o consumo de alimentos com elevado índice
proteico, produtos dos quais o Brasil é produtor eficiente.
Apesar da crise financeira internacional iniciada em 2007, a economia brasi-
leira continuou obtendo desempenho acima da média. Os efeitos da crise sobre
o Produto Interno Bruto (PIB) foram relativamente tênues, com queda de apenas
0,3% em 2009. Em virtude da força do mercado doméstico e de políticas anticícli-
cas, nas quais o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
teve importante participação, a recuperação ocorreu de forma rápida e vigorosa,
com crescimento de 7,5% em 2010.
Apesar dos resultados positivos do período e do alívio de problemas sociais que
historicamente afligiram o país, existem desafios a serem enfrentados no futuro
próximo. O aumento da competitividade da economia e a continuidade dos avan-
ços sociais dependem de avanços na infraestrutura e em pesquisa e desenvolvimen-
to e da aceleração na qualificação da mão de obra.
Tendo como pano de fundo as conquistas dos últimos dez anos, decêndio entre
as comemorações de cinquenta e sessenta anos do BNDES, bem como os desafios
que se erguem para o futuro próximo, este texto examina o comportamento das
principais variáveis econômicas que ilustram o período e analisa as transformações
pelas quais os principais setores da economia passaram.
Para cumprir esse objetivo, este artigo está dividido em outras cinco seções. A
primeira seção trata do cenário internacional e analisa como este afetou a balan-
ça comercial brasileira. O desempenho do mercado doméstico nos últimos anos é
analisado na seção seguinte. A terceira seção analisa os investimentos no Brasil
nos últimos anos e prevê os próximos a serem realizados. Em seguida, expõe-se o
desafio da produtividade brasileira, com base em seu desempenho recente e em
suas perspectivas. Na última seção, são delimitadas as considerações finais.
ECONOMIA BRASILEIRA 17

1. c enÁR i o i n t e R n A c ion A L e
b AL AnÇ A com e R c iA L b R A s iL e iR A
A última década ficou marcada por dois fenômenos internacionais que afetaram
o desempenho da economia mundial e se traduziram em mudanças importantes
para a economia brasileira: (a) a consolidação da China como potência econômica
e importante provedora de bens industriais para o mundo; e (b) a crise financeira
internacional e seu impacto sobre a distribuição de forças econômicas e políticas
entre economias avançadas e emergentes.
Depois de três décadas de crescimento próximo a 10% a.a., a China ganhou
dimensão importante como potência econômica, superando, em volume de pro-
dução, países como Alemanha e Japão. Há até mesmo a perspectiva de se tornar a
maior economia do planeta, possivelmente, antes de 2020, conforme previsões do
Fundo Monetário Internacional (FMI).1 Apesar de o crescimento elevado ter se ini-
ciado na década de 1970 e se mantido nas décadas posteriores, foi nos anos 2000 e,
sobretudo, a partir da adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), ocorrida
em novembro de 2001, que a economia chinesa consolidou seu papel como impor-
tante provedora de bens manufaturados gerais, em escala global. O Gráfico 2 ilustra
o aumento da participação da China nas exportações mundiais de bens manufatu-
rados. Em dez anos, essa participação praticamente triplicou, passando de 4,7% em
2000 para 14,8% em 2010.
A emergência da China como parque industrial do planeta trouxe importan-
tes repercussões sobre o dinamismo de países emergentes e desenvolvidos e in-
fluenciou, até mesmo, a orientação da política econômica em escala mundial. A
queda dos preços de produtos manufaturados, tornada possível graças ao avanço
da indústria chinesa, contribuiu para a manutenção de inflação e juros em pata-
mares historicamente baixos. Essa condição de preços e política monetária, que
ficou conhecida como período da grande moderação (great moderation), pro-

1
não obstante, a supremacia econômica chinesa não é um fato novo na história mundial. dahlman (2011) mostra que a economia
chinesa era uma das maiores antes da revolução industrial.
18 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

longou a fase de crescimento econômico com estabilidade de preços nos países


avançados, iniciada no fim da década de 1980.

Gráfico 2 Participação das exportações chinesas (%) no total das exportações mundiais
de manufaturados

16

14,8
14

12

10

8
(%)

4 4,7
3,3
1,9

0
1980

1981

1982

1983

1984

1985

1986

1987

1988

1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010
Fonte: Organização Mundial do Comércio.

O desempenho chinês guarda relação direta com o aumento dos desequilíbrios


globais (global imbalances). A combinação de preços baixos com a elevada compe-
titividade dos produtos chineses proporcionou o aumento dos déficits comerciais
de países desenvolvidos concomitante com o acúmulo excessivo de poupança na
China [Bernanke (2005)]. Os juros baixos, combinados a regras excessivamente per-
meáveis para os mercados financeiros, contribuíram para inflar os preços de ativos,
fomentando bolhas que se traduziram em maior fragilidade nos mercados.
Entre 2007 e 2008, a instabilidade latente dos mercados converteu-se em fe-
nômeno concreto: a pior crise financeira do pós-guerra e, provavelmente, a se-
gunda mais grave pós-revolução industrial. A crise começou a se configurar com a
percepção dos mercados de que havia excessos tanto relacionados aos preços de
ativos, sobretudo no segmento de imóveis, quanto às condições de alavancagem
de bancos e famílias. A associação entre os desequilíbrios globais e a crise financei-
ECONOMIA BRASILEIRA 19

ra foi amplamente explorada pela literatura econômica. Exemplos importantes de


estudos que abordaram essa interação são Obstfeld e Rogoff (2010) e Caballero,
Farhi e Gourinchas (2008).
Durante a crise, e mesmo no período de recuperação, ficou clara uma diferença
entre o potencial de resistência de economias emergentes e a vulnerabilidade das
economias desenvolvidas. O desempenho das economias emergentes antes e de-
pois da crise financeira continuou elevando a demanda por commodities. Em razão
das condições bastante restritas de resposta pelo lado da oferta, os preços desses
produtos se mantiveram elevados (Gráfico 3).

Gráfico 3 Preço de commodities (índice 2005 = 100)

500

450 455,9

400

350
346,7
300

250

200

150

126,6
100

50

0
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012

Fonte: Banco Mundial.

Essa evolução do cenário internacional teve relevante implicação sobre o


comércio exterior do Brasil. O crescimento da participação chinesa no comércio
mundial, por exemplo, se refletiu no aumento da importância do país como par-
ceiro comercial e afetou de forma positiva, pelo menos quantitativamente, o sal-
do da balança comercial brasileira nos últimos anos. As exportações brasileiras
saltaram de um patamar de US$ 55 bilhões em 2000 para US$ 256 bilhões em
2011, enquanto as importações de US$ 56 bilhões para US$ 226 bilhões. Como
20 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

consequência, o saldo deficitário de US$ 700 milhões em 2000 alcançou um supe-


rávit de US$ 30 bilhões em 2011.2
Embora essa nova ordem do comércio internacional tenha favorecido a eco-
nomia brasileira de maneira geral, houve um comportamento bastante hete-
rogêneo do resultado comercial entre diversos segmentos. O Gráfico 4 mostra
a evolução do saldo comercial acumulado em 12 meses desde 2000 para cinco
grupos de setores: agropecuário; setores intensivos em recursos naturais; seto-
res intensivos em trabalho; setores intensivos em escala; e setores intensivos em
engenharia e tecnologia.3

Gráfico 4 Saldo comercial por grupos de setores (acumulado em 12 meses)

100

80

60
Saldo comercial em US$ bilhões

40

20

0
jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012

-20

-40

-60
Agropecuário Intensiva em recursos naturais Intensiva em trabalho Intensiva em escala
Intensiva em engenharia e tecnologia

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Secex/MDIC.

2
O ápice do superávit da balança comercial ocorreu em maio de 2007, quando este atingiu US$ 48 bilhões no acumulado
de 12 meses.
3
Os setores intensivos em recursos naturais são: indústria extrativa, alimentos e bebidas, madeira, papel e celulose, coque e refino de
petróleo e produtos minerais não metálicos. Os intensivos em trabalho compreendem: têxtil, vestuário e acessórios, couro e calçados,
produtos de metal e móveis e indústrias diversas. Os setores produtos químicos, borracha e plástico, metalurgia básica e veículos
automotores são os intensivos em escala. Por último, os intensivos em engenharia e tecnologia são máquinas e equipamentos,
máquinas para escritório e informática, máquinas e aparelhos elétricos, material eletrônico e de comunicações, equipamentos
médico-hospitalares e outros equipamentos de transporte.
ECONOMIA BRASILEIRA 21

A partir de uma situação inicial, em janeiro de 2000, em que os diversos grupos


eram caracterizados por déficits ou superávits de pequena magnitude, evoluiu-se
para uma situação na qual alguns grupos – já superavitários em 2000 – passaram
a exibir grandes superávits comerciais (agropecuário e intensivo em recursos natu-
rais) enquanto outros – já deficitários em 2000 – passaram a exibir grandes déficits
(intensivo em escala e em engenharia e tecnologia). A exceção foi o grupo inten-
sivo em trabalho, cujo saldo ficou quase estagnado no período, passando de um
pequeno superávit a um pequeno déficit comercial. Cabe destacar que o aumento
dessas diferenças ocorreu justamente a partir de 2007, quando o saldo da balança
comercial brasileira tinha atingido seu ápice. Ademais, o ritmo de crescimento, tan-
to dos superávits quanto dos déficits, se intensificou a partir de 2010.
O crescimento do saldo comercial nos grupos agropecuário e intensivos em
recursos naturais foi influenciado pela explosão dos preços das commodities agrí-
colas e minerais. O boom exportador desses grupos, no entanto, não pode ser
explicado apenas pelo aumento dos preços internacionais, uma vez que também
houve expressivo aumento do quantum exportado.4
Já o grande aumento do déficit comercial dos grupos intensivos em escala e
engenharia e tecnologia, a despeito do crescimento de suas exportações, pode ser
explicado pela intensificação das importações, principalmente de produtos chine-
ses. Esse alargamento das importações, embora em alguns segmentos represente
elevação da competição no mercado doméstico, reflete em geral a forte expansão
da demanda – sustentada por significativo aumento do crédito e um mercado de
trabalho aquecido – que vem ocorrendo a um ritmo superior ao do crescimento
da oferta nos últimos anos. Assim, o alargamento das importações vem sendo o
instrumento usado para viabilizar o crescimento econômico sem gerar maiores
pressões inflacionárias. Iglesias e Rios apud Bacha e Bolle (2011) chamam a aten-
ção para o fato de que a menor participação no mercado internacional dos pro-
dutos brasileiros deve estar relacionada com melhores oportunidades no mercado

4
Na seção 4, o box ilustra que o aumento da quantidade exportada pode ser parcialmente explicado pelo ganho de competitividade
em alguns setores via crescimento da produtividade.
22 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

doméstico. A próxima seção mostrará como a elevação da renda e do emprego


foram fundamentais para o desempenho favorável do mercado doméstico.

2. ec o no m i A D omÉ s t ic A : o
DesenVoLVimento com incLusÃo sociAL
No front interno, o destaque foi a ascensão de milhares de brasileiros a um novo
padrão de renda e consumo. Entre 2001 e 2009, a renda per capita das famílias
do décimo percentil inferior de renda alcançou crescimento anual médio de 6,8%
(Gráfico 5A). Considerando o crescimento demográfico em torno de 2% a.a. para
essas famílias, as taxas de crescimento real seriam da ordem de 9% anuais. Esse
aumento de renda dos extratos sociais mais pobres viabilizou a migração de
milhões de famílias das classes D e E para a classe C, engrossando a nova classe
média brasileira, conforme definida por Néri (2008). Esse fenômeno está ilustra-
do no Gráfico 5B.

Gráfico 5 indicadores de distriBuição de renda

Gráfico 5a crescimento da renda real Per cAPitA Por Percentil na distriBuição dos rendimentos (% a.a.)

100 1,5

90 2,4

80 3,2

70 3,9

60 4,5

50 4,8

40 5,3

30 5,8

20 6,1

10 6,8
ECONOMIA BRASILEIRA 23

Gráfico 5b Distribuição da população por classes de renda (em milhões de habitantes)

250

200

13,3 22,5
MILHÕES DE HABITANTES

150 8,8 12,9

65,9 55% DA
45,6 105,5 POPULAÇÃO
55,4
100

50 96,2
92,9 83,3
63,6

0
1993 1995 2003 2011

Classes A e B Classe C Classes D e E

Fontes: FGV e Ministério da Fazenda.

Entre os fatores que contribuíram para a mudança na pirâmide social brasi-


leira estão as políticas governamentais de valorização real do salário mínimo e
de transferência de renda. A política de valorização do salário mínimo levou a
sucessivos aumentos reais de renda entre 2002 e 2011. Os ganhos reais cresceram
em média 5% a.a., acumulando variação de 63,3% no período, como mostra o
Gráfico 6. Adicionalmente, as políticas públicas de transferência de renda, capita-
neadas pelo Bolsa Família, cuja cobertura chega a mais de 13 milhões de famílias
em todo o território nacional,5 possibilitaram maior capacidade de consumo a
indivíduos até então sem acesso completo a bens essenciais.
Ainda entre as iniciativas do governo, é possível citar o estímulo ao micro-
crédito, não apenas produtivo, mas também para consumo. A partir de 2003, foi
iniciado um processo de bancarização, com foco nas camadas mais baixas da po-
pulação, que trouxe avanços significativos no acesso ao crédito [Barone e Sader
(2008)]. Esse processo abrangeu a ampliação da rede bancária, até mesmo via cor-

5
Informação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em <http://www.mds.gov.br>. Acesso em 28 set. 2012.
24 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

respondentes bancários em todo o Brasil, além de mudanças jurídicas e institucio-


nais, como a criação da modalidade de crédito consignado, que diminuiu o risco
de inadimplementos nos empréstimos a trabalhadores e aposentados de menor
renda. Somando-se o aumento da renda e do emprego e a redução gradativa da
taxa de juros, tais transformações permitiram que o volume de crédito total da
economia em relação ao PIB praticamente dobrasse entre 2002 e 2011, saltando
de um percentual de 26% para 49% (Gráfico 7).
O crédito às pessoas físicas subiu de 6% para 15,3% do PIB, como pode ser
visto no Gráfico 7. Dentre as modalidades de crédito voltadas à pessoa física,
destacam-se as operações consignadas, com desconto em folha de pagamento,
que, desde que foram autorizadas, em 2004, até 2011, cresceram a uma taxa mé-
dia anual de 39%. Esse incremento só não foi maior do que o avanço dos finan-
ciamentos imobiliários, de 48,4% na média anual. Turbinado pelo grande déficit
habitacional existente no Brasil, o crédito imobiliário, que em 2002 representava
1,7% do PIB, alcançou 4,8% em 2011 e segue crescendo a taxas elevadas.

Gráfico 6 Salário mínimo – deflacionado pelo IPCA (índice 2002 = 100) e variação (%) anual
13,1

14 170
163,3

12
160
9,8

10
9,2

150
7,4

8
140

130
3,9

3,6

4
3,1

120
2
0,7

0,3

110
0
-1,3

-2 100
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Variação (%) anual Índice 2002 = 100

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.


ECONOMIA BRASILEIRA 25

Gráfico 7 Relação crédito/PIB (%) – pessoa física (PF) e pessoa jurídica (PJ)

49
50

45,2
43,7
45

40,5
40

35,2
35

30,9
33,7

28,3
30 29,4 30,6
25,7
24,6
26

27,7
25
23,4

20 20,9
19,5
20 18,8 18,7
15

10
14,3 14,6 15,3
11,8 12,8
5 10
8,8
6 5,8 7
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

PJ PF

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

Nesse cenário de rápido alargamento dos recursos para operações de crédito,


o endividamento das famílias, isto é, a relação entre o saldo de suas dívidas e suas
rendas, elevou-se de 21,5% em 2002 para 42,4% em 2011, como mostra o Gráfico 8.
No entanto, a melhoria nas condições de crédito, tanto em relação a juros quanto
a prazo, freou o aumento no nível de comprometimento da renda das famílias com
dívidas. Em 2005, cerca de 18% da renda das famílias estava comprometida com o
serviço de suas dívidas, indo para 22%, em 2011. Como resultado, chegou-se a um
percentual similar aos padrões internacionais, o que deve levar a uma acomodação
no crescimento do crédito às famílias.
No tocante ao mercado de trabalho, depois de um longo período de convivência
com taxas de desemprego de dois dígitos, o Brasil assistiu a uma intensa mudança
estrutural nos últimos dez anos, que levou a taxa de desocupação de patamares pró-
ximos a 12% em 2002 para algo em torno de 6% no fim da década, como mostra o
Gráfico 9. O dinamismo do mercado doméstico desempenhou um papel crucial para
o crescimento do emprego ao longo desse período, particularmente depois de 2004.6

6
Para a importância da demanda interna na geração de emprego vis-à-vis fatores como mudança tecnológica e penetração de
importações, ver Ambrozio e Sant´Anna (2012).
26 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 8 Endividamento e comprometimento da renda das famílias (em % da renda


pessoal disponível)

45 42,4

39,2
40
35,4
35
32,2

29,1
30

24,5
25 22,2
21,5
19,6 19,4
18,6 18,5
20 17,6 17,6
8,0
6,2 7,4 7,2
15 5,7 6,1 7,1

10

12,4 14,2
11,9 11,5 11,4 12,2 12,3
5

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Amortização Juros Comprometimento total Endividamento

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Banco Central do Brasil.

Gráfico 9 Taxa de desemprego – dessazonalizada (em %)

14
13
13

12

11,7 11
11
11

10

9,5 9
9
9 8,0
8
7
7
7
5,8
6

5
5

4
mar. 2002

mar. 2003

mar. 2004

mar. 2005

mar. 2006

mar. 2007

mar. 2008

mar. 2009

mar. 2010

mar. 2011

mar. 2012
set. 2002

set. 2003

set. 2004

set. 2005

set. 2006

set. 2007

set. 2008

set. 2009

set. 2010

set. 2011

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.


ECONOMIA BRASILEIRA 27

Todas essas transformações observadas ao longo da década criaram uma con-


juntura favorável ao aumento da renda da população, em especial de indivíduos
até então localizados na base da pirâmide social. E, principalmente, ampliaram a
capacidade de demanda desses milhares de brasileiros, promovendo acesso mais
igualitário a bens e melhor qualidade de vida.
A melhoria na distribuição de renda foi acompanhada por redução das dispa-
ridades entre as regiões do país. O Gráfico 10 mostra que Norte e Nordeste se des-
tacaram no crescimento do consumo do varejo, que inclui desde bens essenciais e
artigos de vestuário até bens de consumo durável, como eletrônicos. O incremento
acumulado das vendas no comércio varejista da Região Norte atingiu 102,2% entre
2002 e 2011, seguido pelo comércio nordestino, com aumento de 99,1%. Tais varia-
ções superam em muito a média do país, de 75,5%.

Gráfico 10 Volume de vendas no varejo por regiões – índice 2002 = 100 e variação (%)
acumulada no período

210
102,2%
99,1%

190
81,2%

76,6%
75,5%
170

56,8%

150

130

110

90
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.

Em suma, o Brasil da última década cresceu com distribuição de renda e in-


cremento na qualidade de vida dos cidadãos e criou um mercado doméstico de
28 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

consumo que foi fundamental no enfrentamento da crise financeira internacional


em 2007-2008. Além do consumo, o investimento foi outro fator importante para
o crescimento do PIB nos últimos anos. A próxima seção mostra as transformações
ocorridas no investimento.

3. o s i nV es time n t os
A criação de um importante mercado de consumo, analisada na seção anterior, foi
um dos principais determinantes do crescimento econômico brasileiro, nos últimos
anos. Entretanto, o investimento também foi fator relevante. O Gráfico 11 mostra
o desempenho do PIB e seus determinantes. Pode-se observar a importância da de-
manda doméstica, tanto pelo consumo das famílias quanto por investimento, para
o crescimento do PIB.

Gráfico 11 determinantes do crescimento do PiB – comPosição do crescimento do PiB Pela


Ótica da demanda (Variação anual e contriBuição em Pontos Percentuais)

7,5

1,3

0,9
6,1
5,2
0,3
5,7 0,3
1,1 0,7 4,1
0,5 4,0
0,9 3,2 0,5
2,7 2,7
0,6 3,5 3,2
0,9 0,4
0,5
1,5 1,1 3,0 0,7
2,1 2,5
0,8 2,5 4,0
1,1
2,3 2,4 2,6
1,2 1,5
1,1 1,3 0,5 0,9
0,3
-0,8 -0,7 -0,8 -1,1 -0,7
-1,0 -1,0 -1,5
-0,2 -0,4 -0,2 -0,4
-0,3 -2,7

-2,2

-0,3
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

FBCF Consumo das famílias Consumo do governo Exp. liq. Var. est.

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.

O período de maior expansão do investimento foi entre 2005 e 2008. Entre


2006 e setembro de 2008, o Brasil viveu um importante ciclo de investimentos.
ECONOMIA BRASILEIRA 29

Depois de mais de vinte anos de inversões preponderantemente voltadas à atua-


lização do parque industrial existente (bronwfield), apareceram grandes projetos
em ampliação da capacidade produtiva (greenfield), com a construção de novas
unidades fabris e plantas industriais. Como resultado, houve forte elevação da taxa
de investimento, de 15,9% do PIB em 2005 para 19,1% do PIB em 2008, como ilus-
trado no Gráfico 12.

Gráfico 12 Taxa de investimento (investimento/PIB) em %

20

19,5

19,3
19,1
19

18,1
18

17,4
17,0
16,8

17
16,4
16,4

16,1

15,9
15,7

16
15,3

15

14

13

12
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.

A expansão dos investimentos nos diferentes setores da economia se deve tan-


to ao desempenho dos mercados doméstico e internacional quanto a políticas pú-
blicas e reformas estruturais. Resumindo alguns dos principais determinantes da
aceleração dos investimentos, tem-se:
1. Agropecuária: a competitividade obtida pelo Brasil nesse setor e a disponibi-
lidade de recursos puseram o país em destaque no mercado internacional.
Adicionalmente, houve um crescimento da demanda mundial para esses pro-
dutos em virtude da emergência dos países em desenvolvimento. Como con-
sequência, houve um aumento do preço desses produtos bem acima da média
histórica. Em virtude das condições domésticas e do ambiente internacional
30 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mais favorável, houve um grande aumento do investimento nesse setor.


2. Indústria: a expansão do mercado doméstico proporcionou um deslocamento
de empresas para o Brasil, o que acabou elevando os investimentos, principal-
mente nos setores produtores de bens de consumo duráveis.
3. Infraestrutura: o governo lançou o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) em 2007. Esse programa oferecia um volume expressivo de investimentos
em infraestrutura, incluindo energia elétrica.
4. Construção residencial: reformas ocorridas no passado, como a alteração no
instrumento de garantia em financiamento habitacional e segurança para os
adquirentes de imóveis na planta, e uma situação macroeconômica mais estável
viabilizaram uma intensa expansão do crédito habitacional e da construção.
Mais recentemente, houve a contribuição do programa Minha Casa Minha Vida,
o qual visa à produção de imóveis residenciais para famílias de baixa renda.
A crise financeira, em 2009, comprometeu a continuidade do crescimento dos in-
vestimentos, derrubando a taxa de investimento para 18,1%. Entretanto, em 2010,
amparada pela atuação anticíclica do BNDES e por programas de governo de investi-
mento em infraestrutura e construção residencial, o investimento retornou com força,
alcançando o patamar de 19,5% nesse ano. A existência de um expressivo ciclo de
inversões em energia e infraestrutura contribuiu também para sustentar parcela ex-
pressiva dos investimentos planejados da economia. A robustez desse ciclo pode ser ex-
plicada pela existência de grandes projetos com retornos de longo prazo, que depen-
dem de decisões menos afetadas pela crise. Em 2011, a taxa de investimento ficou em
19,3%. Apesar da significativa deterioração no cenário internacional, esse percentual é
significativamente maior do que os 15,9% de taxa de investimento de 2005.
Ao avaliar os investimentos futuros, nota-se que o cenário será promissor.
Segundo o levantamento, realizado no início de 2012 pelo BNDES, publicado no
Perspectivas do Investimento, haverá inversões de R$ 1,86 trilhão em importantes
setores da indústria e infraestrutura e na construção residencial. Para esses seto-
res, foram reunidas informações sobre os planos estratégicos das empresas. Como
resultado, é possível comparar as perspectivas com os investimentos ocorridos em
anos recentes (Tabela 1).
ECONOMIA BRASILEIRA 31

Tabela 1 PersPectiVas de inVestimento

características Setores investimentos investimentos crescimento (%)


ocorridos em previstos para
2007-2010 2012-2015
(r$ bilhões) (r$ bilhões)
eXTraTiVa mineral, SiderurGia,
maiS VolTadoS ao mercado eXTerno papel e celuloSe, aeronáuTica 122 113 (7,4)
auTomoTiVo, QuÍmica, TÊXTil e
confecçÕeS, eleTroeleTrÔnica,
maiS VolTado ao mercado domÉSTico compleXo induSTrial da Saúde 100 130 30,0
enerGia elÉTrica,
com maior indução Via polÍTicaS TelecomunicaçÕeS,
públicaS – infraeSTruTura SaneamenTo, loGÍSTica 336 401 19,3
com maior indução Via polÍTicaS
públicaS – conSTrução reSidencial conSTrução reSidencial 596 860 44,3

auTÔnomoS peTróleo e GáS 238 354 48,7

ToTal 1.392 1.858 33,5

Fonte: BNDES.

As perspectivas são de expansão nos setores mais voltados ao mercado domés-


tico, cuja dinâmica se mostra capaz de contrabalançar o cenário de retração dos in-
vestimentos de setores mais voltados ao mercado internacional. A consolidação do
mercado de consumo de massas, criado pela combinação de aumento da renda e
redução de desigualdades sociais, vem atraindo investimentos diretos para o Brasil,
que revela perspectivas de crescimento acima da média mundial nos próximos anos.
Os grupos seguintes compreendem setores em que o cenário de crescimento
guarda pouca relação tanto com a conjuntura internacional quanto com a domés-
tica. Os projetos mapeados mostram expressiva capacidade das políticas públicas
de indução de maiores investimentos na economia. Cabe destacar a presença de
grandes projetos com horizonte de longo prazo nessa lista de investimentos. Entre
estes, há as inversões no setor de petróleo e gás por conta da exploração do pré-sal,
hidrelétricas na Região Norte e ferrovias.
Um efeito direto desses investimentos, tanto passados quanto futuros, é o cres-
cimento da produtividade, o qual será abordado na próxima seção.

4. o Des Af i o D A P R oD u t iViD A D e
Os desafios para a próxima década são distintos daquele do início da década passa-
da. Em um ambiente de taxas de desocupação próximas à natural em muitos seto-
32 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

res, os aumentos reais de salários se tornaram maiores. Nesse sentido, o desafio de


elevar a competitividade da economia nacional ficou maior, tornando ainda mais
premente a necessidade de elevar a produtividade brasileira.
Um fato estilizado quando se observa o desempenho econômico de diferentes
países é a relevância do crescimento de produtividade como um fator fundamental
para o desenvolvimento. Na atual conjuntura internacional, o menor dinamismo da
economia mundial impõe maior pressão competitiva, elevando ainda mais o papel
da produtividade.
Com base nas informações de valor adicionado (VA) e de número de empre-
gados é possível obter a produtividade do trabalho, definida como o quociente
entre essas duas variáveis. Na primeira década do século XXI, a produtividade cres-
ceu a uma taxa média de 0,88% a.a., conforme verificado na Tabela 2. Os grandes
setores revelaram desempenho bastante distinto. Somente a agropecuária conse-
guiu obter crescimento significativo da produtividade. Esse resultado foi explicado
por um aumento da eficiência nesse setor, uma vez que houve um crescimento do
VA agropecuário concomitante com uma manutenção dos postos de trabalho no
setor. Já a indústria e serviços passaram por uma estagnação da produtividade no
período analisado, no qual o primeiro apresenta uma ligeira queda e o segundo um
aumento modesto.

Tabela 2 Nível e crescimento da produtividade entre 2000 e 2009 (em R$ mil a valores
constantes de 2000)

Setor Valor em 2000 Valor em 2009 Variação (% a.a.)

Agropecuária 3.250 4.731 4,26

Indústria 18.395 17.377 (0,63)

Serviços 14.819 15.461 0,47

Total 12.937 13.992 0,88

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

No entanto, há uma dispersão considerável ao analisar a produtividade dos


56 segmentos, ainda mais quando se compara com o crescimento da mão de
obra empregada. O Gráfico 13 mostra, no eixo vertical, o crescimento médio
anual da produtividade e, no eixo horizontal, o crescimento médio anual do
ECONOMIA BRASILEIRA 33

emprego. Um ponto positivo é a inexistência de qualquer setor com queda


no emprego, ou seja, na pior das hipóteses, o emprego ficou estagnado nesse
período.7 Diante desse cenário de crescimento de emprego na maioria dos seto-
res, a queda de produtividade está relacionada ao desempenho do VA aquém
do trabalho.

Gráfico 13 Produtividade versus emprego entre 2000 e 2009 – variação (% a.a.)


8%

Agropecuária Total
6%
CRESCIMENTO DA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO

4%

Serviços
2%

0%
-2,0% 0% 2% 4% 6% 8% 10% 12% 14%

-2% Indústria

-4%

-6%

-8%
CRESCIMENTO DO EMPREGO

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

Os segmentos da agropecuária são os únicos que alcançaram ganhos de pro-


dutividade com certa estagnação no número de empregados. O setor com maior
crescimento de produtividade nesse período é o de automóveis (6,6% a.a.), com ra-
zoável aumento de mão de obra (2,4% a.a.). Na outra ponta, os setores de petróleo
e gás e máquinas para escritório e informática elevaram tanto o emprego (acima
de 10% a.a.) que o VA não o conseguiu acompanhar, culminando em uma queda
de produtividade.
A produtividade média da economia pode aumentar de duas formas: ou aumento
de produtividade dos setores em si, via maior eficiência técnica, o que será chamado

7
Considerou-se queda uma variação acima de 1% em valores absolutos, enquanto a variação entre 0% e 1% caracterizou
estagnação.
34 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de efeito tecnológico; ou deslocamento de trabalhadores para setores mais produtivos,


o efeito composição. Utilizando a metodologia presente em Ambrozio e Sousa (2012),
foram calculados esses efeitos para a primeira década do século XXI com uma desagre-
gação maior da atividade econômica (56 setores). Como já mencionado, a produtividade
do trabalho da economia brasileira cresceu a uma taxa de 0,88% a.a., o que significou
um aumento de 8,2% no período. Ao avaliar qual foi a contribuição de cada forma de
crescimento, a Tabela 3 mostra que ambos os efeitos foram igualmente importantes
para explicar o crescimento da produtividade na economia brasileira entre 2000 e 2009.

Tabela 3 Decomposição dos ganhos de produtividade – variação (% a.a.)

Anual 2000-2009

Efeito tecnológico 0,44

Efeito composição 0,44

Total 0,88

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE).

Nessa decomposição, a agropecuária desempenhou um papel de destaque no


que diz respeito a ambos os efeitos. No quesito efeito tecnológico, esse setor foi,
como visto, o que obteve o crescimento da produtividade mais significativo, com
ganho de 4,3% anuais. O seu expressivo ganho de produtividade pode ser explica-
do tanto por maior intensidade no uso dos insumos, entre os quais, o aumento na
qualificação da mão de obra empregada e uma mecanização crescente, bem como
por aumento de eficiência, com destaque para os ganhos proporcionados pelos
investimentos em pesquisa da Embrapa, conforme evidenciado em Bacchi, Bastos e
Gasques apud Negri e Kubota (2008).
Por outro lado, grande parte do efeito composição pode ser explicada pelo fato
de o emprego na agropecuária ter ficado quase estagnado (variação de -0,5% a.a.),
enquanto nos outros dois grandes setores o emprego se expandiu de modo significa-
tivo (cerca de 3% a.a. em ambos). Como pode ser visto na Tabela 2, o nível da produ-
tividade na agropecuária é significativamente menor que na indústria e serviços, e o
maior peso relativo desses dois setores tende a aumentar a produtividade média da
economia. A redução do desemprego é outro fator que explica o aumento da produ-
tividade nesse período, como observado em Ambrozio e Sousa (2012).
ECONOMIA BRASILEIRA 35

O saldo comercial a partir da produtividade

Como mostrado anteriormente, a balança comercial de alguns setores apresen-


tou desempenhos desfavoráveis, e há uma ligação importante desse assunto
com a questão da produtividade. A teoria sugere que ganhos de produtividade
tornam nossas exportações mais competitivas ao permitir a geração de maior
valor agregado para uma dada quantidade de insumos, impactando positiva-
mente a balança comercial. As evidências empíricas suportam essa associação
direta entre aumento de produtividade e melhor desempenho exportador,
como evidenciado em Arnold e Hussinger (2005) e Wagner (2007). Embora o de-
sempenho exportador brasileiro nos últimos anos tenha sido beneficiado pelas
condições favoráveis do comércio internacional, tais como melhoria nos termos
de troca e crescimento da economia mundial, os dados são consistentes com
um cenário onde o crescimento da produtividade afeta de forma favorável o
desempenho exportador, e consequentemente o saldo comercial. O Gráfico 14
mostra, no eixo horizontal, o ganho médio anual de produtividade obtido por
diversos setores brasileiros de 2000 a 2009 e, no eixo vertical, a variação do saldo
da balança comercial anual entre 2000 e 2011.8 Como pode ser observado, há
uma relação positiva entre ganhos de produtividade e performance no saldo.
Os resultados devem ser analisados com cautela, uma vez que uma cor-
relação positiva entre duas variáveis não necessariamente implica relação de
causalidade. Tomando por exemplo o caso dos setores deficitários, o acirra-
mento da competição global pode ajudar a explicar tanto um aumento no
déficit – maior dificuldade em acessar mercados externos e concorrência com
importados no mercado doméstico – como a queda na produtividade – retra-
ção das margens em virtude da maior competição internacional, com a desace-
leração da geração de emprego nesses setores em um ritmo mais lento que a

8
No Gráfico 14, são excluídos os segmentos do setor de serviços, que são non-tradables. A necessidade de
compatibilizar a classificação da base de dados das Contas Nacionais com a base de dados da Funcex implica
aglutinação de alguns segmentos, e foi analisado um total de 24 segmentos da economia brasileira.
36 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

desaceleração da produção, por causa dos custos de ajustar a mão de obra. De


toda forma, os dados são consistentes com a história que relaciona aumento
de produtividade e melhor performance exportadora.

Gráfico 14 Ganhos de produtividade versus variação do saldo comercial (% a.a.)

15% SALDO (2000-2011)

10%

5%

PRODUTIVIDADE (2000-2009)
0%
-8 -6 -4 -2 0 2 4 6

-5%

-10%

-15%

-20%

-25%
Agropecuária Intensivo em recursos naturais Intensivo em trabalho Intensivo em escala Intensivo em engenharia e tecnologia

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do Sistema de Contas Nacionais (IBGE) e da Secex/MDIC.

Quanto a perspectivas, a produtividade da economia brasileira tem espaço


para conseguir um desempenho superior ao encontrado até 2009. Para avaliar a
produtividade futura, consideram-se como previsão para os próximos dez anos as
melhores performances dos grandes setores entre 2000 e 2009 sem a presença de
outliers.9 Além disso, mantém-se a tendência de queda da participação da mão
de obra da agropecuária para indústria e serviços na mesma proporção da última
década. Baseada nessas hipóteses, a Tabela 4 mostra a previsão do aumento da
produtividade, um crescimento médio de 1,78% a.a. Esse resultado é quase o dobro

9
Agropecuária crescendo a uma taxa de 4,3% a.a. (2000-2009); indústria 0,6% a.a. (2005-2008); e serviços, 1,5% a.a. (2005-2009).
ECONOMIA BRASILEIRA 37

daquele obtido entre 2000 e 2009 (0,88% a.a.) e seria um componente importante
para sustentar uma trajetória de crescimento econômico nos próximos anos.

Tabela 4 PreVisão de ProdutiVidade – Variação (% a.a.)

anual 2010-2019

efeiTo TecnolóGico 1,45

efeiTo compoSição 0,32

ToTal 1,78

Fonte: Elaboração BNDES.

Os dois efeitos, tecnológico e composição, serão relevantes para estimular a pro-


dutividade da economia brasileira. Do ponto de vista do efeito composição, há espaço
para elevação da produtividade com o deslocamento de mão de obra para setores mais
produtivos. No entanto, ao contrário da performance passada, a contribuição do efeito
composição será menor não só em termos absolutos, como também relativos. Portan-
to, os ganhos mais significativos devem advir do efeito tecnológico. Cabe salientar que
o crescimento da produtividade no longo prazo requer um aumento da eficiência nos
diversos setores da economia. É preciso reduzir a distância do nível de produtividade
da economia brasileira em comparação ao das economias mais avançadas.
Se consideradas as previsões de investimento na economia brasileira expostas
na seção anterior, há boas perspectivas para que essa performance se concretize.
Combinadas com os resultados anteriores, obtém-se uma perspectiva de elevação
robusta na acumulação de capital físico, aliada a um crescimento significativo na
produtividade do trabalho. A perspectiva de maiores ganhos de produtividade nos
próximos anos permitirá uma aceleração do crescimento com menor pressão sobre
a balança comercial. Dessa forma, estabelecem-se as bases de uma trajetória de
crescimento sustentado para a economia brasileira ao longo desta década.

5. c o ns i DeR A Ç Õe s f in A is
A nova fase da crise financeira internacional, com seus desdobramentos sobre os
países europeus, anuncia um período de baixo crescimento para as economias de-
senvolvidas. Os países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil se inclui, senti-
38 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

rão os efeitos de um desempenho menos exuberante da economia mundial, mas


ainda manterão ritmo de crescimento relativamente mais elevado. De acordo com
as projeções divulgadas por FMI (2012) em seu último World Economic Outlook,10 a
economia mundial crescerá 3,5% em 2012 e 4,1% em 2013. A taxa de incremento
entre os países avançados será de 1,4% e 2% em 2012 e 2013, enquanto os emer-
gentes crescerão 5,7% e 6%, respectivamente.
Em um contexto de baixo crescimento da economia mundial, o Brasil deverá
lidar com um menor dinamismo do comércio internacional e com termos de troca
menos vantajosos, por conta da diminuição da cotação das commodities. A alterna-
tiva de direcionar os esforços para avançar via demanda doméstica pode continuar
sendo uma boa opção nos próximos anos desta década.
Muitas famílias ascenderam à classe média no Brasil entre os anos 2002 e 2012,
sendo incorporadas ao mercado de consumo. A força dessa massa de demanda foi
fundamental para o enfrentamento da crise financeira de 2007-2008 e certamente
permanecerá como vetor importante de crescimento. No entanto, aumentar os in-
vestimentos, sobretudo em infraestrutura, é uma necessidade premente para corri-
gir gargalos estruturais que afetam seriamente a competitividade e produtividade
da economia nacional.
Muitos outros desafios são impostos à economia brasileira nessa nova década.
De fato, houve uma mudança fundamental na pirâmide social, com diminuição
significativa dos níveis de miséria e pobreza. Entretanto, ainda há muito a ser
feito para tornar a economia do país mais equânime e competitiva. Incrementar
os níveis de educação e qualificação da mão de obra é um exemplo, visto que o
mercado de trabalho se tornou um gargalo relevante para a produção de alguns
setores da economia. É crucial, ainda, ampliar incentivos e investimentos em pes-
quisa e inovação.
Os investimentos previstos em alguns setores relevantes mostram que há boas
perspectivas de crescimento da competitividade da economia brasileira. O aumento
de produtividade da economia nacional se torna imperiosa, porém factível diante

10
Até o fechamento desta edição, o último World Economic Outlook divulgado pelo FMI era o de abril de 2012.
ECONOMIA BRASILEIRA 39

das previsões apontadas neste estudo. O futuro é promissor, visto que ultrapassar o
paradigma de país de renda média para um de renda elevada passou a ser possível
diante das oportunidades de que o Brasil dispõe.

R ef er ênc i a s
Ambrozio, A. M. H.; Sant´Anna, A. Decompondo o crescimento do emprego entre
2000 e 2008. Visão do Desenvolvimento, n. 102. Rio de Janeiro: BNDES, 2012.

Ambrozio, A. M. H.; Sousa, F. L. Decompondo a produtividade brasileira entre 1995


e 2008. Visão do Desenvolvimento, n. 101. Rio de Janeiro: BNDES, 2011.

APE – Área de Pesquisas Econômicas. Perspectivas do Investimento na Indústria:


2012-2015. Visão do Desenvolvimento, n. 100. Rio de Janeiro: BNDES, 2011.

Arnold, J. M.; Hussinger, K. Export Behavior and Firm Productivity in German


Manufacturing: A Firm-Level Analysis. Review of World Economics, 2005, v. 141, n. 2.

Bacchi, M.; Bastos, E.; Gasques, J. Produtividade e fontes de crescimento da


agricultura brasileira. In: Negri, J. A.; Kubota, L. C. Políticas de incentivo à inovação
tecnológica no Brasil. Brasília: Ipea, 2008.

Barone, F. M.; Sader, E. Acesso ao crédito no Brasil: evolução e perspectivas. Revista


de Administração Pública, 2008, v. 42, n. 6, p. 1.249-1.267. Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122008000600012>. Acesso em: 28 set. 2012.

Bernanke, B. S. The Global Saving Glut and the U.S. Current Account Deficit, speech
delivered for the Sandridge Lecture at the Virginia Association of Economists.
Richmond, 2005 mar. 10.

Caballero, R. J., Farhi, E.; Gourinchas, P. Financial Crash, Commodity Prices and
Global Imbalances. NBER Working Paper, 2008, n. 14.521.

Dahlman, C. J. The World Under Preassure: How China and India Are Influencing
the Global Economy and Environment. Stanford University Press, 2011.
40 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

FMI – FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL. World Economic Outlook: Growth Resuming,


Dangers Remain. Washington D.C.: International Monetary Fund, 2012. World
Economic and Financial Surveys.

IGLESIAS, R.; RIOS, S. P. Evidências de “Doença Holandesa”? Uma Análise da


Experiência Recente no Brasil. In: Bacha, E.; Bolle, M. (Orgs.). Novos dilemas da
política econômica: ensaios em homenagem à Dionísio Carneiro. Rio de Janeiro:
Grupo Editorial Nacional, 2011.

OBSTFELD, M.; ROGOFF, K. Global Imbalances and the Financial Crisis: Products of
Common Causes. CEPR Discussion Papers n. DP7606. 2009.

NÉRI, M. C. (Coord.). A nova classe média. Rio de Janeiro: FGV, 2008.

WAGNER, J. Exports and Productivity: A Survey of the Evidence from Firm-level


Data. The World Economy, 2007, v. 30, n. 1, p. 60-82.
ricardo rivera de Sousa lima*

* engenheiro e gerente setorial do Departamento das indústrias de tecnologias de informação e Comunicação da área industrial
do bnDes. o autor agradece a preciosa ajuda de alessandra sleman, luis otávio reiff, felipe lobo, marcos fernandes, marcos dos
santos, Daniel Carvalho, Vicente Giurizatto e leandro lotero na geração de dados da dispersa indústria de tiCs; e especialmente a
francisco silveira e Henrique miguel da secretaria de política de informática do ministério da Ciência e tecnologia (mCti/sepin) o
fornecimento de dados sobre a lei de informática.
Complexo Eletrônico 43

R ES UM O
A relevância das indústrias baseadas na eletrônica – ou, genericamente, das tecno-
logias da informação e comunicação (TICs) – avança com a consolidação da revolu-
ção digital, tal como a preocupação dos governos com o domínio tecnológico e di-
fusão dessas tecnologias em suas nações. Em compasso com esse quadro e com um
déficit comercial crescente nesse setor, na década de 2000, o país aperfeiçoou signi-
ficativamente seu arcabouço legal, seus instrumentos de financiamento e de apoio
à difusão da eletrônica. Apesar dos efeitos dessas ações ainda estarem aquém do
desejado – mais do ponto de vista tecnológico do que produtivo –, os avanços são
relevantes e diversas oportunidades se descortinam para o desenvolvimento das
TICs no Brasil. No contexto da celebração dos sessenta anos do BNDES, este artigo
se propõe a expor o histórico do desenvolvimento e do apoio do Banco às TICs, com
ênfase no período 2001 a 2011, as principais tendências e os desafios para que o
Brasil se posicione como um país protagonista na área.

AB S TR AC T
The relevance of industries based on electronics – or, generically, part of
information and communications technologies (ICTs) – has advanced due to the
consolidation of the digital revolution, such as the interest of many governments
in dominating technology and disseminating such technology throughout
their nations. In keeping with this, and with the growing trade deficit in this
sector, in the first decade of 2000, the country significantly improved its legal
framework, as well as its financing instruments and mechanisms to provide
support for electronic dissemination. Despite the fact that the results of such
efforts still fall well short of the desired outcome – more from a technological
point of view rather than a production standpoint –, the advances have been
relevant and several opportunities have been revealed towards developing ICTs in
Brazil. Within the context of the BNDES’ 60th anniversary celebrations, this article
44 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

is aimed at disclosing the historic development and support the Bank has offered
ICTs, focusing on not only the period between 2001 and 2011, but also the main
trends and the challenges Brazil must face to position itself as an active player in
the area.
Complexo eletrôniCo 45

1. I nTR O DUÇ Ã O
A primeira década deste milênio reforçou o que diversos estudos já diagnostica-
vam desde meados do século passado: o caráter estratégico das tiCs nas sociedades
modernas.1 A relevância dessa indústria se dá tanto pelo prisma do acesso a estas
pela sociedade, quanto por seu domínio para aplicação em setores produtivos, per-
mitindo aumentar a produtividade do trabalho, criar serviços, aprimorar produtos,
modificar indústrias e processos e permitir avanços sociais e ambientais.
o aumento da importância do Complexo eletrônico (Ce) pela ótica da deman-
da reflete-se, por exemplo, na preocupação de diversas instituições governamentais
com a inclusão digital e no aumento de gastos com tiCs, a taxas superiores ao cres-
cimento da economia mundial.2 Grande parte das soluções adotadas pelos governos
para a crise econômica de 2008-2009 inclui medidas direcionadas para o setor de tiC
que promovam a inovação, a difusão e a disseminação de seu uso [oCDe (2010)].
por vezes menos explícitas ou estruturadas, as políticas de apoio ao desenvol-
vimento produtivo do Ce são largamente implantadas por diferentes países. essa
atuação ocorre por diferentes meios, que podem ser: mecanismos de compras pú-
blicas – como no caso emblemático das encomendas tecnológicas realizadas pelo
Departamento de Defesa dos estados Unidos (eUA) –; instrumentos regulatórios
em mercados regulados; maciços investimentos em inovação, formação de mão de
obra e educação em ciências exatas; ou até mesmo controle dos investimentos dire-
tos estrangeiros na aquisição de empresas nacionais estratégicas, baseados em fun-
damentos tão amplos quanto “segurança nacional” ou “segurança econômica”.3
não por menos. Segundo a oliver Wyman, consultoria especializada no setor
Automotivo, os dispêndios em eletrônica representarão 60% do total investido em
p,D&i pela indústria automobilística até 2015 [oliver Wyman (2007)]. As tiCs já são

1
para citar como exemplo, já nas décadas de 1980 e 1990, as tiCs contribuíram entre 0,2 e 0,5 ponto percentual de crescimento
econômico, dependendo do país analisado. na segunda metade da década de 1990, essa contribuição esteve entre 0,3 e 0,9 ponto
percentual por ano [Collechia e schreyer (2001)].
2
segundo estudo Global innovation 1000 da consultoria bozz & Company (2008), apud bampi (2008-2009), em 2007 cerca de 29%
dos investimentos em p&D das mil empresas do estudo seriam aplicados em computação e bens eletrônicos.
3
segundo silva (2010), as tiCs estão entre os setores sensíveis e protegidos por extensa rede de agências e considerados
“infraestrutura crítica”.
46 BnDeS 60 AnoS – perSpeCtiVAS SetoriAiS

responsáveis por cerca de 5,5% dos empregos nos países da oCDe [oCDe (2010)] se
espalhando e se incrustando de maneira progressiva pela economia.
em que pese o fato de a indústria brasileira de tiCs estar entre as dez maiores
do mundo [oCDe (2008, Figura 2.14)], o país segue experimentando déficits comer-
ciais aceleradamente crescentes no Ce, com participação de apenas 1% das expor-
tações mundiais, ocupando o 27º lugar nas exportações mundiais de tiCs em 2008
[Salles (2011)]. os motivos que travam o desenvolvimento do Ce serão discutidos ao
longo do artigo, cujo objetivo é expor a evolução histórica recente do Ce no Brasil
e o respectivo apoio do BnDeS, com especial ênfase na última década,4 tendo como
perspectiva o quadro atual do setor e os desafios para seu desenvolvimento no país.
A seção a seguir descreve os principais vetores de mudança provocada pela evo-
lução tecnológica e de modelos de negócios das tiCs e, em sequência, o panorama
mundial no setor. na seção “panorama brasileiro”, são mostrados os instrumentos
de política para o setor no país. na seção seguinte, é avaliada a evolução do pano-
rama setorial brasileiro. As duas últimas seções apresentam as perspectivas do setor
e as propostas para atuação do Banco.

2. PAnO R AM A In T E R n A C IOn A L
Antes de iniciar a apresentação do panorama internacional, cumpre expor a classi-
ficação do universo tiCs adotada por este artigo. isso se justifica por nem sempre a
definição dos alcances do Ce ser convergente, em consequência da crescente difusão
da eletrônica na economia. A Figura 1 exibe a definição proposta por este artigo, com
uma tipologia orientada para a convergência tecnológica – os segmentos eletrônica de
consumo, equipamentos de telecomunicações e informática, que no decorrer do tem-
po foram classificados pelo BnDeS como segmentos distintos, estão inseridos em Siste-
mas e equipamentos eletrônicos como dispositivos de rede ou de acesso, ao lado dos
segmentos de eletrônica embarcada e automação industrial. ressalta-se que, apesar

4
para o entendimento mais aprofundado do desenvolvimento histórico do setor nos anos anteriores, recomenda-se a leitura do
artigo comemorativo de cinquenta anos do bnDes sobre o complexo eletrônico, elaborado por nassif (2002).
Complexo Eletrônico 47

de serem intensivamente baseados em TICs, não são considerados no CE os serviços de


telecomunicações, radiodifusão e comercialização das TICs. Por outro lado, em razão
da dificuldade de dissociar os números de software dos de Serviços de Tecnologia da
Informação (TI), estes últimos foram inseridos no CE para efeitos deste trabalho.

Figura 1 Definição do Complexo Eletrônico

Complexo eletrônico/TICs

COMPONENTES

Embarcado
ELETRÔNICOS

Displays Microeletrônica Outros

SOFTWARE
SISTEMAS E EQUIPAMENTOS
ELETRÔNICOS

Produto
Eletrônica Dispositivos Dispositivos Automação
embarcada de rede de acesso industrial

Serviços TICs

Comercialização Telecomunicações Radiodifusão Serviços de TI

Demanda TICs

Manufatura (Bens de
Consumidor
capital, Automotiva, Empresas Governo
final
Defesa etc.)

Fonte: BNDES.

Mudanças tecnológicas e produtivas recentes

Ao mesmo tempo em que o CE viabiliza profundas mudanças na organização pro-


dutiva mundial – proporcionando informação em tempo real, automatizando ca-
deias, aumentando a produtividade do trabalho etc. –, diversas tendências tecno-
lógicas e de processos afetam seu próprio dinamismo, trazendo desafios para as
empresas nele inseridas e para formuladores de políticas públicas preocupados com
seu enraizamento local. A seguir, são comentadas algumas das principais tendên-
cias que nasceram ou se reforçaram na década de 2000.

Terceirização produtiva
Nos anos 1990, a globalização se aprofundou, e a absorção dos conceitos de re-
engenharia de processos com focalização nos negócios centrais das organizações
48 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

provocou a reorganização das cadeias de fornecimento de diversos setores produ-


tivos, originando à desverticalização em larga escala da produção mundial. Assim,
o modelo de terceirização de produção ganhou força, tanto em hardware quanto
em software e serviços de TI.
Desde então, a produção de equipamentos, partes, peças e componentes foi pro-
gressivamente desviada para as montadoras terceirizadas, as Contract Equipment
Manufacturer (CEM). Direcionado pela dimensão custos, esse segmento se consoli-
dou, alcançando faturamento muitas vezes superior ao dos próprios clientes. Estes,
por sua vez, passaram a focar na manufatura de produtos mais sofisticados, com
maior flexibilidade nas linhas de produção – o que passou a ser conhecido como
modelo Original Equipment Manufacturing (OEM).
Alguns fabricantes terceirizados, buscando agregar valor à produção de
commodities eletrônicas, passaram a oferecer o projeto de equipamentos ele-
trônicos, tornando-se Original Design Manufacturing (ODMs). Este último mo-
delo atende massivamente aos fabricantes brasileiros detentores de marcas de
renome, e conta com a Foxconn (Grupo Hon Hai) como seu maior expoente, com
mais de 50% da produção mundial terceirizada de empresas como Apple, Sony,
Dell, Nokia etc.

Gráfico 1 Composição do preço do iPad 16 Gb

Margem Apple
Outros custos de insumos

25% 25%

2% Margens não Apple nos EUA

10%
Mão de obra direta

4%
23%
2%
Fontes desconhecidas
2% 7% Distribuição e comercialização
Margem Japão
Margem Taiwan
Margem Coreia

Fonte: Linden, Kraemer e Dedrick (2011).


Complexo Eletrônico 49

Em 2009, o faturamento dos segmentos de Electronic Manufacturing Services


(EMS), que abrangem CEMs e ODMs, atingiu cerca de US$ 270 bilhões, aproxima-
damente 25% de todo o faturamento global do CE, com escalas elevadíssimas de
produção e margens reduzidas. O Gráfico 1 ilustra o aprofundamento da terceiri-
zação, em busca de localidades com eficiência logística e baixo custo de produção.
Percebe-se, no exemplo do iPad, a concentração das margens dos bens eletrônicos
na marca (Apple) e dos componentes estratégicos (basicamente a soma de Coreia e
Japão), em detrimento da fabricação (Taiwan).
Igual fenômeno ocorreu com software e serviços de TI, com maciça transferên-
cia de operações para países com menor custo de mão de obra (com destaque para
a Índia). Inicialmente em serviços mais simples, como atividades de contact center, o
modelo evoluiu, chegando a envolver a terceirização de processos com maior valor
agregado – como contabilidade e folha de pagamentos –, no que hoje é conhecido
como IT Enable Services – Business Process Outsourcing (ITES-BPO).

Convergência
Nos anos 2000, ganhou força o fenômeno da convergência em diversas dimen-
sões. Por meio da convergência digital – que permitiu a unificação de voz, dados
e imagens em infraestrutura, protocolos e padrões comuns –, desencadeou-se
um processo de convergência de redes (por exemplo, telefonia fixa e móvel),
de serviços (que passam a poder ser prestados da mesma forma em diferentes
redes) e de terminais.
A internet e os smartphones talvez sejam os melhores exemplos desse fenô-
meno: vídeo, dados e voz pelo mesmo meio e dispositivo, modificando de forma
aguda as fronteiras mercadológicas, com transbordamentos em quase todos os se-
tores da economia que podem ter seus respectivos produtos digitalizados – toman-
do como exemplos não exaustivos os setores fonografia, radiodifusão, editorial e
publicidade. Trata-se da convergência de mercados, com novas e dinâmicas bases
de competitividade se formando a partir da participação das empresas em áreas de
negócio distintas de suas origens.
50 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Computação em nuvem
A reboque da convergência e do avanço tecnológico da microeletrônica – que ex-
pandiu a capacidade e reduziu custos de armazenamento e processamento em
servidores e dispositivos de acesso –, cresceu no fim dos anos 2000 o conceito de
computação em nuvem. Pessoas, empresas e governo passam a poder compartilhar
capacidade de armazenagem, processamento, aplicativos e ferramentas por meio
da internet e de data centers espalhados no mundo. Os serviços passam a ser facil-
mente escaláveis e a compra de aplicativos pode ser configurada de novas formas,
como uma taxa por uso e não mais por licença ou espaço alocado nos servidores.
Apesar da desconfiança por parte dos clientes potenciais quanto a questões
de sigilo e segurança e confiabilidade dos fornecedores, cerca de US$ 90 bilhões
foram gastos na nuvem em 2010, e 50% do processamento de dados em 2014 será
realizado no ambiente da nuvem.5
A infraestrutura de banda larga é uma questão fundamental para a acele-
ração desse modelo, conferindo papel-chave, no contexto brasileiro, ao Plano
Nacional de Banda Larga (PNBL) e às demais ações da Agência Nacional de Tele-
comunicações (Anatel) para melhoria da qualidade e cobertura da internet em
alta – e confiável – velocidade.

Peso crescente da microeletrônica e software embarcado


No campo do hardware, destaca-se a tendência à compactação de funcionalidades
em um número cada vez mais restrito de componentes, enxugando o número de
fornecedores na cadeia, reduzindo a agregação de valor na manufatura final e,
sobretudo, reforçando a necessidade de domínio da microeletrônica para os países
interessados no desenvolvimento do CE.
Mais recentemente, o conceito de System on a Chip (SoC) materializou esse fe-
nômeno. O recém-lançado chip para telefones celulares Snapdragon da Qualcomm
é um exemplo que integra as funções de modem, processador, placa de vídeo, GPS,
gestão de energia, memória, multimídia, entre outras, em um único dispositivo.

5
Estudo da Consultoria Gartner, citado por reportagem no jornal Valor Econômico, Especial Segurança Digital, de 28.2.2012.
Complexo Eletrônico 51

Por conseguinte, o peso da microeletrônica no produto final cresce progressi-


vamente. Segundo estudo contratado pelo BNDES, o valor embarcado de microe-
letrônica nos sistemas eletrônicos foi de 6% em 1974 ante cerca de 25% em 2010.
Em paralelo, a importância do software embarcado cresce em todos os compo-
nentes (até na própria microeletrônica), partes, peças, etapas da produção e produ-
tos finais, assumindo papéis antes conferidos a hardwares específicos. Contribuem
de modo decisivo para esse fenômeno os ganhos com a possibilidade de reconfigu-
ração das funcionalidades para cada cliente específico, sem a necessidade de troca
ou alteração do equipamento.

Simbiose hardware, software e microeletrônica


A conclusão direta que poderia ser tirada com base nos itens anteriores é de que a
microeletrônica, em conjunto com o software embarcado e a terceirização da fabrica-
ção e desenvolvimento de produtos, retira progressivamente o valor ora gerado pelo
domínio hardware. Contudo, fatores como o aumento da complexidade da integração
desses diferentes elementos – software, microeletrônica e hardware – e a importância
crescente do design tornam essa análise incompleta e por vezes enganosa.
Exemplos como a aquisição da Motorola pela Google sinalizam que a integra-
ção do dispositivo final (smartphone, tablets) com o sistema operacional Android
não é ainda satisfatória. Por outro lado, Apple e Google recentemente adquiri-
ram empresas de projeto de chips6 por entenderem ser necessário diferenciar seus
produtos dos demais nesse componente e, também, por avaliarem que não havia
disponível no mercado empresa capaz de projetar um circuito integrado de acordo
com a performance desejada para seus produtos.

Serviços
Em decorrência da especialização produtiva em todos os setores da economia, é cres-
cente a demanda de clientes por ofertas de soluções completas – até mesmo operadas –
e não apenas equipamentos/sistemas eletrônicos isolados. Seja para o segmento em-

6
A Apple adquiriu a P.A. Semi em 2008 por cerca de US$ 280 milhões, a Intrisity em 2010 por US$ 120 milhões e a Anobit
em 2010 por cerca de US$ 400 milhões; em 2010, a Google adquiriu a Agnilux. Disponível em: <http://www.eetindia.co.in/
ART_8800604928_1800000_NT_347c98fe.HTM> e <http://www.nytimes.com/2010/04/28/technology/28apple.html?_r=1>.
52 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

presarial (por exemplo, operadoras de telecomunicações terceirizando toda a operação


de rede em pacotes turn key, até mesmo aquisição de equipamentos necessários), para
o consumidor final (por exemplo, fabricantes de computadores oferecendo espaço de
armazenagem na internet ou conteúdo exclusivo), ou para o governo (por exemplo,
terceirização do processamento de folha de pagamento), aumenta a participação dos
serviços no faturamento e lucratividade das empresas de TICs desde a última década.

Panorama mundial em sistemas, equipamentos


e componentes eletrônicos
Dados de consultoria Decision Etudes Conseil (2011) indicam que a produção mun-
dial de sistemas eletrônicos em 2010 alcançou € 1,2 trilhão (cerca de US$ 1,6 trilhão).
Com elevada elasticidade-renda, depois de duas décadas de crescimento contínuo
(de 1980 a 2000), a produção de eletrônicos experimentou duas crises importantes:
a crise da internet (2001-2002) e a crise econômica global em 2009. Mesmo nesse
contexto, o crescimento médio da produção mundial de eletrônicos atingiu cerca
de 4,9% ao ano entre 2004 e 2009, conforme mostrado no Gráfico 2.

Gráfico 2 Crescimento da produção mundial de eletrônicos

Gráfico 2A Produção eletrônica mundial por região

4,9%
1.237
62 3%
8,5%
162 15%
975

41 4,8%
178 15%
128
3,0%
BILHÕES (EURO)

153 17%
259

3,1%
223

272 20%
3,4%
230

8,8% 301 30%


197

2004 2009

Resto do mundo Outros Ásia Japão América do Norte Europa China


Complexo Eletrônico 53

Gráfico 2B Taxa de crescimento de produção de sistemas eletrônicos – mundial

14%
13%

12%

11%
10%

10%

9%
9%
8%

8%
7%
6%

6%
4%

3%

1%

-4%

-10%
1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 -14% 2002 2004 2006 2008 2010

Fontes: Decision Etudes Conseil e BNDES (estudo contratado).

Decision Etudes Conseil (2011) e estudo contratado pelo BNDES preveem cres-
cimentos entre 5% e 8% ao ano até 2015. No longo prazo, a previsão de expansão
está em torno de 6% ao ano.
Os dados do Gráfico 2 mostram a rápida consolidação da China como maior
produtora mundial, com 30% do fornecimento global em 2009 – em 2001, sua
produção respondia por cerca de 10% do total. Essa manufatura é, em sua maio-
ria, de produtos de consumo, como televisores, computadores e terminais ce-
lulares, em que o fator escala e controle de custos é fundamental. Todavia, os
investimentos em P,D&I são notórios e algumas empresas de elevado conteúdo
tecnológico já são mundialmente reconhecidas – como a Huawei e ZTE, ambas
fabricantes de equipamentos de telecomunicações, e a Lenovo, segunda maior
fabricante de laptops.
Os gigantes conglomerados da Coreia do Sul (chaebols) que atuam na eletrôni-
ca – Samsung, LG e Hyundai – obtiveram crescimento expressivo na última década,
assumindo liderança ou posição de destaque em dispositivos de acesso (televiso-
res, celulares, computadores etc.), componentes estratégicos (chips para memória e
54 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

displays) e bens de capital de eletrônica. Cresceu também a importância de países


como Taiwan,7 Cingapura, Hong Kong, Malásia.
Os EUA ainda mantêm posição de destaque no desenvolvimento de produtos,
equipamentos e insumos em diversos segmentos, contando com empresas como
Apple, IBM, Google, Intel e Qualcomm. A Europa mantém presença relevante em
produtos com escalas menores, mas de aplicações mais sofisticadas e de maior va-
lor agregado, como a eletrônica embarcada em veículos, equipamentos de defesa,
médico-hospitalares e automação industrial. Apesar da perda do espaço de diversas
empresas no segmento de Bens de consumo, o Japão continua desempenhando im-
portante papel na fronteira do desenvolvimento, especialmente em segmentos de
elevada complexidade tecnológica, como em componentes estratégicos8 e em bens
de capital para a fabricação de eletrônicos.

Tabela 1 Ranking das maiores empresas de TICs

Ranking 2005  US$ bilhões  Ranking 2011 US$ bilhões


Geral Eletro. Empresa Vendas Lucro Geral Eletro. Empresa Vendas Lucro

20 1 IBM 96,3 8,4 22 1 Samsung Electronics 133,8 13,7

21 2 Siemens 91,5 4,1 28 2 HP 126,0 8,8

23 3 Hitachi 84,0 0,5 40 3 Hitachi 108,8 2,8

28 4 HP 79,9 3,5 47 4 Siemens 102,7 5,3

39 5 Samsung Electronics 71,6 9,4 50 5 Panasonic 101,5 0,9

47 6 Sony 66,6 1,5 52 6 IBM 99,9 14,8

72 7 Toshiba 54,3 0,4 60 7 Hon Hai Group 95,2 2,5

96 8 NEC 45,2 0,6 73 8 Sony 83,8 (3,0)

99 9 Fujitsu 44,3 0,3 89 9 Toshiba 74,7 1,6

115 10 LG Electronics 37,8 1,4 111 10 Apple 65,2 14,0

116 11 Philips 37,7 3,5 120 11 Microsoft 62,5 18,8

127 12 Microsoft 36,8 8,2 124 12 Dell 61,5 2,6

130 13 Nokia 36,4 4,0 143 13 Nokia 56,2 2,5

138 14 Motorola 35,3 1,5 171 14 LG Electronics 48,2 1,1

141 15 Intel 34,2 7,5 195 15 Intel 43,6 11,5

Fonte: Ranking Global 500 – Fortune/CNN.

7
Os maiores CEMs, ODMs e Foundries de semicondutores do mundo são taiwaneses (por exemplo, Foxconn e TSMC e UMC), assim
como empresas entre as líderes em displays (AUO, Innolux/CMO) e equipamentos (ACER, HTC e BenQ).
8
A Sharp tem a fábrica mais sofisticada de displays de LCD do mundo; a Toshiba segue como uma das maiores do mundo em chips
de diferentes segmentos; a Sanyo segue entre as líderes em baterias etc.
Complexo Eletrônico 55

Na Tabela 1, são listadas as maiores empresas de eletrônicos do mundo quan-


to a faturamento. É interessante notar: a entrada da Foxconn (Hon Hai Group)
no ranking de 2011 e a liderança da Samsung; a lucratividade das empresas de
software e soluções (Microsoft e IBM) e de componentes (Intel) e da Apple; a que-
da de faturamento ou lucro das empresas japonesas – Sony, Toshiba, NEC, entre
outras – que enfrentam crescente concorrência e os efeitos do tsunami; e que o
lucro das maiores empresas chega a ser mais de dez vezes superior ao faturamen-
to das maiores empresas brasileiras.9
Segundo estudo contratado pelo BNDES (vide Tabela 2), os segmentos de mer-
cado majoritariamente de massa do CE – Informática, Telecomunicações e Eletrôni-
ca de Consumo – devem representar mais de 70% da produção mundial em 2015.
Dentre os mercados com maior customização, destaca-se o segmento Automotivo,
com expectativas de crescimento médio superior a 10% ao ano. A Eletrônica de-
verá responder por 60% das inovações das montadoras nos próximos cinco anos
[Wyman (2007)], na busca por veículos mais seguros, econômicos, movidos a com-
bustíveis alternativos (em especial, os veículos elétricos) e com mais funcionalidades.

Tabela 2 Projeção de mercado para sistemas e equipamentos eletrônicos

US$ bilhões

Tipo de sistema 2009 2010 2011* 2012* 2013* 2014* 2015* 2015*/2009 (%)

Informática 349 387 420 450 455 485 526 51

Telecomunicações 302 335 370 405 415 448 492 63

Ind./Med./Outros 160 174 184 195 199 210 224 40

Eletrônica de Consumo 140 157 175 191 193 208 226 61

Automotivo 85 100 111 121 125 135 150 76

Gov./Militar 80 84 88 93 97 102 107 34

Total 1.116 1.237 1.348 1.455 1.484 1.588 1.725 55

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de relatório de consultoria.


* Projeção.

Tal como em outros segmentos industriais, EUA, Europa e Japão seguem sendo
os maiores mercados – correspondendo a 66% da demanda mundial por eletrônicos.

9
O faturamento, por exemplo, da Positivo Informática em 2011 foi de R$ 2,3 bilhões, de acordo com Valor 1000 (2011).
56 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Todavia, o crescimento da demanda do resto do mundo – em especial dos BRICs e


demais países emergentes – superou largamente o ritmo de expansão de mercado
dos países de economia madura, como ilustrado no Gráfico 3.

Gráfico 3 Consumo mundial TICs

4,9%
1.237

121 10%

7,8% 135 11%


975
7,4%
83 130 11%
95 2,8%
BILHÕES (EURO)

113
370 30%
2,9%

320

26%
3,7% 319
266

10,6% 162 13%


98

2004 2009

Resto do mundo Outros Ásia Japão América do Norte Europa China

Fonte: Decision Etudes Conseil.

Panorama mundial em Software e Serviços de TI

Com uma estrutura de oferta e demanda relativamente diferente do universo de


hardware, o mercado mundial de software e serviços de TI cresceu cerca de 33% en-
tre 2005 e 2010, alcançando, segundo dados de Associação Brasileira das Empresas de
Software em parceria com International Data Corporation (Abes/IDC) (2011), US$ 884
bilhões em 2010 – dos quais US$ 307 bilhões em software e US$ 577 bilhões em serviços de TI.
Esse mercado nasceu e ainda está fortemente concentrado nos EUA (cerca de 40%
da demanda global), país que mais profundamente adotou os conceitos de terceiriza-
ção off-shore de software e serviços. Como pode ser observado na Tabela 3, em 2010,
o Brasil se encontrava na 11a posição, com um mercado de cerca de US$ 17,3 bilhões –
em 2004, o país tinha o 15º maior mercado, estimado em cerca de US$ 6,0 bilhões –,
com crescimento inferior apenas ao da China, considerando os dez maiores mercados.
Complexo eletrôniCo 57

taBela 3 maiores merCaDos De SoftwaRe e serViços De ti (em Us$ bilHões)

países 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2010 (%) 2010/2005 (%)

eua 287,5 303,0 315,0 339,6 349,7 359,2 40,7 25

Japão 63,2 64,4 63,8 71,7 71,7 76,9 8,7 22

reino unido 59,5 56,0 60,3 67,1 69,4 65,4 7,4 10

aleManHa 41,3 48,2 51,8 62,6 59,8 58,0 6,6 40

França 36,8 39,3 41,6 49,8 47,4 45,6 5,2 24

canadá 17,9 21,1 22,0 24,8 24,5 23,8 2,7 33

itália 16,9 18,1 19,3 24,1 22,9 21,0 2,4 24

Holanda 9,5 12,5 13,6 18,2 19,9 18,4 2,1 94

cHina 6,9 9,6 11,5 15,2 15,5 17,7 2,0 157

espanHa 11,6 10,3 11,5 19,8 18,7 17,5 2,0 51

Brasil 7,2 9,1 10,8 14,7 15,0 17,3 2,0 139

resto do Mundo 104 122 135 165 166 163 18,4 57

total 662 714 756 873 881 884 100 33

Fonte: Abes/iDC.

3. PAnO R AM A B R A S IL E IR O
Com maior ou menor ênfase, as tiCs vem sendo reconhecidas como estratégicas ao
longo dos últimos sessenta anos pelos governos brasileiros, com legislação especí-
fica para produção e inovação local. De forma complementar ao artigo comemo-
rativo de cinquenta anos do BnDeS [nassif (2002)], a análise histórica foi dividida
em duas partes: (i) o período entre 1950 e 2001 e (ii) a década passada (2001-2011),
para a qual foi realizada uma avaliação mais detalhada.

período 1950-2001

As origens do setor de Ce no Brasil remontam à década de 1950, quando foram pro-


duzidos os primeiros bens de eletrônica de consumo (sobretudo áudio e vídeo) a
partir de insumos importados por multinacionais que entravam no país. na década
seguinte, foram instalados nas universidades os primeiros computadores (informá-
tica), ainda pouco difundidos na atividade industrial brasileira.
em 1967, foi criada a Zona Franca de Manaus, com o objetivo de promover a
integração e o desenvolvimento da Amazônia, por meio da desoneração do im-
58 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

posto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para


insumos de bens orientados à exportação. O objetivo de criar um polo exporta-
dor na região nunca foi efetivamente alcançado – o percentual de exportações
sobre o faturamento do polo em eletroeletrônicos em 2010 foi de 1,4% [Suframa
(2012)] –, tal como a desoneração de insumos dificultou historicamente as políti-
cas de adensamento da cadeia produtiva em eletrônicos. De toda forma, em 2011
o polo manteve por volta de 110 mil empregos em TICs na Região Amazônica e
gerou um faturamento de cerca de US$ 18 bilhões, com base na utilização de
US$ 9,6 bilhões de insumos – 74% dos quais importados.
Com a expansão econômica da década de 1970, a elevada demanda pública e
privada levou o governo a criar a Comissão de Atividades de Processamento Eletrô-
nico (Capre), subordinada ao Ministério do Planejamento, para disciplinar e orga-
nizar as compras governamentais focadas em Informática. No mesmo ano se criou
a holding Telebrás – fator-chave para o desenvolvimento da cadeia produtiva de
telecomunicações por meio do exercício do poder de compra de suas operadoras e
dos equipamentos e sistemas desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas e Desenvolvi-
mento da Telebrás (CPqD), criado em 1976.
Em meados da mesma década, a crise do petróleo determinou o lançamento
do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com fortes estímulos à
substituição de importações. Em 1979 é criada a Secretaria Especial de Informá-
tica (SEI), substituindo a Capre e ampliando o escopo de atuação para, além da
informática, incorporar a microeletrônica, a automação industrial, os equipamen-
tos de telecomunicações e a instrumentação digital. Essa é a base do atual escopo
da Lei de Informática.
A despeito das críticas dirigidas ao período 1970-1980, parte relevante das
empresas que desenvolvem tecnologia eletrônica no país são originárias dessa
época. Também é nesse período que surge uma indústria de componentes eletrô-
nicos no país, com a instalação de fábricas de displays (cinescópios ou displays de
tubo) e microeletrônica.10

10
A SID Microeletrônica operou a única fábrica com ciclo completo de produção de semicondutores no país.
Complexo Eletrônico 59

Ainda nesse período se observa o nascimento da indústria de software brasi-


leira. Além da necessidade de embarcar o software nas indústrias de equipamen-
tos eletrônicos, as características específicas do país – hiperinflação, complexidade
tributária, criatividade etc. – propiciam a formação da competência em verticais
setoriais (por exemplo, bancário, varejo e telecomunicações) em que o Brasil conta
atualmente com reconhecimento internacional.
A abertura de mercado na década de 1990 e o fim da reserva de mercado esti-
mularam a modernização do parque produtivo, a entrada maciça de multinacionais
e o início do processo de terceirização manufatureira. Por outro lado, esse momen-
to imprimiu um esforço de adaptação concentrado no tempo das empresas locais
de base tecnológica, que hoje se concentram em nichos de mercado. A indústria
local de componentes também foi atingida com especial intensidade, tendo ocorri-
do grandes desinvestimentos na área, com fechamento de quase todas as empresas
estrangeiras [Melo et al. (1997)].
Nesse cenário foi implementada a Lei de Informática (LI)11 com o mérito de
buscar alinhar incentivos com a também renovada Lei da Zona Franca de Manaus.12
Em 1993 foi implantado o Processo Produtivo Básico (PPB), que passou a conceder
incentivos fiscais no âmbito da LI (desoneração de IPI na venda de produtos), defi-
nidos a cada tipo de produto, a empresas que cumprissem determinadas etapas de
produção local, adquirissem localmente determinados componentes e investissem
um percentual da receita em P&D.

Evolução do arcabouço legal e políticas industriais


recentes (2001-2011)
O esforço recente do governo em aperfeiçoar o arcabouço legal para TICs, até mes-
mo por meio de políticas industriais setoriais, é notório, como ressalta a Figura 2.

11
Lei 8.248/91. Estão no escopo dessa lei: componentes semicondutores, optoeletrônicos, máquinas, equipamentos e dispositivos
baseados em eletrônica digital, seus insumos, partes, peças, software e serviços técnicos associados.
12
Lei 8.387/91, que prevê, além da redução de até 88% do II sobre insumos, isenção de IPI.
60 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Figura 2 Evolução do arcabouço legal e políticas de governo

Arcabouço legal

LEI DO SOFTWARE PADIS DESONERAÇÃO DE FOLHA


LEI DE INFORMÁTICA Lei 9.609/98 TECNOLOGIA Lei 11.484/07 Lei 12.546/11
Leis 8.248/91, 10.176/01, NACIONAL
11.077/04 Portaria MCT 950/06
COMPRAS GOV.
PBM TICS
LEI DE INOVAÇÃO Lei 12.349/10
LEI DO BEM PDP MPV 563/12
ZFM Lei 10.973/04 e Decreto 7.174/10
(8.387/91) Lei 11.196/05 Lei 11.774/08

1967 1991 2003 2007 2011

SUBSTITUIÇÃO PITCE PDP PBM


DE IMPORTAÇÕES (Política Industrial, Tecnológica (Política de Desenvolvimento (Plano Brasil
e de Com. Exterior) Produtivo) Maior)

Políticas industriais

Fonte: BNDES.

Políticas industriais
A última década foi marcada pela retomada das políticas industriais e tecnológicas
setoriais. Em 2003, em um contexto de estabilidade monetária, foi lançada a Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), com vigência até 2007, com
ênfase na inovação tecnológica, tendo os setores de software e microeletrônica ao
lado de fármacos e bens de capital como estratégicos. Duas agências foram criadas
no governo para auxiliar as ações dessa política: a Agência Brasileira de Promoção
à Exportação (Apex), criada em 2003, e a Agência Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI), criada em 2006.
Entre 2008 e 2010, entra em vigor a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em
que o setor TICs foi novamente posicionado como estratégico13 em cinco temas – software
e serviços de TI, microeletrônica, displays, infraestrutura para inclusão digital e adensa-
mento da cadeia. Em 2011, e ainda em estágio de elaboração, o Plano Brasil Maior (PBM)
foi lançado com o desafio de implementar medidas com base em um cenário de restrição
fiscal, crise e sobreoferta de capacidade produtiva mundial e necessidade de suportar os
investimentos na indústria, incluindo mais uma vez o setor de TIC como estratégico.

13
Além das TICs, o complexo de saúde, energia nuclear, complexo de defesa, nanotecnologia e biotecnologia foram definidos como
programas mobilizadores em áreas estratégicas na PDP.
Complexo Eletrônico 61

Essas políticas desempenharam, sobretudo, um papel decisivo para a articulação


dos agentes do poder público e do setor privado na proposição e implantação das
medidas e aperfeiçoamento do arcabouço legal apresentados nos próximos tópicos.

Poder de compra do Estado


A renovação da Lei de Informática (Lei 10.176/01) introduziu em seu Artigo 3º
a preferência nas compras públicas por bens TICs com tecnologia nacional e/ou
PPB, que seria materializada por meio da modalidade “técnica e preço”. Contudo,
a privatização das empresas estatais e a introdução e fortalecimento da “Lei do
Pregão” (Lei 10.520/02) em 2002 reduziram sobremaneira o poder do dispositivo.
Em 2010 esse artigo foi regulamentado (Decreto 71.174/10), conferindo a possibi-
lidade de repique (inclusive em pregões) para que fornecedores com PPB e/ou tec-
nologia nacional classificados em até dez pontos percentuais abaixo da proposta
vencedora possam igualá-la, com preferência para os que têm simultaneamente
o PPB e tecnologia nacional.
No mesmo ano, foi promulgada a iniciativa mais afirmativa para exercício do
poder de compra do Estado por meio da Lei 12.349/10 – ainda não regulamentada –
que permite sobrepreço de até 25% para bens e serviços nacionais que geraram mais
empregos, desenvolvimento e inovação tecnológica e arrecadação tributária no país.

Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I)


A Pitce exerceu papel central em conferir destaque à discussão sobre os investi-
mentos em inovação e robustecer o arcabouço legal para P,D&I. A Lei de Inova-
ção (Lei 10.973/04), entre outros dispositivos, além de disciplinar a atividade de
P,D&I, autorizou as ICTs (Instituições de Ciência e Tecnologia) a prestar serviços,
compartilhar sua infraestrutura de pesquisa e desenvolver projetos em conjunto
com o setor privado, além de abrir caminho para a subvenção direta a empresas e
entidades privadas sem fins lucrativos e para a realização de encomendas tecno-
lógicas pelo poder público.
No ano seguinte a “Lei do Bem” (Lei 11.196/05) – e seus aperfeiçoamentos pos-
teriores – avançou nos incentivos à inovação com desonerações tributárias para
62 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

os dispêndios em atividade de inovação, depreciação acelerada e redução do IPI


para aquisição de equipamentos voltados à inovação, bem como permitiu a remu-
neração parcial14 de mestres e doutores empregados em atividades inovadoras de
empresas locais.
Em 2006 o então Ministério de Ciência e Tecnologia elaborou a Portaria
MCT 950/06, que passou a conferir um certificado para bens com tecnologia nacio-
nal. Esse instrumento está sendo utilizado de maneira crescente em diversos dispo-
sitivos que concedem incentivos a produtos desenvolvidos no país.15

Inclusão digital
Em um cenário de elevado contrabando de computadores – o chamado “mercado
cinza” – e latente necessidade de incentivar a inclusão digital no país, o governo
decidiu desonerar as vendas de varejo de computadores desktops e laptops16 das
contribuições de PIS/Cofins por meio do Programa de Inclusão Digital. Essa medida
gerou impacto significativo na expansão da produção local de bens de informática –
de 3,2 milhões de computadores em 2003 para cerca de 14 milhões em 2010 –, na
formalização do mercado,17 no crescimento de empresas nacionais e na atração de
firmas estrangeiras.
Ainda com o objetivo de congregar inclusão digital e agregação local de va-
lor, em 2010 foi lançado o Programa Um Computador por Aluno (Prouca) e o Re-
gime Especial para Aquisição de Computadores para uso Educacional (Recompe)
(Lei 12.249/10), que desonerou a aquisição de insumos e fabricação e vendas de
computadores educacionais com PPB a serem adquiridos por estados, municípios
e governo federal por meio de pregões de referência realizados pelo Ministério
da Educação.

14
Até 60% para empresas na região Sudam/Sudene e 40% nas demais regiões do país (Decreto 5.798/06).
15
Entre estes, a Lei de Informática permitiu direito preferencial por repique em compras públicas (Decreto 7.174/10), dedução integral
do IPI para bens com tecnologia nacional (Lei 12.431, de 2011), e o BNDES lançou em 2011 a linha Programa de Sustentação do
Investimento – Bens de Capital (PSI Bens de Capital) Tecnologia Nacional para financiar a aquisição de bens com essa certificação.
16
O Programa de Inclusão Digital está inserido na Lei do Bem (11.196/05). Posteriormente, na Lei 12.431/11 foram incluídos os
tablets e modems.
17
Segundo Abinee/IT Data, o “mercado cinza” passou a corresponder a 24% do mercado total em 2010, ante 70% dos
computadores vendidos no país em 2003.
Complexo Eletrônico 63

Na Medida Provisória 563/12 foi lançado o Regime Especial de Tributação do


Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunica-
ções (REPNBL-Redes), isentando de PIS/Confins e IPI os investimentos em expansão
de rede de banda larga que incluam equipamentos com PPB e Tecnologia Nacional
(Portaria MCT 950/06) em percentuais a serem definidos.

Desoneração de folha salarial


Tendo em vista a janela de oportunidade que se abria no cenário internacional
para posicionar o país como grande exportador de software e serviços de TI,18 na já
citada Lei do Bem (11.196/05) foi instituído o Regime Especial de Tributação para
a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação (Repes). Este
objetivou a redução de impostos de diversos gastos – como capacitação, aquisição
de software, ferramentas etc. – de empresas do setor que destinassem pelo menos
60% do faturamento para exportação.19
Ainda com o alcance relativamente restrito, foi lançado no âmbito do PBM nova
medida para desoneração de folha, dessa vez mais abrangente: a Lei 12.546/11
substitui a alíquota de 20% sobre a contribuição patronal (INSS) por 2,5% inci-
dentes sobre a receita bruta de empresas que desenvolvem software ou prestam
serviços de TI.
Essa medida foi complementada com a Medida Provisória 563/12, que também
substituiu a alíquota de 20% sobre a contribuição patronal (INSS) para 1% no caso
de empresas de hardware de TICs e 2% para as de software e serviços de TI, call
centers e empresas de projetos de circuitos integrados.

Padis (microeletrônica e displays)


Recomendado pelo Fórum de Competitividade promovido pelo MDIC no fim da
década de 1990, o BNDES contratou estudo de uma consultoria internacional
para identificar meios de implantar uma indústria de componentes eletrônicos no

18
Em 1998 é promulgada a primeira lei exclusivamente voltada para o setor de software (Lei 9.609/98), definindo o que é
considerado um programa de computador, seus direitos de propriedade e exploração do uso, entre outros dispositivos.
19
O percentual foi posteriormente reduzido para 50% pela Lei 11.774/08, já no âmbito da PDP.
64 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Brasil. Com base nos resultados dessa ação, iniciou-se uma discussão no governo
federal que culminaria na elaboração, em 2007, pela Lei 11.484/07, do Programa
de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Pa-
dis), que passou a conferir às empresas de projeto, fabricação e montagem de
microeletrônica e displays possivelmente o melhor pacote de incentivos fiscais
federais do país, provendo, entre outros incentivos, a isenção total do IR, IPI e
PIS/Cofins na comercialização de bens finais e do IPI e II na aquisição de insumos
e equipamentos. Como contrapartida a beneficiária deve investir 5% do fatura-
mento em atividades de P,D&I.

Evolução do panorama produtivo entre 2001 e 2011

Todo esse aperfeiçoamento do arcabouço legal ocorreu em um cenário de cres-


cimento da demanda por bens, software e serviços TICs em ritmo mais acelerado
do que no resto do mundo. O país está entre os cinco maiores mercados do mun-
do em computadores, celulares, televisão, automóveis, máquinas ATMs (Automa-
tic Teller Machine) e equipamentos médicos. É o 11o mercado de software e servi-
ços de TI [Abes (2011)], o 4o lugar em número de servidores conectados à internet
e passou de 1,1% dos pontos de acesso à rede mundial em 2001 para 2,6% em
2010 [Duarte (2012)].
Esses números revelam o grande mercado interno brasileiro, que é em grande
parte abastecido por bens TICs montados localmente, mas com bastante conteúdo
importado de componentes, partes e peças. Para tentar sintetizar esse panorama
produtivo da última década, o Gráfico 4 exibe uma compilação de dados da balan-
ça comercial – com dados da Secretaria do Comércio Exterior (Secex) – e da produ-
ção local – com dados da PIA/IBGE.20

20
Na PIA/IBGE foram consideradas apenas as empresas com mais de trinta funcionários das CNAEs 1.0 (24.96, 30.12, 30.2, 32.2,
33.4, 32.1, 32.3, 33.2, 33.3 e 33.5) e CNAEs 2.0 [C 26, exceto 26.6 (equipamentos médicos)]. A exclusão dos equipamentos
médicos se deve à dificuldade de compatibilizar as diferentes classificações da CNAE 1.0 e 2.0.
Complexo Eletrônico 65

Gráfico 4 Quadro manufatureiro do complexo eletrônico

Gráfico 4A Balança comercial TICs (em US$ bilhões)

30

26,5
25

(23,5)
20

15

10
(10,5)
6,3

4,9
2,5

3,0
0
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11

Importações Exportações Déficit total Déficit componentes

Gráfico 4B Receita bruta e agregação de valor TICs (em R$ milhões)

31%

56,6
43,7

23%
34,7

01 02 03 04 05 06 07 08 09

Receita TICs VTI/receita TICs


66 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 4C Participação da agregação da indústria TICs no Brasil

5,5%

2,5% 2,5%

01 02 03 04 05 06 07 08 09

VTI (% TICs sobre a indústria de transformação)

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de PIA/IBGE e Secex.

Percebe-se, analisando a balança comercial, um profundo agravamento do dé-


ficit do setor, como já abordado. O problema não consiste tanto no lado da im-
portação, que é inerente à cadeia global do setor – a título de comparação, países
superavitários em TICs, como Alemanha, China e Japão, importam mais de US$ 50
bilhões –, mas na quase inexistência da fabricação local de componentes, na baixa
agregação local de valor e no fraco e declinante desempenho exportador.
Segundo dados da PIA/IBGE compilados pelo BNDES e reproduzidos na Figura 3,
entre 2001 e 2009 esse grupo de empresas de componentes eletrônicos, equipa-
mentos de telecomunicações, informática, eletrônica de consumo e automação in-
dustrial obteve crescimento de receita de cerca de 14% acima do PIB, atingindo
cerca de US$ 57 bilhões de faturamento e cerca de 140 mil empregados – ante
11 mil em 2001. Contudo, houve perda de participação da agregação de valor
da manufatura eletrônica tanto quando comparada à realizada pela indústria de
transformação brasileira – o percentual do Valor da Transformação Industrial (VTI)
de TICs caiu de 5,5% em 2001 para 2,5% em 2009 –, como quando comparada ao
crescimento de suas receitas.
Complexo eletrôniCo 67

Figura 3 QUaDro proDUtiVo Do Complexo eletrôniCo (2009)

35 MIL EMPRESAS
64 EMPRESAS COM 446 EMPRESAS 667 EMPRESAS
INDÚSTRIA BRASILEIRA
TECNOLOGIA NACIONAL COM PPB TICS HARDWARE**
DE TRANSFORMAÇÃO
R$ 3 BILHÕES* R$ 24 BILHÕES* R$ 57 BILHÕES
R$ 1.910 BILHÕES

Fontes: piA/iBGe (2009) e Secretaria de política de informática do ministério da Ciência, tecnologia e inovação (mCti/Sepin).
* Faturamento de produtos com Certificado de tecnologia nacional (portaria mCt 950/06) e ppB, respectivamente.
** piA/iBGe no CnAe 26 (exceto 26.6); empresas com trinta ou mais funcionários.

Dos r$ 57 bilhões faturados por empresas de hardware de tiCs no país em 2009,


cerca de 40% (r$ 24 bilhões) foram referentes a produtos que atendem ao ppB e
5% (r$ 3 bilhões) a produtos com certificado de tecnologia nacional (portaria mCt
950/06), evidenciando a baixa participação de produtos desenvolvidos no Brasil na
oferta local de bens eletrônicos.
Cumpre ressaltar que o faturamento total das 446 empresas beneficiárias da lei
de informática (li) foi de cerca de r$ 48 bilhões em 2009, valor em torno de 84%
do faturamento de todo o Ce. Cerca de 48% dessas vendas advém de produtos com
ppB (r$ 24 bilhões).
pode-se afirmar que a li foi determinante para sustentar um relevante parque
fabril de tiCs, gerando empregos, tributos21 e ajudando a construir marcas nacio-
nais.22 no entanto, o crescimento do déficit comercial comparado ao avanço da pro-
dução local expõe a porosidade da cadeia produtiva do país. As principais razões
para tanto serão apresentadas e discutidas nos próximos tópicos.

21
a título de exemplo, cerca de r$ 5 bilhões de impostos federais foram recolhidos de beneficiárias da lei de informática, em 2010,
ante uma renúncia fiscal calculada em r$ 3,6 bilhões pela mCti/sepin.
22
por exemplo, positivo, semp toshiba, itautec etc.
68 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I)


Além da competitividade e do valor agregado aos produtos e processos, o investi-
mento em P,D&I é fundamental para o CE por auxiliar na fixação da produção local
e induzir o desenvolvimento de equipamentos fabris e elos anteriores da cadeia,
como a microeletrônica [Gutierrez (2010)].
Segundo dados da MCTI/Sepin, entre 2002 e 2010 as empresas da LI investiram
cerca de R$ 5,1 bilhões em P&D, dos quais 55% foram investimentos próprios das
empresas beneficiárias e o restante realizado por meio de convênios com Institui-
ções de Ciência e Tecnologia (ICTs) ou destinado ao Fundo Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (FNDCT) e programas prioritários.

Gráfico 5 Empresas na Lei de Informática

160
4,0%
140

126
120

100

R$ MILHÕES
80
58

60

1,3% 40

20

-
98 99 00 02 03 04 05 06 07 08 09 10

Faturamento médio P&D total/faturamento das empresas

Fonte: MCTI/Sepin.

Apesar do expressivo volume de recursos para atividades inovativas – em 2010


foram cerca de R$ 700 milhões –, o percentual desses investimentos sobre o fatu-
ramento vem decaindo com os anos, como mostra a Gráfico 5. Com o crescimento
das empresas especializadas em manufatura (CEMs), o porte médio das beneficiá-
rias se elevou, mas as revisões realizadas na LI ao longo da década, flexibilizando o
Complexo Eletrônico 69

percentual de investimentos em P,D&I, tornaram o ritmo de crescimento dessas in-


versões inferior às elevações das receitas. Como se trata de um Complexo em que o
percentual de investimentos em P&D sobre a receita líquida nos EUA, por exemplo,
varia entre 4% (para equipamentos de TI) e 15% (para componentes estratégicos)
do faturamento [Nepelski (2011)], percebe-se que o patamar de 1,3% de investi-
mentos em inovação precisa ser mais elevado no país.
Cumpre ressaltar que, nesse cenário de baixos investimentos em P&D, desta-
cam-se positivamente as empresas de equipamentos de telecomunicações (excluin-
do celulares) e automação industrial (Tabela 4), tendo as primeiras investido em
média até duas vezes além do obrigatório pela LI, e as segundas 1,6 vez.
Outro aspecto importante a ser observado é que, em geral, a vinculação entre
obrigações de P,D&I e desenvolvimento, produção e exportação de bens não é di-
reta. Em 2008, os gastos com desenvolvimento de hardware e processo produtivo
foram, respectivamente, de apenas 29% e 1% do total de obrigações nos investi-
mentos próprios e 3% e 1% nos investimentos conveniados [Gutierrez (2010)]. Há
uma predominância de desenvolvimento de software e outras finalidades – como
treinamento, testes laboratoriais etc. – orientadas para o mercado interno, em es-
pecial para as multinacionais. Soma-se a isso, o fato de que parte significativa do
total das obrigações de P,D&I recai sobre as empresas de manufatura (CEMs) que
não desenvolvem produtos localmente.

Tabela 4 Empresas e produtos com Portaria MCT 950/06

Segmentos de mercado Produtos Part. % Empresas Part. %

Telecomunicações 143 46,7 24 37,5

Automação 118 38,6 24 37,5

industrial 78 25,5 15 23,4

bancária 12 3,9 3 4,7

comercial 11 3,6 2 3,1

smartgrid 17 5,6 4 6,3

Informática 35 11,4 13 20,3

Equip. Médico-OdontológicO 10 3,3 3 4,7

Total 306 100,0 64 100,0

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Diário Oficial da União apud MCTI.
70 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Parcela significativa dos recursos de P,D&I da LI são direcionados para ICTs. Em


recente estudo setorial do BNDES [Gutierrez (2010) são expostos números relativos
às ICTs e seu relacionamento com a indústria. Em 2008 havia cerca de trezentas ICTs
cadastradas em 21 estados.23
Apesar de existirem ICTs com orçamentos anuais superiores a R$ 10 milhões
que desenvolvem pesquisa de complexidade superior às realizadas pelas empre-
sas, mais da metade do total de projetos conduzidos por ICTs obteve valores infe-
riores a R$ 40 mil e apenas 8% dos convênios (55% do valor total) eram superiores
a R$ 1 milhão.
Esses números revelam um elevado grau de dispersão de investimentos em
um momento da indústria em que os investimentos em P,D&I demandam pro-
gressivamente mais recursos, tornando fundamental a construção de uma agen-
da estratégica de inovação, com participação dos segmentos empresariais, ICTs e
órgãos do governo.
Recentes anúncios de investimentos de multinacionais em centros locais de P&D –
entre outras, GE, IBM, Cisco, Huawei, ZTE – devem ser considerados nessa agenda e
podem ser um sinal de início de alteração no quadro. Caso esses centros participem
da estratégia global dessas empresas, trata-se de um importante fenômeno para,
também, estimular a fixação de pesquisadores e cientistas no país.

Formação de recursos humanos


As empresas beneficiárias da LI vêm mantendo um percentual de pós-graduados
em torno de 8% – número equivalente ao restante da indústria de manufatura
[Salles (2011)].
A despeito do número de doutores trabalhando em TICs ter evoluído de cerca
de 1,1 mil em 2002 para 2,6 mil em 2010 [Duarte (2012)] – número significativo
se comparado ao crescimento de 40% entre 1998 e 2006 dos países da OCDE – e
apesar de o país estar crescendo a taxas superiores às dos EUA nesse quesito, ainda
se forma um doutor para cada cinco nos EUA. Também preocupa o fato de que o

23
Concentrados no eixo Sul-Sudeste.
Complexo Eletrônico 71

crescimento de doutores formados em engenharia foi inferior à média para todas


as outras disciplinas no Brasil entre 1998 e 2008 [CGEE (2010)].
O déficit de mão de obra (MO) para o setor de software e serviços de TI talvez
seja o mais evidente nesse cenário de escassez de MO. Segundo Brasscom apud
Exame (2012), em 2011 faltariam cerca de 92 mil profissionais na área.
Para um setor no qual a qualidade e oferta da MO é chave, apesar dos avanços
recentes, fica evidente que o Brasil necessita reforçar investimentos na área, po-
dendo afetar a competitividade do país tanto pela falta quanto pelo encarecimen-
to da MO existente.

Sistemas e equipamentos eletrônicos


Nos últimos anos, algumas das oportunidades que surgiram para o desenvolvi-
mento da indústria de equipamentos e sistemas eletrônicos local foram aprovei-
tadas; em outras, as ameaças prevaleceram em forma de desnacionalização ou
desindustrialização.

Gráfico 6 Balança comercial de sistemas e equipamentos eletrônicos (US$ MILHÕES)

gráfico 6a informática

5
4,18

(3,8)

2
1,33

1
0,36
0,17

-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit

Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex.
72 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

gráfico 6b Telecomunicações

6,65
7

6,09
6

5
(5,0)

3,57
3

2
1,55
1,32

-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit

gráfico 6c Automação industrial

4
2,98

(2,6)
2
0,78

1
0,36
0,07

-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit
Complexo Eletrônico 73

gráfico 6D Eletrônica de consumo

1,83
2

(1,6)
1
0,28

-
02 03 04 05 06 07 08 09 10 11
Importações Exportações Saldo/déficit

Fonte: Elaboração BNDES e Abinee (Automação Industrial), com base em dados de Secex.

Os desempenhos progressivamente negativos da balança comercial dos sistemas


e equipamentos eletrônicos (vide Gráfico 6) indicam um quadro adverso que não
contempla a parte mais grave do problema: os componentes – em especial, microe-
letrônica e displays.
Em equipamentos para telecomunicações, o crescimento do déficit se associa a
duas frentes. Em uma, os seguintes fatores enfraqueceram de maneira sistemática
as empresas com base tecnológica no país: (i) a perda do principal comprador (Te-
lebrás), a concentração dos clientes (operadoras) que praticam compras globais, e
(ii) o porte relativamente pequeno das empresas nacionais com consequente inca-
pacidade de realizar investimentos em inovação em compasso com os concorrentes
mundiais. Na outra frente, a consolidação dos fornecedores mundiais associada às
condições macroeconômicas brasileiras e à competição agressiva de empresas chi-
nesas desencadeou uma onda de desinvestimentos fabris de multinacionais,24 que
passaram a focar mais em serviços em suas operações brasileiras.

24
Para citar, Alcatel Lucent, Nokia, Siemens e Nortel, entre outras, deixaram de investir na manufatura de equipamentos de
telecomunicações no país.
74 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Fenômeno semelhante ocorreu no único segmento cujo desempenho exporta-


dor é significativo, o de dispositivos celulares. No início da década de 2000, o país
chegou a obter saldos positivos na balança comercial nesse segmento, mas perdeu
posição de destaque com a entrada da tecnologia 3G e, de forma mais aguda, com
a proliferação dos smartphones e o enfraquecimento de grandes exportadores –
como a Nokia, Motorola e Siemens. O início da fabricação de iPhones no país, em
2011, pode servir de alento para esse quadro.
Ainda no segmento de telecomunicações, uma grande oportunidade de formar
uma indústria de equipamentos de radiodifusão baseada no padrão nipo-brasileiro
de TV digital não foi aproveitada como esperado. Apesar da bem-sucedida difusão
do padrão Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial (ISDB-T) por quase
todos os países da América do Sul, alguns da América Central, do Japão e das Fi-
lipinas, os poucos fabricantes com tecnologia nacional que se formaram não con-
seguiram acessar as grandes radiodifusoras e, ou foram adquiridos por empresas
estrangeiras, ou não foram empresarialmente bem-sucedidos.
No segmento de informática, a popularização de computadores, notebooks,
netbooks e tablets, combinada com a desoneração do PIS/Cofins da Lei do Bem,
tanto beneficiou empresas nacionais – como Positivo (líder em desktops) –, quanto
atraiu ou fortaleceu a fabricação local de diversas multinacionais – como HP, Acer,
Samsung, Asus e, mais recentemente, Apple. Do ponto de vista da cadeia de supri-
mentos local, destaca-se a manufatura de discos rígidos pela Samsung em Manaus.
Ainda no segmento de Informática, o segmento de automação bancária e
comercial apresenta as mesmas dificuldades competitivas do CE, mas segue com
empresas como a Bematech, Itautec, Digitel desenvolvendo e exportando produ-
tos do Brasil.
Semelhante cenário percorreram, nos últimos anos, as empresas de automação
industrial, segmento de maior agregação relativa de valor na cadeia de TICs – con-
forme mostrado no Gráfico 7. Empresas da época da reserva de mercado (como
Altus, Elo e Nansen) coabitam o mercado brasileiro com empresas nacionais nas-
centes, alvos de aquisições de multinacionais, progressivamente mais interessadas
no mercado local.
Complexo Eletrônico 75

Gráfico 7 Sistemas e equipamentos eletrônicos

gráfico 7a receita bruta (R$ bilhões)

80

70

60

50

40

30

20

10

-
01 02 03 04 05 06 07 08 09

Automação industrial Eletrônica de consumo Informática Telecomunicações

gráfico 7b participação no vti de tics

100

80

60
(%)

40

20

0
01 02 03 04 05 06 07 08 09

Automação industrial Eletrônica de consumo Informática Telecomunicações


76 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

gráfico 7c agregação de valor (vti/receita bruta)

45

40

35
(%)

30

25

20

15
01 02 03 04 05 06 07 08 09

Automação industrial Eletrônica de consumo Informática Equipamentos de telecomunicações

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de PIA/IBGE.

Concentrado em Manaus, o segmento de eletrônica de consumo cresceu em


compasso com a demanda interna, mas com significativa fragilização da cadeia
local de suprimentos. A concentração de funções na microeletrônica e a mudança
tecnológica de cinescópios para LCDs provocou especial desindustrialização nesse
segmento. No plano competitivo, destaca-se ainda a entrada de empresas corea-
nas (LG e Samsung), que rapidamente se tornaram líderes em diversos mercados.
Fornecedoras de cerca de 50% da produção mundial de displays – principal insumo
dos televisores –, e com uma estratégia agressiva de entrada no mercado, estas em-
presas reduziram as margens e deslocaram fabricantes nacionais e multinacionais
então líderes, como a Semp Toshiba, Philips, entre outras.

Componentes estratégicos
Posicionado como prioridade nas políticas tecnológicas e industriais citadas ante-
riormente (assim como a promulgação de legislação específica do Padis), o quadro
produtivo tanto de microeletrônica quanto dos displays revelou uma evolução im-
portante, conforme exposto na Figura 4.
Complexo Eletrônico 77

Figura 4 Evolução do setor de Componentes eletrônicos estratégicos

Esforços do governo
POLÍTICA INDUSTRIAL
LANÇAMENTO PADIS: LEI (PDP ‘08-’10): POLÍTICA INDUSTRIAL
POLÍTICA INDUSTRIAL DO PROGRAMA ESPECÍFICA, CI E DISPLAYS PRIORITÁRIOS - PLANO BRASIL
(PITCE ‘03-’07): CI BRASIL PARA CI E MAIOR (‘11-’14):
CI TORNA-SE DISPLAY CI E DISPLAYS C/ PRIORIDADE
UMA PRIORIDADE

1999 2003 2005 2007 2009 2011

PHILIPS INICIA CONTRATAÇÃO


FUNDAÇÃO OPERAÇÃO DE DA OPERAÇÃO
DO CEITEC BACK-END DE SIX
FREESCALE INICIA
OPERAÇÃO DE DISPLAYS
DH NO BRASIL SMART INICIA
OPERAÇÃO DE HANNA MICRON
ANUNCIA JV GEMALTO INICIA FOXCONN ANUNCIA
DRAM BACK-END
COM TEIKON BACK-END DE CHIPS INVESTIMENTOS
DE MEMÓRIA EM DISPLAYS
Setor produtivo

Fonte: Elaboração própria.

A americana Smart iniciou uma operação de encapsulamento e testes de me-


mórias em 2005 e passará a ter a companhia nesse mercado da HT Micron – joint
venture entre a coreana Hanna Micron e a gaúcha Teikon com operação futura em
São Leopoldo (RS).
Em 2007, com o objetivo de formar mão de obra e dominar o ciclo tecnológico
completo da fabricação de chips, o governo fundou o Ceitec, empresa estatal que
dispõe de uma equipe de design de circuitos integrados (CIs) e de uma planta de
manufatura com entrada em operação prevista ainda para 2012. Com capacidade
de manufatura algumas vezes superior, foi recém-contratado no BNDES, em 2012,
o projeto SIX, uma joint venture entre o grupo EBX, BNDES, IBM, BDMG, Matec e
WS-Intecs. Trata-se do projeto mais relevante no país em componentes estratégi-
cos, com investimentos previstos em torno de US$ 580 milhões.
Complementam o quadro produtivo brasileiro pequenos e médios fabrican-
tes de dispositivos de potência, como a alemã Semikron, que exporta cerca de
US$ 50 milhões, e a Gemalto, que realiza a etapa final de montagem de smart
cards no Paraná.
A área de design de CIs ganhou impulso depois do lançamento do programa
CI Brasil, responsável por conceder bolsas, infraestrutura de pesquisa e licenças
78 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de software para o projetos de chips no país. Hoje existem cerca de vinte design
houses no país (das quais duas de empresas estrangeiras,25 cinco privadas nacio-
nais e 13 públicas), com cerca de quinhentos projetistas. Alguns bons resultados
foram atingidos, até mesmo de alcance internacional – como a exportação de
IP blocks pela catarinense Chipus, a parceria entre a paulista Idea com uma das
maiores SIPs do mundo, a CEVA, e o desenvolvimento de premiados chips auto-
motivos da filial brasileira da Freescale.26
Baseados em uma forte demanda interna, os displays também vêm atraindo
investimentos de algumas dezenas de milhões de dólares em back-ends (etapa fi-
nal de montagem) por empresas estimuladas principalmente por exigência de PPB
específico para TVs e informática e incentivos regionais. Em 2011, o anúncio de
investimentos da Foxconn na área, que ainda se encontram em estudos, trouxe
grandes expectativas para que o país desenvolva o ciclo completo de produção
desse componente.

Software e serviços de TI entre 2001 e 2011


A evolução do mercado de software e serviços de TI é exibida no Gráfico 8. Entre
2005 e 2010, o crescimento observado no mercado brasileiro foi de 139%, bem
maior que a média mundial no período considerado, 33%.
Note que esses números não consideram os gastos internos de TI das empresas
(TI in-house), que somaram o valor de R$ 40 bilhões em 2010, cerca de duas vezes o
valor total do mercado (R$ 17,3 bilhões), ou três vezes o valor do mercado de servi-
ços de TI. Esses números demonstram que ainda há espaço para mais terceirização
de funções para empresas especializadas.

25
A americana Freescale e STI Semiconductor Design (joint venture entre Toshiba, Semp e Instituto Von Braun).
26
Entre esses, o primeiro chip multicore automotivo para controle de injeção lançado no mercado mundial integralmente
desenvolvido no Brasil (incluindo módulos fundamentais e memórias) para atender a demandas de carros híbridos e injeção
direta e o microcontrolador para controle de tração Qorivva, que obteve desempenho três vezes superior aos resultados do então
benchmark de mercado.
Complexo Eletrônico 79

Gráfico 8 Software e serviços no Brasil*

gráfico 8a mercado de software e serviços de ti no brasil (us$ bilhões)

20

18 17,3
+139%
16

14

12

10

8 7,2

-
2005 2006 2007 2008 2009 2010

SW importado SW para mercado interno Serviços de TI SW sob encomenda

gráfico 8b segmentos de software no brasil (2010)

Exportação

2%
Segurança e armazenamento

18% Aplicativos
30%

Infraestrutura 20%

30%

Ambiente de desenvolvimento
80 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

gráfico 8c segmentos de serviços de ti no brasil (2010)

Exportação SW sob encomenda

12% 9%
Treinamento
Consultoria
3%
13%

Suporte 23%

24%
Integração de sistema

16%

Outsourcing

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Relatório Abes.


* Não estão incluídos os números de ITES-BPO.

O mercado interno crescente foi um dos elementos que dificultaram um de-


sempenho exportador mais agressivo, que responderam por 2% da produção local
de software e 12% de serviços de TI em 2010. Juntam-se a esse fator as condições
macroeconômicas desfavoráveis para exportação, a escassez de mão de obra para
atender inclusive ao mercado local, além da importância da internacionalização
prévia para gerar oportunidades de exportação.
O estabelecimento de operações no exterior de empresas nacionais abre janela
para exportação de serviços de TI de fornecedores que atendem às matrizes de multi-
nacionais brasileiras. Por outro lado, para exportação de software produto é fator-cha-
ve estar próximo do cliente para concretizar vendas de produtos desenvolvidos no país.
Nesse aspecto, a atratividade do mercado brasileiro em um contexto de crise mundial e
de poucas empresas do setor com porte para atuar no mercado internacional e nacio-
nal simultaneamente resultou em um crescimento de exportações aquém do esperado.
Apesar de ainda haver poucos players nacionais de grande porte, os movimen-
tos de consolidação foram muito intensos nos últimos anos. Dentre as consolidado-
ras, destacaram-se Totvs e Linx (em software produto) e Stefanini, Tivit e CPM Braxis
(em serviços de TI).
Complexo Eletrônico 81

Esses processos de consolidação em um mercado em expansão acelerada atraíram


a atenção de investidores internacionais. Fundos de private equity e multinacio-
nais adquiriram empresas como Tivit, Politec, CPM Braxis, Atos e Sonda. Movi-
mento semelhante ocorre com o crescente interesse de venture capital tanto de
multinacionais do setor de TICs quanto de fundos independentes, que aportam
no Brasil em busca de empresas criativas e promissoras. Vale ainda destacar o es-
tabelecimento de centros de P&D para desenvolvimento de sistemas e softwares
voltados para aproveitar oportunidades em setores em expansão, como o de Pe-
tróleo e gás, Mineração, Grandes eventos esportivos, Cidades inteligentes, entre
outros, bem como o fortalecimento de captive centers de operações brasileiras –
por exemplo, IBM.
O mercado de software produto, observando por segmentos, pode ser divi-
dido em aplicativos, infraestrutura e ferramentas. O Brasil segue com diminuto
desenvolvimento nas duas últimas modalidades, uma vez que não são necessárias
adaptações para venda de software estrangeiro no mercado local. Por outro lado,
as especificidades locais auxiliaram o país a desenvolver uma competitividade no
segmento de aplicativos, como softwares de gestão empresarial (ERP, BI e CRM).
Essa especialização ocorreu com mais intensidade em algumas verticais setoriais,
como o setor bancário e o varejo. Empresas como as já citadas Totvs e Linx, além das
que embarcam software, como a Bematech, conseguiram uma posição de destaque
e já iniciaram um processo de internacionalização.
Como se pode perceber ainda no Gráfico 8 a maior parte do mercado local de
serviços de TI é referente a serviços profissionais. Descontando a parcela expor-
tada, consultoria, integração de sistemas e desenvolvimento de software respon-
dem por cerca 50% do total dos serviços prestados no país. Suporte, terceiriza-
ção e treinamento respondem pela outra metade. Com o avanço da terceirização
na última década houve um crescimento rápido de empresas brasileiras e filiais
de multinacionais no país. Com IBM, Accenture e EDS, se fortaleceram empresas
como Stefanini, Tivit, CPM Braxis, Politec, com faturamentos próximos ou supe-
riores a R$ 1 bilhão.
82 BnDeS 60 AnoS – perSpeCtiVAS SetoriAiS

4. O APO I O D O B n D E S
Desde o lançamento do Fundo de Desenvolvimento tecnológico (Funtec), em 1964,
quando financiou de forma não reembolsável a formação de recursos humanos em
ciências básicas e aplicadas e investimentos em p&D de empresas, o apoio do BnDeS
para o desenvolvimento do Ce vem ocorrendo não só do ponto de vista financeiro,
mas também – e talvez de maneira tão importante quanto – do ponto de vista ins-
titucional. Além de participar ativamente da formulação e execução da pitCe, pDp
e pBm, na última década o Banco auxiliou na articulação com o setor privado para
formulação de políticas e investimentos em setores estratégicos, fomentou impor-
tantes consolidações e fortaleceu empresas do setor.

gráFico 9 Desembolsos Do bnDes para o Complexo eletrôniCo

gráFico 9a Complexo eletrôniCo (Ce) – Desembolso bnDes (r$ milHões)

2.750

2.500

2.250

2.000

1.750

1.500

1.250

1.000

750

500

250

-
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11

Investimentos Capitalização Inovação Exportação Capital de giro Comercialização


Complexo Eletrônico 83

gráfico 9b complexo eletrônico (ce) – participação por segmento (desembolso)

100

90

80

70

60

50
(%)

40

30

20

10

0
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11

Componentes Equipamentos eletrônicos Software e serviços de TI

gráfico 9c desembolsos bndes para o ce

10,0 3,0

2,5
8,0

2,0

6,0
(%)

(%)

1,5

4,0

1,0

2,0
0,5

0,0 0,0
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11

% investimentos das empresas de HW % desembolso TICs/total BNDES

Fonte: BNDES.

No tocante aos recursos financeiros, no Gráfico 9 se mede a evolução dos de-


sembolsos do Banco para o CE ao longo dos últimos anos. Depois de um ano de cri-
se, em 2010 os desembolsos superaram R$ 2 bilhões, representando menos de 1%
84 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

do total liberado pelo BNDES. De fato, o peso histórico do setor no Banco poucas
vezes foi superior a 2% desde a década de 1980.
A participação do Banco nos investimentos da indústria de hardware oscilou
entre 1 e 9% na última década. Como os bens de capital para a indústria de TICs
são em sua quase totalidade importados, o alcance da atuação do Banco nos inves-
timentos do setor se torna limitado. Por outro lado, o apoio para a comercialização
e a exportação de bens TICs produzidos no país responde por cerca da metade dos
desembolsos do Banco para o setor.
Cumpre ressaltar o aumento dos desembolsos para inovação e a crescente par-
ticipação do segmento de software e serviços nas operações do Banco.

Sistemas e equipamentos eletrônicos

Em face do crescimento e consolidação mundial do setor de equipamentos/sistemas


eletrônicos, a ação na década de 2000 foi estrategicamente voltada para fomentar
o desenvolvimento local de tecnologia, o apoio a grupos empresariais nacionais e
a exportação de bens fabricados no país. Para tanto, o Banco lançou mão das dife-
rentes linhas de exportação, participação acionária, investimentos e inovação.
Para impulsionar a inovação em eletrônica no país, o Banco estabeleceu condi-
ções diferenciadas para financiar a aquisição de bens com tecnologia nacional em
parceria com o MCTI, que emite o certificado de tecnologia nacional por meio da
Portaria MCT 950/06. Inicialmente circunscrita à aquisição de equipamentos de te-
lecomunicações de operadoras financiadas pelo Banco, as condições diferenciadas
de financiamento atingem hoje a todas as empresas inseridas na Lei de Informática
por meio do Programa de Sustentação de Investimentos para Bens de Capital (PSI
Bens de Capital), que dispõe de uma das melhores taxas entre as linhas do BNDES.
Os investimentos locais foram apoiados pelas linhas tradicionais do Banco –
como o Finem, BNDES Automático e Finame – e programas específicos, como o
PROTVD – destinado a incentivar a implantação do padrão brasileiro de TV digi-
tal – e o PSI Bens de Capital, que apoiou a aquisição de bens de capital, incluindo
aqueles com PPB.
Complexo Eletrônico 85

O apoio à exportação foi e ainda está vinculado principalmente à produção de


aparelhos celulares no país, mas também é acessado por empresas que desenvol-
vem tecnologia nacional, como os fabricantes de equipamentos de telecomunica-
ções e automação – entre outros, Padtec, AsGa, Altus.

Componentes estratégicos

Para apoio ao desenvolvimento do segmento de componentes estratégicos o Ban-


co promoveu estudos setoriais e participou ativamente das ações de atração de
investimentos do exterior e da estruturação de projetos nessa área. Para incentivar
os projetos de desenvolvimento tecnológico de microeletrônica e displays, o BNDES
utilizou a sua linha mais nobre e não reembolsável, o Funtec, com cerca de R$ 80
milhões contratados entre 2007 e 2011.
De maneira mais decisiva, o Banco foi ator-chave nos dois projetos que envol-
vem o ciclo completo de manufatura de circuitos integrados – a estatal Ceitec e a
SIX. O apoio ao Ceitec ocorreu tanto no desenvolvimento de projetos de CIs quanto
em investimentos fabris.
Na SIX, que conta com tecnologia e parceria estratégica da IBM e capacidade fabril
algumas vezes superior ao Ceitec, a participação do Banco foi ainda mais afirmativa.
Além de financiar os investimentos fabris, o BNDES compõe o bloco de controle da
empresa, que terá foco no desenvolvimento e fabricação de CIs próprios e de terceiros.
Trata-se da fábrica de microeletrônica mais avançada do hemisfério sul,27 configuran-
do-se em um investimento âncora para as pretensões do país em Microeletrônica.

Software e serviços

No setor de software, o Banco aperfeiçoou o Prosoft em 2004 e 2007, com mudan-


ças (entre outras) que expandiram a atuação do Programa para apoiar a indústria
de serviços de TI, importante segmento quanto à geração de empregos e agrega-

27
Com tecnologia de 130 e 90 nanômetros e processo fabril Complementary Metal Oxide Semiconductor (CMOS).
86 BnDeS 60 AnoS – perSpeCtiVAS SetoriAiS

ção de valor local. os desembolsos entre 2001 e 2011 do BnDeS para esse setor
alcançou r$ 3,3 bilhões.
o prosoft empresa, principal modalidade de apoio a esse segmento, totalizou
um desembolso de cerca de r$ 1,6 bilhão na última década. Cerca de somente 16%
das operações realizadas foram destinadas para empresas grandes, comprovando,
por um lado, que a vocação de atuação da linha é para mpmes, uma vez que o
setor é estruturalmente pulverizado, mas, por outro, a necessidade de persistir na
formação empresas de maior porte.
o Cartão BnDeS complementou a atuação do prosoft Comercialização ao
promover a difusão dos softwares desenvolvidos no país para mpmes. entre
2001 e 2011 o Banco financiou a comercialização de cerca de r$ 302 milhões em
softwares nacionais.
A atuação direta da BnDeSpAr foi importante para o fortalecimento empre-
sarial – com cerca de r$ 425 milhões de aportes – e decisiva para formar a totvs,
oitava maior empresa de software erp do mundo. Ademais, cerca de r$ 38 milhões
foram desembolsados para empresas desse segmento por meio de fundos dos quais
o Banco é cotista.

5. QUADRO ATUAL E PERSPECTIVAS DO SETOR


As questões levantadas, nas seções anteriores, que condicionam a competitividade
brasileira em tiCs, bem como sua capacidade de aproveitar as oportunidades e de
se defender das ameaças atuais e que se descortinam no futuro próximo, estão ex-
postas sinteticamente na matriz SWot28 do Quadro 1.
A despeito de existirem diferenças do quadro competitivo brasileiro nos diver-
sos segmentos do Ce, alguns elementos comuns são observados no quadro a seguir.
Do lado das forças, é possível destacar o mercado local forte e promissor, a capaci-
dade produtiva local, a existência de mecanismos de estímulo diferenciados para
tiCs e restritos nichos de mercado em que o país tem competitividade mundial.

28
Strenghts (forças), weaknesses (fraquezas), opportunities (oportunidades) e threats (ameaças).
Complexo Eletrônico 87

Por outro lado, as deficiências comuns também não são poucas. A dependência
de importações é elevada – em relação a tecnologia, insumos, componentes, partes
e peças –, a agregação de valor é, no geral, baixa e as exportações são tímidas. O
quadro produtivo é composto por empresas de porte significativamente menor que
seus pares no exterior, bem como é baixa a competitividade dos fatores de produ-
ção do país – entre outros, o custo e oferta de mão de obra qualificada e de infra-
estrutura. Há falta de agilidade em procedimentos alfandegários para o comércio
exterior e a cultura de investimentos em inovação e de apetite por riscos ainda está
aquém do desejado no quadro geral.

Quadro 1 Análise SWOT do complexo eletrônico brasileiro

Forças Fraquezas
• Forte atratividade do mercado interno brasileiro em todos os
segmentos TICs • Elevada e crescente dependência de importações (partes,
componentes e tecnologia), exportações declinantes, baixa
• Base instalada de empresas montadoras e desenvolvedoras de densidade industrial e agregação de valor local
software e serviços de TI
• Baixa/virtual ausência de capacidade instalada de componentes
• Existência de algumas marcas nacionais de referência no mercado estratégicos (semicondutores e displays)
interno
• Empresas nacionais de pequeno e médio portes com capacidade
• Segmentos com desenvolvimento de tecnologia nacional limitada de investimento e acesso a clientes de grande porte
• Capacitação em software embarcado e em segmentos de mercado • Fragilidade da “marca Brasil” no âmbito nacional e ausência de
para software e serviços de TI (ex: setor financeiro, conteúdo, reconhecimento internacional
celular, games, TV Digital etc.)
• Aversão ao risco por parte de empresas brasileiras
• Vantagens comparativas para software e serviços de TI: Fuso-
horário favorável, afinidade cultural com mercados compradores, • Déficit na oferta e elevado custo da M.O. especializada quando
M.O. qualificada e versátil comparada a competidores internacionais

• Mecanismos de estímulo existentes: Lei de Informática, Lei da • Investimentos em P&D: desarticulados, insuficientes, restritos a
Inovação e Lei do Bem e arcabouço legal para exercício de poder de nichos de mercado e com baixa interação academia-empresa
compra (Decreto 7174/10 e Lei 12349/10) e encomendas tecnológicas • Deficiências de infraestrutura e agilidade alfandegária
Oportunidades Ameaças
• Ampliação do peso relativo das TICs na economia: saúde, educação,
defesa, aeroespacial, bens de capital, automobilística etc. • Práticas comerciais agressivas por parte empresas de países
• Articulação afirmativa dos diversos instrumentos de política asiáticos, fortemente apoiadas por políticas governamentais de
existentes em torno de projetos estratégicos de governo – PNBL, fomento às TICs (incluindo China e Coreia)
Cadeia e Petróleo e Gás, Inclusão Digital nas escolas, TV Digital, • Deterioração irreversível da base instalada – com impactos
Programas de e-gov etc. profundos na geração de emprego, renda e nível de importações –
• Regulamentação/exercício efetivo do poder de compra do e das capacitações tecnológicas e empresariais acumuladas pelas
Governo (inclusive encomendas tecnológicas) e poder regulatório empresas brasileiras com marca própria
(contratos de concessão e leilões de frequência) para alavancar • Risco de novas aquisições: estimulado pelo tamanho relativamente
indústria e tecnologias nacionais pequeno das empresas nacionais associado à alta atratividade do
• Computação em nuvem, redes inteligentes e grandes eventos mercado brasileiro e políticas de incentivo ao conteúdo local
esportivos: elevada demanda por TICs; • Tendências tecnológicas e novos modelos de negócio podem
• Crescente interesse da indústria de capital de risco mundial no país mudar o mercado e a dinâmica da concorrência

Fonte: Elaboração própria.

Contudo, a próxima década guarda relevantes oportunidades para a indústria


se alavancar no país. Em adição ao crescimento natural de uma indústria ainda jo-
88 BnDeS 60 AnoS – perSpeCtiVAS SetoriAiS

vem que aprofunda sua penetração em diversos setores da economia, os diversos


investimentos que serão realizados no país pelo Governo – educação, saúde, me-
lhoria de gestão etc. – e pela iniciativa privada – petróleo e gás, redes inteligentes,
computação em nuvem, entre outros – são promissores e vêm atraindo o interesse
de diversos fundos de risco voltados para o setor. o uso do poder de compra go-
vernamental e instrumentos regulatórios poderão desempenhar papel-chave no
desenvolvimento tecnológico e produtivo local.
o não aproveitamento dessas oportunidades vai se tornar uma grande ameaça,
na medida em que países asiáticos e desenvolvidos continuam e, até aprofundam
em decorrência da crise, suas políticas de apoio ao setor. não diferentemente, sur-
gem polos alternativos à Índia de países em desenvolvimento para ocupar espaço
relevante na exportação de software e serviços de ti.

6. PR O PO S TAS PA R A OR IE n TA Ç Ã O
DE PO L Í TI C A S E A Ç Ã O D O B n D E S
propostas para articulação de esForços pÚBlicos

Disseminação e exercício do poder de compra público e privado


tal como em qualquer país que desenvolveu seu Ce no mundo, faz-se mister utilizar
o poder de compra do governo e das agências reguladoras para conferir prefe-
rência de compra para bens tiCs produzidos/encomendados no país e, também na
medida do possível, com tecnologia nacional. esse instrumento deve ser utilizado
com inteligência, de forma a encontrar um equilíbrio ótimo entre incentivo ao con-
teúdo local e acesso a bens tiCs com preços e qualidades adequadas por parte de
governos e concessionárias de serviços públicos.
Apesar de existir instrumento legal em tiCs para tal (Decreto 7.171/10) que
confere preferência para bens brasileiros, a aplicação do poder de compra vem sen-
do tímida por parte do governo. por outro lado, o instrumento mais afirmativo, a
lei 12.349/10 ainda será regulamentada, tornando importante fazê-lo com margem
de preço adequada para estimular a produção e desenvolvimento das tiCs no país.
Complexo Eletrônico 89

Por fim, para que esses dispositivos obtenham efeito prático para preferência
de software e serviços desenvolvidos no país, é fundamental concluir o certificado
de tecnologia nacional para esse segmento.

Agenda estratégica para investimentos de P,D&I


Com quase R$ 1 bilhão de investimentos anuais direcionados pela Lei de Informáti-
ca para TICs, parece que a questão principal da inovação no setor está mais para a
forma como os recursos são usados do que o volume de recursos disponibilizados.
Esforços de articulação público-privados e um aperfeiçoamento na Lei de Informá-
tica a fim de canalizar recursos de P&D para as atividades-fim das empresas e/ou
para componentes estratégicos – com o objetivo de adensar a cadeia produtiva – são
algumas das ações que podem potencializar os esforços de P&D no setor em uma
agenda estratégica de inovação na área.

Formação de RH
O baixo desempenho/interesse de estudantes do ensino médio em ciências exatas e
o déficit de formação de pós-graduados, engenheiros e técnicos para as diferentes
áreas de TICs é preocupante. Ações articuladas entre governo e iniciativa privada –
MCTI, MEC, agências de fomento, associações de classe, entidades empresariais etc. –
devem ser perseguidas para se quebrar o círculo vicioso de baixa disponibilidade de
mão de obra versus baixa inovação e competitividade versus poucas oportunidades
de emprego qualificado.

Foco em nichos de escala média e alto valor agregado


A opção por competir no plano mundial em produtos de elevada escala ou baixos
custos de operação parece pouco promissora para o país, considerando a perspec-
tiva das condições desfavoráveis do câmbio, o distanciamento da cadeia de for-
necimento cada vez mais deslocada para a Ásia, entre outras vulnerabilidades já
citadas. Essa avaliação se estende a todos os segmentos do CE, tanto a Sistemas e
equipamentos eletrônicos – em que a competição com a China é voraz –, quanto
aos Componentes estratégicos – com barreiras de entrada significativas nos seg-
90 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mentos intensivos em escala (por exemplo, processadores, memórias e displays) – e


a serviços de TI – em que o custo da mão de obra é fator-chave em serviços cuja
competição é baseada em preço. Apesar de atraírem a produção para o país, os
mercados de elevados volumes revelam progressiva dificuldade em se voltarem es-
trategicamente para o mercado global.
A existência de empresas com tecnologia nacional em nichos de médio volume –
em especial, automação industrial, equipamentos de rede de telecomunicações e
médicos – e os investimentos na SIX, voltados para mercados intermediários em
volume e sofisticação tecnológica, parecem corroborar esse diagnóstico.
Soma-se a esses argumentos o fato de que, do ponto de vista da manufatura,
a eletrônica de mercados de massa (notadamente os dispositivos de acesso de in-
formática/telecomunicações/bens de consumo) é de fácil deslocamento produtivo
e, considerada a tendência de compactação dos componentes, tende a gerar pouco
valor agregado local.

Diferenciação do apoio para bens com tecnologia nacional


Em razão da redução estrutural da agregação de valor da manufatura das TICs,
torna-se imperativo o apoio diferenciado para bens eletrônicos e softwares desen-
volvidos no país. Atualmente a diferenciação de incentivos – fiscais, financiamento,
poder de compra etc. – entre bens com PPB e importados é superior à diferenciação
para bens com tecnologia nacional e bens somente com PPB. Um ajuste nesse qua-
dro, a fim de privilegiar a tecnologia desenvolvida no país, serviria como estímulo
não apenas para empresas nacionais investirem mais em inovação, mas para atrair
centros de P&D de multinacionais.

Articulação de esforços para adensar a cadeia de


componentes estratégicos
A manufatura de componentes eletrônicos tem um enorme desafio de superar a
competitividade de uma cadeia de suprimentos já instalada, azeitada e cada vez
mais concentrada na Ásia. Tendo em vista os investimentos a serem realizados nos
elos comandantes da cadeia de SIX, Ceitec e, possivelmente, a Foxconn, é funda-
Complexo Eletrônico 91

mental que o poder público seja ágil para corrigir as deficiências logísticas, adua-
neiras e tributárias, para que seja possível tornar esses empreendimentos compe-
titivos em escala mundial e fomentar a atração dos elos a montante da cadeia de
semicondutores e displays.

Consolidação das DHs e fortalecimento de modelo privado


em projeto de CIs
Atualmente, existem mais de vinte design houses (DHs) no país. Não parece sus-
tentável no longo prazo que se estimule a proliferação de DHs quando há uma
demanda restrita por projetos de CIs, fruto do fato de que poucas empresas de
equipamentos eletrônicos desenvolvem seus produtos no nível do CI no país.
Mais do que isso, há escassez de recursos para apoiar a infraestrutura destas pelo
Programa CI Brasil.
Nesse cenário de restrições, dispor de um modelo com a maioria de suas DHs
públicas – e, por conseguinte, potencialmente menos orientadas ao mercado – não
parece adequado para formar a massa crítica em conhecimento, volume de proje-
tos e carteira de clientes mínima para se lançar ao mercado mundial. Dessa forma,
propõe-se que seja incentivada a consolidação das DHs e o modelo privado, para
que talentos treinados nas DHs públicas e multinacionais obtenham incentivos para
formar seu próprio negócio.

Estímulo ao desenvolvimento do padrão brasileiro de TV digital


A recente alteração de PPBs para TVs, obrigando que em 2013 pelo menos 30%
das TVs tenham o middleware do padrão ISDB-T Ginga embarcado, deverá criar um
amplo mercado para desenvolvedores de aplicativos para TV digital no Brasil. Com
uma base de televisores relevante, torna-se possível atrair as radiodifusoras para
desenvolver conteúdo interativo para seus telespectadores. Propõe-se que o gover-
no siga incentivando a adoção do Ginga no país, em virtude das oportunidades até
mesmo de exportação que o padrão ISDB-T proporciona.
92 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Desafios para atuação do BNDES

Lista-se a seguir um conjunto de desafios específicos para a atuação do Banco para


os próximos anos, tendo em vista as ações gerais já apresentadas às quais o BNDES
pode prestar especial apoio para formulação e implementação de ações concretas.

Complexo eletrônico
• Agilizar a análise operacional: para apoiar um dos setores mais dinâmicos da
economia mundial, é fundamental o Banco buscar persistentemente reduzir o
prazo de análise de seus projetos.
• Manter o fomento, a consolidação e o fortalecimento empresarial: também
de maneira permanente o Banco deve estimular a consolidação e o forta-
lecimento de empresas nacionais capazes de gerar escala suficiente para se
internacionalizarem, arcarem com os gastos crescentes de P,D&I, fortalecerem
a percepção da longevidade de suas atividades perante a grandes clientes,
entre outros benefícios.
• Buscar alternativas para diferenciar de maneira afirmativa as condições para
aquisição de bens com tecnologia nacional (TN), em linha com a prática atual
conferida pelo BNDES PSI Tecnologia Nacional.
• Reforçar o apoio à indústria de capital de risco voltada para TICs no país, até mesmo,
alternativamente, em parceria com o setor privado de fundos e o poder público.

Sistemas e equipamentos eletrônicos


• De maneira ainda mais incisiva, o Banco deve considerar a possibilidade de
apoiar grandes investimentos em TICs (por exemplo, operadoras de telecomu-
nicações) somente se determinada parcela significativa de bens com PPB e tec-
nologia nacional forem atingidas.

Componentes estratégicos
• Flexibilizar condições para apoiar projetos em microeletrônica e displays, por
exemplo: (i) investimento de risco em start-ups e participação no bloco de contro-
Complexo eletrôniCo 93

le das empresas; (ii) participação em operações internacionais, de forma a garan-


tir a participação do Brasil no roadmap de produtos das multinacionais; (iii) linha
de financiamento diferenciada para aquisição de componentes estratégicos.
• estimular empresas nacionais a desenvolver projetos de cis localmente.

Software e serviços de TI
• Apoiar a atração de centros cativos (captive centers) para exportação.
• Desenvolver alternativas de atuação indireta para ampliar o alcance do prosoft.

7. C O nC L US Õ E S
A última década ratificou que cada vez mais as tiCs desempenham papel de gran-
de importância no desenvolvimento das nações. essa relevância se configura tanto
sob a ótica do acesso a bens tiCs para uso, quanto para o domínio tecnológico por
indústrias progressivamente mais permeadas pela eletrônica.
Ao longo desses sessenta anos o BnDeS exerceu um papel bastante relevante
do ponto de vista institucional e financeiro, cabendo citar, em caráter não exausti-
vo para os anos mais recentes, o apoio decisivo para investimentos produtivos em
circuitos integrados e fortalecimento de empresas de software.
por se tratar de um setor extremamente dinâmico – que se presta como caso
clássico para a “destruição criativa” de Schumpeter –, com margens declinantes
para produção, faz-se mister que o Brasil persiga de maneira afirmativa e persis-
tente a inovação. o mesmo afinco deve continuar a ser direcionado para a criação
do ecossistema de componentes eletrônicos – em especial, o de microeletrônica – e
para o setor de software, alicerces da economia baseada em silício.
o país vive um momento especial, em que diversas oportunidades de desen-
volvimento no setor se abrem no futuro próximo. É fundamental que se aja com
inteligência, para que seja possível se apropriar do crescimento esperado da de-
manda, desenvolvendo-se tecnologicamente para, de forma concomitante, alcan-
çar um papel relevante no mercado mundial. Do contrário, com a já citada difusão
94 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

da eletrônica, o ônus de não se fortalecer a competência em TICs no país recairá de


maneira cada vez mais intensa em diversos setores da economia.
Esse desenvolvimento tecnológico deverá ser orientado para onde o país ti-
ver maiores chances de penetração. Uma vez que os segmentos de consumo de
massa – dispositivos móveis, eletrônica de consumo, microprocessadores etc. – são
de difícil catching up e considerando o encarecimento relativo do país – mão
de obra, energia, câmbio, entre outros –, direcionar esforços para competir em
produtos de escalas médias e maior valor agregado, por exemplo, equipamentos
de telecomunicações, automação, software e serviços de maior valor agregado,
semicondutores de aplicação específica (ASICs) etc., parece se configurar como a
melhor opção.

R eferências
ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software. Mercado Brasileiro de Software
Panorama e Tendências (2003 a 2011). Disponível em: <http://www.abes.org.br/
templ3.aspx?id=306&sub=213>. Acesso em 2 abr. 2012.

Bozz & Company. Global Innovation 1000, 2008. In: Bampi, S. (Coord.). Projeto PIB:
Perspectivas do Investimento em Eletrônica. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008-2009.
Disponível em: <http://www.projetopib.org/arquivos/ie_ufrj_sp08_eletronica.pdf >.
Acesso em: 2 abr. 2012.

Brasscom – Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e


Comunicação. In: Jovaneli, R. Déficit de profissionais de TI chega a 92 mil. Exame, 11
abr. 2011. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/deficit-de-
profissionais-de-ti-chega-a-92-mil>. Acesso em: 2 abr. 2012.

CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. Doutores 2010: estudos da


demografia da base técnico-científica brasileira. Brasília: Centro de Gestão e
Estudos Estratégicos, 2010.
Complexo Eletrônico 95

Colecchia, A.; P. Schreyer. ICT Investment and Economic Growth in the 1990s: Is the
United States a Unique Case? A Comparative Study of Nine OECD Countries. OECD
Science, Technology and Industry Working Papers, 2001-2007. OECD Publishing, 2001.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1787/078325004705>. Acesso em: 2 abr. 2012.

Decision Etudes Conseil. Electronic Industry Outlook 2010 – 2015: Smart cities, from
concepts to markets. Paris, 29 nov. 2011. Disponível em <http://www.decision.eu/
doc/presentations/Decision_Rospide_Summit_2011.pdf>. Acesso em 28 fev. 2012.

Duarte, C. H. C. Uma década de apoio continuado ao Setor de TICs: os eventos


mais relevantes e o papel do BNDES. Revista do BNDES, n. 37. Rio de Janeiro:
BNDES, jun. 2012.

Gutierrez, R. M. V. Complexo Eletrônico: Lei de Informática e Competitividade.


BNDES Setorial, n. 31, p.5-48. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2010.

Melo, P. R. S. et al. Complexo Eletrônico. BNDES Setorial, n. 6. Rio de Janeiro:


BNDES, nov. 1997.

Nassif, A. L. BNDES 50 Anos – Histórias Setoriais: O Complexo Eletrônico Brasileiro.


BNDES Setorial Especial 50 anos. Rio de Janeiro: BNDES, dez. 2002.

Nepelski, D.; Stancik, J. The Top World R&D-investing Companies from the ICT
Sector: A Company-level Analysis. JRC Scientific and Technical Reports. European
Commission, Institute for Prospective Technological Studies, 2011.

OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development. The impact of the
crisis on ICT and ICT-related employment. Out. 2009. Disponível em: <http://www.
oecd.org/dataoecd/47/22/43969700.pdf>. Acesso em: 5 mai. 2012.

_____. OECD Information Technology Outlook 2010 – Highlights. 2011. Disponível


em: <http://www.oecd.org/dataoecd/4/4/46478512.pdf>. Acesso em: 5 mai. 2012.

______. Information Technology Outlook 2008. Figura 2.14.


96 BnDeS 60 AnoS – perSpeCtiVAS SetoriAiS

oliVer WymAn. A comprehensive study on innovation in the automotive industry.


2007. Disponível em: <http://www.oliverwyman.com/pdf_files/Carinnovation2015_
engl.pdf>. Acesso em: 5 mai. 2012.

SAlleS FilHo, S. Avaliação da Lei de Informática. resumo executivo. Campinas, Geopi-


Unicamp/CGee, fev. 2011. Disponível em: <http://www.ige.unicamp.br/geopi/
documentos/resumo_executivo_2011_FinAl_03.mai.2011.pdf>. Acesso em: 4 abr.
2012.

SilVA, e. A. A política de investimento estrangeiro dos estados Unidos: conflito


de princípios na reforma do CFiUS. Cadernos Cedec n. 87 (edição especial Cedec/
inCt-ineU). São paulo: Cedec, jun. 2010. Disponível em: <http://www.cedec.org.br/
files_pdf/cadcedec/cad87.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2012.

SUFrAmA – SUperintenDÊnCiA DA ZonA FrAnCA De mAnAUS. Indicadores de Desempenho do


Polo Industrial de Manaus 2007-2012. manaus, mar. 2012. Disponível em: <http://
www.suframa.gov.br/download/indicadores/indicadores%20Desempenho_pim_
Janeiro_2012_emitido%20em%2015032012.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2012.

VAlor 1000. As campeãs de 25 setores – Os destaques de cada região, n.11, ago. 2011.
Complexo eletrôniCo 97
Daniel Chiari Barros
Luciana Silvestre Pedro*

* Economistas do Departamento de Indústria pesada da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem os comentários de Bernardo
Hauch Ribeiro de Castro, Haroldo Fialho prates, Rafael Alves da Costa e tiago toledo Ferreira, eximindo-os de eventuais imperfeições
remanescentes. Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 99

R ES UM O
O presente artigo objetiva analisar, historicamente, a atuação do BNDES nas políti-
cas de apoio ao setor automotivo brasileiro, destacando o papel dinâmico do Banco
nas ações de indução ao desenvolvimento. São descritas as principais políticas ado-
tadas pelo BNDES em seus primeiros cinquenta anos de existência, analisando-as
em um contexto mais amplo de política industrial do governo. Posteriormente, é
feita uma análise mais detalhada do papel do Banco nos últimos dez anos – 2002 a
2011. Adicionalmente, os autores mostram uma mudança observada na atuação do
BNDES nos últimos anos, com priorização das políticas voltadas à inovação tecno-
lógica. Essa mudança acompanha as tendências do setor automotivo e abre espaço
para a indução de rotas tecnológicas, o que traz novas possibilidades de apoio ao
setor pelo BNDES inseridas na lógica da política industrial do governo.

AB S TR AC T
This article aims to analyze, historically, the BNDES’ efforts in policies that support
the Brazilian automotive industry, highlighting the Bank’s dynamic role in inducing
development in the sector. It describes the main policies adopted by the BNDES
in its first fifty years, analyzing them in the broader context of governmental
industrial policy. Subsequently, the authors present an observed shift in the BNDES’
performance in recent years, prioritizing policies related to technical innovation.
This shift follows the trends in the automotive sector and allows for the induction
of new technological routes, which open up new possibilities of BNDES support for
the sector within the logic of governmental industrial policy.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 101

1. I NTR O DUÇ Ã O
A criação do BNDES, em 1952, durante o governo de Getúlio Vargas, esteve intrin-
secamente relacionada à situação político-econômica do período, em que a infra-
estrutura e a industrialização, ainda incipientes e desorganizadas, precisavam se
expandir e se consolidar.
À época, o setor automotivo brasileiro era formado, essencialmente, por unida-
des de montagem associadas às matrizes internacionais, como Ford, Fiat e General
Motors (GM),1 e por um frágil segmento de autopeças. Não se realizava a fabrica-
ção de veículos2 propriamente dita, a não ser CKD,3 em decorrência da deficiência
de investimentos significativos no setor, principalmente de longo prazo.
A criação de um banco de desenvolvimento foi, nesse contexto, fundamental
para a estruturação e a implementação de políticas estratégicas de desenvolvimen-
to industrial para o setor. O financiamento de projetos incentivou a formação e a
consolidação da indústria automotiva nacional, suprindo uma carência do mercado
de capitais no período. A partir de então, o papel do BNDES modificou-se e ainda
mantém seu caráter dinâmico, para se adequar às necessidades da indústria em
contextos e conjunturas distintas.
O presente artigo objetiva retratar e analisar a relevância do BNDES para o se-
tor automotivo brasileiro ao longo dos seus sessenta anos. Além disso, é enfatizado
o caráter dinâmico do Banco, com a análise de possibilidades futuras de atuação,
identificação de tendências e prováveis rotas tecnológicas da indústria.
O texto está dividido em três seções, além desta introdução e das considerações
finais. A primeira descreve a atuação do BNDES nos seus primeiros cinquenta anos,
de 1952 a 2001. Os autores optaram por descrever esta primeira parte de forma su-
cinta e agregada, em virtude da existência de publicações anteriores que analisam
o mesmo período, como BNDES 50 anos: histórias setoriais [São Paulo e Kalache

1
também estavam presentes a International Harvester, que atuava na montagem de caminhões, e a Studebaker, que se transformaria
em Vemag [Anfavea (2006)]. Em 1953, foi fundada a Volkswagen do Brasil.
2
Veículos compreendem automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões.
3
CKD (completely knock-down ou complete knock-down, em inglês) são conjuntos de partes de automóveis para exportação e
posterior montagem dos kits.
102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Filho (2002)] e Indústria automobilística brasileira 50 anos [Anfavea (2006)]. Essas


duas publicações foram utilizadas como os principais referenciais teóricos para a
primeira seção. A segunda seção analisa o papel do BNDES no setor automotivo na
década de 2002 a 2011, incorporando os seus aspectos dinâmicos. É realizada, tam-
bém, uma avaliação da série histórica de desembolsos do Banco para o setor. A ter-
ceira e última seção analisa as principais tendências do setor automotivo, incluindo
as possíveis rotas tecnológicas a serem adotadas nos próximos anos, e propõe medi-
das de atuação do BNDES, inseridas na política industrial do governo, para catalisar
o desenvolvimento do complexo automotivo brasileiro.

2. A C R I AÇ ÃO D A IN D Ú S T R IA A U T OM OTIVA
B R AS I L EI R A E O PA P E L IN D U T OR
DO B NDES N OS S E U S P R IME IR OS
C I NQ UENTA A N OS : 1 9 5 2 A 2 0 0 1
Em 1900, começaram a chegar os primeiros veículos importados ao Brasil. A primeira
linha de montagem começou a funcionar em 1919, com a Ford e o seu modelo T, ou
Ford Bigode. Em 1925, a GM entrou no mercado, seguida da Fiat, em 1928.
Em 1952, ano de criação do BNDE, as principais unidades automotivas instala-
das no país montavam veículos a partir de kits importados, e a incipiente indústria
de autopeças era voltada ao mercado de reposição. No início da década de 1950,
os veículos respondiam por grande parte das importações brasileiras, chegando a
pouco mais de 15% delas. Eram importados mais de cem mil veículos por ano – 60%
desses eram caminhões –, enquanto as projeções apontavam para um crescimento
de dois dígitos do setor. O balanço de pagamentos, nesse contexto, era uma preo-
cupação recorrente para o governo.
Ainda em 1952, foi criada a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Au-
tomóveis, ligada à Comissão de Desenvolvimento Industrial4 (CDI) do governo de

4
A CDI tinha a função de estudar e propor medidas econômicas ligadas à política industrial. Foi formulado um plano Geral de
Industrialização para o país, com a classificação das atividades industriais e a definição dos setores prioritários de atuação do
governo. A CDI foi extinta em 1954, com o fim do governo de Vargas, e ressurgiu em 1956, como Conselho do Desenvolvimento.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 103

Getúlio Vargas. De fato, essa ação pode ser considerada uma das primeiras para
o surgimento de uma política industrial efetiva direcionada ao setor automotivo
no Brasil. Juntamente com a criação da subcomissão, o governo proibiu de forma
progressiva a importação de autopeças com similar nacional e, em 1953, vetou a
entrada de veículos completos. Posteriormente, foi criada a Comissão Executiva de
Material Automobilístico, ligada à CDI.
A restrição a importações fez com que a Volkswagen, a Willys-Overland e a
Mercedes-Benz instalassem unidades de montagem no país sem, contudo, objetivar
grandes escalas [Santos e Burity (2002)]. A explicação para isso era, provavelmente,
a falta de investimentos destinados ao setor automotivo e também de uma polí-
tica estruturada de incentivos governamentais, que começou a mostrar contornos
mais definidos a partir da década de 1950. Entretanto, a demanda por veículos era
crescente e estimulada pela predominância da malha rodoviária no país, em detri-
mento da ferroviária e da aquaviária.
Em 1956, Juscelino Kubitschek assumiu a presidência e lançou o Plano de Me-
tas, que seria determinante para o desenvolvimento da indústria automotiva no
Brasil. O plano foi elaborado com base em estudos e diagnósticos de instituições,
como o então BNDE, e apontava diversos gargalos ou pontos de estrangulamento
estruturais da economia que deveriam ser superados. A substituição de importa-
ções desordenada seria a origem de algumas distorções observadas na indústria.
Uma das metas do plano era a consolidação da indústria automotiva brasileira, com
a redução paulatina e planejada da importação de veículos.
O Conselho do Desenvolvimento (CD), que coordenou o Plano de Metas, tinha, ini-
cialmente, como secretário-executivo o então presidente do BNDE, Lucas Lopes, poste-
riormente substituído por Roberto Campos e Lúcio Meira. A coordenação dos investi-
mentos do setor público era responsabilidade do BNDE. Para facilitar a execução das
metas no setor automotivo, foi criado em 1956 o Grupo Executivo da Indústria Automo-
bilística (GEIA), que também contava com o apoio técnico do BNDE para a formulação e
a execução da política industrial. Os projetos automotivos da época (11 foram aprova-
dos) passavam pela supervisão e pela aprovação do GEIA. O segmento de caminhões foi
priorizado pelo GEIA, em virtude da importância para o sistema de transporte de cargas.
104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Concomitantemente, o governo criou mais mecanismos para conter importa-


ções, como cotas para componentes, incentivos cambiais e fiscais para a produção
local, além de um programa de nacionalização de peças. Em setembro de 1956,
foi lançado o Romi-Isetta, com 70% de conteúdo nacional, que pode ser consi-
derado o primeiro carro de passeio brasileiro. Em 1956, os profissionais do setor
automotivo formaram a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Auto-
motores (Anfavea).
A importância dada ao setor automotivo no Plano de Metas é evidente, uma
vez que foi o único setor industrial definido como prioritário. Os demais setores
estavam ligados à infraestrutura.
A atuação do BNDE foi extremamente relevante para a consolidação da in-
dústria automotiva brasileira. Diversos projetos que mudaram a história do setor
foram aprovados pelo Banco, como a Kombi, o primeiro veículo da Volkswagen
fabricado no país, que obteve financiamento no valor de 20% do valor do inves-
timento. À época, o BNDE financiava o projeto de forma proporcional ao valor
de participação do capital nacional. O BNDE também financiou projeto da Fábrica
Nacional de Motores (FNM), em 1954, da Vemag, em 1958, e da Willys-Overland,
em 1959. Entretanto, os valores desembolsados para o complexo automotivo, que
inclui autopeças, ainda eram de 3,7% dos desembolsos totais entre 1956 e 1960.
Em 1957, registrou-se um volume de vendas de 30,9 mil veículos, que aumentou
para 96,7 mil em 1959 e para 190 mil em 1962. Entre 1960 e 1966, porém, as vendas
do setor automotivo se retraíram, acompanhando a política de restrição monetária
e redução do crédito. Os caminhões foram mais afetados, uma vez que são mais
sensíveis a flutuações econômicas do que os carros de passeio.
Em 1967, durante o governo de Costa e Silva, teve início o período que a li-
teratura denomina de milagre econômico, em decorrência das elevadas taxas de
crescimento observadas, obtidas em grande parte por meio de financiamento ex-
terno. O setor automotivo cresceu a uma taxa anual média de 20% no período. Em
meio a uma expansão acelerada de demanda, propiciada em parte pelas facilidades
de crédito oferecidas, a Ford lançou o Galaxy 500 e adquiriu a Willys-Overland. A
Volkswagen, por sua vez, incorporou a Vemag.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 105

Juntamente com o movimento de consolidação observado, a frota de veículos


de passeio elevou-se bastante entre 1967 e 1973, em comparação com a de cami-
nhões e ônibus, crescendo 13% ao ano contra 5%. Além disso, o setor automotivo
deixou de ser prioridade da política industrial, o que pôde ser observado no primeiro
e no segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O setor foi beneficiado
pelas políticas gerais da indústria, que contemplaram diversos incentivos fiscais e
de exportação, mas não foi objeto de política específica.
Entre 1972 e 1974, a produção automobilística aumentou em quase 50%, ul-
trapassando a barreira dos 500 mil veículos produzidos – vendidos quase em sua
totalidade no mercado interno. A partir de então, com a crise mundial originada
pela súbita elevação dos preços do petróleo e a restrição de crédito, o setor passou
a apresentar redução das vendas e aumento da capacidade ociosa. Sem necessida-
de de investimentos em expansão, o BNDE buscou, então, melhorar as condições
de comercialização das autopeças no exterior, elevar a qualidade e a produtividade
das empresas, incentivar a pesquisa, bem como fortalecer suas estruturas de ca-
pital, inclusive capital de giro [Santos e Burity (2002)]. Em 1975, a Fiat inaugurou
uma fábrica de veículos em Betim (MG) e lançou o seu primeiro modelo no Brasil, o
Fiat 147. À época, as empresas multinacionais já dominavam o mercado brasileiro.
A crise mundial do petróleo, um fato marcante da década, propiciou a criação do
Programa Nacional do Álcool (Proálcool), em 1975, trazendo para o país a visão de
incentivar combustíveis alternativos, apoiada pelo BNDE, que financiou ativamente
a produção de etanol.
A atuação do BNDE durante o período foi significativa, com destaque para o
segmento de autopeças, veículos leves e pesados. Entre 1973 e 1976, mais de 25
projetos foram aprovados, financiando, entre outras, Arteb, Braseixos, Cofap, Má-
quinas Varga, Nakata e Tupy. A política de apoio contemplava o incentivo à comer-
cialização de autopeças externamente, o fortalecimento das empresas de capital
nacional e o incentivo a pesquisas.
No que se refere a veículos pesados, o BNDE financiava fabricantes de imple-
mentos e de carrocerias de ônibus, predominantemente empresas de capital na-
cional. O Banco via como necessária a desverticalização e a formação de empresas
106 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de grande porte, uma vez que a produção de chassis estava concentrada em uma
empresa estrangeira, a Mercedes. Foram apoiadas empresas como Ciferal, Iderol,
Marcofrigo, Randon e Recrusul. O BNDE também incentivou a produção de ônibus,
estimulando, principalmente, a capacitação tecnológica das empresas.
Os principais instrumentos do BNDE que beneficiavam o setor automotivo eram
a FINAME,5 criada em 1966, que já era um importante canal de apoio à comercia-
lização de caminhões e ônibus pesados, e o Funtec, voltado ao desenvolvimento
tecnológico. O Banco também atuava fortemente na formulação de políticas de
apoio ao transporte coletivo e de carga. Uma medida importante nesse aspecto foi
a ampliação, em 1976, do financiamento à comercialização de chassis de ônibus
urbanos, adicionalmente ao apoio já concedido a chassis mais pesados.
Muitos avanços foram realizados no setor automotivo entre o ano de criação
do BNDE e o fim da década de 1970. Todavia, pode-se observar um lag na política
industrial específica voltada ao setor. As medidas não estavam inseridas em um
planejamento estratégico de longo prazo e, apesar de relevantes, não tiveram con-
tinuidade e eram sensíveis às alterações de governo. Talvez por isso não se tenham
desenvolvido grandes fabricantes de veículos de capital nacional. A despeito disso,
o papel do BNDE foi fundamental em um contexto de escassez de financiamentos
de longo prazo por parte do setor privado.
Em 1978, a indústria automobilística superou, pela primeira vez, a marca de um
milhão de veículos produzidos e, em 1979, a de um milhão de veículos vendidos.
No segmento de autopeças, observava-se que, das vinte maiores empresas do setor,
somente seis estavam sob o controle do capital nacional e menos de 10% das em-
presas filiadas ao Sindipeças6 respondiam por 75% do faturamento.
A década de 1980 foi marcada por estagnação econômica, crise da dívida exter-
na e inflação alta e crescente. Em 1981, o país sofreu a primeira queda no PIB desde
1942, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Agravadas
por restrições de crédito e alto desemprego, as vendas de veículos sofreram queda

5
Agência Especial de Financiamento Industrial, subsidiária integral do BNDES.
6
Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 107

abrupta. Foram comercializados apenas 580,7 mil veículos, o que corresponde a


57,2% do recorde de vendas estabelecido em 1979. Nos anos seguintes, o mercado
absorveu entre 600 mil e 700 mil unidades, à exceção de 1986, ano de lançamento
do Plano Cruzado, em que as vendas ultrapassaram 866,7 mil unidades, segundo a
Anfavea. Somente em 1993, o mercado brasileiro alcançaria novamente a marca de
um milhão de veículos comercializados.
A criação da Autolatina, em julho de 1987, foi um acontecimento marcante da
década de 1980 e consistiu em uma joint venture entre a Volkswagen, que detinha
51% das ações da nova empresa, e a Ford, que possuía o restante das ações. Em um
cenário de mercado local e externo deprimidos, as empresas decidiram unir proje-
tos, sistemas, compras, motores, peças etc., a fim de reduzir os custos de produção,
compartilhar tecnologias e ampliar escalas. Mantendo as marcas e as concessioná-
rias próprias, foram desenvolvidos diversos produtos “gêmeos”, como o Volkswa-
gen Apollo e o Ford Verona e o Volkswagen Santana e o Ford Versailles. A Autolati-
na enfrentou problemas por causa da concorrência das empresas em nível mundial,
que dificultava o intercâmbio de conhecimento, da falta de desenvolvimento da
rede de concessionárias e de uma marca única, além da instabilidade econômica
decorrente dos sucessivos planos para controlar a inflação. A Autolatina encerrou
suas atividades em 1994.
De acordo com a Anfavea, os investimentos no segmento de veículos no pe-
ríodo de 1980 a 1989 somaram apenas US$ 5,1 bilhões e, segundo o Sindipeças,
os investimentos em autopeças totalizaram US$ 4 bilhões. O baixo investimento
realizado no período contribuiu decisivamente para a defasagem tecnológica que
a indústria automotiva mostrava no início da década de 1990. O diagnóstico do
setor apontava uma série de problemas, com destaque para a reduzida automação
e eficiência, a falta de competitividade internacional pela fabricação de modelos
defasados tecnologicamente e os altos custos de produção.
Com a progressiva abertura comercial ocorrida a partir de 1990, gerou-se
grande pressão por eficiência e redução dos custos. Diversas medidas governa-
mentais foram editadas na década de 1990. O complexo automotivo voltou a ser
alvo de medidas específicas de política industrial, cruciais para as mudanças que
108 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

seriam observadas. Foram firmados acordos automotivos em 1992 e 1993, com


a participação de membros de entidades representativas dos trabalhadores, do
setor de autopeças, revendedores de veículos, montadoras e governo. Entre os
pontos acordados, destacam-se:
1. redução nos preços dos veículos em 22% por intermédio da redução das alíquo-
tas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto sobre Circula-
ção de Mercadorias e Serviços (ICMS) e das margens das montadoras, fornece-
dores de autopeças e concessionários;
2. compromisso com a manutenção do nível de emprego até junho de 1992 (pos-
teriormente prorrogado até julho de 1993);
3. implementação de um programa de financiamento para aquisição de automó-
veis, caminhões, ônibus e tratores;
4. estabelecimento de metas de produção de 1,2 milhão de veículos em 2003,
1,35 milhão em 1994, 1,5 milhão em 1995 e dois milhões em 2000;
5. realização de investimentos para ampliação da capacidade produtiva e moder-
nização do setor na ordem de US$ 20 bilhões até o ano 2000; e
6. ampliação das parcelas financiadas pela FINAME para caminhões, tratores e
ônibus de 40% para até 60% [Anderson (1999)].
Cabe destacar, ainda, a busca pela modernização de gestão, organização e lo-
gística, que se estendeu inclusive aos fornecedores das montadoras. Observou-se
também um esforço de desverticalização das montadoras.
Em 1993, a indústria automobilística ultrapassou o recorde de vendas de 1979,
com 1,13 milhão de unidades vendidas. As vendas cresceram ano após ano até
1997, quando mais de 1,9 milhão de unidades foram comercializadas.
Em junho de 1995, foi instituído o Regime Automotivo Brasileiro,7 por meio da
Medida Provisória 1.024/95. Com o propósito de modernizar o parque industrial,
acelerar o investimento e ampliar a competitividade externa do setor, consolidan-
do-o no Mercosul, abrangeu incentivos fiscais para as empresas que decidissem se
instalar no Brasil e incentivos diferenciados para aquelas que optassem por implan-

7
O Regime Automotivo Brasileiro foi reeditado várias vezes e convertido em lei em março de 1997 (Lei 9.449/97).
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 109

tar fábricas nas regiões menos desenvolvidas. O imposto de importação sobre veí-
culos foi reduzido em até 50% para montadoras instaladas ou que tinham planos
de produção firmados no país. No caso de máquinas, equipamentos e ferramental,
entre outros itens, a redução foi de 90%. Também houve redução de IPI incidente
na aquisição de matéria-prima, partes, peças, componentes, conjuntos, subconjun-
tos e pneumáticos.
O Regime Automotivo ajudou a mitigar as incertezas existentes quanto ao
futuro do setor e estimulou o anúncio de uma série de investimentos em novas
fábricas no Brasil. Segundo Santos e Burity (2002), no período de 1996 a 19998
foram apoiados projetos de cerca de US$ 18 bilhões no âmbito do regime. Entre
1995 e 2002, os principais investimentos foram as novas fábricas de veículos da
Honda em Sumaré (SP), da General Motors em Gravataí (RS) e da Renault em São
José dos Pinhais (PR). Contando com a participação do BNDES,9 destacam-se as
novas plantas da Volkswagen Caminhões e Ônibus (atualmente MAN Latin Amé-
rica) em Resende (RJ), da Toyota em Indaiatuba (SP), da DaimlerChrysler, atual
Mercedes, em Juiz de Fora (MG), da Volkswagen-Audi em São José dos Pinhais
(PR), da Ford em Camaçari (BA), da Peugeot Citroën em Porto Real (RJ) e da Iveco
em Sete Lagoas (MG). Além das unidades produtoras de veículos, destaca-se o
surgimento de vários novos fornecedores, muitos inseridos em condomínios ou
consórcios industriais.
Vale destacar que os investimentos do período levaram à significativa descon-
centração industrial. No início da década de 1990, os estados de São Paulo e Minas
Gerais eram responsáveis por quase toda a produção de veículos.
A partir de 1995, o BNDES passou a conceder apoio financeiro a empresas mul-
tinacionais, eliminando a distinção entre empresas de capital nacional e de con-
trole de capital estrangeiro. Desde então, um dos setores que mais aumentaram
sua participação nos financiamentos do Banco foi o automobilístico, dominado por
montadoras multinacionais [Prates, Cintra e Freitas (2000)].

8
O Regime Automotivo vigorou até 31 de dezembro de 1999.
9
Com a integração das preocupações sociais à política de desenvolvimento, o BNDE passou, em 1982, a se chamar BNDES.
110 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Os investimentos realizados entre 1991 e 2001 foram de US$ 17,5 bilhões por
parte das montadoras e de US$ 11,9 bilhões por parte das autopeças, segundo a
Anfavea e o Sindipeças, respectivamente. No mesmo período, segundo Santos e
Burity (2002), os desembolsos do BNDES foram de US$ 2,1 bilhões para as montado-
ras e de US$ 1,5 bilhão para as autopeças. Entre os anos de 1997 e 2001, nos quais
os investimentos se concentraram, o Banco aprovou 11 projetos de montadoras de
veículos e cinco de fabricantes de motores (item importante por causa do conside-
rável efeito sobre o restante da cadeia produtiva). Além disso, cerca de trinta em-
presas foram apoiadas, das quais oito eram novas no país e vinte estavam operando
com o BNDES pela primeira vez.
No tocante à FINAME, destaca-se a inclusão de caminhões e ônibus médios e
leves nos itens financiáveis. No caso dos ônibus, o apoio também foi estendido aos
micros. A fim de melhorar o transporte público, a FINAME conferiu condições mais
favoráveis para ônibus [Santos e Burity (2002)].
O Brasil vivenciou, portanto, uma mudança quantitativa e qualitativa mui-
to relevante no complexo automotivo desde a criação do BNDES. Observaram-se
nítida evolução tecnológica, aumento na concorrência com a chegada de novos
players, significativo salto na produtividade e expressivo crescimento da capa-
cidade produtiva e do mercado interno. O parque industrial modernizou-se e
diversificou-se, com considerável fortalecimento das empresas conhecidas como
sistemistas.10 Contudo, a análise do período evidencia a deficiência na coordena-
ção e na continuidade das políticas industriais adotadas para o setor automotivo
desde a década de 1950, com um lag marcante principalmente nas décadas de
1960, 1970 e 1980. O timing na formulação de políticas públicas pode ser crucial
para o desenvolvimento de um setor, uma vez que existem janelas de oportunida-
des que se fecham com o tempo.

10
Empresas que fornecem sistemas ou conjuntos diretamente para as montadoras.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 111

3. A NO VA FA S E D A IN D Ú S T R IA
AUTO M O TI VA B R A S IL E IR A : 2 0 0 2 A 2 011

conteXto: 2002 A 2011

O setor automotivo nacional apresentou retração na produção e nas vendas no fim


da década de 1990, em um contexto de crises internacionais e de elevação das taxas
de juros e inflação no Brasil. As vendas de veículos ficaram estagnadas e, a partir de
então, os principais investimentos observados no setor foram direcionados, primor-
dialmente, à modernização das fábricas ou a lançamentos de novos veículos, uma
vez que o nível de capacidade ociosa permanecia elevado.
Nesse contexto, no início dos anos 2000, era um desafio para a indústria manter
sua capacidade ocupada para reduzir os custos fixos e os prejuízos. O conceito e a
produção efetiva de veículos populares foram importantes para mitigar os efeitos
negativos que o setor automobilístico enfrentava. Também foi observado o aumen-
to das exportações, que impulsionou a recuperação da indústria até 2003 [Goldens-
tein e Casotti (2008)].
A partir de 2003, a demanda voltou a se aquecer, impulsionada pela relativa es-
tabilização da economia e pela redução progressiva das taxas de juros. Entre 2004
e 2007, as vendas do setor automotivo cresceram a taxas próximas a 15% ao ano, o
que evidencia um período de boom no setor. Esses resultados sustentam a visão de
que o Brasil se consolidou como um dos principais mercados do mundo na indústria
automobilística, tanto do lado da demanda quando da oferta, na primeira metade
da última década. De fato, o mercado interno foi o principal fator de crescimento
da indústria automotiva do país na última década, o que faz o Brasil ser comparado
a outros mercados com alto potencial de crescimento, como China, Índia e Rússia.
Em 2003, as exportações brasileiras de veículos elevaram-se em quase 48%, o
que reflete o efeito do real desvalorizado em relação ao dólar. A partir de 2005,
houve reversão na tendência. A apreciação cambial e o dinamismo do mercado
interno podem explicar, em parte, a queda observada nas exportações de veículos,
conforme analisado adiante.
112 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A crise financeira mundial deflagrada no último trimestre de 2008 impactou


significativamente o setor automotivo. As vendas declinaram 23,7% em relação
ao terceiro trimestre. Todavia, os bons resultados dos trimestres anteriores possi-
bilitaram novo recorde de produção e vendas no país em 2008. A atuação anticí-
clica do governo brasileiro, reduzindo o IPI incidente sobre os veículos e amplian-
do o crédito aos bancos das montadoras, surtiu efeito rapidamente. A partir de
março de 2009, a produção e as vendas retomaram os níveis do período pré-crise.
A atuação do BNDES, por meio do Programa de Sustentação do Investimento
(PSI), também foi importante. Ao reduzir o custo de máquinas e equipamentos, o
PSI ajudou montadoras e empresas de autopeças a realizar diversos investimentos
planejados, além de contribuir com o dinamismo do mercado de veículos pesados
ao financiá-los a taxas menores.
Apesar da atuação do BNDES, os investimentos do setor automotivo sofreram
queda em 2009, principalmente no segmento de autopeças. Segundo o Sindipeças,
os investimentos reduziram-se 70% em relação a 2008, de US$ 2,1 bilhões para
apenas US$ 631 milhões. Analisando o período, observa-se que o segmento de veí-
culos ampliou o volume de inversões continuamente (exceto 2003 e 2009) e que o
segmento de autopeças, embora tenha ampliado os valores absolutos investidos
nos últimos anos, não conseguiu acompanhar os investimentos das montadoras
no período de 2007 a 2011 (ver Gráfico 1). No período de 2002 a 2011, foram in-
vestidos US$ 33,7 bilhões, dos quais US$ 20,7 bilhões pelo segmento de veículos e
US$ 13 bilhões pelas autopeças.
Nos anos de 2010 e 2011, a despeito da conjuntura internacional adversa marca-
da pela crise europeia, a economia brasileira cresceu 7,5% e 2,7%, respectivamen-
te. O setor automotivo acompanhou o bom momento da economia e, em 2010, os
licenciamentos superaram pela primeira vez a marca de 3,5 milhões de unidades.
Em 2011, a produção cresceu 0,7% e as vendas, 3,4%, em relação a 2010.
O padrão de crescimento da produção e das vendas observado na primeira me-
tade da década analisada é coerente com a mudança de estratégia das principais
montadoras mundiais, que passaram a priorizar os mercados emergentes em de-
trimento dos mercados do hemisfério norte, considerados maduros pela indústria.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 113

Gráfico 1 Veículos e autopeças – investimentos

5.000

4.500

4.000

3.500
US$ MILHÕES

3.000

2.500

2.000

1.500

1.000

500

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011*

Veículos Autopeças

Fontes: Anfavea e Sindipeças.


* Investimentos em veículos – estimativa.

No tocante ao setor externo, observa-se crescimento acentuado das importa-


ções de veículos a partir de 2004. As vendas de importados aumentaram 1.290%
entre 2004 e 2011. Em 2004, foram importados 61.722 veículos e, em 2011, 858.027
veículos, o que representou 23,6% das vendas totais. A maior parte das importa-
ções originou-se da Argentina, da Coreia do Sul e do México. Nos últimos anos,
todavia, a participação chinesa cresceu consideravelmente, suscitando preocupação
do governo e das montadoras instaladas no Brasil. Concomitantemente, as exporta-
ções de veículos descreveram trajetória descendente a partir de 2005, conforme já
mencionado, recuperando-se parcialmente apenas em 2010 e 2011 (ver Gráfico 2).
Nesse contexto, verifica-se a expressiva deterioração do saldo comercial no setor de
veículos, com surgimento de déficits a partir de 2008. Para tal cenário, contribuíram
a infraestrutura deficiente, que aumenta os custos logísticos da exportação, o di-
namismo do mercado doméstico e o câmbio apreciado. Pelo lado das importações,
cabe ressaltar que a estagnação dos mercados dos países desenvolvidos propiciou
a vinda de parte do excedente de veículos não comercializados para o Brasil. Pelo
114 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

lado das exportações, acrescenta-se o fato de que os mercados dos países emer-
gentes, principal destino das exportações brasileiras de veículos, estão bem mais
disputados, tanto pelo mencionado excedente de veículos advindos dos mercados
maduros quanto pelo ingresso de modelos orientais a preços competitivos.

Gráfico 2 Veículos – evolução dos principais indicadores

4.000.000

3.500.000

3.000.000

2.500.000
UNIDADES

2.000.000

1.500.000

1.000.000

500.000

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Produção Licenciamentos Exportação Importação

Fonte: Anfavea (2011).

A nova agenda do setor automotivo e a adequação


das políticas públicas
A abertura comercial observada no país na década de 1990 alterou significativa-
mente a situação da indústria automotiva. A intensificação do comércio interna-
cional proporcionou maior contato com a tecnologia externa, o que pôde ser mais
bem percebido no início da década de 2000. Os veículos fabricados no Brasil redu-
ziram consideravelmente sua defasagem tecnológica em relação aos carros produ-
zidos na Europa e nos Estados Unidos. Ademais, a entrada de novos concorrentes
estimulou o aumento da eficiência produtiva e a atualização dos modelos.
Na década analisada nesta seção, que vai de 2002 a 2011, observam-se novos
contornos na conjuntura do setor automotivo. Novos conceitos passaram a ser consi-
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 115

derados estratégicos e essenciais para a indústria, como o desenvolvimento tecnoló-


gico contínuo, investimentos em engenharia automotiva e a adequação dos veículos
a requisitos ambientais e de segurança. O desenvolvimento dos veículos passou a
ser global, envolvendo engenharia compartilhada entre filiais de diversos países e
a matriz. A busca por novas tecnologias passou a ser muito relevante, e a inovação
tornou-se prioridade para o desenvolvimento das empresas. A fabricação de veículos
híbridos e elétricos, ainda que incipiente, já é realidade em diversos mercados, o que
iniciou uma corrida tecnológica entre os principais players do setor.
Para que o setor automotivo do país se adeque à nova agenda da indústria, as polí-
ticas públicas devem ser redirecionadas. A política industrial automotiva está sendo re-
formulada atualmente, com o Novo Regime Automotivo, que começou a ser delineado
pelo governo em 2011. De fato, é necessário que exista uma política industrial especí-
fica e continuada para o setor, que esteja inserida em um planejamento industrial es-
tratégico de longo prazo. Possíveis falhas na antecipação dos movimentos de mercado
por parte dos formuladores de políticas públicas podem ter levado à sua inadequação,
o que explicaria, em parte, os lags de políticas específicas destinadas ao setor.
A ação do BNDES é determinante para o desenvolvimento do setor automotivo
no país, associada à reformulação das políticas do governo voltadas ao segmento.
A definição da inovação, incluindo investimentos em engenharia, como tema prio-
ritário na agenda do BNDES ocorreu na última década e marca uma nova era nas
políticas do Banco.
A próxima subseção detalha a atuação do BNDES entre 2002 e 2011, com foco
na atuação dinâmica das políticas adotadas, e analisa sua relevância.

A atuação do BNDES
Análise dos desembolsos
Na última década, foram desenvolvidos novos canais de financiamento que esti-
mularam a indústria automotiva, de forma direta e/ou indireta. A participação do
BNDES no setor elevou-se consideravelmente nos últimos dez anos em termos ab-
solutos, como evidencia a Tabela 1, que mostra os desembolsos do BNDES para
financiar as montadoras e empresas de autopeças.
116 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 1 Desembolsos do BNDES para o setor automotivo*

Ano Desembolsos a preços de 2011** (R$ milhões) % do desembolso do BNDES

2002 2.880 3,90

2003 4.267 7,92

2004 3.784 6,47

2005 6.543 10,04

2006 7.070 10,11

2007 3.976 4,72

2008 5.368 5,07

2009 6.786 4,34

2010 6.284 3,44

2011 4.659 3,35

Fonte: BNDES.
* Os desembolsos referem-se à Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
Seção C, Divisão 29, Grupos 29.1, 29.2, 29.3, 29.4 e 29.5. Essa divisão compreende a fabricação de veículos automotores para transporte de
pessoas e mercadorias e a fabricação de cabines, carrocerias, reboques e semirreboques para veículos automotores. Essa divisão compreende
também a fabricação de peças e acessórios, de material elétrico e eletrônico, de bancos e estofados para os veículos automotores produzidos.
Não compreende a manutenção e a reparação de veículos automotores (reproduzido do site do IBGE e modificado pelos autores).

** Todos os valores desta subseção estão a preços de 2011 e foram corrigidos pelo IGP-DI.

Os desembolsos do BNDES para financiar o setor automotivo – montadoras e


autopeças – somaram R$ 51,6 bilhões no período de 2002 a 2011, representando,
em média, quase 6% do total. Observa-se que a partir de 2005 houve significativa
elevação dos desembolsos para o setor, o que coincidiu com o período de relativa
estabilização da economia e aquecimento da demanda interna. De fato, os finan-
ciamentos às montadoras na primeira metade da década analisada contemplaram
basicamente a modernização e o lançamento de novos veículos, uma vez que ainda
existia capacidade ociosa na indústria.
Embora os desembolsos ao setor automotivo tenham crescido em termos abso-
lutos na segunda metade da década analisada, observa-se uma queda paulatina em
relação ao total de desembolsos do BNDES. O que pode explicar, parcialmente, essa
redução é o novo ciclo de investimentos observado no setor a partir de 2008, quando
a capacidade instalada mostrava os primeiros indícios de esgotamento. Investimen-
tos em ampliação da capacidade tardam um pouco a serem maturados e, dessa for-
ma, existe uma demora a se refletirem nos desembolsos do BNDES. Ademais, a crise
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 117

financeira mundial iniciada nos Estados Unidos no fim de 2007 – e sentida no Brasil
em meados de 2008 – teve impactos nas expectativas dos investidores, o que adiou
planos de investimentos já fechados das montadoras e empresas de autopeças. Outro
fator que influenciou na redução da proporção dos desembolsos ao setor automo-
tivo foi o aumento dos desembolsos totais do BNDES, sensivelmente ampliados na
última década. Entre 2002 e 2010, os desembolsos mais do que quadruplicaram. Se o
ano de 2011 for considerado, porém, o aumento observado foi de 3,6 vezes.
O apoio do BNDES ao complexo automotivo também contempla diversos canais
que não estão incluídos nos dados de desembolso da Tabela 1, como a comerciali-
zação de caminhões para empresas de outros setores por intermédio do produto
BNDES Finame. Quando uma empresa do setor de bebidas adquire um caminhão,
por exemplo, essa ação é contabilizada como desembolso ao segmento de bebidas,
e não ao setor automotivo. Tal apoio à comercialização é, todavia, fundamental
para o setor automotivo, já que as vendas de veículos pesados no Brasil dependem,
em sua maioria, de operações de crédito.
Para o setor de caminhões e ônibus, o credenciamento dos produtos na Finame
é decisivo para a competitividade dos produtos. A possibilidade de financiamento
à compra de produtos de alto valor agregado com taxas de juros competitivas e
longo prazo de amortização é de fundamental importância para o setor. As receitas
originadas de vendas via Finame são as mais relevantes para os veículos pesados.
Com isso, é induzido o desenvolvimento de fornecedores nacionais para o co-
design e a fabricação de componentes, gerando um efeito em toda a cadeia produ-
tiva. Esse fenômeno ocorre em diversos outros setores.
Pode-se afirmar que o produto BNDES Finame é um dos mais eficazes e dura-
douros instrumentos de política industrial do país.

Principais canais de financiamento do BNDES ao setor automotivo


Inovação
A década de 2002 a 2011 foi de mudanças para o BNDES, que incorporou às suas
Políticas Operacionais o incentivo à inovação como prioridade. Entende-se como ino-
vação, no presente artigo, não só mudanças significativas ou disruptivas, que incluem
118 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

risco tecnológico, mas também as alterações incrementais nos produtos ou nos pro-
cessos, como aprimoramentos na mecânica, no design e na performance do veículo.
Essa visão se justifica pelo fato de que, dependendo do segmento e do estágio de de-
senvolvimento considerado, as mudanças incrementais nos produtos e nos processos
são mais relevantes do que o desenvolvimento de um novo produto, por exemplo.
No caso do setor automobilístico, a tecnologia utilizada na produção dos veí-
culos não será alterada de forma significativa em curto prazo, a não ser que haja
uma mudança súbita na rota tecnológica. Um exemplo seria o desenvolvimento de
baterias eficientes capazes de tornar realidade a produção e a comercialização em
grande escala de veículos elétricos. Contudo, em curto prazo, o que faz as monta-
doras se tornarem competitivas é o desenvolvimento na engenharia incremental de
produtos e processos.
A seguir, são detalhados os principais canais de financiamento à inovação
do BNDES.
Em 2006, o BNDES criou duas linhas: Inovação PD&I e Inovação Produção. Logo
depois, em 2007, o texto das Políticas Operacionais foi modificado, apresentando
a redação a seguir:

Alguns avanços em direção à inovação já vem inegavelmente sendo fei-

tos no âmbito do BNDES (como, por exemplo, mediante o Profarma).

Daqui por diante, contudo, o apoio à Inovação, além de não ficar res-

trito a segmentos tecnologicamente sofisticados da indústria, passa a

constar entre as prioridades máximas do BNDES.

Em consonância com a nova definição estratégica do Banco, foi criado o Pro-


grama de Apoio à Engenharia Automotiva, em 2007. O programa objetivava,
inicialmente, o fortalecimento das áreas de engenharia das empresas ligadas ao
complexo automotivo, ao estimular o aprimoramento das competências e do co-
nhecimento técnico no país. De fato, o programa foi bem-sucedido, com desembol-
sos de R$ 374,5 milhões durante sua vigência, até 2009.
Em 2008, as linhas originais de inovação foram substituídas pelas linhas Inovação
Tecnológica e Capital Inovador. A primeira objetivava, sinteticamente, apoiar projetos
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 119

de pesquisa e desenvolvimento ou inovação de produtos e processos novos ou signi-


ficativamente aprimorados que envolvessem risco tecnológico. A Linha Capital Inova-
dor, por sua vez, tinha o objetivo de apoiar esforços inovativos – infraestrutura física e
ativos tangíveis e intangíveis –, inclusive apoio a incubadoras e a parques tecnológicos.
Em 2009, o Programa de Apoio à Engenharia Automotiva foi ampliado para ou-
tros setores e passou, então, a se chamar BNDES Proengenharia. Além do automo-
tivo, passaram a ser financiados os setores de bens de capital, defesa, aeronáutico,
aeroespacial, nuclear e a cadeia de fornecedores das indústrias de petróleo e gás
e naval. Considerando apenas o BNDES Proengenharia, os desembolsos realizados
para o setor automotivo até abril de 2012 somavam, aproximadamente, R$ 933,3
milhões. A soma dos desembolsos do Programa de Apoio à Engenharia Automotiva
e do BNDES Proengenharia, considerando só o setor automotivo no caso do segun-
do, foi de R$ 1,3 bilhão entre 2007 e 2012.
De fato, a criação do BNDES Proengenharia foi muito relevante, por se tratar
de uma medida direcionada e específica de incentivo ao setor automotivo e por
financiar o capital intangível das empresas. O programa, portanto, pode ser consi-
derado um marco na atuação do Banco no incentivo ao setor. A partir da segunda
metade da década analisada, o BNDES Proengenharia financiou diversas atividades
relacionadas à concepção e à reestilização de veículos, o desenvolvimento de novos
motores para veículos pesados adequados às exigências da legislação ambiental,
bem como a implantação, a ampliação e a modernização de centros de engenharia
nas empresas produtoras de veículos e autopeças. O programa oferece relevan-
te vantagem competitiva para os fabricantes instalados no país, pois fortalece as
subsidiárias nacionais das montadoras e dos sistemistas nas disputas intercompany
para a concepção e a realização física de projetos.
A localização de projetos no país é fundamental para o desenvolvimento do
setor, por permitir atualização tecnológica dos produtos, geração de receitas de
royalties e exportação, desenvolvimento de fornecedores, aumento de compra de
componentes nacionais etc.
Também em 2009, foi recriada a Linha Inovação Produção, com o objetivo de
financiar investimentos de implantação, expansão e modernização da capacidade
120 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

necessárias à absorção dos resultados do processo de pesquisa e desenvolvimento


ou inovação. A linha também podia financiar pesquisa e desenvolvimento ou ino-
vação que apresentassem oportunidade comprovada de mercado, incluindo o de-
senvolvimento de inovações incrementais de produtos ou processos. Desde então,
as linhas de inovação foram alteradas diversas vezes, com várias mudanças de taxas
e, em menor parte, no conteúdo.
O setor automotivo auferiu consideráveis benefícios com a criação dos canais
de financiamento mencionados. Todavia, em decorrência do estágio atual de de-
senvolvimento do setor automotivo, o financiamento a projetos por meio de canais
que contemplam inovações incrementais nos produtos e processos é mais usual
do que por meio das linhas de inovação destinadas a alterações significativas com
elevado risco tecnológico. Isso ocorre, justamente, pelo contexto atual da indústria
automotiva, em que inovações incrementais na engenharia dos produtos e proces-
sos são mais frequentes do que inovações disruptivas. Em médio e longo prazos, o
apoio a novos modelos de tração híbrida e elétrica, ao desenvolvimento de bate-
rias, a sistemas de automatização integrados e ao uso de combustíveis alternativos
deve se tornar imprescindível à indústria. Dessa forma, deve-se observar um movi-
mento em que as inovações que envolvem risco tecnológico e alterações significati-
vas em produtos e processos se tornem mais usuais nos financiamentos do BNDES,11
o que pode ser considerado positivo. Na verdade, é positivo não porque a inovação
com risco tecnológico e disruptiva seja necessariamente mais nobre, na opinião dos
autores, mas porque esse movimento será requerido pelas novas rotas tecnológicas
a serem desenvolvidas no setor nos próximos anos. Uma discussão mais profunda
sobre as possíveis rotas tecnológicas será realizada na próxima seção.
Recentemente, em 2012, foi aprovada a unificação das linhas de inovação do
BNDES, o que vai ao encontro da ideia de que as inovações incrementais podem ser
tão ou mais relevantes, dependendo do segmento de atuação e do seu estágio de
desenvolvimento.

11
Entre os projetos apoiados pelo BNDES que não incluem apenas inovações incrementais está o desenvolvimento de sistemas de
tração elétrica para veículos híbridos e elétricos e de um sistema de propulsão híbrido flex.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 121

Programa de Sustentação do Investimento (PSI)


O PSI foi criado em 2009, em um contexto de crise financeira internacional e retra-
ção do crédito. O programa foi extremamente importante para a manutenção do
crescimento da indústria automotiva, pois permitiu a realização de investimentos
planejados pelas montadoras e fabricantes de autopeças, ao baratear os custos de
financiamento de bens de capital. Além disso, o PSI ajudou a manter o dinamismo
do segmento de veículos pesados, que obtiveram condições financeiras melhoradas
para a venda de seus produtos.
Posteriormente, o PSI incorporou incentivos para a aquisição de ônibus com
tração híbrida e elétrica, financiando-os a uma taxa de 5% ao ano, prazos de amor-
tização alongados e taxas de participação elevadas do BNDES no investimento.

BNDES Finem – capacidade produtiva


O produto BNDES Finem – Capacidade Produtiva foi um dos principais canais de
financiamento do Banco historicamente, financiando a implantação, a ampliação,
a recuperação e a modernização de ativos fixos em diversos setores da economia.
O Finem será um dos principais instrumentos de apoio do BNDES ao amplo pacote
de investimentos planejado pelas montadoras e autopeças para os próximos anos.
No período de 2002 a 2011, os desembolsos do BNDES no âmbito do BNDES Finem
para as montadoras e autopeças foram de cerca de R$ 9,6 bilhões, o que mostra a
sua relevância para o setor.

BNDES Exim
O crescimento das importações de veículos na última década tem sido um potencial
problema para a competitividade das montadoras instaladas no país e, consequen-
temente, tem sido objeto de preocupação do governo. Desde 2008, o setor apre-
senta déficits na balança comercial. Para uma análise mais detalhada da conjuntura
de comércio exterior do setor automotivo brasileiro, vide Barros e Pedro (2011).
Em 1995, foi criado o produto BNDES Exim, que estimula as exportações do
setor automotivo e de outros setores. Até hoje, por meio da Linha Exim Pré-Em-
barque, o produto tem relevância para estimular a indústria automotiva, uma vez
122 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

que a fabricação de produtos destinados à exportação com alto valor agregado não
dispõe de muitas linhas de financiamento no mercado, especialmente com custo e
prazos favoráveis. A Linha Pós- Embarque, por sua vez, apoia a comercialização no
exterior de diversos bens definidos nas Políticas Operacionais, inclusive automóveis,
e serviços. De 2002 a 2011, os desembolsos relativos ao BNDES Exim que beneficia-
ram a indústria automotiva somaram cerca de US$ 16,2 bilhões.

BNDES Procaminhoneiro
A atuação do BNDES no setor automotivo observada até a década de 1990 esteve
apoiada consideravelmente no estímulo à comercialização de veículos pesados e
implementos rodoviários, pois o Banco só passou a financiar as montadoras de veí-
culos leves de forma significativa a partir de então. Apesar do aumento ao financia-
mento às montadoras nas décadas de 1990 e 2000, o apoio do BNDES à compra de
veículos pesados continua marcante e evoluiu bastante nos últimos anos.
Em 2006, foi criado o Programa BNDES de Financiamento a Caminhoneiros –
BNDES Procaminhoneiro. Além do caminhoneiro autônomo, o programa financia
empresários individuais e microempresas na aquisição de caminhões e afins12 de ori-
gem nacional, novos e usados com até 15 anos de fabricação. As condições mais
favoráveis do programa contribuem para acelerar a renovação da frota brasileira de
caminhões, considerada bastante antiga e poluente. Os desembolsos direcionados ao
programa foram de cerca de R$ 9,8 bilhões desde a sua criação. Cabe destacar que o
programa é um dos poucos instrumentos do Banco direcionados à pessoa física.

Produto BNDES Finame


Na última década, o apoio à comercialização de ônibus e caminhões por meio do
produto BNDES Finame foi fundamental para o dinamismo do segmento no Brasil,
tendo em vista que o sistema bancário nacional concentra sua atuação em operações
de curto prazo e que a maioria das vendas é realizada a prazo. A Finame é o princi-

12
Chassis, caminhões-trator, carretas, cavalos-mecânicos, reboques, semirreboques, incluídos os tipo dolly, tanques e afins,
devidamente registrados no órgão de trânsito competente, e carrocerias para caminhões.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 123

pal funding utilizado para aquisição de ônibus e caminhões no Brasil. No período de


2003 a 2011, os desembolsos do BNDES para a comercialização de ônibus, caminhões,
implementos rodoviários e carrocerias foram de aproximadamente R$ 137,8 bilhões.

Cartão BNDES
O produto Cartão BNDES, criado em 2003, é um canal de financiamento de até R$ 1 mi-
lhão por cartão, por banco emissor,13 e é voltado exclusivamente para micro, pequenas
e médias empresas. Pelo fato de o crédito ser aprovado previamente, o Cartão BNDES
confere bastante agilidade às empresas de menor porte para aquisição dos produ-
tos credenciados necessários ao negócio, além de oferecer condições facilitadas, como
prestações mensais fixas, o que amplia a previsibilidade do fluxo de caixa das empresas.
Especificamente em relação ao setor automotivo, o leque de produtos cadastrados é
bastante amplo e contempla diversos tipos de autopeças, pneus e veículos, inclusive
ônibus e caminhões. Os desembolsos do Cartão BNDES para aquisição de produtos do
setor automotivo totalizaram cerca de R$ 4,1 bilhões entre 2003 e 2011.

BNDES Revitaliza
O apoio às autopeças foi reforçado com a inclusão, em 2011, dos fabricantes do
segmento no programa BNDES Revitaliza, criado originalmente em 2007. Conce-
bido para apoiar empresas que atuam em setores adversamente afetados pela
conjuntura econômica internacional, o programa poderá ser útil tanto para finan-
ciamento aos investimentos em modernização e ampliação de capacidade quanto
para financiamento à produção destinada à exportação por empresas do segmen-
to, considerado um elo frágil da cadeia automotiva.

Programa Fundo Clima


Criado pela Lei 12.114, de 9 de dezembro de 2009, e regulamentado pelo Decreto 7.343,
de 26 de outubro de 2010, o Fundo Clima é um dos instrumentos da Política Nacional
sobre Mudança do Clima e é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. O BNDES é

13
Cada empresa pode ter até cinco Cartões.
124 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

agente financeiro do Fundo Clima e, por meio do programa, vai aplicar a parcela de
recursos reembolsáveis do fundo visando mitigar as mudanças climáticas.
Com a aprovação do programa pelo BNDES, em 2011, o apoio a tecnologias
mais sustentáveis do ponto de vista ambiental foi reforçado. Por meio do subpro-
grama Modais de Transporte Eficientes, o Programa Fundo Clima apoia não apenas
a aquisição de ônibus híbridos e elétricos, mas também aqueles movidos a biocom-
bustíveis cadastrados no BNDES, com destaque para o etanol. Além de financiar a
aquisição, o programa financia também a instalação de capacidade produtiva para
a fabricação de ônibus híbridos e elétricos.

4. O F UTUR O D O S E T OR A U T OM OT IV O
B R AS I L EI R O
perspectivAs

As perspectivas para o setor automotivo no Brasil são bastante positivas. O cresci-


mento da economia observado nos últimos anos, o mercado doméstico em expan-
são, a ampliação da classe média e o aumento real do salário mínimo, associados
à estagnação dos mercados maduros, tornam o Brasil um dos países centrais na es-
tratégia das principais montadoras mundiais.14 Com as oportunidades reduzidas na
Europa, nos Estados Unidos e no Japão, outros países em desenvolvimento, como
a China, a Índia, a Rússia e o México, deverão experimentar anos de prosperidade
no setor. Dessa maneira, vislumbra-se que a participação dos países em desenvol-
vimento na produção mundial de veículos deve seguir em ascensão. Tal tendência
é observada desde a década de 1980, mas foi acentuada nas duas últimas décadas.
Conforme pode ser observado na Tabela 2, a participação de Estados Unidos, Japão,
Alemanha, França e Reino Unido, países tradicionais na indústria automobilística,
na produção global caiu de 68%, em 1991, para 33,9%, em 2011. No mesmo perío-
do, a participação do Brasil mais do que dobrou, passando de 2% para 4,3%. A Chi-

14
Os autores estimam uma razão habitante por veículo de 6 para o Brasil, bem acima da razão observada nos países desenvolvidos
(em torno de 1,5) e, também, maior do que a observada em países como méxico (3,6) e Argentina (4,5). Essa estatística evidencia o
potencial do mercado automobilístico brasileiro para os próximos anos.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 125

na foi o grande destaque individual, com a participação saltando de apenas 1,5%


para 23% no período. Vale destacar que, no ano de 2009, a China passou a ocupar
o posto de maior fabricante de veículos do mundo.

Tabela 2 Participação dos países na produção mundial (%)

  1981 1991 2001 2011

Japão 30,1 28,0 17,4 10,5

Alemanha, França e Reino Unido 22,4 21,4 19,5 12,6

Estados Unidos 21,4 18,6 20,3 10,8

Brasil 2,1 2,0 3,2 4,3

China n.d. 1,5 4,1 23,0

Outros 24,0 28,5 35,5 38,8

Fontes: Wards apud Ferreira (2010) e OICA.


A partir do cenário descrito, vultosos volumes de investimento estão previstos
para o setor no Brasil nos próximos anos. Para o quadriênio compreendido entre
2012 e 2015, os investimentos planejados de montadoras associadas à Anfavea são
de US$ 22 bilhões, ou cerca de R$ 41,8 bilhões.15 Além disso, as newcomers devem
investir US$ 3,5 bilhões,16 cerca de R$ 6,6 bilhões. Essas inversões consolidam a po-
sição do Brasil como um dos maiores produtores de veículos do mundo (sétimo
maior produtor mundial em 2011, segundo dados da Organisation Internationale des
Constructeurs d’Automobiles (OICA), e quinto maior mercado) e o maior produtor
da América Latina. Para o segmento de autopeças, o investimento previsto é de
US$ 10 bilhões (Sindipeças), aproximadamente R$ 19,0 bilhões.
A atual capacidade instalada da indústria automobilística é de 4,3 milhões de
veículos por ano.17 Caso os investimentos anunciados sejam, de fato, concretizados,
podem acrescentar uma capacidade de cerca de 2,3 milhões de veículos anuais até
2015. Além de aumento de capacidade, as inversões compreenderão, ainda, o de-
senvolvimento de novos produtos, a reestilização de modelos, a modernização de
plantas etc. Os principais investimentos previstos são descritos no box.

15
Supondo câmbio médio de R$/US$ 1,90 no período.
16
Fonte: Automotive Business (2012).
17
Fonte: Anfavea.
126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Investimentos do setor automotivo no Brasil: perspectivas

A Fiat deve se instalar em Goiana (PE). Serão investidos cerca de R$ 4 bilhões


até 2014 na construção de fábrica com capacidade para até 250 mil veícu-
los por ano, destinados, a princípio, ao mercado doméstico. Além disso, a
Fiat ampliará a fabrica de Betim (MG) para elevar a capacidade dos atuais
800 mil veículos anuais para 950 mil. O lançamento de novos modelos tam-
bém está previsto.
A Volkswagen anunciou planos de investir R$ 8,7 bilhões até 2016 no país.
A unidade de Taubaté (SP) poderá ser ampliada, caso a demanda permaneça
em ascensão. Para a planta de São Bernardo do Campo (SP), a expectativa é de
lançamento de novos produtos.
A General Motors está focada na renovação de sua linha de produtos. Em
fevereiro de 2012, a empresa anunciou investimento de R$ 710 milhões na
construção de nova fábrica de caixas de câmbio em Joinville (SC), que deve
começar a operar em 2014. Investimentos em modernização da produção e
novas tecnologias também estão previstos.
A Ford investirá R$ 4,5 bilhões no Brasil até 2015. Parte desse aporte
(R$ 800 milhões) irá para a fábrica de São Bernardo do Campo (SP) e será
destinada à produção de um carro de plataforma global. Além disso, a
montadora anunciou investimentos de R$ 500 milhões na fábrica de moto-
res e transmissões de Taubaté (SP). Nos planos, estão previstos ainda novos
modelos globais.
A Renault planeja investir cerca de R$ 1,5 bilhão entre 2010 e 2015. Os
investimentos planejados contemplam ampliação de 100 mil unidades por
ano de capacidade na fábrica de São José dos Pinhais (PR), além de criação de
novo centro de engenharia e área para logística. Em abril, o BNDES aprovou
financiamento de R$ 373,5 milhões para a empresa, com vistas ao desenvol-
vimento de novos produtos, investimentos em design, adequação da fábrica
de utilitários, entre outros objetivos.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 127

A Nissan vai construir uma nova planta em Resende (RJ). A capacidade ins-
talada será de 200 mil carros por ano e o investimento será de R$ 2,6 bilhões.
Parte da produção da Nissan permanecerá no Paraná junto à fábrica da Re-
nault. A Nissan almeja o lançamento de dez novos produtos no país até 2016.
A Peugeot Citroën pretende investir no Brasil a um ritmo de R$ 575 milhões
por ano no período de 2012 até 2015. Os recursos serão alocados em diversas
frentes. As principais serão a ampliação da capacidade da fábrica de Porto Real
(RJ) para 300 mil veículos anuais (atualmente, é de 150 mil), a elevação da capa-
cidade de produção de motores, além do desenvolvimento de novos modelos e
da ampliação da rede de concessionárias.
Com financiamento de R$ 307,4 milhões do BNDES, a sul-coreana Hyundai
está finalizando sua primeira unidade fabril no Brasil, em Piracicaba (SP). O inves-
timento previsto foi de US$ 600 milhões. Com capacidade para 150 mil veículos
por ano, a Hyundai vai produzir veículos especialmente projetados para o merca-
do brasileiro com foco no segmento de maior volume, entre eles, o de compactos.
A japonesa Toyota, que já conta com a fábrica de automóveis em Indaiatuba (SP)
e de autopeças em São Bernardo do Campo (SP), prevê finalizar sua segunda fábrica
de automóveis em Sorocaba (SP) no segundo semestre de 2012. Os investimentos
serão de US$ 600 milhões e a expectativa inicial é produzir 70 mil veículos por ano.
A Honda planeja investir mais de R$ 1 bilhão no país até 2014. Os investi-
mentos devem aumentar o índice de nacionalização de componentes e servirão
também à renovação da gama de produtos. Afetada pelo tsunami ocorrido no
Japão em março de 2011, o que resultou em significativa perda de market share,
a Honda pretende comercializar 140 mil unidades no país em 2012.
A Mitsubishi do Brasil18 anunciou, em abril de 2011, investimentos de
R$ 1 bilhão destinados à ampliação da fábrica de Catalão (que alcançará ca-
pacidade de produção de 100 mil veículos por ano), à nacionalização de com-

18
A Mitsubishi do Brasil é a única empresa do grupo japonês que opera de forma independente, sem a participação
da matriz, que fornece componentes para a montagem e recebe royalties pela transferência de tecnologia.
128 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

ponentes e ao lançamento de novos produtos. A montadora pretende ainda


construir uma fábrica de motores até 2014 e ingressar no segmento de sedãs.
As newcomers chinesas JAC e Chery têm planos ambiciosos para o Brasil. A
JAC Motors investirá cerca de R$ 900 milhões na construção de uma fábrica em
Camaçari (BA). A conclusão da obra está prevista para 2014. A capacidade proje-
tada é de até 100 mil veículos por ano. A intenção é produzir modelos de valor
abaixo de R$ 40 mil. A Chery investirá US$ 400 milhões na construção de sua
fábrica em Jacareí (SP) para produção de até 150 mil veículos por ano na etapa
final do projeto. Já em andamento, as obras deverão ser concluídas em 2013. A
Chery pretende alcançar 3% de mercado em 2015 e utilizar a unidade brasileira
para exportar para o Mercosul e o México. Outras empresas chinesas deverão
fazer aportes no país nos próximos anos.
A BMW e a Jaguar-Land Rover também poderão anunciar investimentos
no Brasil nos próximos meses.
No segmento de veículos pesados, a Mercedes-Benz iniciou a produção de
caminhões em Juiz de Fora (MG) no início de 2012, investindo R$ 450 milhões
nas adaptações fabris necessárias, tendo em vista que a fábrica foi inicialmente
concebida para a produção de automóveis de luxo. De 2010 a 2013, a Mercedes
espera investir R$ 1,5 bilhão no Brasil. A empresa estuda retomar a produção de
automóveis no país.
A MAN, fabricante de caminhões e ônibus das marcas MAN e Volkswagen, inves-
tirá R$ 1 bilhão com vistas a duplicar a capacidade produtiva da fábrica de Resende
(RJ) de setenta mil unidades por ano para cento e quarenta mil até 2014. A MAN
buscará ainda desenvolver novas tecnologias, com destaque para modelos híbridos.
A sueca Scania construirá um centro de distribuição de peças em Vinhedo (SP).
O espaço do atual centro, situado dentro do parque fabril da Scania em São Ber-
nardo do Campo (SP), será utilizado para atualização e modernização da fábrica.
A também sueca Volvo está investindo R$ 210 milhões na ampliação da fá-
brica de Curitiba (PR) para a produção de ônibus híbridos com tração elétrica
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 129

e de cabines de caminhão. Em novembro, a Volvo inaugurou sua nova fábrica


de caixas de câmbio no mesmo complexo industrial.
Em virtude da prevalência do modal rodoviário no Brasil e ao bom mo-
mento vivido pela economia doméstica, o segmento de pesados tem quebra-
do recordes de produção e vendas no período recente e, desse modo, vem
atraindo interesse de novos players. A montadora norte-americana Paccar
construirá uma fábrica em Ponta Grossa (PR) para montagem de caminhões da
marca holandesa DAF (pertencente ao Grupo Paccar). O investimento está or-
çado em US$ 200 milhões e a unidade deverá entrar em operação em abril de
2013. As chinesas Sinotruk e Shacman também planejam se instalar no Brasil.
A Shacman pode escolher o estado de Pernambuco para, inicialmente, montar
caminhões em sistema CKD.

Tendências, possíveis rotas tecnológicas e atuação do BNDES

O surgimento de uma nova agenda da indústria automotiva mundial, que priori-


za o desenvolvimento ou a inovação de produtos e processos, torna relevante a
discussão de novas tendências e aspectos relacionados à tecnologia automotiva. A
observação das tendências do setor é crucial, pois possibilita a análise de possíveis
rotas tecnológicas a serem seguidas e, consequentemente, de possibilidades rela-
cionadas a políticas públicas.
A análise de macrotendências relacionadas à estrutura do setor, como a estag-
nação do mercado automotivo nos países desenvolvidos e o dinamismo dos emer-
gentes, a produção por meio de plataformas globais, entre outros, já foi realizada
em diversos artigos sobre o tema, incluindo Barros e Pedro (2011) e Casotti e
Goldenstein (2008). O foco desta seção, todavia, é discutir as principais tendências
relativas à inovação de produtos e processos no setor automotivo brasileiro. Isso
não significa que os canais de apoio tradicionais do BNDES, detalhados na seção
anterior, perderão importância nos próximos anos. Ao contrário, os canais tradi-
cionais devem ser aprimorados e outros mecanismos devem ser desenvolvidos.
130 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Eletromobilidade e combustíveis alternativos


A percepção de que o veículo a combustão utilizado na sociedade moderna não
atende a critérios ambientais básicos é marcante. Com base nessa constatação e na
regulamentação sobre o tema, surge a necessidade de desenvolvimento de alterna-
tivas para o funcionamento básico dos veículos. Uma forte tendência é a chamada
eletromobilidade ou a migração para a tecnologia dos veículos elétricos.
Os veículos puramente elétricos não têm motor a combustão, mas são movi-
dos integralmente a energia elétrica. Essa energia pode ser proveniente de bate-
rias, células de combustível, energia solar ou diretamente da rede elétrica. Embora
existam vários tipos de baterias compatíveis com os veículos,19 não há um padrão
definitivo. As baterias mais promissoras até agora são as de íon-lítio, embora ainda
existam desafios para seu uso em larga escala, como a segurança associada a seu
uso, a performance em condições extremas de temperatura, a durabilidade e o cus-
to da bateria [Castro e Ferreira (2010)].
Dessa forma, não existe ainda uma definição de qual tecnologia será predomi-
nante, o que traz a possibilidade efetiva de investimentos em pesquisa e desenvolvi-
mento no segmento, estimulados por políticas públicas. Os autores entendem que,
anteriormente à disseminação da tecnologia relativa a veículos elétricos, deve haver
uma passagem pela hibridização ou a produção de veículos híbridos, que combinam as
tecnologias a combustão e elétrica. Isso deve ocorrer por causa do custo da bateria e
do motor elétrico, que são inferiores no veículo híbrido, uma vez que tais componentes
são menores. Além disso, há questões como a baixa autonomia da bateria e a infraes-
trutura de recarga, que dificultam o desenvolvimento de veículos puramente elétricos.
O desenvolvimento de uma tecnologia eficiente compatível com o conceito de
eletromobilidade é extremamente meritório do ponto de vista ambiental e inovati-
vo, possibilitando um salto tecnológico que modificaria toda a indústria automotiva.
De fato, existem outras tecnologias possíveis para a redução de emissões de
poluentes, além da eletrificação ou hibridização, como o uso do hidrogênio como

19
As principais baterias existentes são as de chumbo ácido, as de níquel hidreto metálico, as de sódio e as de íon-lítio. Para
informações técnicas referentes a cada uma, ver Castro e Ferreira (2010).
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 131

combustível. Outra alternativa é o investimento em biocombustíveis. Recentemen-


te, no Brasil, tornou-se comum a produção de carros flex fuel, que oferecem a opção
de abastecer com gasolina, etanol ou qualquer combinação dos dois combustíveis.
Os carros flex proporcionam maior flexibilidade ao motorista e são mais sustentá-
veis ambientalmente em relação a veículos movidos por combustíveis fósseis.
Apesar da maior sustentabilidade ambiental proporcionada pelos veículos flex,
eles são menos eficientes que um veículo que só tem motor a gasolina. A explicação
disso está, principalmente, na taxa de compressão do motor.20 Ainda existe espaço
significativo para aprimoramentos tecnológicos nos motores flex fuel, com aumen-
to de sua eficiência energética.
A tentativa de reduzir as emissões de poluentes por meio de biocombustíveis é
muito importante e, talvez, factível em curto prazo. No entanto, outras alternativas
tecnológicas, como a eletrificação veicular e o desenvolvimento de células a com-
bustível, deveriam ser mais exploradas e apoiadas, inclusive por meio de incentivos
fiscais e tributários.
Para tornar possível o aprimoramento dos motores flex, a produção de veícu-
los elétricos em escala comercial e a produção de veículos movidos a hidrogênio,
o papel do governo e do BNDES pode ser indutor, ao incentivar a rota tecnológica
que pode oferecer maior retorno de eficiência e de qualidade de vida à população.
O papel do BNDES pode ser muito relevante para a geração de inovações signifi-
cativas para as tecnologias de propulsão. A criação e o aprimoramento de grupos de
trabalho com o governo para a discussão sobre o tema devem ser considerados, para
que todos os aspectos relacionados à possível nova rota tecnológica sejam analisados
antes da implantação de políticas públicas. A possibilidade de implantação de um
programa direcionado exclusivamente a pesquisa e desenvolvimento ligados à ele-
trificação pode ser considerada futuramente, o que seria um estímulo notável para
todo o complexo automotivo, inclusive ônibus, caminhões e cadeia de autopeças.

20
A taxa de compressão representa o quanto a mistura de ar e combustível é comprimida antes da explosão do motor. Ela é
diretamente proporcional à eficiência do motor e é diferente no etanol e na gasolina. Com etanol, é mais longo o tempo necessário
para a autodetonação da explosão no motor, considerando a mesma quantidade de ar. No motor flex, essa taxa de compressão é
manipulada para ser intermediária entre os dois combustíveis, o que torna o motor menos eficiente.
132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Inovações relacionadas ao novo conceito de veículo urbano


e a critérios ambientais
Os veículos que estarão presentes nas cidades daqui a alguns anos devem incorpo-
rar novas tendências, como redução de peso e tamanho, maior eletrônica embarca-
da e conceitos mais abrangentes de sustentabilidade.
A redução de peso e tamanho do automóvel é possibilitada, basicamente, por
meio de downsizing (redução do motor do veículo). De fato, essa tendência é acen-
tuada pelo aumento da renda dos países emergentes, que já enfrentam proble-
mas de engarrafamentos constantes decorrentes das falhas de planejamento do
trânsito e de deficiências no transporte público. Ademais, veículos mais leves são
mais econômicos. Há, portanto, uma tendência de maior disseminação de veículos
menores e mais eficientes no gasto de combustível.
Paralelamente à tendência de produção de veículos menores, não menos re-
levante é a fabricação de ônibus inteligentes ou trólebus e motocicletas elétricas.
Algumas empresas brasileiras já atuam nesse segmento. A Eletra tem cerca de tre-
zentos trólebus e 45 ônibus híbridos em operação em São Paulo. Já no segmento de
motocicletas elétricas ou scooters, atuam empresas como Motor Z, de São Bernar-
do do Campo (SP), Bramont (AM) e GPS Electric Movement (RN) [Castro e Ferreira
(2010)]. De fato, todas essas modificações no conceito de transporte urbano devem
alterar a própria estrutura da indústria, com a possibilidade de fortalecimento de
empresas de capital nacional. Aqui, o papel do BNDES é fundamental, na identifica-
ção e fomento a empresas com esse perfil ou com potencial de desenvolvimento de
novas tecnologias ligadas à eletrificação ou a novos conceitos de veículos urbanos.
Outra oportunidade tecnológica é o desenvolvimento de materiais alternati-
vos para a indústria automotiva, como os recicláveis de baixo impacto ambiental.
O uso da nanotecnologia pode melhorar a funcionalidade e o design das peças
utilizadas, além da melhoria de processos. A utilização de novos materiais pode
fazer com que as empresas de autopeças aumentem o grau de parcerias para
desenvolvimento do lado de fora da cadeia automotiva, com universidades, insti-
tutos de pesquisa e fornecedores, como a indústria de aço, alumínio e petroquí-
micas [ABDI (2009)].
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 133

A evolução dos projetos de engenharia, assim como novas exigências de regula-


mentação ambiental e de segurança, deve acelerar o uso de novos materiais. Exem-
plos de uso da indústria automotiva são plásticos de alta performance e insumos de
alumínio para diversas peças. As inovações observadas compreendem componentes
de motor e revestimento dos automóveis.
O BNDES pode atuar de forma proativa para acelerar a incorporação de tec-
nologias limpas com incentivos a pesquisa e desenvolvimento relacionados ao
uso de novos materiais. Posteriormente, pode-se incentivar o apoio financeiro
a empresas que demonstrarem capacidade técnica de desenvolver novos mate-
riais e utilizá-los.

5. C O NS I DER A Ç ÕE S F IN A IS
A indústria automotiva tem alta relevância para a economia brasileira. Em 2010, res-
pondeu por 19,5% do PIB industrial e por mais de 5% do PIB. O faturamento líquido
no segmento de veículos ultrapassou US$ 83,6 bilhões de dólares em 2010. No mes-
mo ano, a produção de veículos empregou diretamente mais de cem mil pessoas e
estima-se que os empregos diretos e indiretos em toda a cadeia do setor automotivo
sejam de aproximadamente 1,3 milhão de pessoas. A indústria automotiva foi, histo-
ricamente, muito representativa no Brasil, respondendo por inovações, por melho-
rias da qualificação da mão de obra e por uma parcela relevante do PIB.
Atualmente, estudos sobre a viabilidade do desenvolvimento de novas tec-
nologias no setor automotivo e a identificação de rotas tecnológicas promissoras
têm espaço considerável no meio acadêmico e nas instituições de fomento, como
o BNDES. Não basta só a constatação de que novas tecnologias estão surgindo e
de que é relevante incentivá-las, inclusive por meio de apoio financeiro. É impor-
tante que as diferentes rotas tecnológicas sejam estudadas, analisadas e discutidas,
principalmente no que se refere à eletrificação veicular, para que sejam realizadas
ações proativas de incentivo. O desenho de possíveis políticas públicas associadas
às mudanças de paradigma no setor automotivo deve ser embasado por estudos
aprofundados e pela discussão efetiva com empresas e acadêmicos.
134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

As medidas governamentais adotadas recentemente para o setor automotivo


incluem instrumentos como o aumento de impostos, principalmente para a redu-
ção da presença dos veículos importados. Os autores entendem que as ações gover-
namentais deveriam buscar maior alinhamento com as tendências do setor, como o
aumento da eficiência energética e a redução de poluentes.

R eferências
ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Estudo prospectivo setorial –
automotivo. Relatório de perspectivas. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos,
jul. 2009.

Anderson, P. Câmaras setoriais: histórico e acordos firmados – 1991/95. Texto para


Discussão, n. 667. Rio de Janeiro: Ipea, 1999.

Anfavea – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Indústria


automobilística brasileira 50 anos. São Paulo, 2006.

______. Anuário da indústria automobilística brasileira 2011. São Paulo, 2011.

Automotive Business. São Paulo: Automotive Business. Bimestral. Ano 4, n. 13, fev. 2012.

Barros, D. C.; Pedro, L. S. As mudanças estruturais do setor automotivo, os


impactos da crise e as perspectivas para o Brasil. BNDES Setorial, n. 34. Rio de
Janeiro: BNDES, 2011.

Casotti, B. P.; Goldenstein, M. Panorama do setor automotivo: as mudanças


estruturais da indústria e as perspectivas para o Brasil. BNDES Setorial, n. 28. Rio
de Janeiro: BNDES, 2008.

Castro, B. H. R.; Ferreira, T. T. Veículos elétricos: aspectos básicos, perspectivas e


oportunidades. BNDES Setorial, n. 32. Rio de Janeiro: BNDES, 2010.

Castro, P. C.; Ferreira, T. T. Desdobramentos da crise no setor automotivo. Informe


Setorial, n. 10, Área Industrial. Rio de Janeiro: BNDES, 2009.
COMPLEXO AUTOMOBILÍSTICO 135

______. O Proconve e o apoio do BNDES à engenharia de desenvolvimento de


veículos pesados no Brasil. Informe Setorial, n. 15, Área Industrial. Rio de Janeiro:
BNDES, 2010.

Ferreira, T. T. Setor automotivo: desafios e expectativa de investimentos. In: Torres, E.;


Puga, E.; Meirelles, B. (Orgs.). Perspectivas do Investimento 2010-2013. Rio de
Janeiro: BNDES, 2010.

Jornal de Campinas. Campinas, 7 mai. 2012.

Negri, J. A. O custo de bem-estar do regime automotivo brasileiro. Pesquisa e


Planejamento Econômico, v. 29, n. 2, p. 215-242, Ipea, Rio de Janeiro, ago. 1999.

Prates, D. M.; Cintra, M. A. M.; Freitas, M. C. P. O papel desempenhado pelo BNDES e


diferentes iniciativas de expansão do financiamento de longo prazo no Brasil dos
anos 90. Economia e Sociedade, n. 15, p. 85-116, Unicamp, Campinas, dez. 2000.

Santos, A. M. M. M.; Burity, P. O complexo automotivo. In: São Paulo, E. M. ; Kalache


Filho, J. (Orgs.). BNDES 50 anos: histórias setoriais. São Paulo: DBA; Rio de Janeiro:
BNDES, 2002.

Santos, A. M. M. M.; Pinhão, C. M. A. Investimentos do complexo automotivo:


atuação do BNDES. BNDES Setorial, n. 12. Rio de Janeiro: BNDES, set. 2000.

São Paulo, E. M.; Kalache Filho, J. (Orgs.). BNDES 50 anos: histórias setoriais. São
Paulo: DBA; Rio de Janeiro: BNDES, 2002.

Sites consultados

Agência Estadual de Notícias do Paraná – <www.aen.pr.gov.br>.

Anfavea – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores –


<www.anfavea.com.br>.

AutoEsporte – <revistaautoesporte.globo.com>.
136 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

AUTOMOTIVE BUSINESS – <www.automotivebusiness.com.br>.

BNDES – BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL – <www.bndes.gov.br>.

CORREIO BRAZILIENSE – <www.correiobraziliense.com.br>.

ÉPOCA NEGÓCIOS – <www.epocanegocios.globo.com>.

ESTADO DE MINAS – <www.em.com.br>.

ESTADO DE SãO PAULO – <www.estadao.com.br>.

EXAME – <www.exame.abril.com.br>.

FOLHA DE SãO PAULO – <www.folha.uol.com.br>.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – <www.ibge.gov.br>.

ISTOÉ DINHEIRO – <www.istoedinheiro.com.br>.

MERCEDES-BENZ – <www.mercedes-benz.com.br>.

O GLOBO – <www.g1.globo.com/carros>.

OICA – ORGANISATION INTERNATIONALE DES CONSTRUCTEURS D’AUTOMOBILES – <www.oica.net>.

PREFEITURA DE CURITIBA (PR) – <www.curitiba.pr.gov.br>.

PREFEITURA DE ViNHEDO (SP) – <www.vinhedo.sp.gov.br>.

PSA PEUGEOT CITROËN – <www.psa-peugeot-citroen.com.br>.

SINDIPEçAS – <www.sindipecas.org.br>.

TERRA – <www.terra.com.br>.

TOyOTA – <www.toyotafabricasorocaba.com.br>.

VALOR ECONÔMICO – <www.valor.com.br>.

VOCê S.A. – <www.vocesa.abril.com.br>.


sérgio Bittencourt Varella Gomes*

* Engenheiro aeronáutico (ITA), PhD em dinâmica de voo (Cranfield, Inglaterra) e gerente no Departamento de Comércio
Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES. O autor agradece a colaboração de Vanessa de Sá Queiroz e de Paulus
Vinicius da Rocha Fonseca do Departamento de Comércio Exterior 1 da Área de Comércio Exterior do BNDES.
Indústria Aeronáutica 139

R ES UM O
O Brasil, que se orgulha do pioneiro Santos-Dumont viu sucessivas tentativas de se
criar uma indústria aeronáutica, de porte e sustentável, no país não lograrem êxito.
Isso ocorreu até as décadas de 1960 e 1970, quando a industrialização passou a ser
política de Estado. Hoje, a Embraer, criada em 1969 como empresa estatal e privati-
zada em 1994, é uma das quatro maiores fabricantes de aeronaves do mundo – jun-
tamente com a americana Boeing, a europeia Airbus e a canadense Bombardier –,
contribuindo diretamente para o saldo positivo na balança comercial brasileira. O
artigo faz uma análise da trajetória recente da empresa, que concentra a maioria dos
empregos e das receitas do setor, bem como da Helibras, fabricante de helicópteros,
e da ainda tímida cadeia produtiva do setor. Em seguida, analisa as perspectivas para
o setor e para a atuação do BNDES, delineando diversas possibilidades de ampliação
dessa atuação em função dos vários desdobramentos em curso do Plano Brasil Maior,
que incluem também as áreas de espaço e complexo da defesa. Mostra também que
o setor aeronáutico em todo o mundo tem forte dependência dos respectivos gover-
nos nacionais, seja pelas compras governamentais, pelo financiamento ou bolsas de
pesquisa e desenvolvimento tecnológico e financiamentos às exportações. Por fim, o
artigo conclui que o Brasil está evoluindo positivamente nessa direção.

AB S TR AC T
There was a time when Brazil, which is a country proud of the pioneer Santos
Dumont, saw successive, yet unsuccessful attempts at creating a large-scale and
sustainable aircraft industry. This was the pattern until the 1960-70s, when having
an aircraft industry became government policy. Today Embraer, created in 1969 as
a State-owned enterprise and privatized in 1994, is one of the four largest aircraft
manufacturers in the world – along with the US’ Boeing, Europe’s Airbus and
Canada’s Bombardier – contributing directly and positively to Brazil’s trade balance.
This article analyzes the recent evolution of the company, which concentrates most
of the jobs and revenue in this sector, as well as that of Helibras – a helicopter
140 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

manufacturer – and the still small-scale Brazilian aircraft industry supply chain. The
following section then analyzes the outlook for the Sector, the BNDES’ operations
and possible further contributions. The aim is to outline several possibilities to
expand these efforts in light of various developments that have resulted from the
Brasil Maior Plan, which also includes space and defense. Finally, we show that the
aviation sector across the world is heavily dependent on their respective national
governments, either through government direct purchases of products, or research
funding or grants and technological development and export financing. Thus, we
conclude that Brazil has shown positive evolution in this direction.
IndústrIa aeronáutIca 141

1. i nTR O dUÇ Ã O
a indústria aeronáutica no Brasil apresenta um paradoxo curioso: se, de um lado, o
povo brasileiro se orgulha de alberto santos-dumont, pioneiro da navegação pelo
ar – com seu dirigível nº 6 (em Paris, 1901) – e do voo com o avião – o 14-bis (em Pa-
ris, 1906) –, de outro lado, foi um país em que a fabricação aeronáutica em grande
escala plantou raízes só tardiamente. ao longo das primeiras décadas do século XX,
sucessivas tentativas de se criar uma indústria aeronáutica no país, sustentável no
longo prazo, não lograram êxito [andrade (1976)].
com o fim da segunda Guerra Mundial, em 1945, diversas novas lições de
geopolítica passaram a compor de maneira definitiva o conhecimento e a expe-
riência humana, principalmente nas questões afeitas à defesa da soberania das
nações. entre as mudanças de paradigma ocorridas, figurou a constatação de que
somente com o domínio do seu espaço aéreo é que um país exerce, de forma de-
finitiva, a sua soberania. no limite, equivale a dizer que uma nação deve dispor
de indústria aeronáutica própria com produtos destinados tanto ao mercado civil
quanto ao militar.
Isso fez com que as tecnologias associadas ao projeto, à construção, aos ensaios,
à certificação, à operação e à manutenção de aeronaves passassem à posição de
elevada prioridade nacional, mesmo nos países que, antes da segunda Guerra, não
estavam na proeminência do setor, como a rússia, a china, a Índia, o canadá e até
mesmo a argentina. a despeito da enorme desmobilização de pessoal, aeronaves
e material bélico ocorrida de modo generalizado com o fim do conflito, os investi-
mentos em pesquisa e desenvolvimento em tecnologia aeronáutica deram um salto
espetacular [crouch (2004)]. nesse contexto, também o governo brasileiro passou
a considerar de importância estratégica para o país o domínio da tecnologia ae-
ronáutica. Vem daí a decisão de, nos anos seguintes a 1945, constituir uma escola
de engenharia aeronáutica – o Instituto tecnológico de aeronáutica (Ita) – e um
centro de pesquisas e desenvolvimento em seu entorno – o então centro técnico
da aeronáutica (cta). com isso, graças à feliz combinação, em um mesmo locus,
de escola de engenharia aeronáutica, institutos de pesquisa e desenvolvimento e
142 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

até mesmo de um instituto encarregado da certificação de material aeronáutico,1


o país pôde dar um salto tecnológico nesse setor em período relativamente curto,
estando hoje entre os quatro principais fabricantes de aeronaves do mundo.
No entanto, em termos de agregação de valor, tão ou mais importantes do
que as etapas de construção e montagem de aeronaves são as etapas que lhes pre-
cedem. A primeira delas envolve profunda pesquisa de mercado, usualmente en-
tre clientes e operadores de aeronaves já existentes, para determinar o espaço de
mercado a ser perseguido pela nova aeronave, assim como os principais requisitos
técnicos, operacionais e econômicos desse veículo ainda a ser projetado. Seguem-se
as etapas normais de anteprojeto, projeto preliminar, congelamento do projeto2 e
projeto executivo, a partir do qual se entra na fase de construção do protótipo, se-
guida dos ensaios em solo e em voo e a certificação aeronáutica. A partir daí é que
se passa à construção e à montagem industrial, que são características da produção
em série de aeronaves civis ou militares.
O BNDES passou a atuar de forma mais proeminente no setor a partir da priva-
tização da Embraer em 1994, ou seja, como uma contrapartida parcial à retirada do
Estado brasileiro da produção aeronáutica. Essa atuação do Banco tem sido realiza-
da ao longo de linhas semelhantes às utilizadas para outros setores industriais, sen-
do especialmente notável o apoio no financiamento às exportações de aeronaves
brasileiras. No entanto, uma série de desafios já se apresenta no futuro próximo,
vislumbrando-se um papel ainda mais significativo para o BNDES.
O artigo está dividido em seis seções, além desta introdução. Na primeira, mos-
tra-se um panorama do setor aeronáutico no Brasil a partir das décadas de 1960
e 1970, quando o domínio da tecnologia e a industrialização passaram a pautar
políticas de Estado, com destaque para a incorporação da Embraer em 1969. A se-
ção seguinte concentra-se na evolução recente da indústria, após a privatização da
Embraer em 1994, além de apresentar o outro fabricante brasileiro de aeronaves

1
Referência ao Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI) do CTA, que até o surgimento da Agência Nacional de Aviação
Civil (Anac), em 2006, era encarregado da certificação de aeronaves tanto militares quanto civis fabricadas no Brasil.
2
“Congelamento” do projeto refere-se à fase em que este não pode mais sofrer grandes modificações, devendo-se mantê-lo
essencialmente inalterado até e durante a construção do protótipo.
IndústrIa aeronáutIca 143

(helicópteros), ou seja, a Helibras. a terceira seção analisa a cadeia produtiva do


setor, que ainda carece de um desenvolvimento mais robusto. considerando que o
setor é competitivo e estratégico para o país, a quarta seção analisa as perspecti-
vas e os desafios do setor e a quinta seção propõe como poderá se dar o apoio do
Bndes nos próximos anos. À guisa de conclusão, salienta-se a importância da atua-
ção do Bndes como agente estatal de viabilização de políticas públicas, em especial
aquelas propostas no Plano Brasil Maior (PBM).

2. O dO M Í ni O d A T E C n OL OG iA
E A i ndUS T R iA L iZ A Ç Ã O C OM O
pO L Í Ti C AS d E E S TA d O 3
de fato, foi somente nas décadas de 1960 e 1970 que a indústria aeronáutica con-
solidou-se no Brasil. com a clara percepção de que se desejava chegar à etapa de
industrialização em larga escala [andrade (1976, p. 270)], os esforços foram afinal
direcionados para a viabilização de aeronaves com utilização imediata nos mer-
cados civil e militar do país. assim foi que a incorporação, em 1969, da empresa
Brasileira de aeronáutica (embraer), empresa estatal, foi realizada para dar curso
à fabricação de três tipos de aeronaves gestadas previamente no cta4 [andrade
(1976, p. 271-274)]:
1. o eMB-110 Bandeirante (Figura 1), bimotor turboélice com 12 assentos para o
transporte de pessoal, por encomenda da Força aérea Brasileira (FaB) – as ver-
sões civis posteriores chegariam a 19 assentos – no montante inicial de oitenta
unidades (em 18 anos de fabricação, mais de 550 aeronaves do tipo – civis e
militares – seriam entregues em 36 países) [Poder aéreo (2011)];
2. o Ipanema, monomotor para pulverização de defensivos agrícolas (em produ-
ção até hoje, extensamente modificado); e
3. o urupema, planador de alto desempenho.

3
vide Coutinho (2000, p. 21).
4
Centro Técnico de Aeronáutica, antiga denominação do atual dCTA, órgão do Comando da Aeronáutica.
144 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Logo em seguida, a partir de 1970, a Embraer receberia a encomenda para a


produção de 112 exemplares da aeronave militar a jato de treinamento e ataque
Aermacchi MB-326, de origem italiana, batizada como Xavante na FAB. Isso tinha
por objetivo propiciar à empresa a aquisição de técnicas atualizadas de produção
aeronáutica em larga escala. Um pouco mais à frente, em 1974, a Embraer firma-
ria um amplo acordo de cooperação com a Piper Aircraft Corporation dos Estados
Unidos, para a produção sob licença no Brasil de dois tipos de aviões bimotores e
três tipos de monomotores leves, todos eles já com razoável histórico de produção
e operação nos Estados Unidos e alhures, com cláusulas de progressiva nacionaliza-
ção de partes e peças. A importação de modelos concorrentes de outros fabricantes
estrangeiros passou então a ser proibida no Brasil, em nome da economia de divisas
e da proteção à indústria nacional. Os novos aviões foram consagrados na época
com os nomes de Sêneca, Minuano, Carioca e Navajo, entre outros, e a maioria de-
les também contou com relevantes encomendas da FAB.
Com isso, a Embraer passou a mobilizar recursos de projeto e fabricação aero-
náutica inéditos no país, com uma gama diversificada de tipos de aeronaves em
produção. Assim, nos seus primórdios, a Embraer contava com uma combinação de
clientes que vigora até hoje nos demais países que possuem indústria aeronáutica:
parte substancial da produção destinada às compras governamentais – aeronaves
militares – e o restante da produção voltada ao mercado civil. O passo que faltava
foi dado em 1975 e 1976 com as exportações de aeronaves Bandeirante para o Uru-
guai e o Chile. A seguir, a prova de fogo do Bandeirante no mercado internacional
foi a sua certificação na Inglaterra e nos Estados Unidos, o que permitiu a exporta-
ção para aqueles grandes mercados, já como aeronave civil.
O estágio assim atingido, ao fim da década de 1970, permitiu que na década
seguinte a Embraer, sempre com forte apoio governamental, desse um salto de
patamar, perseguindo sua estratégia básica: a produção de aeronaves para nichos
de mercado. Para o mercado civil, concebeu e fabricou nos anos 1980 o EMB-120
Brasília, que também foi adquirido pela FAB (Figura 2). Mais de 350 unidades
foram entregues, nos cinco continentes, de 1983 a 2001. Em 1981, no mercado
militar, os governos do Brasil e da Itália firmaram acordo de cooperação interna-
Indústria Aeronáutica 145

cional por meio do qual seus fabricantes aeronáuticos (a saber, Embraer, Aerita-
lia e Aermacchi) desenvolveriam e fabricariam conjuntamente o AMX. Cerca de
duzentas unidades do AMX foram fabricadas, mais de um quarto delas para inte-
grar a FAB como aeronave de ataque ar-solo.

Figura 1 O EMB-110 Bandeirante

Foto cedida pela Embraer

Figura 2 O EMB-120 Brasília

Foto cedida pela Embraer


146 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Assim, a década de 1980 significou para a Embraer a consolidação do seu mo-


delo institucional: recebendo pesados investimentos governamentais em função do
Programa AMX, firmou-se no mercado civil internacional ao obter grande sucesso
com o Brasília. Do ponto de vista do empreendimento, isso significou vultosos in-
vestimentos em máquinas e equipamentos de última geração, investimentos em
treinamento e capacitação de seu pessoal – inclusive no exterior – e o domínio de
novas tecnologias aeronáuticas. Entre essas novas tecnologias, podem ser citadas a
de materiais compostos, via acordos com fabricantes americanos como Sikorsky e
McDonnell Douglas [Bernardes (2000, p. 31 e 308), a de software embarcado (para
o AMX) e a da primeira geração de projetos digitalizados em computador (tecno-
logia CAD/CAM).
No entanto, segundo importante estudo concluído em 2008 [Gargiulo (2008)],
no período estatal da Embraer, de 1969 a 1994, o fluxo de caixa para o principal
acionista – a União Federal, com 95% do capital votante e 86,8% do capital total –
foi negativo, incluindo-se as receitas da privatização. Considerando-se os diversos
aportes de capital feitos ao longo desse período estatal, o estudo conclui que:

Deve ser destacado a este respeito que o objetivo do controlador

(União), neste período, estava relacionado às externalidades geradas

pela Embraer. Seu retorno se materializou, entre outros, na absorção/

desenvolvimento de tecnologia, na criação de capacitação gerencial

(organização da fabricação e estrutura comercial), no desenvolvi-

mento da rede de fornecedores e subcontratados, bem como na qua-

lificação de mão de obra, decorrentes do esforço para a criação da

empresa. Esses fatores permitiram a inserção do país num mercado

em que a entrada é significativamente limitada por (além dos eleva-

dos dispêndios de capital necessários) exigir atendimento a elevados

níveis de requisitos em termos de segurança, qualidade e confiabili-

dade. Além desses aspectos, devem ser destacados os resultados em

termos de geração de empregos qualificados (diretos e indiretos),

renda, e de arrecadação de impostos.


Indústria Aeronáutica 147

Como no início da década de 1990, o contexto político e econômico do país já


indicava o fim do apoio financeiro governamental às empresas estatais, a Embraer
foi então incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND), vindo a ser pri-
vatizada em dezembro de 1994. Os novos controladores fizeram aportes de capital
vultosos no início, da ordem de US$ 500 milhões [Gargiulo (2008)], para terminar
o desenvolvimento do jato regional de cinquenta assentos ERJ-1455 e restabelecer
a capacidade tecnológica e fabril da empresa. O BNDES também deu a sua contri-
buição, tanto com seus instrumentos de renda fixa como de renda variável. Mais
adiante, a partir de 1997, o braço de comércio exterior do BNDES também proce-
deu ao financiamento às exportações de aeronaves da Embraer, em linha com o
que ocorre nos demais países fabricantes de aeronaves, no que diz respeito a agên-
cias de crédito oficial às exportações.
Assim, o Estado brasileiro retirou-se formalmente do projeto e da fabrica-
ção de aeronaves, mas manteve integralmente a capacidade de certificação de
produtos e serviços da indústria aeronáutica brasileira (então competência do
CTA),6 de importância basilar para o setor. Já o apoio financeiro governamental
passou à esfera do banco estatal de desenvolvimento, dando-lhe a natureza de
operação bancária, conjugada com investimento a risco (por meio da BNDESPAR),
às quais veio a se somar o crédito à exportação (por meio do BNDES Exim).
Mais recentemente, nos últimos dez anos, juntaram-se ao BNDES as agências
governamentais Finep7 e Fapesp8 no financiamento a pesquisa e desenvolvimen-
to. Isso deslocou a importância relativa das rubricas de reaparelhamento da
FAB contidas no Orçamento Geral da União. Houve, pois, um deslocamento no
arranjo de poder, no que se refere às instituições brasileiras que participam de
forma mais ampla dessa indústria.

5
Dos quais aproximadamente 1.100 unidades – nas diversas versões – viriam a ser construídas e entregues de 1997 a 2010,
configurando, portanto, um grande sucesso comercial internacional.
6
Desde 2006 essa competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
7
Financiadora de Estudos e Projetos, órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
8
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, agência estadual paulista.
148 Bndes 60 anos – PersPectIVas setorIaIs

3. A EV O L UÇ Ã O R E C E n T E d O S E T OR
os anos subsequentes à privatização da embraer a alçaram ao status de empresa
global, com operações fabris, de pesquisa e desenvolvimento, apoio técnico ou de
inteligência de mercado espalhadas por todo o planeta (Figura 3).

Figura 3 A EMBRAER NO MuNdO

FRANÇA
Villepinte
CHINA
Le Bourget
EUA Pequim
Nashville Harbin
Fort Lauderdale PORTUGAL
Alverca

BRASIL
Gavião Peixoto
Botucatu CINGAPURA
São José dos Campos Cingapura

Fonte: embraer (2011a).


obs.: a embraer tem unidades fabris no Brasil, em Portugal, nos estados unidos e na china, além de unidades de assistência técnica
espalhadas pelo mundo, empresa de leasing de aeronaves na Irlanda e escritórios de vendas e inteligência de mercado na França,
nos estados unidos e em cingapura.

a empresa brasileira integra, assim, o clube que congrega os quatro maiores


fabricantes de aeronaves do mundo, junto com a Boeing (estados unidos), a airbus
(alemanha, França, Inglaterra e espanha) e a Bombardier (canadá) (vide apêndi-
ce). ao longo das duas últimas décadas, em virtude do processo de consolidação
industrial resultante do fim da Guerra Fria, esses quatro fabricantes sobreviventes
(e consolidadores) organizaram-se na forma de dois duopólios para o mercado civil:
airbus e Boeing, para aeronaves a jato essencialmente de 130 a 500+ assentos, e
Bombardier e embraer, para jatos de 37 a 120+ assentos, originalmente chamados
de regionais, mas que hoje operam em todos os tipos de rotas e empresas.
Indústria Aeronáutica 149

Dessa forma, o setor de indústria aeronáutica de jatos comerciais no Brasil ca-


racteriza-se por um fabricante – a Embraer – que concentra a maioria dos empregos
e das receitas do setor. Portanto, o exame do desempenho recente da Embraer é de
fundamental importância para embasar a análise do setor.
Para avaliar adequadamente o desempenho de um fabricante de aeronaves,
é preciso entender o seu “ciclo de produto”: os tipos de aeronaves que a empresa
concebe, projeta, constrói e comercializa – no estado da arte9 então existente – e
que terão uma fase de crescimento nas vendas, seguida de estabilização e, por fim,
de declínio. A sustentabilidade da empresa no longo prazo só se verifica se, antes
mesmo que determinado tipo de aeronave tenha atingido seu ápice de vendas, as
áreas de inteligência de mercado e engenharia da empresa já estiverem envolvidas
na concepção do novo tipo de aeronave no estado da arte.
Um novo tipo de aeronave demanda, normalmente, entre dois e quatro anos
para ser projetado, construído, certificado e começar a ser entregue ao mercado.
Versões de aeronaves já existentes, mas que tenham sido aprimoradas, alongadas
(com mais assentos), encurtadas (com menos assentos) ou que ofereçam mais alcan-
ce demandam um time-to-market que raramente excede dois anos.
Assim, para o mercado de aeronaves civis, o sucesso ao longo do tempo e dos
ciclos econômicos de um fabricante aeronáutico depende, em larga medida, do
manejo dos ciclos de seus produtos e do gerenciamento dos investimentos a eles
associados. Já para o mercado militar, tem-se um quadro com mais estabilidade e
previsibilidade, na medida em que o fabricante responde às solicitações de projeto,
construção, certificação e fabricação em série de novas aeronaves com o respaldo
orçamentário e financeiro do governo demandante. Vai daí que boa parte dos fa-
bricantes de aeronaves hoje existentes dedica-se exclusivamente ao mercado mili-
tar, casos da Lockheed-Martin, BAE Systems e Northrop-Grumman, ou procura ter
uma atuação adequadamente balanceada nos dois mercados, como a Boeing e a
Airbus, esta última em conjunto com sua holding EADS.

9
É importante que estado da arte seja aqui entendido no seu sentido mais amplo possível, isto é, a tecnologia incorporada à
aeronave, o custo de aquisição por assento, o consumo de combustível, o desempenho de decolagem, pouso e em rota e até
mesmo os pesos vazios e máximos de decolagem certificados.
150 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Os fatores acima delineados ajudam a explicar o desempenho da Embraer


no período pós-privatização, ou seja, após dezembro de 1994, conforme se pode
inferir do Gráfico 1.

Gráfico 1 Embraer – Ativo Total e Receita Operacional Líquida (ROL) (em milhões de US$)

10.000

9.000

8.000

7.000
US$ MILHÕES

6.000

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Ativo total (AT) ROL

Fonte: Embraer (2011b).

Nos anos seguintes à privatização da Embraer (1994), os esforços dos novos


controladores concentraram-se na conclusão do projeto e na certificação do novo
tipo de aeronave, o jato regional de cinquenta assentos ERJ-145. Isso porque o
turboélice EMB-120 Brasília, de trinta assentos, já era um produto em declínio no
seu ciclo de produto, com vendas e entregas decrescentes. Assim, somente com a
comercialização do ERJ-145 – iniciada em dezembro de 1996, mas que só adquiriu
massa crítica a partir do fim de 1997 com os maciços financiamentos à exportação
proporcionados pelo BNDES – é que a receita da empresa pôde mudar de patamar.
Naturalmente, isso ocorreu em paralelo aos novos investimentos em ativos reque-
ridos para o (re)deslanche industrial da empresa, que contou também com a parti-
cipação do BNDES em complemento aos aportes feitos pelos novos controladores,
como visto na seção anterior. Tal quadro gerou reflexos positivos nos resultados da
empresa, conforme o Gráfico 2.
Indústria Aeronáutica 151

Gráfico 2 Embraer: lucro líquido e dividendos distribuídos

600 150

132%
125
450

DIVIDENDOS/LUCRO LÍQUIDO (%)


100

300
75
US$ MILHÕES

62% 61%

150 50
39% 39% 42% 38%
34% 34%
16% 26% 25% 25
17%
0
14%
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
0

-150
-25

-300 -50

Lucro líquido (LL) Dividendos (DIV) % do LL

Fonte: Embraer (2011b).

Assim, a grande aceitação do ERJ-145 – em suas diversas versões – pelo mer-


cado internacional proporcionou à Embraer um crescimento de receita e um
resultado líquido muito bom até 2001. Nesse ano, a margem líquida superou
os 15%, tornando a Embraer um dos fabricantes aeronáuticos mais lucrativos
do mundo, sete anos após a sua privatização e cinco após o início do apoio do
BNDES à empresa.
Nos dois anos seguintes – 2002 e 2003 –, houve uma queda significativa nos
indicadores de ROL, lucro, margem etc., por uma conjugação de fatores concomi-
tantes: (i) o arrefecimento da atividade econômica que já vinha ocorrendo desde o
ano 2000, principalmente nos Estados Unidos (na época, rotulado de “a bolha da
internet”), a qual diminuiu os pedidos por novas aeronaves a serem entregues no
período em análise; (ii) o impacto no transporte aéreo dos Estados Unidos e da Eu-
ropa pelos trágicos eventos de 11 de setembro de 2001, gerando cancelamentos e
postergações de entregas de aeronaves em todos os fabricantes de aeronaves civis.
No caso da Embraer, ainda seria lícito acrescentar, à lista de fatores, o fato de que
o ciclo do produto do ERJ-145 já havia passado o seu ápice, enquanto o novo tipo
152 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de aeronave – a família dos E-Jets, lançada oficialmente em 1999 – ainda estava em


desenvolvimento (as primeiras entregas só viriam a ocorrer em 2004).
Assim, nos três anos seguintes – 2004-2006 –, ao mesmo tempo em que as ven-
das e entregas do ERJ-145 assumiam caráter mais residual, a família dos E-Jets se
consolidava com as certificações e o início das entregas, sucessivamente, do E-170,
E-175, E-190 e E-195, com capacidade para setenta a 120 assentos (Figura 4).

Figura 4 A família dos E-Jets compreende quatro tipos de aeronaves, com capacidade para
setenta a 120 assentos

Foto cedida pela Embraer

Portanto, se a consolidação dos E-Jets alçou o faturamento da Embraer ao novo


patamar de US$ 4 bilhões em 2004-2006 (com uma recuperação correspondente no
resultado líquido, conforme gráficos 1 e 2), as condições favoráveis da economia
mundial em geral, e a recuperação no tráfego e nos resultados das empresas aéreas
em particular, levaram a Embraer a galgar o novo patamar de US$ 6 bilhões em 2008.
Indústria Aeronáutica 153

Evidentemente, tal trajetória de sucesso teria de ser interrompida nos dois anos
seguintes (2009-2010), em função da crise financeira e econômica que se abateu
sobre boa parte do planeta, afetando todos os fabricantes de aeronaves.
No caso da Embraer, a crise trouxe um impacto adicional. Desde o ano 2000, a
empresa vinha, paulatinamente, desenvolvendo o seu braço de aviação executiva,
para reduzir a dependência do mercado dos jatos comerciais, que são adquiridos
naturalmente por empresas aéreas. Tal iniciativa estratégica teve início com a pro-
dução de aeronaves executivas derivadas dos jatos comerciais, como o Legacy 600
(derivado do jato regional ERJ-135), para até 16 ocupantes, e o Lineage 1000 (deri-
vado do E-190), para, tipicamente, 19 ocupantes com elevado nível de conforto em
viagens intercontinentais. Assim, já no fim de 2008 a Embraer começou a entregar
o Phenom 100, um tipo de aeronave inteiramente novo e no estado da arte, para
quatro a sete ocupantes. Juntamente com o seu irmão maior, o Phenom 300, para
oito a nove ocupantes e cujas entregas se iniciaram em dezembro de 2009, ele
compõe os nichos de mercado denominados de very light jets e light jets, respecti-
vamente (figuras 5 e 6).

Figuras 5 e 6 Os dois novos tipos de aeronaves executivas da Embraer, o Phenom 100 e o


Phenom 300
154 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Fotos cedidas pela Embraer

Os efeitos da crise seriam sentidos, de forma mais acentuada no segmento de ae-


ronaves executivas do que no de jatos comerciais, quanto às entregas previstas no ano
versus entregas efetivamente realizadas. Com os efeitos combinados dessas reduções
de entregas, tanto de E-Jets quanto de Phenoms, o faturamento da Embraer caiu cerca
de 10%, o lucro líquido continuou oscilando em torno de US$ 400 milhões, mas os divi-
dendos pagos aos acionistas despencaram de 61% para 14% (gráficos 1, 2 e 3).

Gráfico 3 Embraer: evolução das entregas de jatos

62%
250

200
Nº DE JATOS ENTREGUES NO ANO

39 119
150
3 8 145

36 99
14
10 21
100 32
14
165
157 153
134 133
121 120 125
50 98 101 105
96 87
60
32
4
-
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Linha comercial Linha executiva

Fonte: Embraer (2011b)


Indústria Aeronáutica 155

Nesse ambiente de incertezas, o fato concreto é que a Embraer manteve a lide-


rança mundial conquistada no segmento dos jatos comerciais de até 122 assentos
(Gráfico 4).

Gráfico 4 Fatias do mercado global de jatos para 61 a 120 passageiros relativas a pedidos
acumulados até dezembro 2011

50

40

30

20

10

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Embraer Bombardier Outros

Fonte: Embraer (2011b).

O corolário da constatação de que a Embraer detém uma fatia de mercado su-


perior a 40% no mercado dos jatos comerciais de 61 a 120 assentos é o fato de que
seu mercado de atuação é, virtualmente, o mundo inteiro, da mesma forma como
ocorre com a americana Boeing, a europeia Airbus e a canadense Bombardier, esta
última a concorrente direta, por excelência, da Embraer. Isso significa que um per-
centual elevado das vendas realizadas pela Embraer – raramente inferior a 90% –
tem como destino o exterior. Isso, evidentemente, traz contribuição positiva para a
balança comercial brasileira: a empresa tem sido responsável por 3% a 5% do total
das exportações brasileiras nos últimos dez anos.
É importante notar, porém, que a Embraer é também grande importadora de
componentes – partes e peças – fabricadas no exterior (Gráfico 5).
156 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 5 Saldo comercial da empresa Embraer

6.000

5.000

4.000
EM US$ MILHÕES

3.000

2.000

1.000

-
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 1S/2010

Exportações Importações Saldo comercial

Fonte: Embraer (2011b).

Nesse processo, a empresa é a principal responsável pela geração de emprego e


renda nesse setor de alta tecnologia, que gera produtos de altíssimo valor agrega-
do (Gráfico 6). E é importante notar que tal agregação de valor tem rebatimentos
para além do que é exclusiva responsabilidade da própria Embraer, na medida em
que sua rede de fornecedores e parceiros industriais tem de acompanhá-la pari
passu na vanguarda da tecnologia aeronáutica.
Como se pode notar, foi significativo o impacto da crise iniciada em 2007-2008
nos empregos gerados pela Embraer. Porém, é importante observar que um fabri-
cante aeronáutico não tem produtos para pronta entrega: a aeronave contratada
hoje, dependendo do backlog (carteira das aeronaves contratadas como pedidos
firmes, com prazo de entrega estipulado) acumulado, só será efetivamente entre-
gue, dependendo do modelo e da demanda, daqui a 12, 18, ou 24 meses, não
sendo raros os casos de até 36 meses (estes principalmente nos casos de Boeing e
Airbus). Ora, a crise fez despencar o tráfego de passageiros e carga em boa parte
do mundo. Consequentemente, as empresas aéreas cancelaram ou adiaram o rece-
bimento de novas aeronaves. Para um fabricante como a Embraer, isso significou
NÚMERO DE JATOS COMERCIAIS NÚMERO DE EMPREGADOS DA EMBRAER

0
200
400
600
800
1.000
1.200
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000

0
-
fev. 2002 112 112

0
mar. 2002 112 112
6.087

0
1994
abr. 2002 118 118

Entregas
jan. 2003 88 88
4.319

Fonte: Embraer (2011b).


Fonte: Embraer (2011b).
fev. 2003 244 244

1995

0
mar. 2003 245 245

0
abr. 2003 245 245 3.849

1996
jan. 2004 8 250 258

Backlog
fev. 2004 23 250 273 4.494

1997
mar. 2004 36 289 325
abr. 2004 46 297 343 6.737

1998
jan. 2005 56 301 357
fev. 2005 66 346 412 8.302

1999
mar. 2005 92 335 427
abr. 2005 118 322 440
10.334

2000
jan. 2006 137 315 452
fev. 2006 163 292 455
11.048

2001
mar. 2006 184 359 543
abr. 2006 209 410 619
12.227

2002
jan. 2007 229 401 630
fev. 2007 256 399 655
12.941
novos pedidos firmes registrados (Gráfico 7).

2003
mar. 2007 292 426 718
abr. 2007 334 430 764
jan. 2008 369 466 835 14.658

2004
Gráfico 6 Embraer: evolução do número de empregados

fev. 2008 410 437 847


mar. 2008 446 419 865 16.953

2005
abr. 2008 490 386 876
jan. 2009 521 354 875 19.265

2006
fev. 2009 554 328 882
mar. 2009 582 295 877 23.734

2007
abr. 2009 605 257 862
jan. 2010 625 236 861 23.509
2008

fev. 2010 652 230 882


mar. 2010 671 245 916 16.853
2009

abr. 2010 699 248 947


jan. 2011 719 268 987
17.149
2010

Gráfico 7 Evolução das Entregas e Pedidos Firmes em Carteira (“backlog”) de E-JETs


fev. 2011 742 261 1.003
Indústria Aeronáutica

mar. 2011 770 248 1.018


17.265
2011

abr. 2011 802 234 1.036


“consumir o backlog”, ou seja, o número das entregas no ano foi superior ao de
157
158 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Assim, o chamado “consumo do backlog” gera uma natural preocupação, entre


outras, com a manutenção dos empregos de alto nível gerados pela indústria aeronáu-
tica. Afinal de contas, para uma empresa que fatura em torno de US$ 6 bilhões por ano
e chegou a ter quase 24 mil empregados, isso significa, de cada um deles, uma contri-
buição anual de US$ 250 mil, um valor bem acima do da maioria dos setores industriais.
Dessa forma, a manutenção – ou mesmo a expansão – no número de empregados está
intimamente atrelada a um backlog estável ou crescente (Gráfico 8).

Gráfico 8 Evolução de Backlog e Número de Empregados

30 500
466
430 437
28 426
419
450
410
401 399
386
26 400

Nº DE JATOS COMERCIAIS NO BACKLOG


359 354
346
335
24 328 350
Nº DE EMPREGADOS X 1.000

322 315
301 23,8 23,9 23,7
297 292 23,7 23,9 295
22 289 23,4 23,5 300
268
250 257 261
244 245 245 250 245 248 248
236 230 234
20 21,0 250

19,3
18 200
18,3
17,5
16 16,9 17,0 17,017,1
17,4 17,2 16,9 17,0 17,117,3 17,217,2 150
17,0 16,8 16,8
112 112 118 16,4
88
14 14,6 100
14,214,5
14,1
12 12,9 50
12,2 12,4 12,6
12,2 12,4
11,3
10 0
fev. 2002
mar. 2002
abr. 2002
jan. 2003
fev. 2003
mar. 2003
abr. 2003
jan. 2004
fev. 2004
mar. 2004
abr. 2004
jan. 2005
fev. 2005
mar. 2005
abr. 2005
jan. 2006
fev. 2006
mar. 2006
abr. 2006
jan. 2007
fev. 2007
mar. 2007
abr. 2007
jan. 2008
fev. 2008
mar. 2008
abr. 2008
jan. 2009
fev. 2009
mar. 2009
abr. 2009
jan. 2010
fev. 2010
mar. 2010
abr. 2010
jan. 2011
fev. 2011
mar. 2011
abr. 2011

Empregados Backlog

Fonte: Embraer (2011b).

Portanto, o significado da crise no Brasil, como se conclui pelos gráficos mos-


trados, foi que a Embraer teve uma redução de faturamento da ordem de 10%,
manteve a lucratividade na faixa dos anos anteriores, desempregou mais de cinco
mil pessoas e reduziu a distribuição de resultados (aos seus acionistas) aos percen-
tuais mínimos legais. Apesar disso, a redução dos investimentos em pesquisa & de-
senvolvimento (P&D) e em ativos fixos não foi dramática (Gráfico 9). Caso o fosse,
isso poderia comprometer o futuro da empresa, mas o ocorrido também sinaliza a
necessidade de retomada no curto prazo.
Indústria Aeronáutica 159

Gráfico 9 Embraer: investimentos em P&D & ativos fixos

280

239

234

217
213

197
210

173

162
158
EM US$ MILHÕES

155

151
144
142

140
122

114

113

103
88

74
73
73
70

68

70
51
45

-
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

P&D Ativos fixos

Fonte: Embraer (2011b).

Além da Embraer, o outro fabricante brasileiro/nacional de aeronaves – heli-


cópteros –, que tem se mantido ativo no mercado pelas últimas três décadas, é a
Helibras, localizada em Itajubá (MG). Como empresa de capital fechado, seus dados
operacionais e econômico-financeiros não são divulgados publicamente. Porém, a
empresa divulga alguns resultados básicos: desde 1979 entregou cerca de 500 he-
licópteros no mercado brasileiro, 70% dos quais do modelo Esquilo, helicóptero
monoturbina leve para cinco a seis passageiros (Figura 7), faturou R$ 357 milhões
em 2009 e emprega mais de 300 profissionais, estando capacitada a produzir até
trinta helicópteros por ano [Helibras (2011a)].
No Brasil, os usos civis principais para esse tipo de aeronave são o transporte
executivo em geral, o transporte de pessoal entre o continente e as plataformas
de exploração de petróleo em alto mar – o chamado transporte offshore – e o em-
prego em apoio a atividades de defesa civil e forças de segurança pública. Nesse
contexto, a Helibras detém uma fatia de cerca de 50% do mercado brasileiro de
helicópteros mono ou biturbina, distribuídos da seguinte forma: 46% do mercado
executivo, 30% do offshore, 81% dos helicópteros para uso em defesa civil e segu-
160 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

rança pública e 66% dos de uso militar [Helibras (2011a)]. Os helicópteros produzi-
dos por outros fabricantes no exterior – entre os quais, Sikorsky, Bell e Robinson – e
que operam no Brasil são importados como aparelhos prontos e acabados.

Figura 7 O helicóptero AS 350B2 Esquilo, produzido pela Helibras

Foto cedida pela Helibras

A Helibras é uma subsidiária da empresa de origem franco-alemã Eurocopter,


parte do conglomerado europeu European Aeronautic Defence and Space Com-
pany (EADS NV), maior grupo aeroespacial e de defesa europeu. Essa condição,
aliada ao fato de que o estado de Minas Gerais foi, desde o início, um sócio mino-
ritário (o grupo Bueinvest é atualmente o outro sócio minoritário), fez com que a
Helibras tivesse sustentabilidade no mercado brasileiro, por mais de três décadas,
independentemente dos ciclos econômicos e das oscilações de demanda.
Por outro lado, com a alegação de que o mercado brasileiro ainda não justifi-
caria investimentos mais pesados, não se logrou implementar um programa que
levasse à progressiva nacionalização de partes, peças e componentes, ou mesmo
dotasse a empresa da capacidade em engenharia necessária para a concepção, o
projeto e a produção de helicópteros no país. Dessa forma, restou à Helibras o pa-
IndústrIa aeronáutIca 161

pel de montadora desse tipo de aeronave, a partir de componentes importados da


matriz e de seus fornecedores, com um percentual mínimo de itens efetivamente
nacionalizados.
tal quadro deve, no entanto, ter uma evolução mais positiva nos próximos anos
em função do contrato de fornecimento firmado entre o governo federal e a He-
libras/eurocopter para o fornecimento de cinquenta helicópteros de grande porte
ec-725 às três Forças armadas brasileiras. um plano de nacionalização progressiva
dessas aeronaves faz parte do contrato. também como decorrência de tal contrato,
estão previstos investimentos de aproximadamente us$ 450 milhões para a expan-
são da planta industrial atual, transferência de tecnologia, duplicação da capacida-
de instalada e geração de mais 300 empregos diretos [Meio aéreo (2011)]. o plano
acertado é que tais iniciativas – que contam com a participação da Prefeitura de
Itajubá – resultem no chamado Polo aeronáutico de Itajubá, com a instalação de
empresas associadas à cadeia produtiva de helicópteros.
a dissonância assim constatada entre as trajetórias da embraer e da Helibras re-
força ainda mais a importância do respaldo governamental continuado a esse setor,
de forma geral, e à embraer, em particular. sem esse apoio, guardadas as devidas
proporções, é lícito concluir que nem a primeira ocuparia o espaço na arena global
que hoje ocupa, nem a segunda teria mesmo sobrevivido. Muito menos qualquer
das duas teria alcançado o estágio tecnológico de que hoje dispõem e que qualifica
ambas para os desafios que o século XXI apresenta.

4. A C AdEi A p R Od U T iVA
Para além da embraer e da Helibras, a cadeia produtiva da indústria aeronáutica
brasileira é um segmento que ainda carece de um desenvolvimento mais robusto,
seguindo-se os caminhos já trilhados em outros países [Migon e Pinto (2006)].
atendo-se, por exemplo, apenas à distribuição do número de empregos gerados,
a tabela 1 mostra a desproporção entre a embraer e o restante da cadeia produtiva
aeronáutica brasileira. tal desproporção fica ainda mais evidente quando comparada
com as cadeias produtivas dos outros principais países fabricantes de aeronaves.
162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 1 Número de empregos no setor e no principal fabricante (“integrador”),


compilado pela associação das indústrias aeronáuticas de cada país

Associação da indústria aeronáutica AIAB AIA AIAC ASD

Número de empregos 27.000 657.100 80.000 640.900

Integrador

Número de empregos 21.400 160.000 32.000 52.000

Ano-referência 2008 2008 2009 2006

Fonte: AIAB.
Nota: AIAB – Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil; AIA – Aerospace Industries Association; AIAC – Aerospace Industry
Association of Canada; ASD – Aerospace and Defense Industries Association of Europe.

Segundo levantamento feito em estudo da Unicamp [Migon e Montoro (2009)],


sob encomenda do BNDES, trata-se de um universo de pouco mais de cinquenta em-
presas com algum envolvimento em produção ou processos aeronáuticos. Destas, pou-
co mais de vinte têm, de fato, envolvimento contínuo e focado no setor, fornecendo
itens ou prestando serviços para a Embraer (eventualmente também para a Helibras),
outros fabricantes de aeronaves ou de aeropeças no Brasil e no exterior. As de capital
nacional são, essencialmente, micro, pequenas e médias empresas (MPMEs).
Quanto às empresas de capital estrangeiro, a Embraer deslanchou, a partir de
1999, o Programa de Expansão da Indústria Aeronáutica Brasileira (PEIAB). O obje-
tivo era atrair para o país tradicionais parceiros e fornecedores para ter de fato um
setor industrial aeronáutico, para além da fabricante de aeronaves. Infelizmente, tal
iniciativa teve resultados limitados, abaixo das expectativas. As unidades fabris das
duas principais envolvidas – a alemã Liebherr (trem de pouso, sistemas mecânicos
etc.) e a japonesa Kawasaki (fabricação de asas) – acabaram sendo adquiridas pela
própria Embraer, pois ambas as empresas decidiram sair do setor aeronáutico no país.
Já a Sobraer – fabricante de componentes estruturais de aeronaves, subsidiária do
grupo belga Sonaca – veio para o Brasil como parte do offset10 gerado pela compra
da aeronave presidencial Airbus em 2004 e tem sido relativamente bem-sucedida.

10
Offset significa a contrapartida em investimentos e compras realizadas no país comprador da aeronave – no caso, o Brasil – por
parte dos países exportadores – no caso, os países envolvidos com a Airbus.
Indústria Aeronáutica 163

Assim, um exame do desempenho consolidado da indústria aeronáutica e que inclui


ainda o setor espacial – notadamente sua balança comercial setorial (Gráfico 10) – reve-
la variações marginais nos indicadores já apresentados para a Embraer (Gráfico 5). Ou
seja, se as exportações aumentam por pequena margem, as importações aumentam de
forma mais significativa, o que aponta o potencial existente para o adensamento da
cadeia produtiva.

Gráfico 10 Indústria aeroespacial brasileira – balança comercial

7.000

6.000

5.000

4.000
EM US$ MILHÕES

3.000

2.000

1.000

-1.000
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Exportações Importações Balança comercial

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Secex/MDIC).

Nos países concorrentes do Brasil, é usual acrescentar ainda – aos setores aero-
náutico e espacial (Gráfico 10) – a contribuição do segmento fabricante de material
de defesa, em função das sinergias existentes e do simples fato de que boa parte
dos fabricantes aeronáuticos produz material de defesa como parte substancial de
seu faturamento. Tal consolidação de setores industriais é conhecida pela sigla uni-
versal de A & D (aerospace & defense).
A Tabela 2 mostra os dados de desempenho de A & D no país, de acordo com
levantamento realizado pela AIAB, assim como as contribuições de cada um dos seg-
mentos assim reunidos. Apesar de o segmento aeronáutico ser ainda preponderante,
a evolução recente aponta para um crescimento importante do segmento de defesa,
164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

enquanto o setor espacial – fortemente dependente de encomendas governamentais –


mantém-se estagnado. Já o declínio relativo do percentual exportado reflete as vendas
de aeronaves da Embraer no mercado doméstico, que cresceram tanto no segmento
de jatos comerciais como no de jatos executivos, estas últimas fomentadas pelo finan-
ciamento disponibilizado pelo Programa de Suporte ao Investimento (PSI) do BNDES.

Tabela 2 Desempenho recente do setor de A&D no Brasil

2006 2007 2008 2009 2010

Receitas (US$ bilhões) 4,3 6,2 7,55 6,76 6,7

Fatia do PIB industrial (%) 1,5 1,9 2,02 2,00 n.d.

Exportações (US$ bilhões) 3,9 5,6 6,74 5,14 4,99

Empregos 22.000 25.200 27.100 24.000 22.600

Segmentação receitas (%)

Aeronáutica 90,8 91,3 89,13 87,55 82

Defesa 5,78 6,6 8,79 8,8 12,83

Espacial 0,41 0,4 0,57 0,44 0,5

Outros ----- 1,7 1,51 3,21 4,67

Exportações/Receitas (%) 90,5 90,8 89,2 74 73,8

Fonte: AIAB.

Por outro lado, se o desempenho recente do setor aeroespacial for comparado


com o de outros, também intensivos em tecnologia, então seu histórico exportador
consistente o coloca como o único a apresentar resultado positivo no que tange à
geração líquida de divisas (GLD), conforme o Gráfico 11. No caso do Brasil, isso não
é, evidentemente, um feito desprezível.
O quadro apresentado nas seções anteriores fundamenta os esforços realizados
pelo BNDES, desde 2004, e por diversos ministérios do governo federal, desde 2008,
e no âmbito do atual Plano Brasil Maior (PBM), para o chamado adensamento da
cadeia produtiva da indústria aeronáutica brasileira. Isso se tem dado essencialmen-
te por mecanismos de facilitação de acesso ao crédito, tais como o Programa BNDES
Pro-Aeronáutica. O objetivo é fomentar o desenvolvimento, no país, de uma cadeia de
fornecedores e parceiros da Embraer, que poderiam se tornar fornecedores de outros
fabricantes no Brasil ou no exterior, sejam eles empreendimentos pequenos ou médios,
filiais de fornecedores estrangeiros ou mesmo joint ventures entre ambos os tipos.
Indústria Aeronáutica 165

Gráfico 11 Geração líquida de divisas (GLD) de setores industriais de alta tecnologia no Brasil

2.000
0
-2.000
-4.000
-6.000
-8.000
US$ MILHÕES FOB

-10.000
-12.000
-14.000
-16.000
-18.000
-20.000
-22.000
-24.000
-26.000
-28.000
-30.000
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Aeronáutica
1.943 1.608 990 1.755 1.745 1.326 1.784 1.114 401 681
e aeroespacial

Farmacêutica (2.132) (1.888) (1.781) (2.093) (2.281) (2.718) (3.764) (4.642) (4.566) (6.378)

Material de escritório
e informática (1.433) (1.169) (1.050) (1.232) (1.550) (2.222) (2.383) (3.104) (2.735) (3.761)

Equipamentos de rádio,
(3.292) (1.454) (1.910) (3.968) (3.884) (5.295) (6.629) (9.786) (7.056) (11.394)
TV e comunicação

Instrumentos médicos
(1.928) (1.621) (1.545) (2.009) (2.408) (2.930) (4.052) (5.513) (4.475) (5.646)
de ótica e precisão
Saldo comercial:
saldo da indústria (6.842) (4.525) (5.296) (7.548) (8.377) (11.839) (15.044) (21.932) (18.431) (26.498)
de alta tecnologia

Fonte: Secex/MDIC.

Diversas outras entidades têm se mobilizado, notadamente na região do Vale do


Paraíba, no entorno de São José dos Campos (SP), para que fique ali caracterizado, e
implantado, o arranjo produtivo local (APL) do setor aeroespacial brasileiro. O BNDES
tem colaborado com as iniciativas em curso, que contam ainda com a participação
da Prefeitura de São José dos Campos, do Centro para a Competitividade e Inovação
do Cone Leste Paulista (Cecompi), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (Sebrae), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), da
Embraer e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), entre outros. O Parque Tecno-
lógico de São José dos Campos [Prefeitura de São José dos Campos (2011)] é um dos
resultados concretos dessa parceria voltada essencialmente para a capacitação tecno-
lógica tão necessária ao setor. Iniciativas semelhantes estão em curso em São Carlos
(SP), em função do papel nucleador desempenhado pela universidade federal e pela
universidade estadual lá presentes (esta última conta com graduação e pós-graduação
em engenharia aeronáutica), e em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), que também dispõe do curso de engenharia aeronáutica.
166 Bndes 60 anos – PersPectIVas setorIaIs

claramente, muito ainda resta a ser feito e investido, para que o país venha
a dispor de uma cadeia produtiva densa o suficiente para se equiparar ao nível já
alcançado pelas aeronaves que são entregues prontas a seus clientes, por parte de
seus dois fabricantes principais, embraer e Helibras.

5. pER S pEC Ti VA S pA R A O S E T OR
Quando se analisa o conjunto da indústria aeronáutica mundial, a tendência contem-
porânea mais evidente é de que países – e não corporações ou investidores privados –
tracem políticas públicas com vistas a dominar o ciclo completo da indústria e da tec-
nologia aeronáuticas. e isso na sua vertente mais desafiadora na atualidade: a de con-
cepção, projeto, certificação, produção e apoio pós-venda de aeronaves civis para o
(competitivo) mercado global. china, rússia e Japão corporificam essa tendência (vide
tabela 3), com o ímpeto de, aparentemente, levá-la até as suas últimas consequências,
na medida em que massivos apoios governamentais propulsionam as respectivas ini-
ciativas nacionais, independentemente de que a tarefa esteja a cargo de empresas ex-
clusivamente estatais, privadas e estatais (rússia) ou exclusivamente privadas (Japão).
a partir de meados da década passada, os governos desses países teriam concluído que
faltava incluir o setor aeronáutico civil em seus projetos nacionais e trataram de defla-
grar os processos financeiros, industriais e tecnológicos para suprir essa falha.
o resultado são os desenvolvimentos ora em curso, em variados estágios de
germinação, para a produção de novas aeronaves comerciais (vide tabela 3).

Tabela 3 NOvAs AERONAvEs sENdO dEsENvOlvIdAs COMO PARTE dE PROJETOs NACIONAIs

país aeronave características observações


arJ-21 Jato regional, 90 lugares Construído protótipo; sem prazo para entrar no mercado (2015?)
Em projeto; sem prazo para entrar no mercado (2016?), já tem 165
china c919 Jato para 150 a 180 lugares pedidos na China
ssJ100 Jato regional, 75 e 100 lugares Primeiras entregas realizadas (2011); consórcio ítalo-russo (50%)
Em projeto; sem prazo para entrar no mercado (2017?), já tem 200
rússia ms-21 Jato para 150 a 210 lugares pedidos na Rússia
Primeiro voo em 2012; entregas 2013; 120+ pedidos de compra
mrJ-70 e 90 Jato regional, 70 e 90 lugares (Japão e EUA)
Japão hondaJeT Jato executivo; 5 passageiros Em testes; primeiras entregas em 2012

Fonte: elaboração própria, com base em dados dos websites dos fabricantes.
Indústria Aeronáutica 167

É de se notar, na Tabela 3, que os projetos chineses ARJ-21 e Comac C-919 são ban-
cados em 100% pelo Estado chinês. Eles integram o Plano Quinquenal (2011-2015)
com outros seis setores prioritários dessa nação. Além disso, à lista de países acima,
poder-se-ia acrescentar o México, se não fosse por uma diferença fundamental: a
política nacional mexicana não inclui, por enquanto, a construção de um novo mo-
delo de aeronave. Nos últimos oito anos, foram atraídos os mais diversos fabrican-
tes estrangeiros para o país, de forma que o México é hoje um dos mais importantes
fornecedores de partes, peças e subconjuntos completos de aeronaves para as prin-
cipais cadeias produtivas aeronáuticas do mundo. Tal atração se deu na forma de
incentivos fiscais, creditícios, de infraestrutura e de formação de recursos humanos
especializados bancados pelo governo. Com isso, o México logrou trazer para seu
território um setor de alta tecnologia, que gera empregos de alto valor agregado,
é essencialmente exportador e que já teria atingido a marca de US$ 4 bilhões (2009)
a favor da balança comercial do país [Sobie (2011)]. São mais de 200 empresas, com
mais de 27 mil empregados, que incluem grandes nomes do setor, como Bombardier,
Cessna, Goodrich e Safran. A comparação com o caso brasileiro realça contrastes e
nuanças: o México teria um setor industrial aeronáutico de peso integrado às cadeias
produtivas globais, enquanto o Brasil possui um dos quatro maiores fabricantes sem
ter uma cadeia produtiva expressiva. Os dois países têm quase o mesmo número de
pessoas empregadas no setor, com valores exportados semelhantes a partir de 2009.
Portanto, o quadro de tendências que se delineia para os próximos anos da
década atual aponta para o gradual aumento da concorrência a partir de 2015, de-
safiando os duopólios atuais de Bombardier e Embraer (aeronaves de até 120-130
assentos) e de Airbus e Boeing (aeronaves de 130-550 assentos). Naturalmente, os
novos entrantes não contam com a reputação de excelência técnica e consagrado
apoio pós-venda (item de caráter vital para as empresas aéreas) dos fabricantes
estabelecidos. Além disso, suas respectivas autoridades aeronáuticas nacionais ain-
da estão em processo de aprendizado das complexas tarefas e funções requeridas
pela certificação aeronáutica, a qual precisa atingir nível de proficiência adequado
para desfrutar de reputação mundial. Mas nada disso parece deter China, Rússia e
Japão, pois são, declaradamente, projetos nacionais de longo prazo.
168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A consequência desses desenvolvimentos é o crescimento da segmentação dos


produtos já oferecidos, ou que venham a ser oferecidos em breve, no mercado.
Considerando-se assim para o caso da aviação comercial, no mercado globalizado,
aquelas aeronaves já em produção, ou com previsão para entrada em produção,
tem-se o quadro apresentado na Tabela 4.

Tabela 4 As aeronaves da Embraer e seus concorrentes reais ou potenciais

Linhas Faixa de assentos Embraer Bombardier Sukhoi Mitsubishi Airbus Boeing


1 70 a 80 E-170 CRJ700(1) *SSJ100/75(11) *MRJ70    
2 78 a 88 E-175 CRJ900        

3 86 a 103   CRJ1000(2) SSJ100/95 *MRJ90(12)    


4 98 a 114 E-190          
5 108 a 122 E-195 *CS100(3)     A318(4) B737-600(6)
6 120 a 145   *CS300     A319(5) B737-700(7)
7 150 a 180         A320 B737-800(8)
8 185 a 220         A321 B737-900

9 253 a 380         A330-200 B787-8/9(9)


10 295 a 440         A330-300 B777-200/300

11 525 a 853         A380 B747(10)

Fonte: Websites dos fabricantes.


(1) 66 a 70 assentos; (2) 93 a 100 assentos; (3) 100 a 125 assentos; (4) 107 a 132 assentos; (5) 124 a 156 assentos; (6) 110 a 132 assentos; (7)
126 a 149 assentos; (8) 162 a 189 assentos; (9) 210 a 290 assentos; (10) 416 a 524 assentos; (11) 68 a 83 assentos; (12) 86 a 96 assentos.

* Aeronaves ainda em fase final de desenvolvimento, primeiras entregas a partir de 2013-2015


Nota: O jato regional chinês atualmente em desenvolvimento, o ARJ-21 (para 70 a 95 assentos), não foi incluído na relação acima por
causa das incertezas existentes quanto à sua certificação e à carteira de clientes [Francis e Perret (2011)]. O mesmo vale para o jato também
chinês C-919 (150 a 180 assentos) e o russo jato MS-21 (150+ assentos).

As aeronaves constantes das linhas 1 a 5 da Tabela 4 recebiam, até uns oito ou dez
anos atrás, a classificação genérica de regionais, uma vez que seus operadores natu-
rais eram as empresas aéreas regionais. Com a evolução do mercado, tais aeronaves
acabaram sendo adquiridas por todo tipo de empresa aérea – mainlines, baixos custos
(low-cost carriers), regionais etc. – e, portanto, perderam essa denominação. Assim, as
aeronaves constantes das linhas 1 a 8 da Tabela 4 são classificadas mais amplamente
como narrow-bodies, ou seja, de fuselagem estreita, que comportam apenas um corre-
dor (single-aisle aircraft) entre as fileiras de assentos. São empregadas essencialmente
no transporte aéreo doméstico ou internacional transfronteiriço/regional.
Já as aeronaves constantes das linhas 9 a 11 da Tabela 4 são as aeronaves
classificadas como widebodies, ou seja, de fuselagem larga, que comportam dois
Indústria Aeronáutica 169

corredores (twin-aisle aircraft) entre as fileiras de assentos. São empregadas es-


sencialmente no transporte aéreo internacional de longo curso.
O mercado da Embraer é, portanto, aquele constituído de aeronaves com
capacidade inferior a 122 assentos e de onde provém mais de 60% do seu fatu-
ramento anual total. Cotejando-se a Tabela 4 com o Gráfico 4, conclui-se que, na
faixa de mercado em que a Embraer atua, há apenas um concorrente significa-
tivo: a Bombardier, com suas aeronaves CRJ. Os E-Jets da Embraer atingem 43%
de fatia de mercado, contra 30% dos CRJs. As aeronaves da Airbus e da Boeing
para essa faixa de assentos jamais atingiram número de vendas significativo, por
serem versões encolhidas de seus modelos maiores da Tabela 4. Isso significa que
não foram otimizadas para esse tamanho menor, sendo geralmente mais pesadas
e caras – tanto para comprar como para operar – do que suas correspondentes, a
brasileira e a canadense.
Para os E-Jets da Embraer, porém, os CRJs da Bombardier e os novos concorren-
tes que já despontam no horizonte (Tabela 4), há atualmente dois fatores condicio-
nantes do futuro do mercado de aeronaves narrow-bodies:
1. o desejo manifesto das empresas aéreas por aeronaves substancialmente mais
econômicas e ecológicas. Isso significa aeronaves com consumo de combustível
substancialmente inferior aos níveis atuais e mais econômicas em outras rubri-
cas (manutenção, operação etc.). Além disso, espera-se que tragam impacto
ambiental drasticamente reduzido em termos de ruído e de emissão de ga-
ses de efeito estufa, dados os regulamentos ambientais sendo propostos pela
União Europeia e pela Organização de Aviação Civil Internacional (OACI); e
2. a entrada no mercado de uma nova geração de motores a jato para narrow-
bodies, incorporando a tecnologia Geared TurboFan (GTF), ou solução equiva-
lente. Isso está ocorrendo em função de desenvolvimentos levados a cabo pe-
los fabricantes de motores Pratt & Whitney (P&W) e General Electric (GE), que
concorrem diretamente nessa disputa. Economias de combustível da ordem de
12% a 16% têm sido anunciadas.
A resposta dos fabricantes de aeronaves a esses condicionantes de projetos fu-
turos foi escaloná-los no tempo: a nova geração de aeronaves (item 1 antes citado)
170 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

foi deixada para a próxima década, com o argumento de que ainda não se avançou
o suficiente no campo de novas tecnologias para propiciar os saltos econômicos e
ecológicos requeridos. Já a nova geração de motores (item 2 antes citado) produziu
um dos seguintes efeitos:
• Tais motores fossem incorporados diretamente nas novas aeronaves ainda
em desenvolvimento, casos de Bombardier com as CS100 e CS300 e da Mitsu-
bishi com o MRJ e até das futuras aeronaves de 150 assentos ainda em projeto
conceitual, a chinesa C-919 e a russa MS-21; ou
• Lançamento de novas versões remotorizadas de aeronaves já existentes, o que
ocorreu com a Airbus (nova versão anunciada em dezembro de 2010) e a Boeing
(com anúncio em setembro de 2011). No primeiro caso, as aeronaves da família
A320 se tornam A320neo (new engine option) e poderão ser equipadas tanto
com a tecnologia do novo motor da P&W – GTF – quanto com a da GE – LeapX.
Já no caso da Boeing, a família dos B737 se torna B737MAX e apenas a nova
tecnologia do LeapX da GE é oferecida.
No mercado de aeronaves comerciais, como visto anteriormente, a Embraer é, de
fato, a líder na faixa em que atua, com produtos no estado da arte da tecnologia aero-
náutica. Os E-Jets da Embraer são, claramente, mais avançados do que seus correspon-
dentes canadenses (os CRJs), até por terem tido sua concepção e desenvolvimento tec-
nológico básico em período posterior ao dos canadenses. Tal oportunidade de mercado
para a Embraer deve se estender, ao menos, pelos próximos cinco anos ou se, e quando,
os novos CS100 e CS300 vierem a ser bem-sucedidos. Como o desenvolvimento de uma
nova aeronave do porte em questão, ou mesmo um pouco maior, demoraria entre três e
cinco anos até a sua entrada no mercado, surge a pergunta: não deveria a Embraer estar
justamente agora concebendo ou até anunciando o lançamento de seus próximos pro-
jetos? Essa é, na verdade, uma questão recorrente e complexa [Francis e Perret (2011)].
Nesse quadro geral, a Embraer é a única empresa, entre as quatro principais
do mercado internacional, que ainda não lançou oficialmente projetos novos – ou
possibilidades de remotorização das aeronaves em fabricação – com a nova tecno-
logia de motores a jato. Nos comunicados à imprensa e a investidores, a empresa
apenas adianta que:
Indústria Aeronáutica 171

1. decidiu não partir para o projeto e a fabricação de aeronaves com capacidade


superior aos 122 assentos do atual E-195, o que significa que não entrará na
seara de Boeing e Airbus, além do CS300 da Bombardier (130 a 149 assentos); e
2. está considerando, com forte empenho, a remotorização da família E-170/190,
além de outras melhorias estruturais e de aerodinâmica, que poderiam resultar
em primeiras entregas por volta de 2017-2018.
Já no caso da aviação executiva, a situação da Embraer é realmente de apro-
veitamento a contento das oportunidades. Suas aeronaves da linha Phenom têm
se destacado com um rápido crescimento de vendas, apesar do pouco tempo no
mercado (menos de dois anos), ficando atrás apenas da Cessna, líder do setor em
fatia de mercado. Os desenvolvimentos ora em curso, as aeronaves Embraer Legacy 450
e Legacy 500, que ocupam as faixas de mercado imediatamente superiores às da
linha Phenom, também apresentam boas perspectivas de vendas, dado o estado da
arte, que incorporam um diferencial considerável em relação à concorrência.
Uma das lições que a crise atual trouxe para a aviação executiva foi que a disponi-
bilidade de financiamento pode ser um fator crucial na comercialização desse tipo de
aeronave. Tal aspecto não era prioritário antes de 2008, até porque muitos jatos exe-
cutivos eram até então adquiridos mediante pagamento à vista. Assim, a entrada do
BNDES em apoio à comercialização da linha Phenom, tanto na seara das exportações
quanto no mercado doméstico brasileiro (via FINAME/PSI), fez bastante diferença
nas vendas da Embraer. Tal sucesso chegou mesmo a fazer com que o Congresso dos
Estados Unidos iniciasse, em julho de 2011, uma investigação, por meio da Internatio-
nal Trade Commission (ITC), para averiguar se a Embraer estaria recebendo subsídios
governamentais ilegítimos pelas regras da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Por fim, no caso do outro fabricante brasileiro de aeronaves, a Helibras, o quadro
sobre o aproveitamento de oportunidades é um pouco menos claro. É certo que o
contrato em vigor para o fornecimento de cinquenta helicópteros Cougar EC-725,
para as três Forças Armadas, trará várias oportunidades de crescimento e expansão.
Isso se dará tanto para a própria empresa como para a cadeia produtiva brasileira,
por força das cláusulas de offset (contrapartida industrial) e de progressiva nacio-
nalização da produção, fazendo com que o índice de nacionalização (metodologia
172 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

FINAME) tenha de chegar a 50% ao fim de sete anos, para o último lote de ae-
ronaves. Além disso, faz parte do planejamento estratégico da Helibras o desen-
volvimento de um novo helicóptero feito inteiramente no Brasil, para integrar o
portfólio global de sua controladora, a Eurocopter. A empresa estipula o prazo
de dez anos para materializar esse projeto, que, na verdade, remete o assunto
à origem dos incentivos dados pelo governo brasileiro para trazer a empresa ao
país no fim da década de 1970, ou seja, projetar e construir um helicóptero genui-
namente brasileiro. Por outro lado, não parece haver qualquer tipo de ameaça à
Helibras: não há notícia de que algum outro fabricante de helicópteros pretenda
se instalar no Brasil.
Na indústria aeronáutica em geral, os pesados investimentos realizados du-
rante a fase de projeto de uma nova aeronave, ou seja, nos três a cinco anos do
início da sua fabricação em série, só serão recuperados a partir de determinado
número de unidades comercializadas, algo que geralmente se situa entre 250 e
500 aeronaves. Assim, e conforme já mencionado, o ciclo do produto aeronáutico,
ou seja, o período de tempo que vai da concepção inicial de uma nova aeronave
comercial até o encerramento de sua fabricação (seguida de um apoio pós-venda
que tem de ser continuado ainda por bom tempo) demanda geralmente duas ou
mais décadas. São, portanto, prazos bastante extensos tanto no que diz respeito
a recursos materiais, de engenharia e de produção quanto aos indispensáveis in-
sumos e fluxos financeiros.
Essa situação gera a necessidade de prognósticos de mercado para o setor
muito mais longos do que os habitualmente elaborados para outros setores eco-
nômicos. Assim, o padrão consolidado na indústria é dado pelos documentos co-
nhecidos por Market Outlook, elaborados e publicados a cada ano pelos princi-
pais fabricantes, com projeções de número de aeronaves a serem comercializadas
pelos vinte anos à frente.11 Tais aeronaves são classificadas apenas por faixas de
número de assentos, como na Tabela 4, sem discriminação de marcas de fabrican-

11
Os Market Outlook publicados por Airbus, Boeing, Bombardier e Embraer têm credibilidade no mercado de transporte aéreo
mundial por dois motivos principais: (a) são fundamentados em décadas de experiência acumulada pelos fabricantes de aeronaves,
que os utilizam em suas políticas de marketing, planejamento e controle da produção; são renovados anualmente; e (b) refletem o
comportamento observado em longas séries temporais de indicadores fundamentais para o setor, tais como o RPK.
Indústria Aeronáutica 173

tes ou outras características [Embraer (2011b), Bombardier (2011b), Airbus (2011)


e Boeing (2011)].

Gráfico 12 Evolução do tráfego aéreo mundial, em trilhões de RPKs

Crise do petróleo Crise do petróleo Guerra do Golfo Crise asiática 11 set. Gripe aviária Crise financeira
5,0

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0
1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

Fonte: Airbus (2011).


RPK: sigla em inglês para revenue passenger-kilometers, ou seja, passageiros-quilômetros transportados, que é a medida por excelência da
demanda do transporte aéreo a cada ano, por empresa, país, região ou mundial.

O consenso existente no setor, com base no comportamento observado nos


últimos quarenta anos, é de que “eventos perturbadores” (crises de petróleo, crises
financeiras, guerras, epidemias etc.) têm impacto negativo na demanda do trans-
porte aéreo por apenas três meses em média, mas podem se estender por até 24-36
meses, como no caso dos eventos de 11 de setembro de 2001, que na verdade se
somaram ao fim da “bolha da internet”. A tendência de crescimento subjacente,
porém, é retomada logo em seguida e se mantém nos anos subsequentes, confor-
me o Gráfico 12.
Assim, com esses fundamentos históricos, os cenários econométricos traçados
para o período dos próximos vinte anos, utilizados para gerar as estimativas merca-
dológicas para os quatro principais fabricantes de aeronaves, contemplam algumas
premissas, conforme a Tabela 5.
174 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 5 Premissas utilizadas para as projeções mercadológicas dos principais


fabricantes de aeronaves comerciais a jato

Cenário econométrico 2011-2030 Crescimento médio do PIB mundial Crescimento médio do RPK
(demanda de passageiros) mundial

Airbus 3,6% a.a. 4,8% a.a.

Boeing 3,3% a.a. 5,1% a.a.

Bombardier 3,4% a.a. N.I.

Embraer 3,2% a.a. 5,2% a.a.

Fonte: Embraer (2011b), Bombardier (2011b), Airbus (2011) e Boeing (2011).

As empresas, como é praxe no setor, adotaram o cenário conservador ao estimar


que o crescimento do tráfego de passageiros se dará em aproximadamente 1,5 vez
o crescimento do PIB. Historicamente, esse valor tem oscilado entre 1,5 e 2,0 vezes
para o agregado do tráfego mundial, entretanto, sendo que para países emergentes
como o Brasil, ele já atingiu até quatro a seis vezes em certos períodos. Além disso,
os fabricantes adotam premissas qualitativas para modelar o crescimento projetado,
baseando-se em fatores que podem ser sintetizados da seguinte forma:
• nos mercados maduros (Estados Unidos e Europa), as vendas são motivadas
pelo crescimento continuado e pela reposição, com modelos mais econômicos e
ecológicos, do estoque de aeronaves atualmente em operação;
• crescimento dinâmico nos mercados emergentes, tanto pelos fatores popula-
cionais como econômicos;
• aumento das populações urbanas, gerando riqueza e crescimento do tráfego;
• aumento da classe média global, especialmente na Ásia;
• crescimento contínuo das empresas aéreas de baixo custo (LCCs – low-cost carriers); e
• aumento da liberalização da regulamentação econômica dos mercados, tanto
domésticos como internacionais.
As projeções de vendas resultantes das premissas e modelagens descritas são,
geralmente, apresentadas para aeronaves nas faixas de número de assentos que
interessam diretamente a cada fabricante, nos segmentos de mercado em que atua
(Tabela 4). Assim, por exemplo, a Airbus só apresenta projeções de vendas para ae-
ronaves com mais de cem assentos.
Indústria Aeronáutica 175

Focando-se assim no segmento de mercado de aeronaves comerciais em que a


Embraer atua, suas projeções são apresentadas nas tabelas 6 e 7.

Tabela 6 Projeções de vendas de aeronaves comerciais a jato na faixa de 61 a 90


assentos, por região do mundo
PROJEÇÃO PARA NOVAS ENTREGAS
REGIÃO 2011-2020 2021-2030 2011-2030 %
África 25 30 55 2
Ásia-Pacífico 110 200 310 12
China 225 215 440 16
Europa 220 240 460 17
América Latina 55 70 125 5
Oriente Médio 65 80 145 5
América do Norte 500 510 1.010 38
Rússia/CEI 65 60 125 5
Mundo 1.265 1.405 2.670 100

Fonte: Embraer (2011b).

Tabela 7 Projeções de vendas de aeronaves comerciais a jato na faixa de 91 a 120


assentos, por região do mundo
PROJEÇÃO PARA NOVAS ENTREGAS
REGIÃO 2011-2020 2021-2030 2011-2030 %
África 60 75 135 3
Ásia-Pacífico 145 150 295 7
China 200 320 520 13
Europa 500 695 1.195 29
América Latina 285 250 535 13
Oriente Médio 80 85 165 4
América do Norte 420 570 990 24
Rússia/CEI 155 135 290 7
Mundo 1.845 2.280 4.125 100

Fonte: Embraer (2011b).

O mercado potencial chegaria, portanto, a um total de 6.795 novas aeronaves


do portfólio atual da Embraer, a serem entregues até 2030. Considerando-se que
a capacidade de produção da Embraer está na faixa de até 140 a 160 aeronaves
comerciais E-Jets por ano, fica claro que ela está preparada para esse futuro, exceto
pelos desenvolvimentos tecnológicos e/ou de novos produtos que sejam requeridos.
No caso da Bombardier, as projeções são feitas para faixas de assentos ligeiramente
diferentes da Embraer, mas, grosso modo, pode-se dizer que há razoável grau de
alinhamento entre ambas. Já a Airbus, como visto, não aborda diretamente esse
mercado e a Boeing projeta um encolhimento do mercado para o jato regional.
176 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Como a Boeing não atua nesse mercado, sua aposta é de aumento do chamado
tamanho médio de aeronave, ou seja, que o mercado demandará mais aeronaves
de 180 assentos do que de 150 assentos, movimento já detectado na atualidade. O
encolhimento do mercado do jato regional não parece muito plausível em função
justamente dos mercados ainda emergentes, que demandam esse porte de aerona-
ve (70 a 130 assentos).
Para além dos parâmetros usuais que determinam a competitividade das aero-
naves comerciais – menores custos de aquisição e operação, performance, estado da
arte tecnológico etc. –, uma nova dimensão está adquirindo grande importância nes-
ta e na próxima década: o desempenho ambiental. Isso se dá no contexto crescente
das limitações e regulações internacionais quanto a emissões dos gases que seriam
responsáveis pelo efeito estufa, notadamente CO2 e NOx. No caso da indústria do
transporte aéreo, a contribuição é estimada em apenas 2% do total de emissões anuais
de CO2 que ocorrem no planeta em função da atividade humana. Porém, dada sua
grande visibilidade internacional, sua associação com pessoas de elevado poder aqui-
sitivo e/ou poder político, o setor tem sido alvo de sucessivas tentativas de tributação
e regulação por parte de entidades como a União Europeia (UE), a Organização de
Aviação Civil Internacional (OACI) e a International Air Transport Association (Iata). A
UE, por exemplo, pretende instituir um sistema de cap & trade12 já a partir de 2012,
embora sabendo que será objeto de forte contestação judicial.
Nesse quadro, as empresas aéreas têm pressionado os fabricantes de aeronaves
a aumentar o desempenho ambiental das novas aeronaves a serem entregues, o
que significa, concretamente, duas iniciativas:
1. diminuir, por todos os meios possíveis, o consumo de combustível, o que auto-
maticamente reduz as emissões de CO2 e NOx; e
2. estabelecer a cadeia produtiva e consolidar a certificação aeronáutica para os
novos tipos de querosene de aviação (QAV), obtidos com base no processamen-
to de biomassa (algas, óleo de soja, de milho etc.). Tais tipos de combustível são

12
Por esse sistema, cada empresa aérea só terá direito a emitir 80% dos gases produzidos em 2011, em virtude de operações de
transporte dentro, de ou para a UE. Os 20% restantes têm de ser extintos ou comprados no mercado livre de créditos de carbono
(conhecido como ETS – Emissions Trade Scheme).
IndústrIa aeronáutIca 177

essencialmente neutros no seu impacto ambiental porque o processo de gera-


ção/germinação de biomassa geralmente consome quantidades equivalentes
dos mesmos gases (co2 e nox) que depois sairão como resultantes da combus-
tão do QaV produzido a partir dela.
no item 1, obtém-se a redução desejada por meio de motores aeronáuticos
mais avançados, como os já mencionados GtF e Leap-X, redução do peso vazio das
aeronaves com o emprego de materiais mais leves, redução do arrasto aerodinâ-
mico (resistência ao ar) das aeronaves etc. Vêm daí a importância já mencionada
do lançamento das aeronaves airbus a320neo, Boeing 737MaX e os cseries da
Bombardier, e a expectativa suscitada pela aparente falta de definição da embraer
a esse respeito.
Já o item 2 demanda o estabelecimento de toda uma nova cadeia produtiva
para processar a biomassa, estocá-la, vendê-la e distribuí-la para as empresas aé-
reas, fornecendo um combustível a preços compatíveis com o atual querosene de
aviação (QaV). além disso, é preciso que, nesse processo, os diversos tipos de novos
QaVs sejam devidamente testados e certificados pelas autoridades aeronáuticas,
sem o que não será possível seu emprego. esse desenvolvimento ainda se encon-
tra nos seus primeiros estágios, pois apenas alguns tipos de biomassa tiveram seu
processamento validado (embora ainda não certificado) e alguns milhares de horas
de voo dos novos QaVs foram acumulados em voos de ensaio realizados pelos fa-
bricantes de aeronaves e empresas aéreas (em que os novos QaVs são misturados
com o tradicional).
Fica claro, assim, que esses desafios terão importância cada vez maior para a
indústria aeronáutica brasileira ao longo da década ora em curso e, possivelmente,
para bem além dela.

6. O ApO i O d O B n d E S
o apoio do Bndes ao setor aeronáutico no país adquiriu um porte mais signifi-
cativo após a privatização da embraer em 1994. naquela ocasião, como visto, os
novos controladores aportaram cerca de us$ 500 milhões. o Bndes contribuiu com
us$ 300 milhões adicionais por meio de diversos instrumentos de renda fixa e renda
178 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

variável, recursos esses que já retornaram ao Banco, exceto pelo pequeno resíduo
de participação acionária (com rendimentos excepcionais no caso da renda variá-
vel). Desde então, a maior parte do apoio tem sido prestado, seja para a Embraer
ou para a Helibras, na forma de financiamento a seus clientes, tanto no caso de
exportações como em vendas no mercado doméstico. A carteira de financiamentos
do BNDES atinge hoje a cifra aproximada de US$ 8 bilhões, representando mais de
setecentas aeronaves espalhadas pelo mundo.13
Em vista do que foi apresentado nas seções anteriores, é natural que se possa
conceber um rol de ações, medidas ou políticas operacionais do BNDES que venham
a fomentar ainda mais o setor. Antes de aprofundar o tema, porém, é preciso aten-
tar para o quadro já existente, que pode ser sintetizado da seguinte forma:
• Os países que contam com o setor de indústria aeronáutica em suas econo-
mias apoiam-no fortemente por meio de um leque de instituições, medidas e
políticas públicas, emanadas essencialmente das mais altas esferas do Poder
Executivo, referendadas ou modificadas pelo Poder Legislativo.14 Parece pouco
provável que o Brasil possa trilhar caminho alternativo a esse, como deixar que
as forças do livre mercado prevaleçam indiscriminadamente.
• De fato, apesar de o Banco ter lançado o BNDES Pro-Aeronáutica em 2007, foi
em 2008, com o lançamento da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP),
que o setor de indústria aeronáutica foi formalmente contemplado no nível
ministerial do Poder Executivo brasileiro. Do grupo de trabalho daí resultan-
te, coordenado por representante do BNDES, emanou uma série de medidas
de fomento ao setor. Na parte concernente ao BNDES, claramente o BNDES
Pro-Aeronáutica já atendia essencialmente ao que lhe era demandado. No
entanto, pequenos ajustes no programa foram feitos, a partir de 2009-2010,
para contemplar a totalidade da demanda esperada do Banco. Assim, o Pro-
-Aeronáutica continua em vigor até pelo menos 2013, inclusive com a alocação

13
Em comparação, a carteira do correspondente americano, o US Ex-Im Bank, ultrapassa US$ 50 bilhões (aeronaves Boeing), o
mesmo valendo para os correspondentes da União Europeia (aeronaves Airbus).
14
Nos Estados Unidos, por exemplo, há um órgão para o fomento da parte civil, com verbas de P & D, que é a NASA, e outro para
o setor militar, a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA). No Japão, tal tarefa está a cargo do Ministério de Indústria e
Comércio (MITI), na União Europeia, isso fica a cargo dos chamados Programas Quadro (Framework Programs) e assim por diante.
Indústria Aeronáutica 179

de seu orçamento de R$ 100 milhões voltado para as micro, pequenas e médias


empresas da cadeia produtiva aeronáutica brasileira.
Percebe-se, atualmente, que há a necessidade de um leque mais amplo de me-
didas. Naturalmente, antes de tudo, é preciso estratificar as medidas e determinar o
que compete, por exemplo, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comér-
cio Exterior (MDIC), ao BNDES, à Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI), à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex),
ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), à Finep e ao Ministério da
Fazenda, entre outros. Para a atuação do BNDES, sugere-se, em função do até aqui
exposto, que o setor de indústria aeronáutica possa:
1. receber tratamento especial para contar, sempre que necessário e cabível,
com financiamentos das linhas de inovação do Banco, que têm condições mais
favoráveis. Isso se justifica pela natureza do setor, como visto, e também pelo
fato de que seus concorrentes em outros países recebem recursos em con-
dições geralmente ainda mais favoráveis, em alguns casos até recursos não
reembolsáveis (por meio de desenvolvimentos tecnológicos nominalmente
destinados ao setor de defesa).
2. dispor, especialmente sua cadeia produtiva, de financiamentos para fusões e
aquisições em geral, de forma a promover um grau maior de consolidação das
empresas existentes; e
3. acessar, especialmente sua cadeia produtiva, de forma mais ágil e direta, as li-
nhas de renda variável do Banco, de forma que desenvolvimentos tecnológicos
de maior vulto, que não seriam comportados pelas linhas da Finep, Fapesp etc.
possam ser levados a cabo sem comprometer a saúde financeira das empre-
sas no curto prazo. Operações de renda variável focadas em desenvolvimentos
tecnológicos poderiam ser de grande valia para que as MPMEs estabelecidas
no país pudessem dar os saltos tecnológicos requeridos para atingir padrões
globais, equiparando-as a suas congêneres de outros países que são objeto de
políticas públicas bastante generosas – para uma comparação com o caso cana-
dense, vide Hadekel (2004).
180 Bndes 60 anos – PersPectIVas setorIaIs

7. C O nC L US Õ E S
olhando-se em retrospecto a evolução recente da indústria aeronáutica no país,
parece não haver dúvidas quanto ao papel histórico desempenhado pelo Bndes
no apoio ao setor. se é verdade que tal apoio se realizou de forma mais marcante
logo no período pós-privatização da embraer (ocorrida em dezembro de 1994)
e, desde então, no financiamento às exportações de suas aeronaves, também é
verdade que seus fornecedores têm recebido atenção na formulação de políticas
específicas. nesse particular, o Programa Bndes Pro-aeronáutica é voltado essen-
cialmente ao financiamento de pequenas e médias empresas da cadeia produtiva
aeronáutica instalada no país, por meio de instrumentos financeiros de renda fixa
e renda variável.
Por outro lado, se há uma conclusão que parece permear todos os estudos
aprofundados do setor de indústria aeronáutica mundial, é a de que esse setor tem
forte dependência dos respectivos governos nacionais. seja pelo canal das compras
governamentais – essencialmente de material de defesa e de segurança pública –,
seja de financiamento ou bolsas para pesquisa e desenvolvimento tecnológicos,
seja em financiamentos às exportações, não há registro de fabricante aeronáutico
bem-sucedido que dependa apenas das forças – e dos recursos – do livre mercado.
no Brasil, esse tipo de percepção começou a se solidificar na esfera governa-
mental a partir do retorno das chamadas políticas públicas para a indústria, mate-
rializadas sucessivamente pela Política de desenvolvimento Produtivo (PdP) e pelo
atual Plano Brasil Maior (PBM). com isso, é esperado que as ações do governo bra-
sileiro comecem a adquirir as feições daquelas empreendidas pelos governos das
nações concorrentes do país no setor de indústria aeronáutica.
como parte indissociável desse esforço, a atuação do Bndes poderá se dar para
bem além daquelas áreas já tradicionais para o setor aeronáutico, ou seja, o apoio
à indústria e ao comércio exterior, que lhe são familiares e onde construiu histórico
considerável. os desafios que se apresentam, como o do apoio à inovação, que in-
clui também, entre seus muitos matizes, o da sustentabilidade, só poderá se dar de
forma efetiva se o papel do Banco estiver coordenado às demais vertentes do apoio
Indústria Aeronáutica 181

que o Estado brasileiro precisará empreender para ampliar a indústria aeronáutica


como setor importante da economia e da nação brasileiras. Nesse sentido, os des-
dobramentos do PBM, que tratam em conjunto as áreas de espaço e complexo da
defesa, vão na direção desejável, pois, como já visto, trata-se, em última análise, no
Brasil e no mundo, de A & D – aeroespaço e defesa.
Portanto, imperativos e diretrizes de Estado, afeitos agora a A & D como ocorre nos
Estados Unidos, no Canadá, na China, na Rússia e na União Europeia entre outros, se
adequadamente elaborados e rebatidos para a atuação do BNDES, contribuirão para
permitir que o país galgue esferas superiores de desenvolvimento econômico e social.

Apêndi ce
Síntese das histórias dos demais principais fabricantes
de jatos comerciais
Boeing
A Boeing foi fundada em 1916 em Seattle, Washington, Estados Unidos. Em sua lon-
ga história, comprou ou absorveu mais de vinte empresas dos setores aeronáutico,
espacial e de defesa. Só tem fábricas nos Estados Unidos (nos estados de Washington
e Carolina do Sul), embora partes estruturais substanciais de suas aeronaves (mais de
um terço em massa) sejam produzidas no Japão, graças aos pesados investimentos
feitos em parcerias de risco pelas empresas aeronáuticas do país asiático. Sua cadeia
produtiva tem empresas fornecedoras em praticamente todos os estados americanos,
de forma a gerar apoio político e orçamentário a seus programas civis e militares. Ao
contrário da Airbus, tem longa experiência com programas de defesa, e seu fatura-
mento é dividido meio a meio entre os mercados civil e militar há várias décadas.

Airbus
A Airbus foi fundada como entidade estatal em 1969 pelos governos da França,
da Inglaterra e da Alemanha (pouco depois a Espanha se juntaria ao grupo). Essa
entidade era integrada pelos fabricantes aeronáuticos desses países, a saber: Aeros-
patiale, British Aerospace e Deutsche Airbus (pouco depois a CASA espanhola seria
182 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

adicionada). Hoje é empresa privada, pertencente ao grupo franco-alemão EADS,


com fábricas nos quatro países originais e na China e cadeia produtiva localizada
essencialmente na Europa e nos Estados Unidos. Entrou recentemente no mercado
militar, com o cargueiro quadrimotor turboélice A400M.

Bombardier
A Bombardier foi fundada em 1934 como fabricante de snowmobiles (tendo se
mantido desde então como uma das principais empresas desse setor, que inclui
jetskis). Por conta de uma crise nesse mercado na década seguinte, estabeleceu a
diretriz estratégica de ser uma empresa diversificada: é hoje um dos maiores fabri-
cantes de material ferroviário do mundo, além de estar entre os quatro maiores
produtores de aeronaves civis – comerciais e executivas. Essa parte aeronáutica do
seu portfólio corporativo foi sendo adquirida e incorporada ao longo de várias dé-
cadas, sendo as mais significativas as da Canadair (1986), Short Brothers (1989), da
Irlanda, Learjet Corp. (1990), dos Estados Unidos, De Havilland (1992), do próprio
Canadá, e Skyjet (2000), dos Estados Unidos [Bombardier (2011a)]. Por causa dessa
miscelânea de empresas incorporadas, sua cadeia produtiva estende-se por vários
países, principalmente Canadá, Estados Unidos e Irlanda. Mais recentemente, uma
política corporativa de redução de custos levou-a a estabelecer importante unidade
fabril no México. Também estabeleceu, em 2011, ampla parceria com o complexo
de fabricantes aeronáuticos estatais da China, que envolve desde encomendas de
conjuntos estruturais para as suas futuras aeronaves CSeries até desenvolvimento e
marketing conjunto das suas aeronaves e das futuras aeronaves civis chinesas sendo
atualmente projetadas.
Indústria Aeronáutica 183

R e f er ênc i as
Airbus. Global Market Forecast 2011-2030. Airbus S.A.S., set. 2011. Disponível em:
<http://www.airbus.com>. Acesso em: 10 out. 2011.

Andrade, R. P. A construção aeronáutica no Brasil 1910/1976. São Paulo: Brasiliense, 1976.

Bernardes, R. Embraer, elos entre Estado e mercado. São Paulo: Hucitec, 2000.

Boeing. Current Market Outlook 2011-2030. Boeing Commercial Airplanes,


set. 2011. Disponível em: <http://www.boeing.com/cmo>. Acesso em: 10 out. 2011.

Bombardier. Disponível em: <http://www.bombardier.com/en/corporate/about-us/his


tory?docID=0901260d8001dffa>. Acesso em: 17 ago. 2011.

______. Market Forecast 2011-2030. Bombardier Commercial Aircraft, jun. 2011.


Disponível em: <http://www.bombardier.com>. Acesso em: 10 out. 2011.

Coutinho, L. Prefácio. In: Bernardes, R. Embraer, elos entre Estado e mercado. São
Paulo: Hucitec, 2000.

Crouch, T. D. Wings: a history of aviation from kites to the space age. Nova York:
W. W. Norton & Company, 2004.

Embraer. Disponível em: <http://www.embraer.com/pt-BR/Aeronaves/Paginas/


Home.aspx>. Acesso em: 9 mai. 2011.

______. Market Outlook 2011-2030. Embraer Commercial Jets, n. 8. Disponível em:


<http://www.embraercommercialjets.com>. Acesso em: 10 out. 2011.

Francis, L; Perret, B. Family troubles. Aviation Week & Space Technology, 21 set.
2011, p. 24-25.

Gargiulo, F. R. Indústria de construção aeronáutica, o caso da Embraer: história e


avaliação. Mai. 2008. Dissertação (Mestrado em Finanças e Economia Empresarial),
EPGE, Fundação Getulio Vargas, Rio de Janeiro.
184 Bndes 60 anos – PersPectIVas setorIaIs

HadeKeL, P. Silent partners – taxpayers and the bankrolling of Bombardier. toronto:


Key Porter, 2004.

HeLIBras. disponível em: <http://www.helibras.com.br/a-helibras_historico.php>.


acesso em: 15 abr. 2011.

______. disponível em: <http://www.helibras.com.br/a-helibras_noticias-detalhe.


php?id=50>. acesso em: 9 mai. 2011.

MeIo aÉreo. Helibras – Helicópteros do Brasil S.A. disponível em: <http://www.


meioaereo.com/index.php?option=com_content&view=article&id=1182:helibras-
helicopteros-do-brasil-sa&catid=217:empresas-do-setor&Itemid=634>. acesso em:
10 mai. 2011.

MIGon, M. n.; Montoro, G. c. F. (org.). Cadeia produtiva aeronáutica brasileira,


oportunidades e desafios. rio de Janeiro: Bndes, 2009.

MIGon, M. n.; PInto, M. a. c. alternativas para o adensamento da cadeia produtiva


aeronáutica brasileira: o modelo europeu. Revista do BNDES . rio de Janeiro:
Bndes, set. 2006.

Poder aÉreo. disponível em: <http://www.aereo.jor.br/2008/10/19/40-anos-de-emb-


110-bandeirante>. acesso em: 10 mai. 2011.

PreFeItura de sÃo JosÉ dos caMPos. disponível em: <http://www.sjc.sp.gov.br/negocios/


parquetecnologico.aspx>. acesso em: 11 mai. 2011.

soBIe, B. Mexico expects more manufacturing despite global downturn. Flightglobal.


disponível em: <http://www.flightglobal.com/news/articles/mexico-expects-more-
manufacturing-despite-global-downturn-325259/>. acesso em: 24 out. 2011.
Breno Emerenciano Albuquerque
Edson luiz Moret de Carvalho
luciana Surliuga Teles
Marcelo Oliveira Santos
Marcos dos Santos
Marcos Fernandes Machado*

* respectivamente, gerente, chefe de departamento, economistas, coordenador de serviços e gerente do departamento de suporte
e controle operacional da área de operações indiretas do bndes. os autores agradecem a claudio bernardo Guimarães de moraes,
superintendente da área de operações indiretas, e a filipe lage de sousa, editor do BnDES Setorial, pelos seus comentários e
valiosas sugestões.
BENS DE CAPITAl 187

R ES UM O
Este artigo trata da indústria de bens de capital no Brasil no período 2003-2011,
considerando aspectos de produção e produtividade, seu desempenho no comércio
exterior, as várias formas de apoio do BNDES e os desafios e perspectivas para o
setor. Na segunda seção, vê-se que a produtividade média do setor no período de
2003 a 2009 foi superior à observada para a economia. Na terceira seção, foi con-
siderado o desempenho comercial, com destaque para a crescente importância do
Mercosul nas exportações brasileiras, a grande penetração dos produtos chineses
na pauta de importações do Brasil e o crescimento das importações por conta de
preços mais reduzidos. A quarta seção mostra que os equipamentos de transporte
foram os itens que receberam maior volume de financiamentos, seguidos de equi-
pamentos industriais, agrícolas e de infraestrutura. Na quinta seção, argumenta-se
que os estímulos voltados para a modernização e o desenvolvimento tecnológico
de máquinas-ferramenta são fundamentais para assegurar a sobrevivência do se-
tor. Nesse sentido, discute-se que o BNDES deve assumir nas próximas décadas o
desafio de construir os instrumentos apropriados indutores dessa transformação.

AB S TR Ac T
This article addresses the capital goods industry in Brazil from 2003 to 2011,
considering aspects of production and productivity (Section 2), its performance in
foreign trade (Section 3), the various forms of BNDES support (Section 4) as well as
future challenges and prospects for the sector (Section 5). In Section 2, we noted
that average productivity in the sector from 2003 to 2009 was higher than that for
the economy as a whole. In Section 3, we considered the commercial performance,
highlighting the growing importance of Mercosur in Brazilian exports, the extensive
penetration of chinese products in Brazilian imports, as well as the import growth
due to lower prices. In Section 4, we show that transport equipment have received
a higher volume of financing, followed by industrial, agricultural and infrastructure
188 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

equipment. In Section 5, we argue that the incentives for modernization and


technological development of machine-tools are essential to ensure the survival of
the sector. In this sense, we argue that, in the coming decades, the BNDES must take
on the challenge of building the appropriate tools to induce this transformation.
BENS DE CAPITAl 189

1. I NTR O DUÇ Ã O
O papel da indústria de bens de capital como um dos propulsores do desenvol-
vimento econômico de um país é da maior relevância. Por manter vínculos com
praticamente todas as etapas da atividade produtiva e por ser capaz de ampliar
a capacidade produtiva da economia, o setor de bens de capital incorpora par-
cela significativa do desenvolvimento das cadeias produtivas e surge como um
importante difusor de progresso técnico entre os setores. Essa disseminação de
progresso contribui para a expansão do mercado interno, sustenta a evolução da
produtividade e serve de estímulo ao aumento da competitividade da economia
no médio e longo prazos.
Em consonância com esse entendimento, em seus sessenta anos de história o
BNDES esteve especialmente ligado ao desenvolvimento da indústria brasileira e,
em particular, do setor de bens de capital. Os instrumentos de apoio são diversifi-
cados e abarcam ampla variedade de produtos e programas, o que permite o dese-
nho de políticas industriais cada vez mais sólidas e adaptadas para o setor.
Este trabalho tem como objetivo principal dimensionar e avaliar o desem-
penho da indústria de bens de capital – máquinas e equipamentos – no Brasil
na última década (2003-2011) e a inserção do BNDES nesse contexto. O trabalho
contém seis seções, incluindo esta introdução. A segunda seção realiza uma fo-
tografia das principais características do setor de bens de capital, considerando
a evolução dos principais indicadores do setor e de seus subsetores durante o
período. A terceira seção trata do setor externo, buscando dimensionar o de-
sempenho comercial da indústria brasileira de bens de capital no período, as-
sim como sua relação com a competitividade do setor. A quarta seção descreve
o apoio do BNDES nesse quadro evolutivo. A quinta seção aborda os principais
desafios e perspectivas para o setor. A sexta seção apresenta as conclusões do
trabalho.
190 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

2. DES EM pEN H O D O S E T OR D E B E N S
DE c ApI TAL N A c ION A L N O p E R ÍOD O
2003- 2011: p R OD U Ç Ã O E p R OD U T IVID A D E
Taxa de inVesTiMenTo

De 2003 a 2008, a taxa de investimento brasileira registrou crescimento ininter-


rupto. Em 2009, essa taxa recuou em decorrência da crise financeira internacional,
mas, por conta das medidas anticíclicas adotadas pelo governo federal, a taxa de
investimento voltou a crescer nos anos seguintes, como se pode ver no Gráfico 1.

GráfiCo 1 brasil – formação bruta de capital fixo/produto interno bruto

25

19,3
18,8

18,4
20 17,9
17,6
16,8
16,2
15,8
15,5

15
PART. %

10

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.

Valor adiCionado bruTo por aTiVidade –


Máquinas e equipaMenTos
Com base em dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), foram elaboradas as tabelas 1 e 2, que mostram a evolução do valor adi-
cionado bruto (VAB) e do pessoal ocupado, tanto em nível nacional quanto para o
grupo de máquinas e equipamentos. Esses dados têm por objetivo dimensionar o
Bens de Capital 191

setor e montar seus indicadores de produtividade. O período analisado vai de 2003


a 2009, o último ano com dados disponíveis.
Nesse período, o crescimento do VAB, em nível nacional, foi quase o dobro do VAB de
máquinas e equipamentos, com a consequente perda de importância relativa desse grupo.
Por outro lado, aumentou o número de pessoal ocupado no grupo de máqui-
nas e equipamentos entre 2003 e 2009, uma indicação de que houve ingresso de
pessoal mais qualificado na força de trabalho desse setor.

Tabela 1 Grupo máquinas e equipamentos – valor adicionado bruto* e pessoal ocupado


segundo classes e atividades
Tabela 1A Grupo máquinas e equipamentos – valor adicionado bruto segundo classes e atividades* (R$ 1.000,00)

Classes e atividades 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. %
2003-2009
Total Brasil 1.288.867 1.553.062 1.715.619 1.909.976 2.152.798 2.396.957 2.571.598 99,5
Máquinas para escritório e
equipamentos de informática 1.635 1.303 1.718 2.562 2.790 2.479 2.919 78,5
Máquinas, aparelhos
e materiais elétricos 6.430 7.966 8.844 10.530 12.131 12.351 10.956 70,4
Material eletrônico
e equipamentos de
comunicações 2.979 3.661 4.900 4.792 4.488 3.972 3.462 16,2
Aparelhos/instrumentos
médico-hospitalar,
medida e óptico 3.906 4.676 4.742 5.661 6.553 7.905 7.187 84,0
Caminhões e ônibus 1.642 2.266 2.628 2.084 2.407 2.959 2.719 65,6
Outros equipamentos
de transporte 5.956 5.797 4.875 5.484 7.528 9.459 7.405 24,3
Total máquinas e equip. 22.548 25.669 27.707 31.113 35.897 39.125 34.648 53,7
Participação % 1,75 1,65 1,61 1,63 1,67 1,63 1,35

Tabela 1B Grupo máquinas e equipamentos – pessoal ocupado

Classes e atividades 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. %
2003-2009
Total Brasil 84.034.981 88.252.473 90.905.673 93.246.963 94.713.909 96.232.609 96.647.139 15,0
Máquinas para escritório e
equipamentos de informática 18.996 23.644 28.943 40.919 47.261 55.091 54.134 185,0
Máquinas, aparelhos
e materiais elétricos 159.503 179.076 190.165 207.396 212.465 257.158 248.588 55,9
Material eletrônico
e equipamentos de
comunicações 79.335 99.132 100.709 93.781 97.646 88.681 88.531 11,6
Aparelhos/instrumentos
médico-hospitalar, medida
e óptico 101.958 103.677 115.169 117.004 127.005 137.014 133.540 31,0
Caminhões e ônibus 19.307 25.395 25.237 21.191 22.687 24.764 23.956 24,1
Outros equipamentos
de transporte 80.372 95.711 101.854 116.585 121.985 126.568 114.838 42,9
Total máquinas e equip. 459.471 526.635 562.077 596.876 629.049 689.276 663.587 44,4

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de IBGE.


* Valores a preços constantes, ano de referência 2000. Ver Diretoria de Pesquisa (DPE), Coordenação de Contas Nacionais (Conac),
Sistemas de Contas Nacionais – Brasil, referência 2000, nota metodológica n. 1.
192 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

VALOR ADICIONADO BRUTO por trabalhador

A Tabela 2 demonstra que o VAB por trabalhador, em esfera nacional, é inferior ao


apurado para máquinas e equipamentos. Isso indica que é mais elevada a produti-
vidade desse setor, que incorpora mais tecnologia.

Tabela 2 Brasil – grupo máquinas e equipamentos – valor adicionado bruto por trabalhador (R$ MIL)

Item 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Var. %


2003-2009
Brasil 15,3 17,6 18,9 20,5 22,7 24,9 26,6 73,5
Grupo Máquinas e Equipamentos 49,1 48,7 49,3 52,1 57,1 56,8 52,2 6,4
Máquinas para escritório 86,1 55,1 59,4 62,6 59,0 45,0 53,9 185,0
e equipamentos de informática
Máquinas, aparelhos 40,3 44,5 46,5 50,8 57,1 48,0 44,1 55,9
e materiais elétricos
Material eletrônico e 37,5 36,9 48,7 51,1 46,0 44,8 39,1 11,6
equipamentos de comunicações
Aparelhos/instrumentos médico- 38,3 45,1 41,2 48,4 51,6 57,7 53,8 31,0
hospitalar, medida e óptico
Caminhões e ônibus 85,0 89,2 104,1 98,3 106,1 119,5 113,5 24,1
Outros equipamentos de transporte 74,1 60,6 47,9 47,0 61,7 74,7 64,5 42,9

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de IBGE.

Os dados mostram, também, que as empresas do grupo de máquinas e equipa-


mentos não vêm acompanhando o aumento de produtividade de outros segmen-
tos da economia. Entre 2005 e 2007, a variável esboçou um movimento de recupe-
ração, mas, em seguida, voltou a apresentar tendência de queda.
Em 2009, as empresas do grupo de caminhões e ônibus foram as que tiveram
a menor quantidade de pessoal ocupado, mas seu VAB por trabalhador mostrava
maior produtividade dos trabalhadores.
A partir de 2007, a atividade de outros equipamentos de transporte passou à
segunda colocação no ranking da relação VAB por trabalhador.

Produção industrial por categoria de uso

Uma análise da evolução da produção industrial por categoria de uso, com base nos
dados da Tabela 3, permite verificar que a categoria de bens de capital foi a que re-
gistrou as maiores taxas de crescimento da produção vis-à-vis as categorias de bens
intermediários e de bens de consumo.
Bens de Capital 193

Tabela 3 Brasil – produção física industrial (var. % em 12 meses em relação ao mesmo


período do ano anterior)
Categorias de uso 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Var. %
2003-2011/
1994-2002
Bens de capital 2,2 19,7 3,6 5,7 19,5 14,3 (17,4) 20,9 3,3 57
Bens 2,0 7,4 0,9 2,1 4,9 1,5 (8,8) 11,4 0,3 27
intermediários

Bens de consumo (2,7) 7,3 6,0 3,3 4,7 1,9 (2,7) 6,4 (0,5) 19
Bens de consumo 3,0 21,8 11,4 5,8 9,1 3,8 (6,4) 10,3 (2,0) 58
duráveis

Semiduráveis (11,2) 3,1 (1,6) (3,2) 3,1 (2,0) (10,2) 6,4 (9,0) (25)

Não duráveis (0,3) 3,3 8,6 3,3 2,0 2,5 0,2 4,2 0,9 42

Indústria geral 0,1 8,3 3,1 2,8 6,0 3,1 (7,4) 10,5 0,3 28

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.

Em 2009, verificou-se forte queda da produção industrial, com maior impacto


na categoria de bens de capital. Em 2010, houve expressiva reversão na produção
industrial e recuperação em bens de capital. Em 2011, a atividade industrial perma-
neceu praticamente estável, em função, basicamente, da performance observada
na produção de bens de capital.

Produção industrial de bens de capital

A Tabela 4 mostra que, entre os bens de capital produzidos no período 2003-2011,


o crescimento mais acentuado foi na categoria de equipamentos de transporte in-
dustrial, cuja performance afetou bastante as taxas de desempenho do setor.

Tabela 4 Brasil – Produção física industrial – bens de capital (var. % em 12 meses em


relação ao mesmo período do ano anterior)

Categorias de uso 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Var. %
2003-2011/
1994-2002

Bens de capital 2,2 19,7 3,6 5,7 19,5 14,3 (17,4) 20,9 3,3 57
1. Bens de capital – 0,3 16,2 2,7 9,9 19,9 6,2 (23,4) 18,6 (2,2) 33
exclusive (2)

2. Equipamentos 7,0 28,3 5,4 (3,3) 18,5 34,2 (5,7) 24,5 11,6 148
de transporte
industrial

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.


194 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

À exceção dos equipamentos de transporte industrial, em 2009 houve forte


redução na produção de bens de capital. Da mesma forma, em 2011, não fosse o
crescimento observado na mesma categoria, o desempenho do setor teria sido ne-
gativo, pois os outros bens de capital registraram queda na produção.

Produção industrial de bens de capital por finalidade

Em relação à finalidade do bem, é possível destacar três aspectos. Primeiro, em re-


lação à produção de bens de capital para o setor de energia elétrica, houve forte
crescimento no período 2003-2008 e redução contínua a partir de 2009 (Tabela 5).

Tabela 5 Produção física industrial – bens de capital por finalidade (var. % em 12 meses
em relação ao mesmo período do ano anterior)

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Var. %
2003-2011/
1994-2002
Bens de capital 6,7 20,2 (2,2) 5,2 18,5 2,7 (31,6) 27,3 2,8 54
para fins industriais

Bens de capital agrícolas 21,9 6,4 (37,7) (16,5) 48,4 35,1 (28,5) 31,7 (4,4) 37

Bens de capital para construção (7,6) 38,0 32,0 8,2 18,7 4,8 (48,5) 95,8 5,6 94
Bens de capital para o setor de 10,0 12,5 28,5 22,2 26,0 12,0 (32,5) (3,8) (11,1) ND
energia elétrica

Bens de capital equipamentos 7,4 25,6 6,6 (1,6) 18,0 31,3 (8,8) 26,0 12,4 140
de transporte

Bens de capital de uso misto (3,5) 14,8 3,4 11,6 15,4 2,5 (14,7) 13,4 (4,4) 13

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.

Segundo, com relação aos bens de capital para construção, sua produção apre-
sentou queda somente em 2003 e em 2009, movimento neutralizado pelo cresci-
mento ocorrido em anos anteriores.
E, terceiro, o forte crescimento da produção de bens de capital para equipamen-
tos de transporte no período 2003-2011, em comparação com igual período anterior.

Produção industrial de bens de capital por atividade

Em relação à produção de bens de capital por atividade, o pior desempenho obser-


vado foi em um segmento de tecnologia de ponta, o de material eletrônico, apa-
relhos e equipamentos de comunicações, o que indica um esvaziamento expressivo
BENS DE CAPITAl 195

da atividade no período considerado (Tabela 6). Também a trajetória da produ-


ção de máquinas, aparelhos e materiais elétricos mostra queda na atividade desde
2009. E a produção de máquinas e equipamentos mostra sinais de desaceleração.
As categorias de veículos automotores e outros equipamentos de transporte
tiveram o melhor desempenho.

Tabela 6 produção física industrial – bens de capital por atividade (var. % em 12 meses em
relação ao mesmo período do ano anterior)

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Máquinas e equipaMenTos 4,7 21,1 1,4 (1,3) 25,3 15,5 (29,4) 38,6 (0,2)
Máquinas para esCriTório e 7,1 33,4 10,7 51,8 13,9 (5,7) (5,0) 12,8 (4,5)
equipaMenTos de inforMáTiCa

Máquinas, aparelhos e MaTeriais 1,8 11,9 17,5 23,4 26,0 10,6 (26,9) (0,1) (9,3)
eléTriCos

MaTerial eleTrôniCo, aparelhos e (11,6) 2,5 (6,8) (13,6) 15,2 (14,3) (27,7) (17,4) 6,9
equipaMenTos de CoMuniCações

VeíCulos auToMoTores 3,7 40,0 6,0 (4,2) 22,8 22,0 (21,0) 53,9 15,4

ouTros equipaMenTos de TransporTe 12,0 12,5 4,4 (1,7) 11,3 56,6 16,2 (4,2) 5,6

deMais aTiVidades (2,4) 8,3 (7,7) 14,0 2,4 2,3 (12,5) 13,7 (1,3)

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do IBGE.

3. A B AL ANÇ A c OME R c IA L D OS B E N S
DE c ApI TAL N O B R A S IL : pA R c E IR OS
c O M ER c I A IS E A pA U TA D E E Xp ORTAÇÃ O
E I M pO RTA Ç Ã O (2 0 0 3 -2 0 1 1 )
Um dos indicadores mais importantes para avaliar a viabilidade e a capacidade
de crescimento de um setor no longo prazo é seu desempenho na frente exter-
na. A situação da balança comercial, a evolução do saldo comercial ao longo do
tempo, as exportações e importações desagregadas por tipos de bens e países
de origem e destino são aspectos fundamentais nesse sentido. Assim, para ava-
liar o setor de bens de capital brasileiro em relação a seu desempenho no perío-
do 2003-2011 e às suas possibilidades de crescimento futuro, esta seção analisa
a balança comercial do setor, acompanhando sua evolução e os principais aspec-
tos de sua performance.
196 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Como as transações externas de um setor dependem do resto do mundo, essa


análise deve ser conduzida tendo como pano de fundo o desempenho da econo-
mia mundial no período. Nesse caso, o fato mais significativo é a crise financeira
mundial do fim de 2008, que representou um divisor de águas entre subperíodos
distintos. No primeiro, de 2003 a 2007, as principais economias do mundo cresce-
ram, o comércio internacional floresceu e os preços das commodities explodiram.
Nesse período, as exportações mundiais de máquinas e equipamentos cresceram
cerca de 85%. Na segunda, veio o declínio, a recessão e forte contração do co-
mércio mundial de máquinas e equipamentos. Em 2009, as exportações mundiais
de máquinas e equipamentos, incluindo equipamentos de transporte, registraram
queda de 16%, caindo para US$ 4,2 trilhões, contra US$ 5,0 trilhões em 2007, ano
imediatamente anterior.

A balança comercial brasileira de bens de capital

As exportações brasileiras de bens de capital alcançaram US$ 10,7 bilhões em 2003


e subiram para US$ 29,9 bilhões em 2007, quase triplicando em apenas três anos.
Com esse desempenho, a participação do Brasil nas exportações mundiais de bens
de capital aumentou de 0,58%, em 2003, para 0,73%, em 2007. Em 2009, caíram
para US$ 21,1 bilhões e em 2011 voltaram ao patamar anterior à crise, com US$ 30,9
bilhões de exportações. Entre 2003 e 2011, o crescimento foi de 189%, mas, como
se viu, concentrou-se no período pré-crise, entre 2003 e 2007.
As importações de máquinas e equipamentos não sofreram o mesmo revés
das exportações. De US$ 14,4 bilhões, em 2003, subiram para US$ 42,2 bilhões,
em 2007, US$ 46,4 bilhões, em 2009, e US$ 73,5 bilhões, em 2011. Ao todo, o
crescimento foi de 410%, dos quais 193% no período anterior à crise e 58% no
período posterior.
Com esse desempenho, a balança comercial brasileira de máquinas e equipa-
mentos tornou-se mais deficitária, acumulando déficits crescentes de US$ 3,6 bi-
lhões, em 2003, US$ 12,2 bilhões, em 2007, US$ 25,3 bilhões, em 2009, e US$ 42,6
bilhões, em 2011 (Gráfico 2).
Bens de Capital 197

Gráfico 2 Balança comercial brasileira de bens de capital

80.000

60.000

40.000
US$ MILHÕES; FOB

20.000

-20.000

-40.000

-60.000

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Exportações Importações Saldo comercial

Fonte: Organização Mundial do Comércio (OMC).

Esse resultado pode ser desagregado para observar o desempenho comercial


de cada um dos grupos de máquinas e equipamentos, conforme a Tabela 7.

Tabela 7 Saldo comercial da balança de bens de capital* – por grupo de equipamentos


(em US$ milhões)

Subgrupo 2003 2007 2009 2011


US$ milhões US$ milhões US$ milhões US$ milhões

Transporte 2.598 5.940 195 1.160

Outros equip. transporte (444) (1.632) (3.299) (3.162)

Caminhões 615 2.201 (16) 792

Aeronaves 1.894 4.140 2.880 2.808

Veículos ferroviários (5) (15) (180) (324)

Ônibus 538 1.246 810 1.046

Industrial (1.316) (4.320) (5.468) (9.051)

Máquinas e ferramentas (239) (835) (1.303) (2.506)

Automação, controle e medição (489) (1.232) (1.373) (2.120)

Outras máquinas e equip. industriais (250) (810) (819) (1.502)

Papel, celulose e gráfica (71) (668) (762) (796)

Máquinas e equip. para indústria têxtil (127) (417) (505) (853)


Continua
198 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Continuação

Subgrupo 2003 2007 2009 2011


US$ milhões US$ milhões US$ milhões US$ milhões

Tanques, fornalhas e caldeiraria (79) (233) (524) (515)

Máquinas para siderurgia e metalurgia (30) 4 (65) (495)

Máq. equip., ind. alimentos, bebidas e fumo (21) (119) (116) (248)

Máq. equip., ind. couro e calçados (10) (10) (1) (16)

Agrícola 310 888 313 (4)

Outros equip. e implementos agrícolas 187 200 (155) (571)

Colheitadeira 104 83 46 43

Tratores agrícolas (1) 579 387 469

Máq. equip beneficiamento/armazenagem 19 42 44 79

Equip. para irrigação 1 (16) (9) (24)

Infraestrutura 143 1.295 (1.498) (1.077)

Máq. rodoviárias, constr. civil e mineração 238 1.240 (664) (291)

Equip. infraestrutura diversos (95) 55 (834) (786)

Energia (1.082) 279 (294) (1.834)

Geradores, transformad. e motores elétric. (638) 563 187 (940)

Equip. energia eólica (2) (41) (204) (455)

Turbinas (310) (90) (111) (197)

Equip. distrib. e controle de energia elétrica (115) (117) (125) (197)

Equip. energia solar (17) (36) (41) (45)

Informática/telecom. (966) (4.191) (4.668) (8.745)

Médico-hospitalar (309) (881) (1.174) (1.756)

Outros equipamentos (3.028) (11.214) (12.658) (21.314)

Equipamentos e comp. Diversos (1.937) (5.776) (6.851) (11.980)

Outros equip. e aparelhos elétricos (900) (4.928) (4.962) (7.573)

Motores, bombas, compressores e válvulas (191) (510) (845) (1.761)

Total geral (3.652) (12.204) (25.256) (42.621)

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.


* Segundo classificação própria.

Como se pode observar, o grupo de outros equipamentos – incluindo equi-


pamentos diversos, aparelhos elétricos e motores, bombas e compressores – deu
a maior contribuição para os déficits da balança comercial brasileira de bens de
capital. Os equipamentos industriais, compostos de uma diversidade de equipa-
mentos, incluindo máquinas-ferramenta, também contribuíram negativamente e
de forma expressiva. Equipamentos de informática e telecomunicações, equipa-
mentos médico-hospitalares, de energia e de infraestrutura também contribuíram
de forma importante. Os equipamentos agrícolas, se considerado o período, e os
Bens de Capital 199

de transportes, incluindo aeronaves e caminhões e ônibus, foram os grupos que


contribuíram para a geração de superávits comerciais.
O resultado fortemente negativo da balança comercial do setor foi reflexo da
evolução dos preços e do quantum das exportações e importações desses bens. Do
lado dos preços, a contribuição foi positiva. Em termos agregados, os preços das
exportações subiram 36,7%, assim distribuídos: 9,8%, de 2003 a 2007, 12,8%, de
2007 a 2009, e 10,4%, de 2009 a 2011. Ao mesmo tempo, os preços das importações
subiram menos, 21%, com uma alta de 8,6% entre 2003 e 2007, de 9% entre 2007
e 2009 e de apenas 2,3% entre 2009 e 2011 (Tabela 8).

Tabela 8 Taxas de crescimento de preços, quantum e valor do comércio brasileiro de


bens de capital (var. %)

Conta Preços (%) Quantum (%) Valor (%)


2003-2007

Importações 8,60 120 135

Exportações 9,80 129 154

2007-2009

Importações 9,10 19 30

Exportações 12,80 (40) (31)

2009-2011

Importações 2,30 58 62

Exportações 10,40 30 44

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

Um dos fatores que permitiram ao setor exportador de bens de capital nacional


sustentar os seus preços foi a diversificação da pauta de exportações para os países
de destino, como se verá a seguir.

Exportações de bens de capital por países de destino

Em 2003, os Estados Unidos eram o principal destino das exportações de produtos


brasileiros, com uma participação de 38,9% na pauta de exportações do país, se-
guidos da Argentina e do México. Em conjunto, esses três países responderam por
cerca de 53% das exportações brasileiras de bens de capital naquele ano (Tabela 9).
200 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Em 2007, embora os Estados Unidos ainda ocupassem a primeira posição na


lista, sua participação caiu para 20,9%. Estados Unidos, Argentina e Venezuela, os
três primeiros colocados, responderam por 42% do total das exportações de bens
de capital do Brasil. Além da queda da participação dos Estados Unidos, começou
a aumentar a importância do Mercosul entre os principais destinos dos bens de ca-
pital brasileiros. Sua participação passou de 20,4%, em 2003, para 34,8%, em 2007.
Em 2009, a Argentina ascendeu à primeira posição na lista, seguida dos Estados
Unidos e da Alemanha (Tabela 10). Juntos, esses países responderam por 38% da
demanda de exportações brasileiras, o que confirma a redução na concentração
do destino das exportações. Além disso, os países do Mercosul, que respondiam
em 2003 por 20,4% da pauta de exportações, subiram para 35% em 2007 e 2009
e em 2011 para 40%, contribuiu para essa diversificação. Em 2011, essa mudança
se consolidou, pois os três primeiros países da pauta – Argentina, Estados Unidos e
México – responderam por 40% do total das exportações brasileiras.

Tabela 9 Exportações de bens de capital* por país de destino

2003 2007
País de destino Posição US$ milhões Part. % País de destino Posição US$ milhões Part. %
Estados Unidos 1º 4.178 38,9 Estados Unidos 1º 6.277 20,9
Argentina 2º 959 8,9 Argentina 2º 4.661 15,6
México 3º 587 5,5 Venezuela 3º 1.739 5,8
Alemanha 4º 552 5,1 México 4º 1.540 5,1
Chile 5º 451 4,2 Alemanha 5º 1.296 4,3
China 6º 325 3,0 Chile 6º 1.226 4,1
Itália 7º 318 3,0 Colômbia 7º 984 3,3
África do Sul 8º 235 2,2 Canadá 8º 891 3,0
Colômbia 9º 182 1,7 Holanda 9º 775 2,6
Venezuela 10º 151 1,4 Peru 10º 695 2,3
Paraguai 11º 148 1,4 África do Sul 11º 685 2,3
Reino Unido 12º 145 1,4 Reino Unido 12º 564 1,9
França 13º 140 1,3 França 13º 532 1,8
Coreia do Sul 14º 128 1,2 Cingapura 14º 486 1,6
Venezuela 15º 127 1,2 Angola 15º 460 1,5
Subtotal - 8.627 80,3 Subtotal - 22.812 76,1
Mercosul** - 2.190 20,4 Mercosul** - 10.422 34,8
Total - 10.747 100,0 Total - 29.963 100,0
Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.
* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.
Obs.: Em 2007, a China ocupava a 17ª posição, com US$ 429 milhões, como destino das exportações de bens de capital.
Bens de Capital 201

De uma perspectiva qualitativa, pode-se afirmar que a pauta de exportações


de bens de capital brasileira apresenta um viés para produtos de alta intensidade
tecnológica, apesar da redução de participação nos últimos anos. A garantia da
continuidade dessas exportações consolidadas e orientadas para produtos de alta
tecnologia, bem como a constante melhoria desse quadro e a consequente redução
da dependência das importações de bens nessa categoria, depende de uma série de
iniciativas, entre as quais a participação do governo em políticas de promoção da
melhoria de produtividade e competitividade.

Tabela 10 Exportações de bens de capital* por destino


2009 2011
País de destino Posição US$ milhões Part. % País de destino Posição US$ milhões Part. %
Argentina 1º 3.512 16,6 Argentina 1º 6.606 21,4
Estados Unidos 2º 3.458 16,4 Estados Unidos 2º 4.236 13,7
Alemanha 3º 1.034 4,9 México 3º 1.512 4,9
México 4º 1.031 4,9 Alemanha 4º 1.394 4,5
Venezuela 5º 938 4,4 Chile 5º 1.321 4,3
Chile 6º 904 4,3 Cingapura 6º 1.150 3,7
Holanda 7º 716 3,4 Venezuela 7º 1.003 3,2
China 8º 627 3,0 China 8º 910 2,9
França 9º 587 2,8 Paraguai 9º 901 2,9
África do Sul 10º 489 2,3 Peru 10º 849 2,7
Peru 11º 476 2,3 Holanda 11º 830 2,7
Colômbia 12º 455 2,2 Colômbia 12º 602 1,9
Angola 13º 440 2,1 África do Sul 13º 594 1,9
Itália 14º 412 1,9 Uruguai 14º 573 1,9
Uruguai 15º 330 1,6 Itália 15º 507 1,6
Subtotal - 15.408 72,9 Subtotal - 22.988 74,4
Mercosul** - 7.372 34,9 Mercosul** - 12.460 40,3
Total - 21.131 100,0 Total - 30.902 100,0

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.


* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.

Importações de bens de capital por países de origem

Como se viu, os preços das importações subiram apenas 21% em todo o período, bem
abaixo dos preços das exportações. Essa redução no preço relativo das importações
deslocou a demanda das empresas para os bens de capital importados, o que au-
mentou o quantum de importações e agravou o déficit comercial do setor. De fato,
202 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

o quantum importado de bens de capital no período 2003-2011 cresceu 300%, bem


acima do crescimento de 78% do quantum exportado, uma evidência de que o déficit
comercial do setor foi causado inteiramente pelo aumento do quantum importado.
O país mais beneficiado por esse movimento foi a China, que subiu da quinta
posição no ranking de 2003, com US$ 810,0 milhões de importações, para o segun-
do lugar em 2007 e 2009, com US$ 7,1 bilhões e US$ 8,9 bilhões, respectivamente,
e passou a ocupar o primeiro lugar em 2011, desbancando os Estados Unidos, com
vendas ao Brasil de US$ 16,8 bilhões.
As tabelas 11 e 12 consolidam os dados das importações brasileiras de bens de
capital por país de origem. Em 2003, Estados Unidos, Alemanha e Japão ocuparam
as primeiras posições do ranking, com participações de 28,0%, 12,6% e 9,6%, res-
pectivamente. Somadas, as participações desses países ultrapassavam a metade do
total importado pelo Brasil no ano, indicando grande concentração na origem das
compras brasileiras de bens de capital no exterior.
Em 2007, China e Alemanha despontavam na segunda e na terceira posições,
com participações de 16,9% e 10,6%, respectivamente. Os Estados Unidos continua-
ram em primeiro lugar. Os três primeiros colocados passaram, então, a representar,
conjuntamente, 47% das importações brasileiras de bens de capital.
A participação do Mercosul na pauta de importações nos anos de 2003 e 2007
foi de 4,7% e 4,4%, respectivamente, ainda bastante tímida, se comparada à par-
ticipação das exportações brasileiras para os países do bloco. A participação do
Mercosul no total das importações brasileiras estabilizou-se em torno de 5% nos
anos de 2009 e 2011, conforme indicado pela Tabela 11.

Tabela 11 Importações de bens de capital* por país de origem


2003 2007
País de origem Posição US$ milhões Part. % País de origem Posição US$ milhões Part. %
Estados Unidos 1º 4.025 28,0 Estados Unidos 1º 8.319 19,7
Alemanha 2º 1.815 12,6 China 2º 7.110 16,9
Japão 3º 1.383 9,6 Alemanha 3º 4.468 10,6
Itália 4º 831 5,8 Japão 4º 2.922 6,9
China 5º 810 5,6 Coreia do Sul 5º 2.434 5,8
Argentina 6º 629 4,4 Itália 6º 1.779 4,2
Coreia do Sul 7º 552 3,8 Argentina 7º 1.758 4,2
Continua
Bens de Capital 203

Continuação

2003 2007
País de origem Posição US$ milhões Part. % País de origem Posição US$ milhões Part. %
França 8º 541 3,8 França 8º 1.611 3,8
Suécia 9º 395 2,7 Taiwan 9º 1.548 3,7
Espanha 10º 394 2,7 Cingapura 10º 994 2,4
Suíça 11º 373 2,6 Malásia 11º 886 2,1
Reino Unido 12º 348 2,4 Suécia 12º 858 2,0
Taiwan 13º 273 1,9 Espanha 13º 799 1,9
Cingapura 14º 227 1,6 Suíça 14º 601 1,4
México 15º 165 1,1 Reino Unido 15º 553 1,3
Subtotal - 12.760 88,6 Subtotal - 36.641 86,9
Mercosul** - 682 4,7 Mercosul** - 1.843 4,4
Total - 14.399 100,0 Total - 42.167 100,0

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.


* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.

Tabela 12 Importações de bens de capital* por país de origem

2009 2011
País de origem Posição US$ milhões Partic. % País de origem Posição US$ milhões Partic. %
Estados Unidos 1º 9.086 19,6 China 1º 16.794 22,8
China 2º 8.913 19,2 Estados Unidos 2º 12.760 17,4
Alemanha 3º 4.633 10,0 Alemanha 3º 7.411 10,1
Japão 4º 3.243 7,0 Japão 4º 4.541 6,2
Coréia do Sul 5º 2.463 5,3 Coréia do Sul 5º 4.378 6,0
Argentina 6º 2.218 4,8 Itália 6º 3.528 4,8
Itália 7º 2.051 4,4 Argentina 7º 3.266 4,4
França 8º 1.525 3,3 França 8º 2.158 2,9
Taiwan 9º 1.405 3,0 Taiwan 9º 1.887 2,6
Malásia 10º 800 1,7 Malásia 10º 1.372 1,9
Finlândia 11º 786 1,7 Suécia 11º 1.351 1,8
México 12º 714 1,5 Suíça 12º 1.121 1,5
Espanha 13º 699 1,5 Espanha 13º 1.110 1,5
Suécia 14º 687 1,5 México 14º 1.031 1,4
Tailândia 15º 649 1,4 Reino Unido 15º 1.015 1,4
Subtotal - 39.872 86,0 Subtotal - 63.724 86,7
Mercosul** - 2.341 5,0 Mercosul** - 3.525 4,8
Total - 46.387 100,0 Total - 73.523 100,0

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de AliceWeb/MDIC.


* Segundo classificação própria.
** Todos os estados-partes e associados.

As tarifas médias praticadas pelos países-membros do Mercosul sobre as im-


portações de máquinas e equipamentos (Tabela 13) são bem superiores àquelas
praticadas pelos demais parceiros comerciais. Esse contexto favorece notavelmente
as exportações do Brasil aos países pertencentes ao bloco, uma vez que as alíquo-
204 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

tas cobradas entre eles são inferiores às aplicadas ao resto do mundo, tornando os
produtos brasileiros relativamente mais baratos.
Por outro lado, seria de esperar que as tarifas protecionistas impostas pelo bloco
ao resto do mundo desestimulassem a penetração de produtos estrangeiros nos países-
-membros. Entretanto, isso não ocorreu, e tais tarifas não se mostraram suficientes para
evitar a elevação do coeficiente de penetração1 de máquinas e equipamentos no
Brasil – que registrou um aumento de 22,3%, em 2003, para 36,6%, em 2010 – nem
tampouco para conter a entrada de produtos chineses, que, conforme visto, é crescente.
Assim, as medidas de defesa comercial adotadas acabam por expor a fragilidade
nas condições de competitividade da indústria brasileira de bens de capital, que tem
a ver com os níveis de produtividade dessa indústria. Políticas de reserva de mercado,
sem estímulos mais agressivos ao aumento da produtividade, tendem, no longo prazo,
a reduzir ainda mais a capacidade competitiva da economia. Desse modo, os dados
expostos trazem à tona a necessidade, por parte do BNDES, de adoção de medidas
que caminhem em direção ao aumento da produtividade e, em especial, ao desenvol-
vimento de novas tecnologias nas empresas pertencentes ao setor de bens de capital.

Tabela 13 Tarifas e obrigações alfandegárias médias cobradas sobre importação de


máquinas e equipamentos – por tipo, em­ 2010 (em %)

País Equip. elétricos Equip. não elétricos Transporte Média simples


Colômbia 35,0 35,0 35,4 35,1
Argentina 34,9 34,9 34,5 34,8
Venezuela 32,8 33,3 33,3 33,1
Brasil 32,4 31,9 33,1 32,5
Paraguai 32,5 32,9 31,4 32,3
Peru 27,9 23,1 30,0 27,0
Chile 25,0 25,0 24,9 25,0
China 8,5 9,0 11,4 9,6
Coreia do Sul 9,5 8,9 8,1 8,8
Noruega 2,7 2,3 3,3 2,8
União Europeia 1,7 2,4 4,1 2,7
EUA 1,2 1,7 3,1 2,0
Suíça 0,5 0,7 1,6 0,9
Japão 0,0 0,2 0,0 0,1

Fonte: OMC.

1
O coeficiente de penetração das importações refere-se à parcela do consumo aparente – isto é, da produção interna subtraída das
exportações e acrescida das importações – que é atendida pelas importações.
BENS DE CAPITAl 205

4. O f I NANc I A M E N T O D O B N D E S
AO S ETO R D E B E N S D E c A p ITA L
NO pER Í O D O 2 0 0 3 -2 0 1 1
fonTes de finanCiaMenTo: produTos e proGraMas

Os financiamentos do BNDES a equipamentos adquiridos pelas empresas são efe-


tuados sob a égide de três produtos análogos: o BNDES Finame, que financia as
empresas em geral; o BNDES Finame Leasing, que financia a aquisição de equipa-
mentos pelas empresas de leasing; e o Finame Agrícola, que financia a aquisição de
equipamentos agrícolas pelos produtores rurais, empresas ou pessoas físicas.
O primeiro aspecto a ser destacado na política do BNDES voltada ao apoio à
indústria de bens de capital diz respeito ao montante de recursos alocados ao fi-
nanciamento das empresas. Por meio dos três produtos mencionados, o Banco di-
recionou ao setor de bens de capital, no período 2003-2011, o montante de R$ 275
bilhões, avaliados a preços de 2011.2
Esse funding mudou de escala a partir de junho de 2009, com a criação do Pro-
grama de Sustentação do Investimento (PSI). O PSI promoveu mudança nos juros do
Finame, que passaram a ser definidas por taxas fixas e não mais pela TJlP, ao mesmo
tempo em que foram reduzidas de um patamar médio de 10% a.a. para 4,5% a.a. (no
caso dos bens de capital mecânicos) ou 5,5% a.a. (no caso de caminhões e ônibus).
Essas medidas foram tomadas no intuito de neutralizar os efeitos da crise financei-
ra internacional de 2008 sobre os investimentos no Brasil e tiveram resultados ime-
diatos. A partir do último trimestre de 2009, o volume de operações realizadas por
meio dos produtos BNDES Finame mudou de escala, mais que duplicando nos meses
subsequentes, e sua evolução passou a seguir uma trajetória de forte crescimento,
como se vê na Tabela 14 e nos gráficos relacionados a esses resultados.
Diversas alterações nas condições operacionais do PSI foram promovidas depois,
tendo em vista as limitações orçamentárias do programa. Em julho de 2010, os juros

2
valores correntes atualizados para 2011 com base no índice de preços de bens de capital, da fundação Getulio vargas (fGv). todos
os valores referidos nesta seção foram atualizados para 2011.
206 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

foram aumentados de 4,5% para 5,5% a.a., no caso de bens de capital mecânicos,
e de 5,5% para 8% a.a. para caminhões e ônibus. Em abril de 2011, outra alteração
se seguiu: as taxas de juros foram elevadas para 10% a.a. nos financiamentos a
caminhões e ônibus e para 6,5% a.a. para os demais bens de capital adquiridos por
micro, pequenas e médias empresas, ou 8,7% a.a. para as grandes empresas. Ao
mesmo tempo, foram criadas taxas menores para a inovação tecnológica (4% a.a.)
e a aquisição de componentes de bens de capital (5% a.a.). O Procaminhoneiro –
programa específico para aquisição de caminhões por parte das pessoas físicas ou
empreendedores individuais – teve sua taxa alterada para 7% a.a.
A participação nos financiamentos também sofreu alterações. Para as micro,
pequenas e médias empresas, passou de 100% para 90%, na aquisição de outros
bens de capital, e para 80%, na aquisição de ônibus e caminhões. Para as grandes
empresas, a participação caiu de 80% para 70%. Essas alterações não foram ca-
pazes de mudar a trajetória de crescimento das operações aprovadas, que conti-
nuaram em ascensão, saltando de R$ 34,6 bilhões, em 2009, para R$ 69,7 bilhões,
em 2010. Somente em 2011, por conta de outros fatores, houve um declínio para
R$ 55,5 bilhões3 nas operações, que ainda assim se mantiveram em um patamar
muito superior aos observados antes de 2009.

Tabela 14 Aprovações e desembolsos do BNDES para a aquisição de equipamentos – preços


constantes de 2011 (em R$ milhões)

Aprovações Desembolsos
R$ milhões Δ% R$ milhões Δ%
2003 15.562 - 12.609 -
2004 15.664 1 14.499 15
2005 14.403 (8) 13.682 (6)
2006 15.224 6 14.609 7
2007 24.316 60 22.808 56
2008 30.023 23 28.482 25
2009 34.650 15 25.366 (11)
2010 69.669 101 54.211 114
2011 55.532 (20) 52.400 (3)
2003-2011 275.042 - 238.666 -

Fonte: BNDES.

3
Todos os valores considerados a preços constantes de 2011.
Bens de Capital 207

Gráfico 3 Valor financiado dos equipamentos pelo BNDES (2003-2011)

55.532
60.000
R$ MILHÕES, A PREÇOS CONSTANTES DE 2011

50.000

34.650
40.000

24.316
30.000
15.562

20.000

10.000

0
2003 2007 2009 2011

Fonte: BNDES.

Gráfico 4 Aprovações e desembolsos do Finame para a aquisição de equipamentos,


acumulado em 12 meses, a preços constantes de dezembro de 2011 (2003-2011)

80.000 73.252;
nov. 2010

70.000
55.925;
dez. 2011
60.000

50.000 52.763;
R$ MILHÕES

dez. 2011

40.000

30.000

24.366,4;
20.000
out. 2009

10.000

0
dez. 2006
dez. 2003

dez. 2004

dez. 2005
dez. 2000

dez. 2001

dez. 2002
dez. 1998

dez. 1999

abr. 2005

abr. 2006

abr. 2007
abr. 2002

abr. 2003

abr. 2004
abr. 1999

abr. 2000

abr. 2001

ago. 2006

ago. 2007
ago. 2003

ago. 2004

ago. 2005
ago. 2001

ago. 2002
ago. 1999

ago. 2000

Aprovações Desembolsos

Fonte: BNDES.
208 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Um segundo ponto a destacar são os aspectos qualitativos da política do BNDES


para o setor de bens de capital no período, que podem ser detectados a partir da
criação de programas do BNDES ou administrados pelo Banco em nome do governo
federal e que têm como objetivo explícito a modernização de setores. Programas
são instrumentos de política com características próprias, criados com fins especí-
ficos, com uma dotação orçamentária preestabelecida e, em geral, com condições
de juros, prazos e participações diferenciadas. Os principais programas criados no
período considerado são os seguintes:
• Modermaq – Programa de Modernização da Indústria Nacional e dos Serviços
de Saúde, criado com o objetivo de financiar a aquisição de máquinas e equipa-
mentos voltados à modernização do parque industrial nacional e à dinamiza-
ção do setor de bens de capital.
• Procaminhoneiro – Programa de Financiamento a Caminhoneiros, que financia a
aquisição de caminhões, chassis, caminhões-tratores, carretas, cavalos mecânicos, re-
boques, semirreboques e carrocerias para caminhões novos ou usados até 15 anos.
• Provias – Programa de Intervenções Viárias, criado com o objetivo de financiar
a aquisição de máquinas e equipamentos nacionais rodoviários por parte de
pessoas jurídicas de direito público municipal. O programa financia a aquisição
de itens específicos, como máquinas rodoviárias e equipamentos, caminhões,
carrocerias graneleiras, betoneiras, tanques e contêineres.
• Finame Componentes – Criado com o objetivo de financiar a aquisição de pe-
ças, partes e componentes nacionais para serem incorporados em máquinas
e equipamentos em fase de produção. As beneficiárias são as fabricantes de
máquinas e equipamentos de qualquer porte, desde que cadastradas no Cre-
denciamento de Fabricantes Informatizado do BNDES (CFI).
• Revitaliza – Programa de Apoio à Revitalização dos Setores Calçadista, de Arte-
fatos de Couro, Moveleiro, Têxtil e de Confecções, financia ações voltadas para
a revitalização das empresas dos setores referidos, além de apoiar suas expor-
tações. O programa prioriza a adoção de métodos de produção mais eficientes,
apoiando empreendimentos de modernização de produtos e de processos, e a
aquisição de itens que vão desde softwares desenvolvidos no país a capacita-
Bens de Capital 209

ção, treinamento e aperfeiçoamento gerencial, além de capital de giro associa-


do aos demais itens financiáveis.
• Moderinfra – Programa de Incentivo à Irrigação e à Armazenagem, que obje-
tiva apoiar o desenvolvimento da agricultura irrigada sustentável econômica e
ambientalmente e ampliar a capacidade de armazenamento nas propriedades
rurais. O programa tem como beneficiários produtores rurais, pessoas físicas ou
jurídicas e cooperativas de produtores rurais.
• Moderfrota – Embora anterior a 2003, o programa do governo federal também
deve ser lembrado pelo papel relevante que desempenhou para a moderni-
zação do setor agropecuário no período. Criado no início de 2000, o Progra-
ma de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados
e Colheitadeiras objetivava financiar a aquisição de tratores e colheitadeiras
agrícolas, inclusive usados, além de itens como plataformas de corte e equipa-
mentos para preparo, secagem e beneficiamento de café. Os beneficiários são
produtores rurais pessoas físicas ou jurídicas e suas cooperativas.
A dimensão dos financiamentos realizados por meio desses e de outros progra-
mas mais recentes, como o PSI, no período 2003-2011, dão uma ideia de sua mag-
nitude e importância. Esses dados são reunidos na Tabela 15.
Tabela 15 Valor financiado dos equipamentos – por programas* (Preços constantes de
2011 em R$ milhões)

Programa Anos selecionados 2003-2011


2003 2007 2009 2011 R$ milhões %
PSI - - 19.020 32.748 111.447 41,0
BK Aquisição - - 11.880 21.393 63.810 23,0
PSI Ônibus/Caminhão - - 6.957 10.728 46.145 17,0
Outros programas - - 182 628 1.493 1,0
Procaminhoneiro - - 1.100 1.268 9.110 3,0
Finame componentes - - 0 150 150 0,0
Não PSI 15.511 24.299 14.451 21.176 153.713 93,0
BK Aquisição 0 17.560 11.031 20.129 75.796 28,0
MÁQ. e Equip. Comercialização 7.976 0 0 0 26.074 10,0
Moderfrota 3.131 2.069 1.456 21 16.783 6,0
Modermaq 0 3.335 960 0 12.750 5,0
Linha Especial Agrícola 2.934 16 0 0 5.170 2,0
PSI Ônibus/Caminhão 0 0 237 616 1.834 0,7
Moderinfra 120 116 101 44 1.175 0,4
Continua
210 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Continuação

Programa Anos selecionados 2003-2011


2003 2007 2009 2011 R$ milhões %
Provias 0 344 187 139 1.022 0,4
Procaminhoneiro 0 372 115 0 889 0,3
Finame Componentes 0 78 104 56 489 0,2
Computador para todos 0 107 40 0 399 0,1
Prodecoop 0 20 37 61 212 0,1
Moderniza BK 0 0 3 41 164 0,1
Revitaliza 0 54 44 0 143 0,1
Outros programas 1.350 228 135 69 10.813 3,9
Total 15.511 24.299 34.571 55.341 274.420 100,0

Fonte: BNDES.
* Programa do Finame, Finame Leasing e Finame Agrícola.

A partir de 2009, o PSI foi o grande destaque em relação a volume de operações,


pois o seu valor alcançou 41% do total de financiamentos no período 2003-2011. O
Procaminhoneiro também teve um volume de financiamentos expressivo, com R$ 9,1
bilhões aprovados nesse período, respondendo por 3% do total dos financiamentos.
Anteriores ao advento do PSI, programas como Moderfrota, Modermaq, Moderinfra
e Provias também foram importantes para financiar a aquisição de equipamentos. Os
programas fora do PSI, como BK Aquisição e Máquinas e Equipamentos Comerciali-
zação, que aparecem em destaque na Tabela 15, reúnem as operações tradicionais
dos produtos Finame e, em geral, são realizados com taxas de juros variáveis.

Programas e equipamentos no período 2003-2011

Grande diversidade de equipamentos foi financiada por meio desses programas,


como caminhões e ônibus, tratores e colheitadeiras, máquinas-ferramenta e equi-
pamentos para geração de energia. Com os equipamentos classificados em grupos,
conforme sua natureza, a lista de programas por meio dos quais foram financia-
dos e seus respectivos valores são mostrados na Tabela 16. Todos esses programas
enquadram-se nos produtos Finame e têm como característica comum o financia-
mento da aquisição de máquinas e equipamentos.4

4
A relação dos equipamentos que compõem cada um desses grupos é apresentada no Apêndice deste estudo.
Tabela 16 Grupos de equipamentos financiados por programas do Finame (2003-2011)

Programas Grupos de equipamentos


Transporte Agrícola Industrial Infraestrutura Para geração Para Equip. médico- Outros R$ %
e distrib. de informática/ hospitalares e equipamentos milhões
energia telecom. laboratórios
R$ % R$ % R$ % R$ % R$ % R$ % R$ % R$ % R$ %
milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões milhões
PSI 50.000 35 19.477 42 18.116 49 13.825 50 2.736 59 3.225 68 274 58 3.794 39 111.448 41,0
BK Aquisição 4.177 3 19.314 41 17.582 47 13.076 48 2.647 57 3.173 67 274 58 3.567 37 63.810 23,0
PSI Ônibus/Caminhão 45.079 31 163 0 41 0 666 2 0 0 14 0 0 0 182 2 46.145 17,0
Outros programas 744 1 0 0 493 1 83 0 89 2 38 1 0 0 45 0 1.493 1,0
Procaminhoneiro 8.785 6 5 0 2 0 25 0 0 0 0 0 0 0 294 3 9.111 3,0
Finame Componentes 0 0 0 0 0 0 1 0 47 1 0 0 0 0 102 1 150 0,0
Não PSI 84.753 59 27.286 58 19.048 51 13.561 49 1.841 40 1.489 32 198 42 5.537 57 153.712 56,0
BK Aquisição 57.922 40 2.394 5 6.482 17 5.560 20 664 14 792 17 94 20 1.887 19 75.796 28,0
Maq.e Equip. 15.750 11 586 1 4.957 13 2.896 11 414 9 177 4 74 16 1.220 13 26.074 10,0
Comercialização
Moderfrota 2 0 16.541 35 16 0 46 0 0 0 0 0 0 0 178 2 16.783 6,0
Modermaq 469 0 1.088 2 5.749 15 3.745 14 429 9 9 0 13 3 1.248 13 12.749 5,0
Linha Especial Agrícola 7 0 5.111 11 37 0 12 0 0 0 0 0 0 0 4 0 5.170 2,0
Caminhões 3.691 3 3 0 8 0 64 0 0 0 0 0 0 0 5 0 3.771 1,0
PSI Ônibus/Caminhão 1.785 1 11 0 3 0 28 0 0 0 3 0 0 0 5 0 1.834 1,0
Moderinfra 0 0 1.134 2 17 0 19 0 0 0 0 0 0 0 5 0 1.175 0,4
Provias 363 0 1 0 2 0 652 2 0 0 0 0 0 0 3 0 1.022 0,4
Procaminhoneiro 773 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 116 1 889 0,3
Finame Componentes 0 0 0 0 0 0 0 0 93 2 0 0 0 0 396 4 489 0,2
Computador para todos 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 399 8 0 0 0 0 399 0,1
Prodecoop 1 0 83 0 79 0 30 0 4 0 0 0 0 0 15 0 211 0,1
Moderniza BK 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 164 2 164 0,1
Revitaliza 0 0 4 0 80 0 14 0 29 1 0 0 0 0 15 0 142 0,1
Outros Programas 3.989 3 329 1 1.620 4 495 2 207 4 109 2 17 4 276 3 7.042 3,0
Total 143.538 100 46.768 100 37.166 100 27.412 100 4.625 100 4.715 100 471 100 9.726 100 274.420 100,0
Bens de Capital

Fonte: BNDES.
211
212 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Por meio do PSI, foram destinados R$ 111,4 bilhões para aquisição de equi-
pamentos nesse período. Desse total, 46% foram para transportes, 18% para
equipamentos agrícolas, 16% para equipamentos industriais e 12% para equipa-
mentos de infraestrutura.
O conjunto de programas não classificados no PSI financiou o montante de
R$ 153,7 bilhões. Desse total, 55% foram para equipamentos de transportes, 18%
para equipamentos agrícolas, 12% para equipamentos industriais e 9% para equi-
pamentos de infraestrutura.
O Modermaq financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 12,7 bi-
lhões. Os principais foram equipamentos industriais, com 45% do total, e equipa-
mentos de infraestrutura, com 29%.
O Provias financiou a aquisição de equipamentos no valor de R$ 1,0 bilhão.
Desse total, 64% foram aplicados em equipamentos de infraestrutura e 36% foram
para equipamentos de transporte.
O Finame Componentes financiou R$ 489 milhões. Desse total, 19% foram para
equipamentos de geração e distribuição de energia e 81% para outros equipamentos.
Por meio do Revitaliza, foram direcionados R$ 142 milhões para aquisição
de equipamentos. Desse total, 56% foram para equipamentos industriais, 20%
para equipamentos de geração e distribuição de energia, 10% para equipamen-
tos de infraestrutura e os demais 4% para outros equipamentos.
O Programa Moderniza BK, com operações aprovadas no valor de R$ 164 mi-
lhões, financia uma grande diversidade de máquinas e equipamentos, em geral per-
tencentes ao grupo de outras máquinas e equipamentos. O programa Moderfrota,
com R$ 16,7 bilhões de financiamentos, concentra os recursos especificamente em
máquinas e equipamentos agrícolas, assim como o Moderinfra, com R$ 1,17 bilhão
em operações aprovadas.

Equipamentos financiados e desempenho comercial

A relação dos equipamentos, com os valores financiados e os seus saldos comerciais


em 2003, 2007, 2009 e 2001, é mostrada na Tabela 17. Os financiamentos contri-
Bens de Capital 213

buem para gerar saldos comerciais positivos se estimularem a eficiência produti-


va das empresas, melhorando sua capacidade exportadora, e se induzirem os seus
compradores a adquirir o produto doméstico em lugar dos importados, por conta
das facilidades de financiamento.
Entretanto, como se viu anteriormente, apesar de bastante favoráveis, as con-
dições de financiamento não foram suficientes para suplantar as vantagens ofereci-
das pelo declínio dos preços das importações. Por outro lado, setores que vêm rece-
bendo elevados volumes de financiamento, como o de máquinas e equipamentos
industriais, não foram capazes de gerar superávits comerciais positivos em nenhum
grupo de equipamento e em nenhum momento a partir de 2003. Uma resposta
conclusiva para esse fato requer, entretanto, um exame mais aprofundado sobre
competitividade do setor.

Tabela 17 Financiamentos do BNDES e saldos comerciais da balança de bens de capital por


grupos de equipamento

Subgrupo Financiamentos 2003-2011 Saldos comerciais 2003-2011


(US$ milhões)
R$ milhões %
Transporte 143.538 52 32.233
Caminhões 108.750 40 11.057
Ônibus 28.431 10 9.161
Veículos ferroviários 3.491 1 (1.249)
Aeronaves 1.918 1 27.632
Outros equip. transporte 948 0 (14.369)
Industrial 37.166 14 (38.976)
Máquinas-ferramentas 7.199 3 (9.293)
Tanques, fornalhas e caldeiraria 5.946 2 (2.436)
Máq. equip. ind. alimentos, bebidas e fumo 5.501 2 (974)
Máquinas para siderurgia e metalurgia 1.415 1 (1.015)
Máquinas e equip. para indústria têxtil 1.123 0 (4.047)
Máq. equip. ind. couro e calçados 172 0 (83)
Outras máquinas e equip. industriais 15.809 6 (21.127)
Agrícola 46.768 17 5.588
Tratores agrícolas 16.446 6 3.761
Outros equip. e implementos agrícolas 13.061 5 552
Colheitadeira 12.543 5 915
Máq. equip beneficiamento/armazenagem 2.998 1 434
Equip. para irrigação 1.720 1 (74)
Infraestrutura 27.412 10 2.699
Máq. rodoviárias, constr. civil e mineração 19.212 7 4.715
Equip. de infraestrutura diversos 8.200 3 (2.016)
Continua
214 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Continuação

subgrupo financiamentos 2003-2011 saldos comerciais 2003-2011


(us$ milhões)
r$ milhões %
enerGia 4.624 2 (3.729)
equip. disTrib. e ConTrole de enerGia eléTriCa 2.118 1 (1.194)
Geradores, TransforMad. e MoTores eléTriCos 1.836 1 (194)
Turbinas 516 0 (913)
equipaMenTos enerGia eóliCa 155 0 (1.127)
equipaMenTos enerGia solar 1 0 (301)
inforMáTiCa/TeleCoM. 4.715 2 (35.112)
MédiCo-hospiTalar 471 0 (8.418)
ouTros equipaMenTos 9.726 4 (99.106)
equipaMenTos e CoMp. diVersos 7.068 3 (55.834)
MoTores, boMbas, CoMpressores e VálVulas 2.408 1 (7.062)
ouTros equipaMenTos e aparelhos eléTriCos 250 0 (36.211)
ToTal Geral 274.420 100 (144.822)

Fontes: BNDES e MDIC.

5. DES Af I O S E p E R S p E c T IVA S
Na última década, uma série de fatores contribuiu para alterar bastante o ambien-
te econômico e tecnológico de empresas e nações. Entre os mais significativos es-
tão as mudanças nas relações geopolíticas entre Oriente e Ocidente, o crescimento
mundialmente disseminado da informação digital, o avanço da infraestrutura física
e financeira, as tecnologias computadorizadas de produção, bem como a prolifera-
ção de acordos bilaterais e multilaterais de comércio.
Esse fenômeno, intitulado genericamente de globalização, tem gerado profun-
do impacto sobre as possibilidades de crescimento mundial. Para os países em de-
senvolvimento, representa um fator de transformação de suas economias, incluin-
do mudanças drásticas na natureza da competição com os países desenvolvidos.
Analogamente, para as indústrias – em particular, a brasileira –, significa exposição
a forças competitivas que, embora não sejam necessariamente novas, estão se tor-
nando cada vez mais complexas e difíceis de mitigar.
Nesse contexto, o aumento da competitividade figura como o principal desafio
imposto às empresas implantadas no país, que serão obrigadas a enfrentar ques-
tões envolvendo custos de produção, qualidade dos produtos, gargalos estruturais,
qualificação da mão de obra e atraso tecnológico.
Bens de Capital 215

Essa nova perspectiva, que vem modificando profundamente a cadeia de ofer-


ta manufatureira, é influenciada por desafios políticos e econômicos complexos,
devendo culminar na intensificação do uso de políticas públicas e na necessidade
de adaptação das estratégias de políticas industriais. Empresas e governos que esti-
verem cientes das forças fundamentais que estão remodelando a economia global
serão os mais aptos a obter benefícios com as mudanças. Ciente disto, nos últimos
anos, o BNDES vem conferindo em seu planejamento estratégico maior prioridade
a iniciativas que promovam o alinhamento com essa nova visão de política econô-
mica e industrial.
O BNDES contribuiu de maneira imprescindível para a implantação de uma for-
te indústria de bens de capital no país, em consonância com uma política de substi-
tuição de importações. Suas principais políticas de apoio ao setor de bens de capital
foram – e vêm sendo até hoje – pautadas por mecanismos de incentivo à demanda,
por meio de financiamentos à compra de máquinas e equipamentos. Tal estratégia
foi eficaz em estimular, concomitantemente, a produção nacional e o adensamento
da cadeia produtiva no país.
Contudo, para que a indústria de máquinas e equipamentos esteja apta a enfren-
tar os desafios impostos pelo novo paradigma de competitividade global, é preciso
ativar outros mecanismos de apoio, que possam se adequar às circunstâncias do mo-
mento. Para tanto, é imperativo ao BNDES desenvolver ações que busquem construir
ou aperfeiçoar instrumentos de apoio à atualização da estrutura produtiva dos fabri-
cantes nacionais de bens de capital, ou seja, à modernização da oferta.
Enquanto os incentivos à demanda se concentram no estímulo ao aumento da
procura pelos bens produzidos, por meio da disponibilidade de financiamento com
condições financeiras vantajosas, as políticas de incentivo à oferta podem ser ca-
racterizadas por financiamentos à aquisição de novas tecnologias, à capacitação da
mão de obra, ao aperfeiçoamento dos processos de gestão, bem como quaisquer
outras iniciativas voltadas para o aumento da produtividade do fabricante de má-
quinas e equipamentos no Brasil.
Nesse sentido, é importante que a atuação do BNDES seja norteada para alguns
desafios basilares enfrentados pelo Brasil. Figura fortemente entre eles a necessida-
216 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de de estímulo ao investimento em ativos intangíveis, com destaque para a inova-


ção e a qualificação da mão de obra.

Inovação

Dados extraídos da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec)5 possibili-


tam ilustrar parte do problema. No período de 2006 a 2008, apenas cerca de 50%
das empresas do setor de bens de capital entrevistadas implementaram algum tipo
de produto ou processo novo ou substancialmente aprimorado. Mesmo assim, en-
tre as empresas inovadoras, uma média de 55% observou baixo impacto – ou até
mesmo ausência de impacto – das inovações adotadas sobre a redução dos custos
de produção e dos custos do trabalho. Além disso, de acordo com dados do Confe-
rence Board, a produtividade média do trabalhador brasileiro equivale a 18,7% da
do americano e está entre as mais baixas dos 17 países da América Latina analisa-
dos, à frente apenas de Bolívia e Equador.
Por contribuírem para o incremento da produtividade e a redução de custo,
os investimentos em inovação estão entre os mais importantes indutores do cres-
cimento econômico e da competitividade de um país, gerando, assim, um impacto
positivo na competitividade das empresas. Como o conhecimento envolvido nas
tecnologias se renova a uma velocidade cada vez mais intensa, pode-se inferir
que não apenas a inovação em si, mas também a capacidade de inovar a um ritmo
acelerado, representará um grande diferencial para o sucesso de países e empre-
sas no futuro. Dessa forma, induzir uma aceleração no ritmo dos investimentos
em inovação por meio de políticas públicas pode trazer retornos expressivos para
o crescimento do país.
O BNDES surge, nesse contexto, como um agente capaz de criar essas possibi-
lidades e dotar o país de uma política industrial e tecnológica contemporânea e,
concomitantemente, orientada para o longo prazo. Além do importante apoio à

5
A Pintec é realizada pelo IBGE, com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação.
Bens de Capital 217

realização de pesquisa e desenvolvimento (P&D), o Banco pode atuar em outras


frentes que contribuam para a inovação no setor de bens de capital.
Por exemplo, podem ser adotadas iniciativas que já são amplamente reco-
nhecidas como esforços de inovação bem-sucedidos, como atrair e reter pesqui-
sadores e talentos da ciência e da engenharia altamente qualificados; estimular o
desenvolvimento de soluções tecnológicas aplicadas às necessidades da indústria;
apoiar os laboratórios nacionais de pesquisa; financiar iniciativas de P&D que se
alinhem às prioridades estratégicas do país; e estreitar a distância entre o setor
de P&D e o mercado.6
Além disso, políticas podem ser desenhadas para estimular o desenvolvimento
de soluções tecnológicas dentro das próprias empresas e também para promover
a formação e o desenvolvimento de um mercado de aquisição de tecnologias de
terceiros. Essa última é uma forma de política pouco explorada, que contém um
imenso potencial para contribuir permanentemente para a cultura da inovação
nas empresas. Investimentos na criação e na sustentação de um mercado desse tipo
subsidiariam principalmente as empresas que não contam com equipes próprias de
desenvolvimento tecnológico, ou seja, grande parcela dos fabricantes. Além disso,
permitiriam a manutenção de um volume perene e expressivo de demanda por so-
luções tecnológicas a institutos e empresas de base tecnológica, estimulando ainda
mais sua profissionalização e formalização.
Conforme explorado na seção anterior, muito dos efeitos observados sobre
o desempenho comercial da indústria brasileira de bens de capital podem ser
explicados pela evolução dos seus níveis de produtividade e competitividade. O
estímulo ao desenvolvimento tecnológico contribuiria também para a redução
da dependência a reservas de mercados, para a ampliação da inserção externa
do Brasil e para a diversificação de sua pauta de exportações, passos funda-
mentais na busca pela sustentabilidade na evolução da balança comercial. Por

6
De acordo com relatório do Fórum Econômico Mundial (2012), nem o gasto absoluto em P&D, nem o P&D como percentagem do
PIB são indicadores eficazes da efetividade da inovação. Apesar do gasto absoluto relativamente baixo em P&D, Suíça e Suécia estão
entre os países mais inovadores do mundo. Enquanto isso, a China tem o segundo maior gasto absoluto em P&D, mas figura na
29ª posição do Índice de Inovação Global. Não obstante, tal paisagem irá se modificar de alguma forma, dado o crescente foco das
nações emergentes em inovação.
218 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

fim, tais benefícios atenuariam consideravelmente o efeito adverso da taxa de


câmbio, cuja contínua valorização – verificada na maior parte da década em
análise – interferiu negativamente para o desempenho comercial das máquinas
e equipamentos nacionais.
Vale notar que as medidas de atuação propostas estariam em consonância com
uma série de planos e programas prioritários do governo federal, tais como o Plano
Brasil Maior – cujo objetivo, “Inovar para competir, competir para crescer”, deverá
resultar em mudança estrutural da visão de inovação no país – e o Programa Ciên-
cia sem Fronteira, que busca promover a consolidação, a expansão e a internacio-
nalização da ciência e da tecnologia.

Qualificação da mão de obra

Investimentos em inovação não representam o único motor da produtividade e dos


avanços competitivos para o Brasil. Como ilustrado anteriormente, a necessidade
de qualificação da mão de obra surge como uma segunda condicionante para a
promoção da competitividade do país. Com base, novamente, nas empresas do
setor de bens de capital entrevistadas pela Pintec e que alocaram funcionários nas
atividades de P&D, nota-se que apenas 7% das pessoas dedicadas a essa atividade
em 2008 tinham algum tipo de pós-graduação. Ainda, 34% delas não tinham se-
quer nível superior, evidenciando claras debilidades, se considerarmos o grau de
conhecimento requerido por essas atividades.
Como a qualificação do capital humano é um dos recursos mais críticos para
promover a modernização e a produtividade das empresas, é primordial que a in-
dústria de bens de capital brasileira atraia, desenvolva e retenha os mais talento-
sos e qualificados cientistas, pesquisadores, engenheiros e técnicos de produção
e, finalmente, que tenha pessoas capazes de gerar patentes.
É possível vislumbrar medidas práticas de atuação do BNDES e que con-
tribuam para a melhoria desse quadro, como programas de financiamento à
qualificação da mão de obra empregada no setor de bens de capital. Tal qua-
lificação pode ser obtida por meio de treinamentos externos, tais como cursos
BENS DE CAPITAl 219

técnicos (Senai e congêneres) e especializações, ou por meio de treinamento


na própria empresa, a exemplo de oficinas de especialização técnica ou escolas
de formação profissional.
Considerando-se, portanto, todos os desafios abordados nesta seção e que
devem ser enfrentados na busca pela melhoria da competitividade da indústria
brasileira de bens de capital, nota-se que o apoio do BNDES, no que tange ao uso
estratégico de políticas industriais para induzir o desenvolvimento econômico,
será necessário e deve ser intensificado ao longo dos próximos anos. Com a cres-
cente competição por recursos e competências técnicas e com a prosperidade do
país em jogo, os formuladores de políticas necessitarão ativamente da combina-
ção correta de comércio, impostos, trabalho, energia, educação, ciência, tecnolo-
gia e política industrial.
No aniversário de sessenta anos do BNDES, o discurso norteador do Banco
enfatizou a importância histórica do seu papel, nas últimas décadas, em prol
do crescimento do país – com destaque para a incorporação da questão social
entre suas prioridades. A grande ênfase, no entanto, foi dedicada aos novos
desafios a serem enfrentados. O compromisso firmado para a nova agenda do
BNDES é de ser o grande agente de apoio ao aumento da competitividade, com
o incremento da produtividade, da inovação e do desenvolvimento sustentável
brasileiro [Rumos (2012)].

6. c O Nc L US Õ E S
Em relação aos propósitos e resultados apresentados ao longo deste trabalho sobre
a indústria de bens de capital nacional, algumas conclusões surgem naturalmente.
Conforme se mostrou na segunda seção, no período 2003-2009 a produtividade
média do segmento produtor de máquinas e equipamentos no Brasil foi superior
à observada para a economia, com destaque para a categoria de caminhões e ôni-
bus. No entanto, o crescimento do segmento ocorreu abaixo da produtividade de
alguns outros isoladamente, dando mostras de certa estagnação.
220 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Considerando-se a produção industrial por categoria de uso, no período 2003-2011,


a de bens de capital foi a que apresentou as maiores taxas de crescimento vis-à-vis
as categorias de bens intermediários e de bens de consumo. Entre os bens de capi-
tal produzidos, o crescimento foi mais acentuado na categoria de equipamentos de
transporte industrial.
Em relação à produção de bens de capital por atividade, o pior resultado ocor-
reu em um dos segmentos de tecnologia de ponta, o de material eletrônico, apa-
relhos e equipamentos de comunicações. Também a produção de máquinas e equi-
pamentos mostra sinais de desaceleração. Já a produção de veículos automotores e
outros equipamentos de transporte teve o melhor desempenho.
No que se refere à balança comercial, três aspectos essenciais puderam ser ob-
servados na terceira seção: o primeiro é a crescente importância do Mercosul nas
exportações brasileiras; o segundo, a grande penetração dos produtos chineses na
pauta de importações do Brasil; e o terceiro, o grande crescimento das importações
por conta de preços mais reduzidos.
Nota-se, ainda, que as tarifas médias sobre importações de máquinas e equi-
pamentos que os países membros do Mercosul praticam entre si são consideravel-
mente inferiores àquelas cobradas dos demais parceiros comerciais, o que favo-
rece as exportações do Brasil ao bloco. Por outro lado, e ao contrário do que se
poderia esperar, o mesmo não se verifica em relação à participação do Mercosul
nas importações brasileiras, que, além de bastante tímida, não deu sinais de ele-
vação na última década.
Essas medidas de defesa comercial acabam por expor a fragilidade nas condi-
ções de competitividade da indústria brasileira de bens de capital. Ressalte-se que
tal fragilidade pode ser remediada pela adoção de medidas, por parte do BNDES,
que aumentem a competitividade das empresas fabricantes e, consequentemente,
revertam em crescimento das exportações, diversificação da penetração brasileira
no exterior, maior participação no mercado nacional e aumento da demanda por
mão de obra e componentes nacionais.
Em relação à participação do BNDES no apoio ao setor de bens de capital, a
quarta seção mostra que equipamentos de transporte, caminhões e ônibus foram
Bens de Capital 221

os itens que receberam maior volume de financiamentos, não apenas dentro do


grupo de infraestrutura, mas no contexto dos financiamentos. Em seguida, vem
o grupo de equipamentos industriais, que recebeu o segundo maior volume de
recursos financiados no período, com destaque para as máquinas-ferramenta.
Outros equipamentos importantes foram os agrícolas, que incluem tratores, co-
lheitadeiras e implementos, e os de infraestrutura, que incluem as máquinas e
equipamentos de terraplanagem, pavimentação e construção.
Para o futuro, diante do cenário negativo observado em relação ao comércio
exterior, pode-se imaginar que mudanças importantes no direcionamento dos re-
cursos do BNDES venham a ser requeridas. Pode-se supor, por exemplo, que os fi-
nanciamentos venham gradualmente a ser direcionados mais para a tecnologia dos
equipamentos, incorporando cada vez mais a dimensão qualitativa da moderniza-
ção. No setor industrial, os estímulos à modernização e ao desenvolvimento tecno-
lógico de máquinas-ferramenta são fundamentais para assegurar a sobrevivência
do setor. E, ainda, a indução ao desenvolvimento de novos segmentos, como equi-
pamentos de informática e telecomunicação e equipamentos médico-hospitalares
e laboratórios, são exemplos de novas fronteiras a serem exploradas e que vão se
tornar cada vez mais importantes no futuro.
Finalmente, a quinta seção destaca que o BNDES, após ter representado
papel-chave no apoio ao desenvolvimento do setor de bens de capital, garan-
tindo o aquecimento da atividade industrial e a consolidação de um merca-
do de demandantes de máquinas e equipamentos produzidos nacionalmente,
deve assumir durante as próximas décadas o desafio de construir e adotar ins-
trumentos que induzam o setor a transformar seu modelo de oferta. Iniciativas
de apoio ao desenvolvimento tecnológico e à qualificação da mão de obra,
realizadas conjuntamente com a promoção de melhorias na infraestrutura do
país, constituem uma trajetória segura e decisiva para o aumento sustentável
da competitividade da indústria de bens de capital e, consequentemente, de
toda a indústria nacional.
222 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Apêndi c e
Classificação dos equipamentos CNAE2.0 e CNAE 2.0 Resumido
Equip. destino Grupo CNAE 2.0-Resumido (IBGE)
Caminhões
Veículos ferroviários
Aeronaves
1. Transporte Outros equip. transporte
Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras
Outras máquinas e equipamentos industriais
Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica
Máquinas-ferramenta
Maq. equip. extração mineral e construção
Máquinas para siderurgia e metalurgia
Máq. equip. ind. alimentos, bebidas e fumo
Máq. e equip. para ind.têxtil
Máq. e equip. p/ ind. couros e calçados
Máq. e equip. para ind. celulose, papel e papelão
Máq. e equip. para ind. do plástico
Tanques, reservatórios metálicos e caldeiras
Equipamentos p/ ind. de cerâmica
2. Industrial Outras máquinas e equipamentos industriais
Tratores agrícolas
Colheitadeiras
Equip. para Irrigação
Outros equipamentos e implementos agrícolas
3. Agrícola Máq. e equip. para beneficiamento e armazenagem
Máq. e equip. p/ terraplanagem, pav. e construção (exceto tratores)
Máq. e equip. de uso na extração mineral e na construção
4. Infraestrutura Equipamentos de infraestrutura diversos
Equip. de energia eólica
Equip. de energia solar
Geradores, transformadores e motores elétricos
Equip. p/ distribuição e controle de energia elétrica
5. Equip. p/ geração e distrib. energia Fabricação de motores e turbinas
6. Equipamentos para Informática e
Telecomunicações Equip. de informática e telecomunicações
7. Equip. médico-hospitalares e
laboratórios Instr. e mat. p/ uso médico, odontológico e art. óticos
Outros equip. e aparelhos elétricos
Motores, bombas, compressores e válvulas
8. Outros equipamentos Equipamentos diversos
Bens de Capital 223

R e f er ên c ias
Além, A. C.; Pessoa, R. M. O setor de bens de capital e o desenvolvimento econômico:
quais são os desafios? BNDES Setorial, n. 22. Rio de Janeiro: BNDES, 2005.

Ambrozio, A. M. H. P.; Souza, F. L. Decompondo a produtividade brasileira entre


1995 e 2008. Visão do Desenvolvimento n.101. Rio de Janeiro: BNDES, mai. 2012.

Fórum Econômico Mundial. The future of manufacturing: opportunities to drive


economic growth. World Economic Forum Report, abr. 2012.

Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec). Rio de Janeiro: IBGE, 2006.

Pesquisa Industrial Mensal Produção Física. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema de Contas Nacionais. Rio


de Janeiro, 2009.

Nassif, A. Estrutura e competitividade da indústria de bens de capital brasileira.


Texto para discussão, n. 109. Rio de Janeiro: BNDES, 2007.

Nassif, A.; Ferreira, T. T. O setor de bens de capital: diagnóstico e perspectivas. In: Além, A.;
Giambiagi, F. (coords.). O BNDES em um Brasil em transição. Rio de Janeiro: BNDES, 2010.

Pinto, M. A. C.; Abuche, C. C.; Castilho, M.; Santos, L. P. A equalização de taxas de


juros como instrumento de promoção das exportações brasileiras de bens de
capital no período 1994-2005. Estudos Especiais. Rio de Janeiro: BNDES, 2008.

Puga, F.; Nascimento, M. A nova realidade do investimento no Brasil. Visão do


Desenvolvimento. Rio de Janeiro: BNDES, 2007.

Rumos. BNDES: 60 anos de protagonismo. ABDE, n. 262, 2012.

Silveira, I. O setor de bens de capital. In: Gomes, A. C. S.; Albarca, C. D; Faria, E. S. T.;
Fernandes, H. H. (coords.). BNDES 50 anos: histórias setoriais. Rio de Janeiro: BNDES, 2002.

The Conference Board. Total Economy Database, jan. 2012.


Bruno Plattek de Araújo
André Pompeo do Amaral Mendes
ricardo Cunha da Costa*

*Respectivamente engenheiro, gerente setorial e chefe do Departamento da Cadeia Produtiva de P&G da Área de Insumos Básicos
do BNDES. Os autores agradecem a preciosa ajuda de Rodrigo Antônio Parra Romeiro e Giovani Cavalcanti Nunes na discussão sobre
as perspectivas tecnológicas do segmento de exploração e produção offshore do setor de P&G nacional.
CADEIA DE Petróleo e Gás 225

R ES UM O
As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada de pré-sal
e a perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos
próximos anos transformaram significativamente o cenário do setor de petróleo e
gás (P&G) no Brasil. A localização dessa nova fronteira exploratória, a grandes dis-
tâncias da costa e em elevadas profundidades, em conjunto com a magnitude das
reservas e as características do óleo encontrado, criam um novo paradigma para o
segmento de Exploração e Produção offshore no país, sobretudo do ponto de vista
do desenvolvimento tecnológico. Os elevados investimentos que serão realizados,
aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem a continuidade
indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações incrementais e
rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova indústria nacio-
nal do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é patente que a indústria
brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a
uma posição de destaque, senão de liderança no uso de novas tecnologias no setor
que inevitavelmente deverão ser desenvolvidas. O desenvolvimento de uma cadeia
nacional de fornecedores de bens e serviços, pelo seu perfil caracteristicamente
multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades positivas para
os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de estratégias para a
promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico ganha significativa relevân-
cia. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas públicas do
setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo cenário, suas
oportunidades e riscos associados. A discussão que se coloca neste artigo conside-
ra esses aspectos, focando na dinâmica do segmento de E&P offshore, apontando
algumas das diversas inovações que deverão ser desenvolvidas nos próximos anos
e apresentando, a partir da discussão dos papéis que os diversos atores públicos e
privados poderão assumir na dinâmica de desenvolvimento futura, algumas das
possíveis estratégias a serem adotadas no âmbito das políticas públicas para a pro-
moção do desenvolvimento competitivo e sustentável de uma cadeia nacional de
fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G.
226 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

AB S TR AC T
Discoveries of giant oil and gas reserves in the pre-salt layer and the perspective of
increased growth in national production of these inputs over the coming years have
significantly transformed the scenario of Brazil’s Oil & Gas (O&G) sector. The location
of this new exploration front, far from the shores and at great depths, coupled with
the magnitude of the reserves themselves and the characteristics of the oil found,
have created a new paradigm for the offshore Exploration and Production (E&P) of
O&G in the country, above all from the perspective of technological development.
The high investments to be made, together with the long-term characteristics of
the project, offer indispensable continuity to disruptive innovation, and not just
routine and incremental innovation, which may contribute to setting up a new
national oil industry. From every angle, it is patently clear that the Brazilian oil
industry has been offered a rare opportunity which may put it in the spotlight,
and maybe even in the leadership in terms of use of new technology within the
sector, which will inevitably be developed. Development of a national supply
chain of goods and services, due to its multi-sectorial profile, has the potential to
generate important positive externalities for other sectors in the economy. In this
context, formulating strategies to foster industrial and technological development
has gained significant importance. Discussing alternatives and paths to be taken in
public policy in the sector should obligatorily take into account the understanding
of this new scenario, its opportunities and the risks associated. The discussion in
this article takes these aspects into consideration, focusing on the dynamics of the
offshore E&P sector, highlighting some of the diverse innovation that is expected to
be developed in the coming years. Furthermore, based on the discussion concerning
the role that diverse public and private players may take on in the future dynamics
of development, it presents some of the possible strategies to be adopted within
the scope of public policy to foster competitive and sustainable development of a
national O&G supply chain.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 227

1. i nTR O DUÇ Ã O
o setor de petróleo e gás (P&G) no Brasil vive um momento positivo e está inseri-
do em um cenário completamente distinto ao observado nas últimas décadas. o
peso relativo que esse setor vem ganhando na economia nacional demonstra sua
importância no que tange ao impacto macroeconômico que decorrerá das ativida-
des relacionadas a ele. A descoberta de novas reservas e o expressivo aumento da
produção de óleo e gás que se esperam nos próximos anos implicam uma mudança
de paradigma, com o país adquirindo o potencial de ser importante exportador1
de óleo e gás e entrando para um seleto grupo entre os maiores países produtores
desses insumos.
os elevados investimentos previstos revelam o tamanho das oportunidades
para o desenvolvimento da indústria brasileira. trata-se do setor da economia
nacional que mais investirá, o qual conta com a empresa que tem hoje o maior
plano de investimentos do mundo, a Petrobras. Além disso, os investimentos das
demais operadoras vêm crescendo no período recente.2 Em conjunto com a de-
manda interna expressiva, a Política de Conteúdo local assume papel central no
estímulo à indústria brasileira, em um cenário que possibilita a realização de um
planejamento sólido e de longo prazo. A economia, forte e estável, e um parque
industrial diversificado criam as condições necessárias para um importante salto
de qualidade da indústria.
Ao mesmo tempo em que as oportunidades são muitas e o momento é único,
os desafios são também significativos. Políticas públicas deverão ser construídas
para estimular, de forma eficiente e sustentável, a competitividade da indústria
nacional, por meio do aumento de sua capacidade produtiva para o fornecimento
de bens e para prestação de serviços, da elevação da qualificação técnica e profis-
sional e, sobretudo, do desenvolvimento tecnológico e da inovação. A capacidade

1
Apesar de o Brasil exportar certo volume de petróleo e já ter atingido a autossuficiência, o cenário que se vislumbra abre grandes
oportunidades para o crescimento significativo da exportação desse insumo no país. Outro aspecto relevante é que o petróleo
tipicamente exportado no presente é um óleo pesado, enquanto o petróleo encontrado no pré-sal é um óleo leve de excelente
qualidade e, portanto, de maior valor no mercado.
2
Cabe ressaltar que grande parte dos investimentos das demais operadoras vem sendo realizado em parceria com a Petrobras.
228 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

das empresas em inovar deve estar no centro da discussão e será, como pode se ver
mais adiante, parte vital e condição necessária para o processo de desenvolvimento
do setor.
Diante desse cenário, cabe ressaltar que no segmento de exploração e pro-
dução (E&P) offshore de óleo e gás se localizam as maiores oportunidades para o
desenvolvimento da indústria nacional, seja em relação à escala dos investimentos,
seja na agregação de valor de suas atividades, ou ainda, pela inter-relação que
este mantém com os demais setores da economia. Este último aspecto abre inte-
ressantes alternativas para o adensamento de diversas cadeias de fornecimento
existentes. Assim, discutir a dinâmica desse segmento é de suma importância para
a formulação das estratégias voltadas para o desenvolvimento industrial e tecnoló-
gico do país nos próximos anos.
Por esses motivos, uma abordagem construída não apenas na oferta dos diver-
sos setores da economia como entidades estanques e sem relação entre si, mas, so-
bretudo, no estabelecimento de ações estruturadas que combinem as necessidades
em diversos dos segmentos da indústria e no entendimento do papel de cada um
destes para o atendimento às demandas relacionadas às atividades de exploração
e produção offshore de óleo e gás, representa uma mudança de visão significativa.
Essa abordagem pode ser entendida pela cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados ao setor de petróleo e gás natural, a qual envolve diversos atores e um
perfil caracteristicamente multissetorial.
A discussão que se estabelece neste artigo considera esses aspectos focando na
dinâmica do segmento de E&P offshore e nas estratégias para o desenvolvimento
de sua cadeia de fornecedores de bens e serviços. Para isso, será exposto um históri-
co resumido da trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore nacional,
seguido de uma contextualização das principais ações institucionais ocorridas no
setor no período de 1997 a 2012. Posteriormente, será realizada uma caracteriza-
ção da cadeia de fornecedores de bens e serviços, apontando o perfil das empresas
que a compõem. Na sequência, discutem-se algumas das inovações e possíveis rotas
tecnológicas associadas ao cenário que se vislumbra, dadas as características da ex-
ploração e produção nos reservatórios da camada de pré-sal e o porte dos investi-
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 229

mentos previstos. Abordam-se, ainda, diversas considerações relacionadas à formu-


lação das estratégias para a promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico
no âmbito das políticas públicas voltadas para o setor. Por fim, será apresentada
uma breve discussão sobre a disponibilidade de recursos e a financiabilidade das
atividades de pesquisa e desenvolvimento e dos projetos de inovação do setor.

2. Hi S TÓ R i C O D O D E S E n VOLViM E n T O DO
S EGM EnTO D E E & P OF F S H OR E n A C iOn A L
A trajetória do desenvolvimento do segmento de E&P offshore no país está inti-
mamente ligada à evolução das atividades de perfuração em lâminas d’água de
maior profundidade. Compreender essa trajetória passa pelo conhecimento do
histórico das principais descobertas e marcos da exploração e produção de óleo
e gás na costa brasileira, assim como de sua relação com a dinâmica do setor nas
últimas décadas.
o início da atividade de exploração e produção marítima de petróleo e gás
remonta ao ano de 1961, quando a Petrobras inicia a busca por campos de óleo e
gás na plataforma continental3 em uma faixa marítima que vai do Espírito santo ao
Maranhão. A criação pela Petrobras de seu centro de pesquisa, o Cenpes, em 1968,
o qual, apesar de ter seu foco de atuação voltado, inicialmente, para o segmento
de downstream,4 demonstra a percepção, por parte da empresa, da necessidade de
geração de conhecimento voltada para as demandas tecnológicas do setor.
o primeiro grande resultado da busca por acumulações de óleo e gás na pla-
taforma continental data do início da década de 1970, quando foi descoberta pela
Petrobras a província petrolífera da Bacia de Campos, no rio de Janeiro. Nessa
mesma década, os dois choques do petróleo, em 1973 e 1979, com a consequente
elevação do preço do óleo no mercado mundial, tornaram a produção offshore
viável economicamente.

3
A plataforma continental se situa na orla dos continentes e tem profundidade máxima de 200 m.
4
Envolve as atividades de refino, transporte e comercialização ligadas ao setor de P&G.
230 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A década seguinte foi marcada por descobertas de grandes acumulações de


óleo e gás, com destaque para a descoberta dos campos gigantes de Marlim e
Albacora na Bacia de Campos no Rio de Janeiro, os quais, por se localizarem em
águas profundas,5 tiveram especial relevância para o desenvolvimento de soluções
mais avançadas para a exploração e produção de óleo e gás marítima. Por outro
lado, nesse período, a indústria naval, que na década de 1970 chegou a contar com
o segundo maior parque naval do mundo, enfrentou forte crise, intensificada na
década posterior, limitando a capacidade das empresas de engenharia naval de
realizar o projeto básico e conceitual de embarcações. Desarticulou-se, assim, o
segmento de engenharia consultiva nacional, segmento estratégico para qualquer
política industrial voltada para a promoção do desenvolvimento tecnológico e da
capacidade de absorção de conhecimento pelas empresas.
A busca por novos campos em regiões cada vez mais profundas continuou na
década de 1990, o que levou a outras grandes descobertas, entre as quais é pos-
sível citar os campos gigantes de Roncador e Barracuda, também localizados na
Bacia de Campos. Em 1994, a barreira dos 1.000 m de lâmina d’água foi ultrapas-
sada no Campo de Marlim, dando início às atividades de exploração e produção
em águas ultraprofundas. Cabe ressaltar que, nesse período, uma tendência glo-
bal do setor, acompanhada pela Petrobras, foi o crescimento da contratação de
projetos turn-key6 com os EPCistas,7 sendo responsável, mesmo que parcialmente,
pelo recuo do conteúdo nacional nos investimentos [ANP (1999)]. Assim, grande
parte do fornecimento de bens e, em especial, dos serviços, muitos em segmentos
estratégicos da cadeia de fornecedores, foi realizada por empresas estrangeiras
localizadas ou não no país.
A abertura do mercado, com a Lei do Petróleo (Lei 9.478/97), permitiu que
outras empresas constituídas sob leis brasileiras e com sede no Brasil atuassem em

5
Águas rasas vão até uma profundidade de 400 m; águas profundas até 1.000 m; e, a partir daí, são denominadas ultraprofundas.
6
Projetos turn-key são caracterizados pela contratação a preços e prazos definidos de pacotes fechados, nos quais o contratado entrega
ao contratante, no caso a operadora de P&G, o projeto pronto para entrada em operação. Em alguns casos, a contratação em pacotes
fechados prejudica o fornecimento local, mesmo quando este tem competitividade em relação a seus concorrentes estrangeiros.
7
EPCistas são empresas tipicamente contratadas para a realização e gestão de projetos complexos envolvendo a construção de
grandes sistemas. Atuam nas atividades de engenharia, contratação do fornecimento e construção do empreendimento (EPC é a
sigla de Engineering, Procurement and Construction).
CADEIA DE Petróleo e Gás 231

todos os elos da cadeia de valor de P&G, até mesmo no segmento de upstream,8


abrindo espaço para outras operadoras realizarem suas atividades de exploração e
produção no país. Desde então, os investimentos realizados por estas vêm crescen-
do e, apesar de inferiores aos investimentos realizados pela Petrobras, contribuem
para tornar o mercado nacional ainda mais atrativo aos fornecedores de bens e
serviços de E&P.9 Ademais, o advento da Política de Conteúdo Local auxiliou na
constituição de um arcabouço regulatório, de forma a privilegiar o investimento
produtivo realizado no país, e poderá ser importante pilar para as estratégias de
promoção do desenvolvimento tecnológico nacional como será visto mais adiante.
Depois da virada do século, a evolução para novas fronteiras exploratórias con-
tinuou para regiões ainda mais profundas, quando, em 2006, a Petrobras anunciou
a descoberta de indícios de Petróleo na camada de pré-sal10 na costa brasileira,
confirmada no ano seguinte. Adicionais descobertas de acumulações gigantescas
de óleo e gás abaixo dessa camada de sal, em uma extensão que vai do estado de
Espírito Santo a Santa Catarina, mudaram completamente o cenário do setor no
Brasil e estabelecem um novo paradigma para as atividades de exploração e produ-
ção de óleo e gás em lâminas d’água ultraprofundas. É possível dizer que, por meio
dessas descobertas, o Brasil vai se tornar o principal mercado no mundo para as
empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao segmento
de exploração e produção offshore de óleo e gás [Sant’anna (2010)].
O volume expressivo e as características particulares dessas reservas, que de-
mandarão elevados investimentos, sobretudo no desenvolvimento de novas solu-
ções para as atividades de exploração e produção offshore, podem vir a ser im-
portantes alavancas para o desenvolvimento da indústria nacional e, sobretudo,
indutores do desenvolvimento e da difusão de novas tecnologias que, certamente,
serão apropriadas por outros setores da economia.

8
Upstream é um termo usado na indústria para se referir ao segmento de exploração e produção (E&P).
9
Estimativas realizadas pela Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip/Booz) indicam uma demanda por bens e serviços
ligados ao segmento de E&P de aproximadamente US$ 400 bilhões entre 2010 e 2020.
10
A camada de pré-sal tem espessura irregular variando entre 1.000 e 2.000 m e é constituída por um tipo de rocha formada
exclusivamente de sal petrificado no fundo dos oceanos, comprimido sob outras lâminas menos densas e que formam a crosta
oceânica. Essa formação é típica no litoral brasileiro e inédita no setor de P&G, criando condições propícias para a acumulação e
aprisionamento de óleo e gás abaixo dela.
232 BNDEs 60 ANos – PErsPECtIVAs sEtorIAIs

3. EV O L UÇ ÃO D O A R C A B OU Ç O
i nS Ti TUC i O n A L
Na presente seção será traçado um breve panorama dos principais marcos da evolu-
ção do arcabouço institucional do setor de P&G nacional nas décadas de 1990 e 2000.

a QuebRa dO mOnOpóliO dO petRóleO – lei 9.478/97

A lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, também conhecida como lei do Petróleo,


extinguiu o monopólio exercido pela Petrobras nas atividades de exploração e pro-
dução de petróleo e gás natural. Por meio dessa lei, foram criados o Conselho Na-
cional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural
e Biocombustíveis (ANP). A partir de então, as atividades de exploração e produção
no país passaram a ser exercidas por contratos de concessão, outorgados por meio
de processo de licitação organizado pela ANP. Com isso, foi permitida a celebração
de contratos de concessão para as atividades de exploração e produção de petróleo
no país com empresas privadas de capital nacional ou estrangeiro.
Desde a promulgação da lei do Petróleo, foram realizadas dez rodadas de lici-
tações pela ANP.11 Com o passar dos anos, alguns requisitos em relação às regras de
licitações e aos contratos de concessão foram alterados em favor da cadeia produ-
tiva de P&G nacional. Essas alterações, em especial no que se referem ao conteúdo
local, serão discutidas mais à frente neste artigo.
A abertura do mercado permitiu que novas empresas viessem se instalar no
país. Hoje, existem 62 empresas com algum tipo de participação nos blocos de ex-
ploração, ainda que de forma minoritária, e 28 operadores. No entanto, a Petrobras
continua a ser responsável, no presente, por grande parte da produção de petróleo
e gás no país, perspectiva que deve ser mantida ao menos nessa década. Atualmen-
te existem 327 campos em produção, 266 deles operados pela Petrobras. Espera-se
que, com os investimentos das demais operadoras, esse cenário se altere de forma

11
A primeira rodada de licitação foi realizada em 1999 e a última no fim de 2008.
CADEIA DE Petróleo e Gás 233

gradual. No entanto, pelo longo tempo de maturação dos investimentos realizados


nas atividades de E&P e pela preferência de diversas dessas empresas em atuar,
em um primeiro momento, por meio da formação de consórcios e parcerias com a
Petrobras, essa mudança de cenário, em que as demais operadoras obtenham maior
participação na produção nacional de óleo e gás, ainda deve levar algum tempo.

O Repetro e seus efeitos diversos na cadeia fornecedora


de bens e serviços
Em um contexto de abertura do setor de P&G nacional e com o objetivo de atrair
empresas estrangeiras para o país, foi criado em 1999, ano da primeira rodada de
licitação de campos exploratórios pela ANP, um regime aduaneiro especial para
as atividades de exploração e produção no país, suspendendo impostos de impor-
tação e demais impostos federais na admissão temporária de qualquer bem para
aquelas atividades.12
O Regime Aduaneiro Especial de exportação e de importação de bens destinados
às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de petróleo e de gás natural (Repetro)
foi instituído em 2.9.1999 pelo Decreto 3.161, o qual estabelecia sua vigência até
31.12.2005. No ano de 2001, sua vigência foi alterada para 31.12.2007, e, por fim, em
2004, o regime especial teve sua vigência mais uma vez prorrogada até 31.12.2020.
O Repetro consiste em uma combinação de três tratamentos tributários dis-
tintos: drawback, exportação ficta e admissão temporária. O drawback permite a
importação de insumos sem o recolhimento de determinados impostos para a pro-
dução de bens a serem exportados. A exportação ficta considera, para fins tributá-
rios, que um determinado bem fabricado no país e que não seja exportado de fato,
isto é, permanecendo fisicamente no país, tem o mesmo tratamento tributário que
se houvesse a exportação desse bem. Por sua vez, a admissão temporária13 permite

12
Nesse período, o contexto macroeconômico e institucional do país era distinto do momento atual. O preço do petróleo oscilava
em torno de US$ 18/bbl e as reservas consistiam em campos de petróleo pesado e de baixa qualidade. Com o passar dos anos,
ocorreram diversas mudanças positivas em relação à situação econômica e institucional do país, e o preço do petróleo passou para
um patamar bastante diferente, em torno de US$ 100/bbl.
13
Em alguns casos, na admissão temporária fora do Repetro, o recolhimento dos tributos é proporcional ao tempo de permanência
do bem no país. O intuito da admissão temporária é permitir a entrada de um determinado bem no país por um breve período de
tempo, sabendo-se que este bem posteriormente voltará para o exterior.
234 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

a suspensão de tributos na importação de um bem que permanecerá “temporaria-


mente” no país pelo prazo de duração do contrato de concessão.14
Hoje, percebe-se que o Repetro ficou limitado a alguns elos da cadeia, be-
neficiando de forma direta as operadoras, uma vez que elas deixam de recolher
uma série de impostos por meio da figura da admissão temporária. Também al-
gumas empresas do primeiro elo da cadeia são beneficiárias do regime especial,
pois podem utilizar a figura da exportação ficta associada ao drawback. Essas
empresas exportam fictamente seus produtos para uma empresa no exterior,
subsidiária da operadora que se encontra no país, e esta, por sua vez, retorna
também fictamente esse bem por meio da admissão temporária.15 As demais
empresas em elos mais distantes da cadeia, por não contarem com acesso aos
instrumentos do Repetro, acabam enfrentando maiores custos, uma vez que
precisam recolher os tributos internos federais e estaduais, e, como consequên-
cia, elevando os preços finais de seus produtos.
Como visto, o Repetro tem causado efeitos diversos ao longo da cadeia de
petróleo e gás. Em um primeiro momento, a assimetria16 tributária, que desfavo-
receu alguns segmentos da cadeia produtiva de P&G nacional, foi contrabalan-
ceada com uma taxa de câmbio desvalorizada no passado. Contudo, no presente
momento, com a recente valorização da taxa de câmbio, a assimetria tributária
passou a desempenhar papel mais crítico para a competitividade das empresas
no país. Parte destas continua tendo sua competitividade afetada, uma vez que
o Repetro desonera quase a totalidade dos tributos na importação de bens e
serviços e não desonera todos os tributos para a produção dos mesmos bens e
serviços em toda a cadeia no país. Ademais, quando as operadoras afretam, por
exemplo, uma plataforma de uma subsidiária estrangeira pelo mecanismo de
admissão temporária, além da suspensão dos impostos de importação, o valor

14
Apesar do emprego do termo admissão temporária, em situações práticas, por exemplo, quando ocorre a importação de uma
plataforma, a qual permanecerá no país por um longo período, cerca de 25 anos, suspende-se os tributos de importação, segundo a
justificativa de que esta voltará para o exterior depois desse período.
15
Por exemplo, no caso da Petrobras, as plataformas que são construídas no país são exportadas fictamente para Petrobras
Netherlands B.V. (PNBV), que por sua vez afretam as plataformas para Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) aqui no Brasil. Assim, o
regime favorece o aumento de ativos da empresa no exterior.
16
A principal assimetria tributária em decorrência do Repetro é ocasionada pelo ICMS.
CADEIA DE Petróleo e Gás 235

pago pelo afretamento é abatido do imposto de renda aqui no país como des-
pesa operacional.17
Não há dúvida, todavia, que o Repetro contribui para desonerar investimentos
no setor de P&G no Brasil, país que à época de sua criação apresentava perspecti-
va não tão promissora de exploração e produção de óleo e gás.18 Também não se
discute a importância que este representa para reduzir custos e elevar a competi-
tividade das operadoras de P&G, papel importante que vem sendo desempenhado
desde seu início. No entanto, uma discussão que assume grande importância no
âmbito da Política Industrial e nas demais ações voltadas para o desenvolvimento
das empresas fornecedoras refere-se à amplitude restrita desse regime, a qual tem
o potencial de criar, como abordado, uma desvantagem competitiva para as em-
presas instaladas no país. Discutir tais questões de forma mais detida é vital para a
construção de um cenário favorável ao desenvolvimento industrial do setor.

Ações de mobilização da cadeia produtiva de P&G – o Prominp

O Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp)


foi instituído no ano de 2003 com o objetivo de aumentar a participação das em-
presas nacionais, em bases competitivas e sustentáveis, no fornecimento de bens e
serviços para o setor de petróleo e gás natural no Brasil.19 O Prominp dispõe de uma
série de iniciativas com foco na geração de emprego e no fortalecimento da cadeia
produtiva de petróleo e gás nacional. Além disso, foram elaborados diagnósticos
em relação à capacidade produtiva, à competitividade da indústria local e aos gar-
galos identificados na maioria dos segmentos da cadeia.
Entre suas diversas realizações para a cadeia produtiva de petróleo e gás ao
longo dos anos, pode-se citar a estimativa realizada sobre a necessidade de qualifi-

17
A operadora proprietária da plataforma prefere pôr sua propriedade em uma subsidiária no exterior e afretá-la para sua empresa
no Brasil a contabilizar o ativo no Brasil. Esse mecanismo permite à operadora pagar menos impostos, uma vez que a alíquota do
imposto de renda de onde se localiza a subsidiária é menor do que a daqui.
18
Na época da criação do Repetro, o preço do barril de petróleo oscilava na faixa de US$ 18/bbl (preços correntes do óleo tipo WTI) –
segundo dados consultados pelos autores no U.S. Energy Information Administration (EIA) em 2011 –, e as reservas consistiam em
campos de petróleo pesado. Atualmente o preço do petróleo está em um patamar bastante superior, de cerca de US$ 100/bbl, e as
reservas do pré-sal revelam um óleo leve de melhor qualidade.
19
O Prominp conta com a participação de diversas instituições públicas e privadas. A coordenação geral do Prominp é de
responsabilidade do Ministério de Minas e Energia.
236 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

cação de mão de obra. Esse levantamento indicou a necessidade de qualificação de


centenas de profissionais para o setor e, com base nesta, foram criados programas
de qualificação que até o presente momento formaram 79.170 profissionais em di-
versas especialidades [Prominp (2011)].20 Nesse programa de qualificação, já foram
investidos cerca de R$ 228 milhões de reais. Além disso, espera-se que, até o ano de
2020, sejam investidos mais R$ 604 milhões para a capacitação de outros 265.266
profissionais para toda cadeia produtiva de P&G.

A Política de Conteúdo Local

Um dos grandes pilares para o fortalecimento de uma cadeia produtiva de petróleo


e gás nacional competitiva é a Política de Conteúdo Local. A partir de 2005, por
meio da sétima rodada de licitação de blocos da ANP, introduziu-se a exigência
de certificação de conteúdo local mínimo e máximo para as fases de exploração,
desenvolvimento e produção de petróleo e gás no Brasil.21 Assim, as operadoras
vencedoras dos leilões estariam se comprometendo, em contrato, ao cumprimento
da obrigação de atingir um conteúdo local mínimo global e individual dos diversos
subsistemas. O não cumprimento dessas cláusulas contratuais implicam multas a
serem estabelecidas pela ANP.
Por meio dessa política, espera-se que haja o direcionamento para o Brasil de
boa parte dos investimentos relativos à aquisição de bens e serviços, incentivando
investimentos para o aumento da capacidade produtiva em diversos segmentos, ou
ainda, a atração de atividades até o momento não realizadas no país.22
Políticas públicas semelhantes já foram adotadas por diversos países, como No-
ruega, Inglaterra, Coreia do Sul. Um exemplo de sucesso, a Noruega, hoje é conhe-

20
A qualificação de mão de obra engloba profissionais de diversos níveis: básico, médio, técnico, inspetores, e superior.
21
Antes da sétima rodada, realizada em 2005, já havia compromisso de conteúdo local. No entanto, a mesma era realizada de forma
declaratória pelas próprias operadoras. Além disso, havia muito questionamento em relação ao método de apuração do conteúdo
local. Somente a partir da sétima rodada, a metodologia de apuração foi padronizada, exigindo a certificação por empresas
independentes. A metodologia adotada pela ANP foi desenvolvida no âmbito do Prominp e baseada em metodologia do BNDES.
22
Podem ser citados como exemplos de consequência da Política de Conteúdo Local a instalação de uma fábrica de montagem da
Rolls Royce para turbogeradores a gás com conteúdo local de 50% e a construção de vários centros de pesquisa e desenvolvimento
no país por parte de diversas multinacionais. Além disso, ao atrair uma empresa estrangeira de porte da Rolls Royce para fabricar
algo que o país não produz, será necessário desenvolver fornecedores localmente, e/ou atrair alguns de seus fornecedores
internacionais para o país.
CADEIA DE Petróleo e Gás 237

cida por ser um país competitivo e com alta tecnologia em bens e serviços para a
exploração e produção de petróleo no mundo, bem como é um dos países de maior
renda per capita e qualidade de vida do planeta. Grande parte desse panorama foi
possível pelo sucesso obtido na implantação de políticas públicas voltadas para o
desenvolvimento do setor de P&G local, motivadas pelas descobertas de petróleo
no Mar do Norte a partir do fim da década 1960, dentre as quais se destaca a elabo-
ração de uma Política de Conteúdo Local, a criação da Statoil (empresa controlada
pelo estado), a criação de um fundo soberano, disponibilidade de financiamento
público, incentivos para investimentos em P&D, políticas de transferência de tecno-
logia, investimentos públicos em áreas como infraestrutura, entre outras ações para
o desenvolvimento do setor e da cadeia produtiva de petróleo e gás norueguesa.23
Depreende-se dos exemplos anteriores, que a adoção de uma política de conteú-
do local tem o potencial de ser parte importante da dinâmica de desenvolvimento
das empresas fornecedoras de bens e serviços da cadeia produtiva de P&G. Cabe
destacar que esta, apesar do potencial de ser um poderoso instrumento para o
desenvolvimento da indústria local, deve estar sempre muito bem calibrada, a fim
de que se desenvolva uma cadeia produtiva sustentável economicamente e compe-
titiva internacionalmente.

Redirecionamento da política de contratação da


Petrobras para o mercado interno
No início da década de 2000, a Petrobras introduziu uma mudança em sua estra-
tégia de contratação e compra de bens e serviços para suas atividades.24 De forma
gradual, a empresa começou a demandar navios de apoio a plataformas, módulos
de plataformas e petroleiros construídos no Brasil. Por fim, a Petrobras passou a lici-

23
Outro exemplo seria o caso da Coreia do Sul. Na década 1960, a Coreia do Sul era um país muito pobre, com nível de
desenvolvimento similar a alguns países africanos. A partir das décadas de 1960 e 1970, a Coreia do Sul implantou políticas
econômicas espelhadas naquelas que promoveram o desenvolvimento do Japão no passado. Muitas dessas políticas se assemelham
às políticas econômicas norueguesas. A Coreia do Sul conseguiu desenvolver sua indústria naval, de eletrônicos de alta tecnologia,
automobilística etc. Algumas décadas depois de adotar essas políticas econômicas, a Coreia do Sul ultrapassava o Brasil em nível
de desenvolvimento e de renda per capita. Hoje, a Coreia do Sul é reconhecida como um país de alta tecnologia, produzindo e
desenvolvendo navios, plataformas e sondas para o setor de petróleo e gás, automóveis, celulares e tablets de última geração.
24
Estão sendo levadas em consideração apenas algumas ações da Petrobras para o fortalecimento da cadeia produtiva de petróleo e
gás brasileira, e não seus custos de oportunidades.
238 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

tar a construção completa de suas plataformas e sondas no país. Além disso, decidiu
construir novas refinarias no Nordeste brasileiro.25
Foi possível, priorizando o direcionamento de parte de sua demanda de bens
e serviços para o Brasil, reativar e construir novos estaleiros para navios de apoio e
estaleiros de grande porte para a construção de navios petroleiros, plataformas e
sondas. Ademais, a Petrobras intensificou acordos de cooperação com diversas em-
presas e universidades no Brasil para desenvolver soluções para suas necessidades.
Antes mesmo das obrigações de conteúdo local, suas ações se voltaram para
o desenvolvimento de fornecedores locais brasileiros, caso estes atendessem aos
requisitos técnicos a custos compatíveis, ou ainda, para a atração de fornecedores
estrangeiros para se instalarem no país. Com a instituição da Política de Conteúdo
Local, essas ações proativas para desenvolver a cadeia de petróleo e gás brasileira
se tornaram compromissos, metas e necessidades formais. Cabe destacar que a Pe-
trobras sempre procurou desenvolver uma cadeia de petróleo e gás nacional com-
petitiva, a fim de reforçar sua posição no mercado e permanecer como um grande
ator no setor de petróleo e gás mundial.
Por fim, depois da descoberta de petróleo na camada de pré-sal, a Petrobras
reviu seu plano estratégico26 e intensificou seus investimentos no Brasil, em especial
no segmento de exploração e produção offshore de P&G, gerando uma demanda
de centenas de bilhões de dólares de bens e serviços de sua cadeia de fornecedores.

O pré-sal e o novo marco regulatório

Com as descobertas de petróleo de boa qualidade na camada de pré-sal, estima-


-se que as reservas brasileiras atinjam patamares entre cinquenta e cem bilhões de
barris de óleo equivalente. Em decorrência dessas novas descobertas, a cadeia de
fornecedores de bens e serviços para o setor de P&G será demandada em uma es-

25
No Plano de Negócios da Petrobras, estão previstos, além do projeto do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj),
investimentos para a construção da Refinaria Abreu e Lima (RNEST) em Pernambuco e para as refinarias Premium I (Maranhão) e
Premium II (Ceará).
26
A Petrobras reduz sua preocupação com a inserção de petróleo pesado no mercado internacional e com a busca de descobertas
no exterior.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 239

cala significativamente superior, condição que pode levar a importantes ganhos de


eficiência e competitividade.27
Com base nesse novo cenário, o governo brasileiro instituiu, no segundo semes-
tre de 2010, um novo regime regulatório para a exploração e produção dos campos
do pré-sal baseado no modelo de partilha da produção.28 Neste, a Petrobras será
a única operadora e sua participação mínima será de 30% desses campos. Desde
então, existem no Brasil dois modelos regulatórios concomitantes. o modelo de
concessão permanece em vigor para os campos de petróleo do pós-sal, mantendo,
assim, a validade dos contratos29 já realizados.

4. C AR AC TER iZ A Ç Ã O D A C A D E iA D E
f O R nEC ED OR E S D E B E n S E S E RViÇ OS
R EL AC i O nA D OS A O S E T OR D E P & G
A cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G envolve
diversos segmentos da indústria e uma complexa rede de inter-relações com os de-
mais setores da economia. Entende-se aqui como cadeia de fornecedores o conjun-
to de empresas que produzem bens e/ou prestam serviços, direta ou indiretamente,
para as atividades de exploração, desenvolvimento, produção de petróleo e gás,
refino, petroquímica, transporte, estocagem e distribuição de derivados.
A cadeia de fornecedores de bens e serviços pode ser estratificada em elos, nos
quais estão presentes empresas de diferentes ramos e atividades. Em regra geral, no
primeiro elo de fornecimento encontram-se as empresas que fornecem bens e pres-
tam serviços de forma direta às operadoras do setor de petróleo, como os EPCistas,
construtores, fabricantes de equipamentos submarinos, integradores, prestadores de
serviços de engenharia e de outros serviços, entre outros. No segundo elo, estão os

27
Condição necessária, mas não suficiente. Para aumentar a competitividade da cadeia ou da indústria, há necessidade de se adotar
outras medidas relacionadas à macroeconomia, microeconomia, tributárias, infraestrutura etc. Tais medidas vão além do escopo
deste artigo.
28
O modelo de partilha se aplica aos campos de petróleo na camada de pré-sal não licitados até aquela data.
29
O modelo de concessão é válido para todos os contratos já licitados, até mesmo para aqueles onde houver petróleo na camada de
pré-sal.
240 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

fornecedores de bens e serviços para as empresas do primeiro elo, por exemplo, fa-
bricantes de turbinas, guinchos e guindastes, geradores, prestadores de serviços de
engenharia etc. O terceiro elo é composto por fabricantes de insumos ou ferramen-
tas e equipamentos especiais ou específicos para a construção de bens de capital e
prestação de serviços necessários para o setor de P&G, como fabricantes de aços es-
peciais, forjados, fundidos, flanges, conexões etc. Esse desdobramento pode atingir,
para algumas das subcadeias de fornecimento, níveis inferiores a esses.
Cabe destacar que um fornecedor, dependendo da atividade a ser desenvol-
vida e de seu cliente, pode estar, ao mesmo tempo, em diferentes elos da cadeia.
É bastante comum haver, por exemplo, fabricantes de equipamentos que forne-
çam diretamente às operadoras de P&G e, ao mesmo tempo, para intermediários,
como os EPCistas ou fornecedores de equipamentos de grande porte. Isso pode
ocorrer também com o segmento de prestação de serviços, a exemplo dos serviços
de engenharia.
No caso do segmento de E&P offshore, as demandas técnicas, tecnológicas e
de segurança existentes exigem o desenvolvimento de bens e serviços de eleva-
da complexidade. Portanto, suas atividades revelam, em geral, maior potencial de
agregação de valor e densidade tecnológica que nos demais segmentos da cadeia
de valor do setor. Por esses motivos a análise exposta no artigo ficará concentrada
nesse segmento.
Uma forma de representar o segmento de E&P é sugerida no Quadro 1, na qual
pode ser observada uma visão seguindo a ótica da operadora de P&G, combinada
a uma visão da estrutura industrial. A visão da operadora representa os segmentos
primários do mercado de equipamentos e serviços relacionados às atividades de E&P.
Cada um desses segmentos se relaciona de uma forma particular com suas diversas
cadeias de fornecimento e, portanto, constitui uma potencial demanda para cada
um dos setores representados na visão da estrutura industrial.
A título de ilustração será tomado o segmento de E&P como modelo. Nesse
segmento há significativa demanda por serviços específicos de engenharia para
o desenho das estruturas e, em especial, para os projetos básicos de engenharia
dos sistemas existentes nas plataformas, sondas e embarcações. Além disso, para
CADEIA DE Petróleo e Gás 241

a construção, montagem e instalação da infraestrutura offshore, atividades típicas


desse segmento, há estreito relacionamento, por exemplo, com os fornecedores de
tecnologia metalúrgica (tubos, flanges e conexões, caldeiraria e siderurgia), bem
como com as empresas de serviços de construção e montagem. Tecnologia mecâ-
nica, por exemplo, da fabricação de bombas, turbinas a vapor, compressores e mo-
tores a combustão e de grande porte, também é demandada por esse segmento.
Ademais, quando se destaca o item “equipamentos de processamento em campo”
fica evidente a necessidade de fornecimento por parte dos fabricantes de equi-
pamentos de produção offshore. A tecnologia elétrica não pode ser esquecida. O
fornecimento dos sistemas de geração de energia (geradores e motores elétricos)
representa parte significativa dos investimentos.
Discussão similar poderia ser realizada com cada um dos demais segmentos
presentes na visão da operadora de P&G. Depreende-se, com esse exemplo, que há
uma teia complexa de relações entre ambas as visões representadas no Quadro 1, por
meio da qual é possível perceber o enorme potencial de arraste desse importante
segmento da indústria de P&G. Sem dúvida, a amplitude de atividades relacionadas
a esse segmento poderia ser utilizada para potencializar a geração de valor, riqueza
e empregos no país, desde que existam as condições adequadas e políticas públicas
eficazes que possibilitem seu desenvolvimento.
Vale lembrar que a cadeia de fornecedores de bens e serviços para o setor
de P&G vai além do segmento de exploração e produção. Existem ramificações
da cadeia de fornecimento para o segmento de transporte marítimo e terres-
tre, estocagem, gasodutos, oleodutos, refino, petroquímica e distribuição. Assim,
eventuais sinergias do segmento de E&P com essas ramificações poderão ser iden-
tificadas e aproveitadas.30

30
Apesar de grande parte dos investimentos previstos para os próximos anos se concentrar no segmento de E&P, não se pode
desprezar os elevados investimentos nos demais segmentos, a exemplo dos expressivos investimentos destinados à ampliação e
modernização do Parque de Refino do país.
Quadro 1 Cadeia de fornecedores de bens e serviços para a exploração e produção de petróleo e gás

VISÃO DA OPERADORA
Informação de Contratos de Serviços de perfuração e Revestimento e Infraestrutura Produção e Apoio logístico Desativação
reservatório perfuração equipamentos completação de poços manutenção
• Aquisição e • Sondas de • Brocas de perfuração • Tubos de aço • Engenharia e desenho • Extração artificial • Marítimo • Tamponamento
processamento perfuração • Lamas de perfuração • Serviços de • Construção e • Equipamentos • Aéreo e abandono
de dados onshore revestimento montagem de submarinos e • Serviços de
sísmicos • Controle de sólidos • Terrestre
• Sondas de e tubulação infraestrutura offshore de superfície limpeza
• Imaging de perfuração • Ferramentas de poços
• Tubulação flexível • Instalação de • Manutenção • Tratamento
reservatórios offshore • Aluguel de ferramentas contínua infraestrutura offshore de poços e deposição
• Gerenciamento • Sondas de • Serviços de pesca • Inspeção e • Equipamentos de • Produtos químicos de efluentes
e integração workover • Perfuração direcional revestimento processamento em especiais • Remoção e
de dados de tubulação campo deposição de
• Perfilagem convencional • Serviços de
• Equipamentos • Bombeamento • Construção de compressão instalações
• Perfilagem durante a
geofísicos de pressão plataformas, sondas, offshore e onshore
perfuração (LWD)
242 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

• Equipamentos navios de apoio, navios • Monitoramento


• Registro de lamas
de revestimento aliviadores de passivos
e cimentação • Oleodutos e gasodutos
• Equipamentos • Unidades de
de completação tratamento
• Teste de produção e estocagem

• Siderurgia • Equipamentos • Bombas • Motores de grande porte • Geradores e motores elétricos • Serviços de
• Tubos de produção • Turbinas a vapor • Turbinas a gás • Subestação e transformadores engenharia
offshore • Construção e
• Flanges e • Compressores (alternativos) • Guinchos • Painéis de distribuição elétrica
conexões • Equipamentos montagem
submarinos • Compressores (centrífugos) • Guindastes (offshore) • Automação
• Caldeiraria • Serviços de
• Umbilicais e • Motores a combustão • Válvulas • Instrumentação e medição produção onshore
linhas flexíveis • Telecomunicação e offshore

Tecnologia Navipeças Serviços para


metalúrgica o setor de
Tecnologia mecânica Tecnologia elétrica
petróleo e gás
Indústria de transformação para o setor de petróleo e gás
Visão da Indústria de bens e Serviços para o Setor de Petróleo e Gás

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Prominp (2011) e Bain & Company e Tozzini Freire Advogados (2009).
CADEIA DE Petróleo e Gás 243

O perfil das empresas de bens de capital da cadeia


de fornecedores do setor de petróleo e gás
Uma característica da indústria do petróleo são os elevados níveis de certifica-
ção e qualidade requeridos normalmente em suas atividades. As empresas for-
necedoras pertencentes à cadeia produtiva de P&G, precisando atender a esses
requisitos técnicos, concentram grande parte do foco na qualidade e segurança
das soluções. Além disso, a produção de petróleo e gás em águas profundas e
ultraprofundas demanda das empresas da cadeia de fornecedores contínuos in-
vestimentos em inovação, a fim de aperfeiçoar ou introduzir no mercado novos
equipamentos para exploração e produção de óleo e gás em ambientes com alto
grau de complexidade e desafios. Em consequência dessas exigências e da dinâ-
mica do setor, essas empresas agregam algumas características bem distintas das
demais empresas fornecedoras dos demais setores da economia. Tal aspecto pôde
ser constatado em importantes levantamentos sobre o perfil das empresas forne-
cedoras de bens e serviços para o setor de P&G.
No Brasil, apenas cerca de 8% das empresas produtoras de bens de capital per-
tencem à cadeia produtiva de P&G. Ademais, a maioria das empresas fornecedoras
do setor de P&G apresenta porte maior do que as empresas não fornecedoras de
P&G. Essas mesmas empresas obtêm, em média, um faturamento superior em 260%
em relação às demais empresas produtoras de bens de capital para os outros seto-
res, como pode ser observado na Tabela 1. Com base nesse levantamento, percebe-
-se que, enquanto 75% das empresas não fornecedoras faturam até R$ 2,5 milhões,
somente 26% das empresas fornecedoras de P&G encontram-se nessa faixa. As em-
presas do setor, além de conseguirem, em média, maior faturamento, também em-
pregam cerca de 213% a mais e, em geral, seus funcionários têm maior qualificação
profissional e melhor remuneração do que em empresas ligadas a outros setores da
economia [Ipea (2010) e Onip (2010)].
Por outro lado, mesmo no setor de P&G, há presença majoritária das MPMEs
entre as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços. Do total de empre-
sas fornecedoras 85% obtêm faturamento inferior a R$ 100 milhões.
244 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 1 Percentual do número de empresas por faixa de faturamento

Fornecedores de P&G (%) Não fornecedores de P&G


Até R$ 1,0 milhão 11 52
Entre R$ 1,0 milhão e R$ 2,5 milhões 15 25
Entre R$ 2,5 e R$ 25 milhões 39 18
Entre R$ 25 e R$ 100 milhões 20 2
Entre R$ 100 e R$ 250 milhões 8 1
Acima de R$ 250 milhões 7 2
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Onip (2010).

A maioria das empresas do setor concentra suas atividades no mercado interno,


e apenas 24% dessas empresas exportam parte de sua produção. Além disso, 80%
delas têm apenas até 10% de seu faturamento originado por exportações. As prin-
cipais regiões de destino de seus produtos são: América do Sul, América do Norte e
Central e Europa. Por outro lado, no mercado interno, as empresas competem com
a importação de equipamentos dos Estados Unidos, China, Inglaterra, Alemanha,
Noruega, Índia, entre outros. Adicionalmente, muitas dessas empresas fornecem
também para os demais setores da economia.
Por fim, uma característica importante do setor é a alta concentração de merca-
do em diversos segmentos da cadeia por parte de algumas poucas empresas, como
é o caso dos segmentos de equipamentos submarinos e turbogeradores. O mesmo
ocorre no segmento de serviços offshore. Por outro lado, a concentração de mer-
cado é baixa em alguns poucos segmentos, como no caso do segmento de válvulas.
Em regra geral, quanto mais complexa a tecnologia do equipamento, maior será
sua concentração de mercado. Outra característica existente é que os equipamen-
tos de alta tecnologia e de maior valor agregado são produzidos, em geral, por
multinacionais estrangeiras.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 245

5. i nO VAÇ ÃO n A C A D E iA D E f OR n E C E D ORES
DE B EnS E S E RViÇ OS PA R A A
EX PL O R AÇ Ã O E P R OD U Ç Ã O OF F S H ORE
DE PETR Ó L E O E G Á S n AT U R A L
Com base no que já foi exposto nos tópicos anteriores, serão abordadas as questões
relativas à inovação à luz de um cenário em que: (i) a Petrobras se mantém com
papel de destaque na definição da demanda, porém acompanhada pela presença
cada vez mais significativa dos investimentos realizados por outras operadoras, for-
mando um mercado no segmento de E&P extremamente atrativo e que demandará
intensivo investimento no desenvolvimento de novas soluções, com destaque para
as atividades a serem realizadas no pré-sal; (ii) a cadeia de fornecedores de bens e
serviços é dominada em diversos de seus segmentos por empresas multinacionais
de grande porte, algumas das quais estão investindo em capacidade produtiva de
forma a cumprir as exigências da Política de Conteúdo local e, até mesmo, instalan-
do centros de P&D no país; e (iii) as empresas nacionais,31 como já abordado, são em
sua maioria MPMEs, as quais, salvo exceções em alguns segmentos como se verifica
mais adiante, praticam uma cultura de baixo investimento em P&D.
Discutir as estratégias e alternativas para a promoção do desenvolvimento tec-
nológico deve, obrigatoriamente, passar pelo entendimento desse novo cenário,
de suas oportunidades e riscos associados, os quais aliados à característica de proje-
to de longuíssimo prazo oferecem a continuidade indispensável para inovações de
ruptura, e não apenas inovações incrementais e rotineiras, que poderão constituir
uma nova indústria nacional do petróleo. Por todos os ângulos que se observa é pa-
tente que a indústria brasileira de petróleo está diante de uma oportunidade rara
que pode levá-la a uma posição de destaque, se não de liderança, no uso de novas
tecnologias no setor que precisarão ser desenvolvidas. É com essa orientação que
se desenvolve a discussão dos tópicos seguintes.

31
A Constituição considera nacional as empresas constituídas sob leis brasileiras e com sede no Brasil. Neste artigo, porém, faz-se
uma distinção entre empresas de controle nacional e de controle estrangeiro. Essa distinção é importante para o delineamento de
certas estratégias para promoção do desenvolvimento tecnológico e a capacidade de geração local de conhecimento.
246 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O pré-sal e o desenvolvimento de novas soluções


no segmento de E&P offshore
Neste tópico serão mostradas algumas das tendências tecnológicas a serem desen-
volvidas nos próximos anos, necessárias para a viabilização da exploração e produ-
ção das reservas do pré-sal, seja pelas demandas técnicas e de logística, seja pela
escala de produção que se pretende atingir. Sobre essas tendências, a abordagem
aqui adotada é baseada em uma visão integrada de negócios e desenvolvimento
tecnológico fornecida pela Petrobras em sua visão de futuro, a qual demonstra al-
guns dos projetos inovadores que serão realizados pela empresa em parceria com
seus fornecedores e Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs). O objetivo aqui não
é exaurir o tema, mas apenas apontar algumas das tendências tecnológicas do se-
tor para os próximos anos.
Como já abordado, o segmento de E&P é o que representa o maior volume
dos investimentos e que conta com o maior potencial de agregação de valor e
desenvolvimento tecnológico quando comparado aos demais elos da cadeia de
valor de P&G. Será usada uma estratificação desse segmento em três subsegmen-
tos com funções e características distintas: (i) processamento de superfície, no
qual estão envolvidos os processos, sistemas e equipamentos de processamento
localizados nas unidades de produção de superfícies, a exemplo das plataformas
e FPSOs;32 (ii) instalações submarinas, no qual estão envolvidos os equipamentos
e sistemas que interconectam o poço à superfície; e (iii) tecnologia de poços,
que envolve a perfilagem, perfuração, cimentação e completação dos poços.
Ao fim, serão abordadas em uma subseção à parte as inovações esperadas no
campo da nanotecnologia.
Essa estratificação ajudará na identificação de algumas das rotas tecnológicas,
demonstrando a relação existente entre esses subsegmentos e suas características
e funcionalidades, as quais, por vezes, serão modificadas pelas inovações previstas.

32
Floating, Production, Storage and Offloading (unidade flutuante de produção, armazenamento e transferência) é um tipo de navio-
plataforma utilizado pela indústria petrolífera para a produção, armazenamento e escoamento da produção por navios aliviadores.
CADEIA DE Petróleo e Gás 247

Inovações em processamento de superfície

No subsegmento de processamento de superfície, os principais focos serão a oti-


mização das plantas de processo e a compactação e posterior marinização33 dos
equipamentos de processamento primário de óleo e gás, de forma a reduzir os
elevados custos operacionais, com o aumento da capacidade desses sistemas e da
maior agilidade logística no processo de produção e escoamento de óleo e gás para
o continente.
Nesse contexto se insere o projeto da “plataforma do futuro”, cuja primeira
fase está baseada na compactação dos equipamentos de processo e em um novo
desenho para o topside34 dos FPSOs, de forma a permitir um incremento na capaci-
dade de processamento das plantas atuais sem aumento do tamanho das embarca-
ções. Para isso, novas soluções, por exemplo, para a separação de fluidos e filtração
serão necessárias. A atual expectativa é de que a primeira unidade dessas novas
plataformas entre em atividade no pré-sal em 2017.
Na segunda geração dessas unidades de superfície, o foco se volta para a ma-
rinização da planta de processo. Para isso, é necessário dominar a tecnologia dos
equipamentos submarinos. A marinização dos equipamentos de processo de su-
perfície aliada à compactação destes possibilitarão ampliação significativa da ca-
pacidade das plataformas, elevando ganhos de escala na produção, aspecto crucial
para a redução dos custos operacionais envolvidos.
A elevada presença de contaminantes no óleo dos reservatórios do pré-sal, so-
bretudo a alta concentração de dióxido de carbono (CO2) e ácido sulfídrico (H2S),
também motivarão novas soluções. O objetivo nesse caso é, depois da captura do
contaminante em lâmina d’água profunda, separá-lo na superfície e retê-lo (H2S)
ou reinjetá-lo (CO2) com alta pressão nos reservatórios. Esse processo demanda o
desenvolvimento, por exemplo, de um sistema de membranas para a remoção dos
contaminantes e de materiais resistentes à corrosão.

33
A marinização consiste no desenvolvimento e adequação dos equipamentos e sistemas para o ambiente submarino.
34
Jargão do setor para os equipamentos de processo presentes na superfície de uma plataforma.
248 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Por fim, uma das alternativas estudadas para a otimização da logística de pro-
dução, uma vez que a distância da costa dos campos do pré-sal é bastante superior
à encontrada nos campos do pós-sal,35 prevê a construção de FPSOs plug and play,36
o que permitirá maior agilidade na conexão destes com os sistemas submarinos. Esse
projeto demandaria o desenvolvimento de soluções totalmente novas para o acopla-
mento entre os sistemas de superfície e as instalações submarinas. Reduzir a carga
aplicada nessa interface é crucial. Uma alternativa já testada e que deve ser alvo de
aprimoramentos é a utilização de um sistema de risers37 flexíveis flutuantes. Outras
opções também são consideradas, como a utilização de boias de sustentação que
permitirão, em conjunto com conexões flexíveis, a sustentação de risers rígidos.

Inovações em instalações submarinas

Um dos principais aspectos a serem equacionados na visão de futuro dos sistemas


submarinos se refere à transferência do processamento primário da superfície para
a planta submarina. Para isso, sistemas complexos de processamento deverão ser
desenvolvidos, o que envolve tecnologias para a compressão de fluidos, bombea-
mento de óleo e injeção de água, engenharia de válvulas, entre outros. Um exem-
plo de solução já em desenvolvimento é o separador submarino água-óleo (SSAO).
Mesmo neste, inovações incrementais serão realizadas. O método em desenvolvi-
mento baseia-se na separação gravitacional e está sendo desenhado para lâminas
d’água de até 1.000 m, devendo evoluir para um método mais eficiente aplicável
em maiores profundidades por meio, por exemplo, de mudanças da geometria in-
terna do vaso separador e do uso de centrifugação.
O desenvolvimento desses sistemas de separação submarina não se restringe à
separação água-óleo. O grande volume de gás associado ao óleo no pré-sal, muito

35
No pré-sal é comum encontrar distâncias de 300 km da costa, enquanto no pós-sal a distância típica é de 150 km.
36
Projetos desse tipo foram também motivados pelas condições encontradas em outras regiões do planeta, como as presentes
no Golfo do México, que, pela grande incidência de tempestades climáticas e furacões, geram grande risco para as unidades de
superfície em operação nesses locais. Nesses casos, a agilidade na conexão e desconexão dessas unidades é necessária para que o
deslocamento das unidades de superfície para regiões seguras possa ocorrer de forma mais eficiente.
37
Para entendimento em detalhes das funcionalidades de cada um dos componentes do segmento de E&P, ver Mendes, Romeiro e
Costa (2011).
CADEIA DE Petróleo e Gás 249

superior ao presente nos campos do pós-sal, motivou frentes de pesquisa para o


desenvolvimento de sistemas submarinos de separação gás-óleo. O sucesso nesse
desenvolvimento viabilizaria a reinjeção do gás no reservatório sem precisar elevá-
-lo até a superfície, melhorando o fator de recuperação dos campos e otimizando
os processos de superfície.
Novas configurações dos sistemas submarinos demandarão o desenvolvimento
de novas estruturas e equipamentos. Linhas flexíveis com maior vazão para trans-
porte e elevação de maiores volumes de óleo, resistentes às altas pressões e com
maiores flexões, assim como, risers e dutos rígidos mais sofisticados, demandarão
intenso desenvolvimento ligado à engenharia de materiais.
Um importante desafio se refere à eficiência do uso da energia, tema importan-
te em virtude da maior complexidade dos sistemas submarinos e de extrema rele-
vância também para as instalações de superfície.38 Dessa forma, uma rede elétrica
submarina inteligente (subsea smart grid) deverá ser desenvolvida em conjunto com
novas soluções de controle e automação. Com o intuito de diminuir a necessidade
de geradores presentes atualmente nas unidades de superfície, estuda-se interligá-
-los com os sistemas submarinos e demais plataformas, reduzindo, por exemplo, a
necessidade de geradores reserva em cada um dos sistemas de superfície.
Outra vertente importante é a que envolve as soluções de monitoramento, ins-
peção e intervenção submarina. Serão necessários robôs de navegação autônoma
ou assistida com capacidade para diagnosticar e monitorar o funcionamento do
sistema submarino em grandes profundidades. As soluções atuais estão restritas a
lâminas d’água de menores profundidades.
Uma das alternativas viáveis para o aumento significativo da capacidade de pro-
dução no pré-sal, reduzindo custos e simplificando sistemas, é a transferência sub-
marina da produção para águas rasas, uma vez que, nesses ambientes com menor
lâmina d’água, a tecnologia já é dominada pela indústria. Dessa forma, poder-se-ia

38
O segmento de turbomáquinas, responsável pelos sistemas de fornecimento de energia nas unidades estacionárias de produção,
representa aproximadamente 25% dos custos das instalações de superfície. Por esse motivo e aliado às grandes dimensões dos
atuais turbogeradores, esse segmento vem sendo constante foco para a atuação das operadoras de P&G a fim de desenvolver novas
soluções de menores dimensões e custos.
250 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

aproveitar a tecnologia de ancoragem existente, assim como utilizar os sistemas de


produção e conexões submarinas da infraestrutura já instalada no leito marinho.
Para isso algumas barreiras tecnológicas devem ser ultrapassadas. O gradiente de
pressão e temperatura39 dificulta o escoamento do óleo para as áreas menos pro-
fundas, aspecto ainda mais crítico pelo teor parafínico do óleo do pré-sal, o qual
aumenta a chance de deposição e congelamento do óleo nos dutos.
Em campos com grandes volumes de gás natural, a formação de hidratos de
gás40 também pode bloquear o escoamento do fluxo de óleo e gás, o que é um as-
pecto crítico pelas baixas temperaturas e altas pressões encontradas nas atividades
realizadas em águas profundas e ultraprofundas. Nesses casos, sistemas de preven-
ção e limpeza com produtos químicos ou mesmo alternativas como a eletrificação
para o aquecimento dos dutos deverão ser desenvolvidas.
Em relação ao escoamento do óleo e gás por longas distâncias, outra neces-
sidade do pré-sal associada à localização dos campos e reservatórios é uma nova
geração de bombas submarinas de alta capacidade, as chamadas bombas multifá-
sicas. Estas deverão atuar com elevados gradientes de pressão, de forma a permitir
o bombeamento de óleo associado a grandes volumes de gás e/ou água por dis-
tâncias de até 30 km, algo que as bombas disponíveis atualmente não são capazes.
Para ter um parâmetro, em razão das distâncias típicas do pré-sal e da disposição
geográfica dos campos, prevê-se a necessidade de escoamento por até 50 km em
2020, de modo a viabilizar a atuação das plataformas em campos mais distantes,
reduzindo a necessidade de um maior número destas.

Inovações em poços

A última área do segmento de E&P com grande potencial de gerar inovações é a de


tecnologia em poços. Cabe ressaltar que a área de perfuração pode responder por

39
Pela maior profundidade dos reservatórios do pré-sal as temperaturas do óleo e gás que se encontram nestes são mais elevadas
que nos reservatórios do pós-sal, o que é bastante crítico, pois aumenta o diferencial entre a temperatura do óleo (até 100oC) e da
água próxima ao leito marinho (aproximadamente 4oC).
40
Estrutura cristalina composta por ligações entre moléculas de água e gás natural que ocorre em uma faixa de temperatura e
pressão. Em certas circunstâncias, podem bloquear a elevação e escoamento do óleo e gás para a superfície.
CADEIA DE Petróleo e Gás 251

até metade dos investimentos realizados nas atividades de exploração e produção


do pré-sal. Algumas rotas tecnológicas despontam como frentes primárias para a
pesquisa e desenvolvimento de novas soluções.
A primeira delas se refere ao estudo da geometria das rochas-reservatório41 e
à melhor forma de perfurar os poços para diminuir o tempo e reduzir os elevados
custos dessa atividade, especialmente críticos, pela profundidade nas quais esses
reservatórios se encontram na crosta terrestre.42
A atividade de perfuração da camada de sal43 já obteve ganhos relevantes de
desempenho. Essa melhoria deve-se muito ao desenvolvimento de brocas especiais,
mais duráveis e de maior resistência, abrindo promissoras frentes de pesquisa em
novos materiais. A utilização de brocas a laser está sendo estudada, algo inédito
em escala global.
Uma característica peculiar e que eleva os riscos envolvidos na perfuração de
poços do pré-sal é que, ao ser perfurada, a camada de sal pode exercer tensões,
estando passível de fraturas e consequente fechamento dos poços. Dessa forma,
foi necessário criar um revestimento de aço a ser preenchido com cimento especial,
capaz de garantir a integridade dos poços durante todo o processo de perfuração.
A utilização de ligas menos nobres e resistentes à corrosão pelos contaminantes
típicos do óleo do pré-sal é alvo importante de pesquisa. Nesse caso, o objetivo não
é apenas o ganho de performance, mas, principalmente, diminuir custos e tempo
de fornecimento, uma vez que os fornecedores de ligas especiais para os diâmetros
requeridos nos projetos do pré-sal estão localizados no exterior e o tempo até o
fornecimento é bastante longo.
Em paralelo com as dificuldades relacionadas às altas temperaturas típicas, de-
safio já abordado na seção sobre as instalações submarinas, estão as altas pressões

41
Os reservatórios de oléo e gás do pré-sal são basicamente constituídos por rochas carbonáticas (carbonato de cálcio).
O conhecimento sobre questões como permeabilidade e porosidade, relativas à capacidade de absorção do óleo por essas rochas,
ainda é bastante inicial e abre extenso campo de pesquisas geológicas ligadas ao setor.
42
Os reservatórios do pré-sal encontram-se em profundidades a partir de 5.500 m contados desde o nível do mar, podendo atingir
profundidades bastante superiores a isso. Para que se tenha uma ideia, a perfuração no campo de Lula, em 2007, atingiu cerca de
7.000 m de profundidade a partir do nível do mar.
43
Já houve um ganho significativo de performance na taxa de perfuração dos poços do pré-sal, com um salto de 5 m para 20 m por
hora, em razão, em grande parte, da utilização de brocas mais resistentes e das novas técnicas de perfuração.
252 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

encontradas nesses reservatórios. Soluções voltadas para o controle do fluxo nos


reservatórios são necessárias e poderão ser integradas com as tecnologias utilizadas
nas instalações submarinas e no processamento de superfície, otimizando todo o
sistema de E&P e melhorando o fator de recuperação dos reservatórios.
Outra importante frente de atuação é o desenvolvimento de sondas com capaci-
dade e precisão para operação em lâminas d’água de até 3.000 m. No momento, estão
disponíveis sondas que operam em lâminas d’água de até 2.000 m. Parte do desen-
volvimento não está associado às características técnicas dessas sondas, mas ao uso de
sistemas de controle avançados capazes de facilitar a operacionalização, tornando-a
mais eficiente e menos passível de erros. Essas novas técnicas demandarão maior es-
pecialização dos técnicos de operação e dos engenheiros envolvidos nessas atividades.

Nanotecnologia

Em um futuro um pouco mais distante estão as soluções no campo da nanotecno-


logia. Apesar de um tempo de maturação mais longo, necessário para tornar essas
tecnologias disponíveis ao mercado, algumas das empresas que estão se instalan-
do no Parque Tecnológico da Ilha do Fundão já preveem linhas de pesquisa nesse
campo. A aplicabilidade da nanotecnologia envolve todo o segmento de E&P e, no
desenvolvimento de nanotubos de carbono, está sua mais promissora vertente.
Os nanotubos de carbono, por suas características de maior leveza e dureza, po-
dem ser utilizados para melhorar a resistência mecânica por meio de sua combinação
com outros materiais comumente utilizados na indústria de P&G. Assim, uma possível
aplicação é tornar a perfuração mais resistente, com a associação desses a polímeros ao
cimento de perfuração. Há também a possibilidade de aplicação em materiais plásticos,
por exemplo, para a formação de linhas flexíveis com maior capacidade de flexão.
Outra frente possível é o desenvolvimento de revestimentos à base de nanotu-
bos de carbono capazes de se combinar para reparar automaticamente uma área
danificada ou arranhada, uma espécie de revestimento autorreparável. Essa aplica-
ção seria muito útil, por exemplo, para o revestimento interno de colunas de pro-
dução, evitando o uso de materiais nobres nos poços do pré-sal, os quais, como já
abordado, demandam grandes gastos relativos à proteção corrosiva necessária pela
CADEIA DE Petróleo e Gás 253

elevada presença de contaminantes do óleo dos campos do pré-sal. Revestimentos


protetores poderiam ser aplicados na pintura dos cascos de navios e embarcações,
diminuindo a necessidade de reparos e retoques manuais. Tais produtos poderiam
ainda ser aplicados em outros setores, como na indústria automobilística.
Com grande sinergia com a indústria química, o desenvolvimento de nanobo-
lhas aplicadas na marcação do fluxo de óleo e gás possibilitaria maior eficiência no
monitoramento do escoamento dos reservatórios e no controle do fluxo depois da
saída do óleo do poço. Além disso, estuda-se o desenvolvimento de nanopartículas
para equilibrar a viscosidade dos fluxos de forma seletiva, que poderiam ser usadas
para estimar, com maior precisão, o fator de recuperação dos reservatórios.
Essas são algumas das aplicações previstas para a nanotecnologia, mas por sua
transversalidade com outras tecnologias e campos de pesquisa, espera-se que novas
aplicações surjam. De qualquer forma, esse é um dos campos mais promissores para
a pesquisa e desenvolvimento de novas soluções.
Apesar da abordagem segmentada aqui apresentada, um dos grandes desafios a
serem equacionados trata da integração das diversas soluções inovadoras que serão
desenvolvidas nos próximos anos no segmento de E&P offshore. Nesse sentido, fer-
ramentas modernas de gestão, logística e apoio à decisão deverão ser aprimoradas.
Centros modernos de monitoramento e controle de todo o sistema deverão ser cons-
truídos para esse fim. Vale ainda ressaltar que todo esse desenvolvimento deve, obri-
gatoriamente, atingir os altos graus de confiabilidade requeridos no setor, os quais
serão ainda mais restritivos nas novas fronteiras de exploração e produção do pré-sal.
Por fim, pela diversidade das aplicações e desenvolvimentos, envolvendo di-
versos ramos de conhecimento, como geofísica, química, materiais, computação e
robótica, nanotecnologia, energia, eletrônica, controle e automação, entre tantos
outros, existe real oportunidade para o “transbordamento” das tecnologias para
outros setores da indústria. O setor de P&G pode ser, assim, importante âncora da
promoção da inovação no país, desde que se consiga promover um ambiente propí-
cio ao desenvolvimento tecnológico e, principalmente, à absorção de conhecimen-
to pelas empresas e ICTs nos próximos anos. Considerações acerca desses aspectos
serão traçadas na sequência.
254 BNDEs 60 ANos – PErsPECtIVAs sEtorIAIs

6. C O nS i DER A Ç ÕE S S OB R E A S E S T R AT É G iA S
PARA A PROMOÇÃO DO DESEnVOLViMEnTO
TEC nO L Ó G iC O n A C A D E iA D E
f O R nEC ED OR E S D E B E n S E S E RViÇ OS
nO S EGM E n T O D E E & P OF F S H OR E
Neste tópico, será realizada uma breve discussão sobre o potencial de arraste que
as operadoras podem assumir no desenvolvimento de novas tecnologias e uma
análise sobre o perfil de investimento em P&D das empresas da cadeia de fornece-
dores de P&G, indicando uma visão não exaustiva sobre alguns dos segmentos es-
tratégicos que deveriam ser focos iniciais de atuação da política industrial do setor.
Ao fim, vão se abordar alguns aspectos relevantes para que se criem as condições
necessárias à formação de um ambiente favorável à promoção da inovação, em
especial, para as empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços.

O papel das OpeRadORas de p&G na pROmOçãO da inOvaçãO

Distintamente do que ocorre em alguns setores da economia, nos quais os opera-


dores dispõem de baixa capacidade de indução da atividade inovativa nas cadeias
produtivas, as operadoras de P&G e, em especial, a Petrobras, por sua reconhecida
posição de liderança, até tecnológica, nas atividades de exploração e produção
offshore em águas profundas e ultraprofundas, constituem um elo dinâmico e de-
cisivo no que tange ao desenvolvimento de novas tecnologias e à indução de inves-
timentos em pesquisa e desenvolvimento na cadeia de fornecedores de P&G.
De fato, são as operadoras que definem os requisitos técnicos e as condições
de contorno que devem ser cumpridas pelos projetos básicos de engenharia44 e os
posteriores projetos de detalhamento. Nesse sentido, a customização dos projetos,
de acordo com as características do campo e do ambiente no qual este se insere,

44
Existem diversas definições para o que se convém chamar de Projeto Básico de Engenharia. Aqui assume-se que o mesmo deve ter
nível de detalhe suficiente para que: (i) os fornecedores e EPCistas consigam estimar os custos envolvidos na execução desses projetos
com precisão suficiente para participarem do processo de concorrência e (ii) possam estar garantidos os requisitos de qualidade e
confiabilidade no que tange a aspectos como o design, materiais e nível de qualificação da mão de obra envolvida [Baron (2011)].
CADEIA DE Petróleo e Gás 255

exige que novas soluções sejam elaboradas. Existe, como se pode prever, certo nível
de padronização dos equipamentos e serviços prestados, porém o espaço existente
para o desenvolvimento de soluções inovadoras a serem desenvolvidas em conjun-
to com a cadeia de fornecedores de bens e serviços é especialmente superior ao
encontrado em outros setores da economia,45 sobretudo em relação às atividades
que serão realizadas nas novas fronteiras exploratórias em águas ultraprofundas e
na exploração e produção das reservas do pré-sal.
Todos esses motivos, em paralelo com a experiência e o conhecimento acu-
mulados nas atividades de exploração e produção offshore de óleo e gás, com
sua condição de liderança nos investimentos nesse segmento, a qual será inevi-
tavelmente mantida nos próximos anos e, não menos importante, com a rede de
inovação constituída pelo Cenpes em conjunto com a cadeia de fornecedores e os
diversos centros de pesquisa no país, posicionam a Petrobras como um potencial
direcionador das rotas tecnológicas. Papel semelhante, porém com menor poten-
cial de arraste da cadeia de fornecedores, pode ser assumido pelas demais ope-
radoras do setor, desde que estas consigam, no médio prazo, estruturar em suas
cadeias produtivas um ambiente de inovação voltado para o desenvolvimento de
soluções adequadas a suas necessidades. Sinergias poderão ser aproveitadas pelas
distintas operadoras, uma vez que seus fornecedores são, em diversos segmentos,
as mesmas empresas.
Apesar de poderem desempenhar papel decisivo, a atuação das operadoras
não é irrestrita. O que se demonstra aqui é apenas o potencial existente para que
estas assumam papel relevante na promoção do desenvolvimento tecnológico fu-
turo. Nesse aspecto, é justamente na contratação de bens e serviços que se encon-
tram grandes oportunidades e, para isso, é crucial que questões como a forma da
contratação em “pacotes fechados” seja revista, ao menos nos segmentos de maior
valor agregado e conteúdo tecnológico.

45
O setor de telecomunicações pode ser citado como exemplo de setor no qual as operadoras encontram um espaço limitado para a
indução de novas tecnologias a serem desenvolvidas por suas cadeias de fornecedores. Em geral, as operadoras de telecomunicações
assumem um papel passivo no processo de desenvolvimento tecnológico e são puramente compradoras das rotas tecnológicas
definidas pelos principais fornecedores dos sistemas e redes de telecomunicações.
256 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Com um olhar mais detalhado sobre esses “pacotes” abre-se a possibilidade


de articular o fornecimento, definindo prazos mais longos, contratos de maior
valor e, sobretudo, induzindo a contratação de empresas nacionais pelos grandes
fornecedores do setor, surgindo importante espaço para que se incentive a coo-
peração das empresas nacionais com as empresas que estão vindo se instalar no
país. Essa alternativa deve ser considerada também nos projetos de inovação, nos
quais as operadoras podem, na definição dos termos de cooperação comumente
firmados com seus fornecedores, identificar as oportunidades para que ao me-
nos parte desse desenvolvimento seja realizado em cooperação com ICTs locais e
empresas nacionais competitivas, induzindo estas, ao entrar na dinâmica desses
projetos, a agregar valor a seus bens e serviços e a subir nas cadeias de valor de
seus segmentos de atuação.46
Por fim, é importante destacar algumas barreiras encontradas para a contra-
tação por parte das operadoras de projetos inovadores, como a escala, por vezes,
mais reduzida da demanda por essas inovações e certa inércia para a adequação
dos processos internos das operadoras para que estes considerem essas novas al-
ternativas. O primeiro aspecto dificulta a definição de contratos de maior valor,
impedindo maior alavancagem, por parte das operadoras, de empresas com tec-
nologias disruptivas surgentes e, por outro lado, impactando diretamente o po-
der de negociação das operadoras quanto à atração de investimentos locais das
grandes empresas multinacionais detentoras de tecnologias-chave, as quais mui-
tas vezes são fornecedoras únicas de certa solução. O segundo aspecto relaciona-
-se com os altos requisitos técnicos e de confiabilidade presentes nesse setor, o
que, por vezes, leva a longos períodos para a realização de testes de conformida-
de das novas tecnologias.
Outro fator limitante é a simples necessidade de treinamento dos engenhei-
ros e projetistas das operadoras, aspecto vital para a disseminação do conheci-

46
Na verdade, os projetos de inovação são caracteristicamente projetos cooperativos. Mesmo grandes empresas desenvolvedoras de
tecnologia e detentoras de grandes equipes dedicadas exclusivamente à realização de P&D estabelecem, em geral, algum nível de
cooperação com outras empresas e ICTs, estruturando suas redes de inovação. O que se discute é a capacidade que as operadoras de P&G
têm em induzir a cooperação entre empresas e entre empresas e ICTs, auxiliando na identificação das competências necessárias para os
projetos e na promoção de oportunidades para as empresas nacionais.
CADEIA DE Petróleo e Gás 257

mento sobre essas novas soluções, o que também leva a um tempo mais extenso
para a adoção e contratação destas. Há de se considerar, ainda, o elevado risco
tecnológico e o longo tempo para o desenvolvimento de algumas dessas solu-
ções inovadoras.

Segmentos estratégicos na cadeia de fornecedores


de bens e serviços
Independentemente do papel que as operadoras venham a assumir na dinâmica
inovativa do setor, grande parte do desenvolvimento tecnológico deverá ser rea-
lizada pelas empresas da cadeia de fornecedores de bens e serviços, as quais, mui-
tas vezes, desempenham papel decisivo ao influenciar as operadoras na adoção
das rotas tecnológicas do setor. Para isso, as empresas líderes de alguns dos seg-
mentos da cadeia produtiva, em quase sua totalidade empresas multinacionais
de grande porte localizadas ou não no país, têm um histórico de planejamento
voltado para o domínio das tecnologias-chave dos segmentos em que atuam, por
meio de investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento e da absorção
das competências necessárias para a consecução de projetos inovadores, seja por
meio de fusões e aquisições, seja com o desenvolvimento orgânico. Por outro
lado, as empresas estabelecidas no país realizam baixos investimentos em P&D na
maioria dos segmentos da cadeia de fornecedores, como pode ser observado nos
dados levantados pelo Prominp na Tabela 2.
Algumas considerações podem ser traçadas com base no cruzamento desses
dados com a capacidade produtiva estabelecida no país para o atendimento à de-
manda do setor de P&G e a competitividade desses segmentos, também presentes
em levantamentos do Prominp.
A primeira delas é que dos seis segmentos que realizam maiores níveis de in-
vestimentos em P&D,47 quatro se encontram classificados como sem restrição para
atendimento da demanda do setor de P&G e com alta competitividade (subestação e

47
A referência, nesse caso, foi níveis de investimento em P&D superiores a 2,0% das receitas. A escolha arbitrária desse valor limita
a análise por diversos motivos, um deles, que vale ser citado, é que a necessidade de investimentos em pesquisa e desenvolvimento
dos segmentos varia de acordo com suas características e dinâmicas particulares.
258 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

transformadores, geradores e motores elétricos, painéis de distribuição elétrica e au-


tomação), um apresenta competitividade média e necessitaria alterar seu regime de
produção (guinchos) e um precisaria ampliar sua capacidade e tem competitividade
média (guindastes offshore). Esses aspectos sugerem que os segmentos que mais in-
vestem em P&D no país segundo a classificação do Prominp também são aqueles que
estão, em certo grau, mais preparados para atender às demandas expressivas que se
anunciam e poderão, de alguma forma, aproveitar as oportunidades que surgirão.

Tabela 2 Investimento em P&D nos segmentos da cadeia de fornecedores de bens e


serviços* (em %)

Segmentos da cadeia de fornecedores de bens e serviços** Investimentos em P&D no Brasil (%)***


Siderurgia 0,40
Tubos 0,80
Flanges e conexões 1,50
Caldeiraria 0,60
Subsea – Equipamentos 1,10
Subsea – umbilicais e linhas flexíveis -
Bombas 0,90
Compressores 0,20
Motores a combustão 1,00
Turbinas 0,20
Guinchos 2,80
Guindastes 2,80
Válvulas 1,80
Geradores e motores elétricos 2,20
Subestação e transformadores 2,00
Painéis e distribuição elétrica 4,60
Instrumentação e medição 0,60
Automação 3,10
Telecomunicação 1,60
Construção e montagem 0,20
Serviços de engenharia -

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Sétimo Encontro Nacional do Prominp (2010).
* Oliveira (2010).
** Estratificação dos segmentos da cadeia produtiva baseada na visão da estrutura industrial adotada pelo Programa de
Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás (Prominp).
*** Média ponderada da participação do investimento em P&D perante o faturamento das empresas por sua representatividade
no faturamento do setor – Fonte: Prominp.

Os demais segmentos com menores níveis de investimento em P&D se distri-


buem pelos diversos níveis de classificação quanto à competitividade e necessidade
de investimentos e/ou adequações de suas capacidades produtivas. Dentre estes,
CADEIA DE Petróleo e Gás 259

destacam-se segmentos intensivos em conhecimento e com elevado potencial de


agregação de valor que apresentam situação crítica quando se observa tanto os
investimentos em P&D realizados no país, quanto seu nível de competitividade e
a capacidade produtiva instalada. É o caso dos segmentos de turbinas a gás, com-
pressores centrífugos e motores de grande porte,48 que sequer contam com forne-
cimento local. Outros, como o segmento de equipamentos submarinos, o qual é
notoriamente intensivo em conhecimento, apresentam condições de fornecimento
razoáveis, alta competitividade e baixos investimentos em P&D no país. Esses casos
são bons candidatos a serem priorizados nas ações de promoção dos investimentos
voltados para a inovação.
De qualquer maneira, essa análise, além de limitada, apresenta algumas res-
trições e deve ser compreendida sob alguns aspectos. O primeiro é que o levanta-
mento foi realizado com base nos dados fornecidos pelas empresas estabelecidas
no país. Ocorre que, como já abordado, muitas dessas empresas são controladas
por empresas multinacionais, líderes de seus segmentos, que, apesar de realizarem
gastos elevados nas atividades de P&D, o fazem em quase sua totalidade em seus
centros de pesquisa e desenvolvimento localizados no exterior. Dessa forma, os nú-
meros levantados relativos aos investimentos em P&D acabam sendo subdimensio-
nados em relação ao investimento real desses segmentos.
Outra consideração importante é que o levantamento da capacidade produtiva
e da competitividade desses segmentos, conforme levantado pelo Prominp, está sob
a ótica dos meios e métodos de produção utilizados hoje em dia. Assim, é discutível
realizar uma análise da dinâmica da inovação com base nesses dados, já que novas
tecnologias, muitas vezes desconhecidas no presente, deverão ser desenvolvidas,
incentivando novas metodologias e abordagens de classificação em levantamentos
futuros. O que se obtém com base nesses levantamentos é um retrato da situação
no presente e não uma visão clara de onde se pretende chegar.

48
Esses subsegmentos foram desmembrados para fornecer maior detalhamento na análise da capacidade produtiva e
competitividade dos segmentos de turbinas, compressores e motores, respectivamente, e não dispõem de dados desmembrados
quanto aos investimentos em P&D.
260 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Uma abordagem alternativa, contemplando uma visão estratégica de futuro


voltada para a promoção do desenvolvimento tecnológico, foi proposta em estudo
contratado pelo BNDES sobre a cadeia de fornecedores de P&G [Bain & Company e
Tozzini Freire Advogados (2009)]. Esse estudo, o qual estratificou a cadeia produti-
va primária em sete segmentos, como já abordado em seções anteriores, classificou
cada um destes segundo seus níveis de conteúdo tecnológico/conhecimento acu-
mulado e o grau de desenvolvimento no Brasil. A Figura 1 mostra a disposição dos
diversos segmentos em uma matriz que relaciona esses dois aspectos em conjunto
com estimativas sobre o tamanho do mercado mundial, sugerindo alguns focos
iniciais de atuação.

Figura 1 Conteúdo tecnológico vs. grau de desenvolvimento no país dos segmentos da


cadeia de fornecedores de bens e serviços
CONTEÚDO TECNOLÓGICO/ CONHECIMENTO ACUMULADO

Informação de
FOCO INICIAL
Alto reservatórios Revestimento
e completação Produção e
manutenção

Serviços de
Moderado perfuração e
equipamentos
associados Contratos
Baixo, Infraestrutura
de perfuração Mercado
mas demanda
mundial
alto nível AMBIÇÃO em 2007
tecnológico
(US$ 8 Bilhões)
de fornecedores Apoio
logístico
Baixo

Equipamentos Planos de inst. de Manufatura local Manufatura local Empresas


importados/ capacidade por empresas por empresas brasileiras,
prestadores de serviço Brasil/prestadores estrangeiras/ estrangeiras/ servindo,
internacionais de serviço prestadores prestadores de serviço fabricando e
internacionais de serviço com com equipamentos desenvolvendo
com alguma mão equipamentos fabricados no país no país
de obra local fabricados no país em ambos os
casos P&D no Brasil

GRAU DE DESENVOLVIMENTO DO SEGMENTO NO BRASIL

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Bain & Company Tozzini e Freire (2009).

Pode-se observar da Figura 1 que os segmentos mais intensivos em conheci-


mento revelam baixo grau de desenvolvimento no país. É o caso dos seguintes
segmentos: informação de reservatórios; serviços de perfuração e equipamentos
CADEIA DE Petróleo e Gás 261

associados; e revestimento e completação de poços. Por seus baixos graus de de-


senvolvimento no país e pela dificuldade em ultrapassar, no curto prazo, certas bar-
reiras tecnológicas, estes foram classificados como uma região de aspiração futura.
Em relação à presença no país, uma exceção são as atividades relacionadas à
produção e manutenção, as quais envolvem os equipamentos submarinos e de su-
perfície, as atividades de manutenção de poços e de produção de produtos quí-
micos especiais e os serviços de compressão. Observa-se que a manufatura local é
dominada por empresas estrangeiras com prestadores de serviços fabricando equi-
pamentos no território nacional. Pelo relativo grau de desenvolvimento no país e
por ser intensivo em conhecimento, esse segmento deveria ser um dos focos iniciais
a serem contemplados nas estratégias para a promoção do desenvolvimento tec-
nológico no país.
Outros segmentos, como os de perfuração de poços49 e o de infraestrutura,50
apesar de classificados como segmentos pouco intensivos em conhecimento, de-
mandam elevado nível tecnológico de seus fornecedores. No primeiro, há planos
de instalação de capacidade no Brasil, e o segundo já conta com manufatura local
por parte de empresas estrangeiras. Ambos também poderiam ser focos iniciais da
política industrial do setor no que tange às ações de promoção da inovação.
Como visto, em todos os segmentos apontados como prioritários para uma
atuação inicial, há presença majoritária, sobretudo de liderança, dos fornecedores
estrangeiros. Uma iniciativa já realizada com relativo sucesso foi a atração de alguns
fornecedores para a instalação de centros de P&D no Parque Tecnológico da Ilha
do Fundão. Iniciativas semelhantes estão em andamento em outros estados. Nesse
contexto, é de vital importância que se consiga criar um ambiente capaz de induzir
a cooperação tecnológica entre empresas nacionais e os ICTs locais com as empresas
multinacionais líderes de tecnologia, de forma a capacitá-las nos segmentos mais
relevantes do setor, promovendo a melhoria contínua de suas atividades produtivas
e de prestação de serviços, permitindo que estas subam na cadeia de valor do setor.

49
Sondas de perfuração onshore, plataformas de perfuração offshore e sondas de workover.
50
Engenharia e desenho, construção e montagem de infraestrutura offshore, instalação de infraestrutura offshore e equipamentos
de processamento em campo.
262 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Esse modelo deveria considerar o incentivo à formação de clusters tecnológicos, em


que a cooperação e o maior fluxo de informações geram importantes externalida-
des positivas. O objetivo deve ser, em última instância, criar empresas competitivas
e sustentáveis capazes de atuar globalmente em posições de liderança no uso de
tecnologias-chave.
Mecanismos para isso já foram abordados, por exemplo, a importância que
as operadoras têm nesse processo. Iniciativas voltadas para a transferência tec-
nológica ganham elevada relevância. A Política de Conteúdo Local deve tam-
bém ser considerada e estar inserida nessa estratégia voltada para o desen-
volvimento tecnológico, de forma a priorizar os segmentos mais intensivos em
conhecimento, seja por meio de mais altos índices de nacionalização, seja pela
definição da evolução gradual destes, ou ainda, atribuindo maior peso para
as atividades com maior potencial de agregação de valor na contabilização do
conteúdo nacional dos projetos, a exemplo do segmento de engenharia consul-
tiva e outros elos dinâmicos da cadeia de fornecedores de bens e serviços como
discutido anteriormente.
Outra vertente considera o padrão de concorrência agressivo, característico das
empresas líderes, e a elevada intensidade de capital requerida pelo setor. Ambos os
aspectos, adicionados às enormes oportunidades para o setor, sugerem a entrada
de grandes grupos nacionais de outros setores da economia no setor de P&G e, em
particular, nos segmentos estratégicos da cadeia de fornecedores de bens e serviços.
Pela posição de liderança consolidada de algumas das principais empresas for-
necedoras de bens e serviços, em especial, nos segmentos de mais alto conteúdo
tecnológico, uma opção para esses novos entrantes seria apostar em rotas tecno-
lógicas alternativas, evitando assumir uma posição de seguidor e construindo um
planejamento focado na busca de novas rotas tecnológicas, baseadas em inova-
ções de ruptura, como parte da estratégia para se atingirem posições de liderança
no médio prazo.
Nesse contexto, é importante ressaltar que uma relevante vantagem competiti-
va para os fornecedores de bens e serviços pode advir da estruturação e coordena-
ção de suas próprias cadeias de fornecimento. Em um ambiente com algumas res-
CADEIA DE Petróleo e Gás 263

trições de fornecimento, um modelo de negócios vencedor consistiria em organizar


suas cadeias fornecedoras por meio da cooperação e do relacionamento de longo
prazo, promovendo o ganho de competências e a absorção do conhecimento, de
forma a fidelizar seus principais fornecedores.
O insucesso em engendrar essas diversas alternativas e mecanismos de forma
articulada contribuirá para que as externalidades geradas pela dinâmica de inova-
ção realizada no setor sejam expressivamente inferiores a seu real potencial. Pode-
-se, no extremo, instalar no país centros de P&D voltados para o desenvolvimento
de tecnologias marginais ou mesmo para a “tropicalização”51 de novas tecnologias
desenvolvidas no exterior sem a inclusão das empresas nacionais nessa dinâmica,
mantendo-as à margem desse universo onde se concentram as maiores oportuni-
dades. Esse cenário levaria a um baixo aproveitamento pelo país dos benefícios do
desenvolvimento tecnológico que ocorrerá no setor nos próximos anos. Por outro
lado, obtendo-se sucesso em algumas dessas estratégias e, com base na observação
contínua da dinâmica de desenvolvimento que se construirá, algumas escolhas e
apostas deverão ser realizadas e, sobretudo, apoiadas pelas políticas públicas vol-
tadas para o setor.

Disponibilidade de recursos e financiabilidade dos


projetos de P&D
Nesta seção serão indicados alguns gargalos e entraves que dificultam o financia-
mento de projetos inovadores, em relação ao cenário que se antevê para o desen-
volvimento da cadeia de fornecedores. Ademais, vai se abordar a disponibilidade
de recursos com especial destaque para a evolução dos recursos disponíveis pela
cláusula de P&D dos campos que pagam participação especial.52

51
O termo “tropicalização” refere-se a tecnologias desenvolvidas para cenários distintos ao que se desenha e que necessitam de
adaptações para uso nas atividades de exploração e produção do pré-sal. Nesses casos, em que o desenvolvimento mais importante
da tecnologia é realizado no exterior, apenas ajustes ou inovações incrementais de menor complexidade são necessárias.
52
No âmbito dos contratos de concessão em conjunto com o Regulamento da ANP 5/2005, fica estabelecido que, quando devida a
participação especial para um determinado campo, o valor correspondente a 1% da receita bruta da produção deve ser destinado
ao investimento em atividades de pesquisa e desenvolvimento, do qual, pelo menos, 50% devem ser aplicados na contratação de
projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados. Na cessão
onerosa, o montante correspondente a 0,5% da receita bruta de produção deve ser destinado às despesas realizadas em atividades
de pesquisa e desenvolvimento.
264 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Em paralelo com a elevação dos investimentos em P&D pelas operadoras e seus


fornecedores, crescem as oportunidades de financiamento para o setor. Tanto o
BNDES como a Finep vêm envidando maiores esforços para alavancar os investi-
mentos em P&D na cadeia de fornecedores de P&G, seja por meio do lançamento
de editais para projetos do setor por parte da Finep,53 ou de operações de financia-
mento tanto na Finep como no âmbito do programa de apoio ao desenvolvimento
de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G do BNDES, o Pro-
grama BNDES P&G,54 ou mesmo, por meio dos demais instrumentos de apoio, como
o BNDES Funtec, voltado para o apoio a projetos cooperativos ICTs-empresas, e a
participação acionária direta, por meio da BNDESPAR, ou indireta, com fundos de
investimento focados em inovação, como é o caso do Fundo Criatec.
Apesar da diversidade de instrumentos, uma lacuna já identificada se refere
às empresas que estejam em uma fase mais avançada no desenvolvimento de seus
projetos de inovação, porém que ainda não disponham de uma estrutura de capi-
tal capaz de garantir o acesso às operações de crédito segundo as regras vigentes.
Essa fase, depois da inovação inicial e anterior ao lançamento da inovação no mer-
cado, também conhecida como scale-up, ainda carece de mecanismos adequados.
Para superar essa carência, iniciativas estão em andamento e novos mecanismos de
apoio deverão ser formulados.
Outro aspecto importante tem ligação com os novos entrantes no setor se es-
tes realmente adotarem um planejamento focado no desenvolvimento de tecno-
logias disruptivas por meio de rotas tecnológicas alternativas, como abordado na
seção anterior. Nesses projetos, os altos retornos e riscos potenciais demandam a
estruturação de uma engenharia financeira complexa e podem necessitar de novos
instrumentos de financiamento ainda não existentes. Em geral, pode-se antever

53
A Finep lançou, em 2010, uma chamada pública que previa R$ 115,7 milhões para o financiamento de cerca de sessenta projetos
cooperativos empresa-ICTs com foco no desenvolvimento de soluções para o pré-sal. Outros dois editais destinados a projetos em
óleo e gás foram lançados em 2011, um para o apoio a projetos laboratoriais (cerca de R$ 30 milhões) e um segundo utilizando o
instrumento de subvenção econômica (cerca de R$ 8 milhões).
54
O Programa BNDES P&G oferece para os projetos de inovação, além das condições previstas nas linhas de inovação do BNDES,
novidades como a possibilidade de financiamento a operações de internacionalização, fusões e aquisições, desde que associadas
à busca por novas tecnologias, ou ainda, operações com empresas-âncora, cujo sentido é incentivar a cooperação na cadeia de
fornecedores dando maior capilaridade e acesso a crédito às empresas de menor porte.
CADEIA DE Petróleo e Gás 265

um cenário no qual maiores riscos estarão presentes. Assim, o sistema de inovação


deveria estar estruturado de forma a suportar esses projetos e a aceitar operações
de financiamento com riscos mais elevados.
Pelo lado da disponibilidade de recursos, uma análise mais extensa poderia ser
realizada abordando as mudanças regulatórias que impactarão o Fundo Setorial
de P&G (CT-Petro), detalhando as características de captação e distribuição dos re-
cursos no âmbito do Novo Marco Regulatório e do Fundo Social.55 No entanto, este
artigo limita-se a expor uma projeção da disponibilidade de recursos para o apoio
a projetos inovadores com base na cláusula de P&D, como mostrado no Gráfico 1.

Gráfico 1 Evolução do volume de recursos disponíveis da cláusula de P&D da


participação especial

2,5

1,5
R$ BILHÕES

0,5

0
1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

2022

Petrobras Outras operadoras

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Revista Brasil Energia (2012).

55
A Lei 12.351/2010, que institui o Regime de Partilha da Produção, também cria o Fundo Social (FS), para o qual foram transferidas
todas as receitas de royalties provenientes dos poços de P&G do “polígono do pré-sal” destinadas à União. Com essa medida o
CT-Petro poderá perder 90% das atuais receitas. No entanto, o FS contempla a aplicação de recursos na área de ciência e tecnologia.
Por conseguinte, trata-se de uma questão administrativa do poder executivo, que afeta a governança sobre a aplicação dessas
receitas e que ainda não está em prática, pois o FS ainda não foi regulamentado. Excepcionalmente, o governo federal publicou o
Decreto 7.657, de 23.12.2011, que prorroga, até 31.12.2015, a destinação para o CT-Petro dos royalties dos campos que iniciaram
sua produção até 31.12.2009.
266 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Com base nessas estimativas, pode-se perceber a significativa evolução do volu-


me de recursos oriundos da Petrobras e das demais operadoras. Já no corrente ano,
os recursos previstos ultrapassarão, pela primeira vez, o patamar de R$ 1 bilhão e
indicam também o aumento da participação das demais operadoras. A expectativa
é de se atingir até 2021 o patamar de R$ 2,1 bilhões. Contabilizando os recursos
até o ano de 2022, projeta-se um total de aproximadamente R$ 26 bilhões a serem
aplicados em atividades de P&D e inovação.
O aumento desses recursos considera tanto a expansão da produção em contratos
ativos quanto o início da produção em contratos já concedidos no pré-sal na Bacia
de Santos.56 Segundo essas estimativas, em 2022, os aportes, via cláusula de P&D, vão
cair em relação ao ano anterior, voltando para um patamar abaixo dos R$ 2 bilhões.
Essa tendência deve ser revertida com a licitação de novos blocos exploratórios, uma
vez que há a expectativa de que os contratos de partilha do pré-sal também tenham
cláusula similar com a obrigatoriedade da destinação de recursos às atividades de P&D.
Em um primeiro momento, a alocação desses recursos foi destinada à constituição
de infraestrutura física e à qualificação de recursos humanos nos centros de pesquisa e
universidades. Cabe ressaltar que, segundo vem se observando, já há hoje um parque
laboratorial significativo, não havendo necessidade de grandes inversões com esse fim
de forma continuada nos próximos anos. Um desafio importante é o de estimular que
toda essa infraestrutura laboratorial gere resultados e seja aproveitada pelas empresas
do setor. Por outro lado, o crescimento da disponibilidade de recursos sugere que novas
alternativas para alocação destes sejam discutidas e revela a necessidade de maior apro-
ximação entre as empresas privadas e os ICTs existentes. Assim, a alocação dos recursos na
contratação dos ICTs por parte dos fornecedores da cadeia produtiva de bens e serviços
de P&G, ou mesmo, a alocação direta desses recursos nas atividades de P&D das empresas
fornecedoras de bens e serviços, surgem como opções e necessitam de maior debate.57

56
Entre os campos concedidos na Bacia de Santos encontram-se os sete blocos da cessão onerosa. Nestes, a obrigação contratual
prevê que 0,5% da receita bruta seja destinado a atividades de P&D; nos demais, esse percentual é 1%. Incluindo a cessão onerosa,
espera-se que pelo menos 15 contratos já assinados iniciem a produção entre 2012 e 2021.
57
Ambas as alternativas estão sendo discutidas no âmbito da política industrial do setor e necessitariam de mudanças regulatórias,
uma vez que, como já abordado, a aplicação desses recursos, no presente, está restrita à contratação, por parte das operadoras, de
projetos realizados em universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs) sem fins lucrativos, públicos ou privados.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 267

De toda forma, essas considerações apontam para um cenário positivo quanto à


disponibilidade de recursos para o investimento em projetos inovadores e nas ativi-
dades de pesquisa e desenvolvimento, formando importante pilar para a construção
das estratégias de desenvolvimento tecnológico no âmbito da política industrial.

7. A ATUAÇ ÃO D O B n D E S PA R A
A PR O M O Ç Ã O D O D E S E n V OLV iME n T O
i nDUS TR i A L E T E C n OL ÓG iC O
DAS EM PR E S A S D A C A D E iA
DE f O R nEC E D OR E S D E P & G
o BNDEs vem envidando relevantes esforços para colaborar com a política de de-
senvolvimento industrial e tecnológico para a cadeia de fornecedores de bens e ser-
viços relacionados ao setor de P&G. A própria estratégia de atuação do BNDEs para
o setor vem sendo aperfeiçoada continuamente, buscando corresponder às deman-
das da sociedade e visando ao desenvolvimento econômico e social sustentável e
de longo prazo do país. o momento que o setor de P&G vive motivou uma nova
abordagem por parte do Banco, com maior enfoque na cadeia de fornecedores de
bens e serviços de P&G. Como reflexo dessa nova dinâmica, o BNDEs alterou sua
estrutura organizacional, criando, em 2010, o Departamento da Cadeia Produtiva
de Petróleo e Gás, cujas atribuições compreendem tanto a participação no trabalho
de articulação institucional quanto as atividades relacionadas ao fomento e finan-
ciamento das empresas fornecedoras de bens e serviços de P&G.
Mais recentemente, no segundo semestre de 2011, aprovou-se a criação do
Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia de Fornecedores de Bens e ser-
viços relacionados ao setor de Petróleo e Gás Natural (BNDEs P&G), para o qual
uma carteira de operações de financiamento já foi constituída. Com o programa, o
BNDEs abriu novos caminhos para o apoio à cadeia de empresas fornecedoras de
bens e serviços de petróleo e gás, estreitando o relacionamento já existente entre
o Banco e o setor, facilitando o acesso ao crédito às MPMEs e oferecendo condições
de financiamento mais favoráveis, de forma a atender às necessidades existentes
268 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

da indústria, como o apoio à aquisição de tecnologia, à qualificação e capacitação


de mão de obra e à prestação de serviços, em especial os serviços de engenharia e
de certificação.
A participação no Plano Brasil Maior de P&G e Naval também vem receben-
do especial atenção, e a composição de uma agenda setorial foi realizada em
conjunto com as diversas entidades de governo e da iniciativa privada. Nesse
contexto, frentes importantes de trabalho vêm sendo conduzidas para solucio-
nar os gargalos já identificados, como é o caso do já citado Regime Aduaneiro
Especial (Repetro), para o qual foi contratado estudo no âmbito do Fundo de
Estruturação de Projetos do BNDES. Ademais, o Departamento da Cadeia Pro-
dutiva de P&G participa de diversos fóruns e iniciativas do setor, com destaque
para sua atuação no Prominp.
No que tange aos aspectos relacionados à promoção da inovação, diversas
ações vêm sendo realizadas com as operadoras de P&G e com as empresas da ca-
deia de fornecedores. Uma iniciativa que merece especial destaque é o plano de
ação conjunta BNDES-Finep-Petrobras para o fomento a projetos de inovação na
cadeia de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G, o Progra-
ma Inova Petro, programa de fomento à inovação no qual se fez um importante
levantamento das principais rotas tecnológicas para as atividades de E&P offshore
nos próximos anos e que conta com a coordenação de esforços e intensa coope-
ração entre essas instituições.
Percebe-se, pelo exposto, que o BNDES vem participando ativamente no pro-
cesso de construção das estratégias de promoção do desenvolvimento industrial e
tecnológico da cadeia de fornecedores de P&G e espera, portanto, desempenhar
papel efetivo para que as oportunidades existentes gerem reais benefícios para o
desenvolvimento do país. Atua na melhoria dos processos de fomento e concessão
de financiamento, mas, como foi mostrado, não se restringe a esses aspectos. O
aprendizado contínuo e a interlocução com os diversos partícipes envolvidos no
desenvolvimento do setor de P&G são focos centrais do dia a dia da instituição, no
qual as ações de promoção à inovação na cadeia de fornecedores de P&G são tra-
tadas com grande prioridade.
CADEIA DE PEtrólEo E Gás 269

8. C O nS i DER A Ç ÕE S f in A iS
As descobertas de acumulações gigantescas de óleo e gás na camada pré-sal e a
perspectiva de elevado crescimento da produção nacional desses insumos nos pró-
ximos anos transformaram o cenário do setor de P&G no Brasil. A localização dessa
nova fronteira exploratória, a grandes distâncias da costa e em elevadas profun-
didades, em conjunto com a magnitude das reservas e as características do óleo
encontrado, criam um novo paradigma para o segmento de exploração e produção
offshore no país, posicionando-o como o principal mercado no mundo para as em-
presas fornecedoras de bens e serviços desse segmento.
o desenvolvimento de uma cadeia nacional de fornecedores de bens e serviços,
por seu perfil multissetorial, tem o potencial de gerar importantes externalidades
positivas para os demais setores da economia. Nesse contexto, a formulação de
estratégias para a promoção do desenvolvimento tecnológico ganha significati-
va relevância. Discutir as alternativas e caminhos a serem adotados nas políticas
públicas do setor deve, obrigatoriamente, considerar o entendimento desse novo
cenário, suas oportunidades e riscos associados. os elevados investimentos que se-
rão realizados, aliados à característica de projeto de longuíssimo prazo, oferecem
a continuidade indispensável para inovações de ruptura, e não apenas inovações
incrementais e rotineiras, que poderão contribuir para a formação de uma nova
indústria nacional do petróleo.
Por todos os ângulos que se observa, é patente que a indústria brasileira de
petróleo está diante de uma oportunidade rara que pode levá-la a uma posição de
destaque, se não de liderança, no uso de novas tecnologias no setor, que vão pre-
cisar ser desenvolvidas. o objetivo deve ser, em última instância, estimular o desen-
volvimento de empresas competitivas e sustentáveis capazes de atuar globalmente
em posições de liderança no uso de tecnologias-chave.
A construção de uma agenda efetiva com esse objetivo deveria se concentrar na
identificação de focos prioritários de atuação e, com base na trajetória recente do ar-
cabouço institucional, no qual a Política de Conteúdo local ocupa papel de destaque,
definir estratégias integradas de promoção do investimento em inovação.
270 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Para isso, uma série de considerações foram apresentadas no decorrer deste


artigo. A primeira delas buscou apontar algumas das principais rotas tecnológicas a
serem desenvolvidas nos próximos anos. Compreender essas tendências é vital para
uma atuação focada nos segmentos considerados estratégicos e, portanto, os mais
relevantes para o desenvolvimento industrial e tecnológico das empresas.
Outro aspecto abordado e de extrema importância é o delineamento de
estratégias indutoras de maior cooperação entre as empresas fornecedoras de
bens e serviços, as operadoras de P&G e os institutos de ciência e tecnologia
locais. Discutiu-se o posicionamento que operadoras podem assumir nessa di-
nâmica, apontando as rotas tecnológicas prioritárias e identificando oportuni-
dades para a cooperação em projetos inovadores, de forma a inserir as empre-
sas nacionais de base tecnológica no desenvolvimento dessas novas soluções e
incentivando o “transbordamento” tecnológico para outros segmentos. Ainda
nesse âmbito, a forma de contratação em projetos turn-key por meio de EPCistas
deveria ser revista, de forma a incentivar, ou ao menos tornar mais factível, a
entrada de fornecedores competitivos nos segmentos de maior valor agregado
e conteúdo tecnológico. Elos dinâmicos com maior potencial em gerar externa-
lidades positivas nos demais segmentos da cadeia de fornecedores, a exemplo
dos serviços de engenharia consultiva, devem ser ponto central das iniciativas
da política industrial do setor.
A presença maciça de empresas multinacionais ocupando, em quase a totalida-
de dos casos, posições de liderança no que tange ao domínio tecnológico de seus
segmentos de atuação, em conjunto com o perfil de baixo investimento em P&D
das empresas nacionais, em sua maioria MPMEs, corrobora a necessidade de uma
atuação focada nos segmentos em que a indústria nacional mostre um posiciona-
mento competitivo de maior destaque. Viu-se que, em alguns dos segmentos da
cadeia de valor do segmento de E&P offshore, essa abordagem seria viável. A pró-
pria Política de Conteúdo Local deveria estar inserida nessa estratégia, priorizando
o conteúdo local das atividades com maior potencial de agregação de valor e que,
ao mesmo tempo, já disponham de uma dinâmica favorável no parque industrial
brasileiro. Alternativas para essa priorização também foram discutidas.
CADEIA DE Petróleo e Gás 271

Ter a clareza sobre os objetivos a serem perseguidos e, portanto, sobre os res-


pectivos segmentos estratégicos prioritários, auxiliaria na construção de estratégias
para a atração dos investimentos estrangeiros no país e mesmo na definição das
condicionantes sob as quais essa atração de investimento deveria ocorrer. Políticas
para a promoção de joint ventures e a transferência de tecnologia devem ser pen-
sadas com base nisso. Nesse contexto, a entrada de grandes grupos nacionais de
outros setores da economia deveria privilegiar modelos de negócios baseados no
investimento em P&D e na cooperação e estruturação de suas cadeias de forneci-
mento, com o objetivo de desenvolver rotas tecnológicas alternativas e inovações
de ruptura, o que, certamente os posicionaria de forma a se beneficiarem desse
universo onde se concentram as maiores oportunidades.
Toda essa discussão não deve desconsiderar importantes gargalos e entraves já
identificados, como a necessidade de investimento contínuo na formação de mão
de obra qualificada e a revisão e aprimoramento do arcabouço tributário associado
ao setor, para os quais importantes iniciativas estão em andamento. Outros garga-
los se referem aos mecanismos de financiamento a projetos inovadores, por exem-
plo a carência de instrumentos adequados para o apoio a projetos de scale-up de
novas tecnologias e a inexistência de instrumentos de apoio aos planos de negócios
baseados em investimentos em P&D, cujo perfil de risco elevado e maiores retornos
são característicos. Percebe-se que o sistema de inovação deveria ser capaz de su-
portar operações de maior risco tecnológico em alguns dos segmentos existentes.
Por outro lado, no que se refere à disponibilidade de recursos para o apoio a pro-
jetos de P&D, não há gargalo significativo quando se observa a legislação vigente.
A discussão deveria se concentrar na melhor alocação desses recursos, em projetos
inovadores de maior qualidade e alinhados com a estratégia que se defina para o
desenvolvimento do setor, de forma a alavancar o investimento privado em P&D.
Alternativas para isso também foram discutidas e necessitam de maior debate.
Diante da complexidade do assunto e das diversas alternativas existentes de-
preende-se que a capacidade de articulação institucional é vital para o sucesso das
estratégias de promoção do desenvolvimento industrial e tecnológico e não deve
ser considerada algo de menor importância. Há também que se compreender que
272 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

os reais benefícios das reservas de petróleo da camada pré-sal vão muito além da
mera produção e refino do petróleo e encontram no desenvolvimento da cadeia
de fornecedores de bens e serviços relacionados ao setor de P&G uma grande opor-
tunidade. Somente a clareza nos objetivos e uma elevada capacidade de coorde-
nação das diversas ações e frentes de atuação permitirão que o país se beneficie
de grande parte da dinâmica de inovação que, inevitavelmente, ocorrerá no setor
de P&G nos próximos anos, gerando riqueza e retorno para a sociedade de forma
sustentável no longo prazo.

R e f er ênc i as
ANP/PUC. Avaliação da competitividade do fornecedor nacional com relação aos
principais bens e serviços. Rio de Janeiro, 1999 (mimeo).

Bain & Company e TozziniFreire Advogados. Estudos das alternativas regulatórias,


institucionais e financeiras para a exploração e produção de petróleo e gás
natural e para o desenvolvimento industrial da cadeia produtiva de petróleo e
gás natural no Brasil. Rio de Janeiro: BNDES, 26 jun. 2009. Disponível em: <http://
www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/
empresa/pesquisa/chamada1/RelConsol.pdf>. Acesso em: abr. 2012.

Baron, H. Where does basic engineering stops? Technip Editions, 2011. Disponível
em: <http://www.toblog.fr/en/baron/article/additions-for-the-next-edition/where-
does-basic-engineering-stops/blog.html>. Acesso em: abr. 2012.

Evolução do volume de recursos oriundos da Petrobras e das demais empresas.


Brasil Energia, Editora Brasil Energia, fev. 2012.

EIA – U.S. Energy Information Administration. Spot Price – WTI, Washington.


Disponível em: <http://www.eia.gov/dnav/pet/pet_pri_spt_s1_d.htm>.
Acesso em: abr. 2012.
CADEIA DE Petróleo e Gás 273

Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Poder de compra da Petrobras:


impactos econômicos em seus fornecedores. Brasília: Ipea; Petrobras, dez. 2010.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/book_
poder_de_compra_petrobras.pdf>. Acesso em: abr. 2012.

Mendes, A. P. A.; Romeiro, R. A. P.; Costa, R. C. Mercado e aspectos técnicos dos


sistemas submarinos de produção de petróleo e gás natural. BNDES Setorial,
n. 35. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2012. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/
SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/
set3505.pdf. >. Acesso em: abr. 2012.

Oliveira, A. Diagnóstico das necessidades de adequação do parque supridor


nacional. In: 7º Encontro Nacional do Prominp. Prominp/IE-UFRJ, nov. 2010.
Disponível em: <http://www.prominp.com.br/data/pages/8A95489E30FCBB0B0131
23F4E1240A72.htm>. Acesso em: abr. 2012.

Onip – Organização Nacional da Indústria do Petróleo. Agenda de Competitividade


da Cadeia Produtiva de Óleo e Gás Offshore no Brasil. Ago. 2010. Disponível
em: <http://novosite.onip.org.br/wp-content/uploads/2011/07/competitividade_
completo.pdf>. Acesso em: abr. 2012.

Almeida, J. R. F. Oportunidades e Desafios do Setor até 2020. In: 8º Encontro


Nacional do Prominp. São Luís, 24 nov. 2011. Disponível em: <http://www.prominp.
com.br/data/pages/8A9D2A9733DC7C440133DC84F1360894.htm>. Acesso em:
abr. de 2012.

Sant’anna, A. A. Brasil é a principal fronteira de expansão do petróleo no mundo.


Visão do Desenvolvimento, n. 87. Rio de Janeiro: BNDES, 18 de out. 2010.
Priscila Branquinho das Dores
Elisa salomão lage
lucas Duarte Processi*

* Respectivamente chefe, gerente e engenheiro do departamento de Gás, Petróleo e bens de capital sob Encomenda do bndES.
Construção Naval 275

R ES UM O
Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro
experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos, que
se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva quanto no
aumento da produção de embarcações. Tal fato decorreu, principalmente, do cres-
cimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a necessidade de novas
embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao desenvolvimento da
indústria nacional. As empresas de petróleo e gás efetuaram grandes encomendas
aos estaleiros nacionais, enquanto a União atuou, entre outros, com exigências de
percentual mínimo de conteúdo local nas atividades de exploração e produção e
com a criação de um fundo garantidor à indústria. Neste artigo será apresentado o
histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cenário atual, apon-
tando os principais programas demandantes do período, bem como seus impactos
na nova configuração do setor. Serão discutidos o posicionamento brasileiro no mer-
cado mundial e os fatores estratégicos de competitividade associados à indústria na-
val. A questão da inovação, fundamental para o desenvolvimento do setor, também
será abordada. Por fim, serão expostas as perspectivas da indústria naval nacional,
destacando-se o papel do BNDES no apoio ao setor.

AB S TR AC T
After long-term stagnation, the Brazilian shipbuilding industry’s investments have
increased in the past decade, resulting in higher productive capacity and modernization
as well as higher ship outputs. This was mainly caused by the Oil & Gas offshore boom
and by local industry development policy. Oil & Gas companies placed large orders with
national shipbuilders. At the same time the Brazilian federal government established
local content requirements for Exploration & Production activities and a new credit
guarantee fund, among others. In this article, we detail the historical trajectory of the
Brazilian shipbuilding industry for the last 30 years with a focus on the most relevant
governmental incentives granted. Brazil’s relevance in world markets is discussed as
276 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

well as the naval industry’s strategic competitive factors. Innovation issues, which are
considered fundamental for the sector’s development will also be discussed. Finally,
the national shipbuilding industry’s outlook is presented, highlighting BNDES’s role
in bolstering the naval sector.
Construção naval 277

1. i nTR O DUÇ Ã O
Depois de um longo período de estagnação, o setor de construção naval brasileiro
experimentou, na última década, um movimento de retomada de investimentos,
que se refletiu tanto na expansão e na modernização da capacidade produtiva
quanto no aumento da produção de embarcações. tal fato decorreu, principal-
mente, do crescimento das atividades petrolíferas offshore, que acarretou a ne-
cessidade de novas embarcações para esse mercado, e de uma política voltada ao
desenvolvimento da indústria nacional.
a elevação nos preços internacionais do petróleo ao longo do decênio incenti-
vou a exploração e a produção em águas profundas e ultraprofundas, mais distan-
tes da costa, e criou uma demanda por navios-sonda, plataformas de produção e
embarcações de apoio marítimo com características e exigências técnicas diferen-
ciadas. a descoberta de grandes volumes de óleo na camada pré-sal ratificou a ro-
bustez e a perenidade da demanda por embarcações offshore. verificou-se, ainda,
a necessidade de ampliar e renovar a frota de navios petroleiros e gaseiros do país
para escoar a produção de óleo, gás e derivados.
Cumpre ressaltar que a Petrobras é a maior operadora de petróleo do país e,
portanto, responde pela maior parte da demanda por embarcações offshore. Da
mesma forma, a transpetro, sua subsidiária de logística e transporte de combustí-
veis, é a maior demandante de navios petroleiros e gaseiros.
Diante do novo cenário, o governo brasileiro, visando estimular o setor naval
do país, atuou, em conjunto com a Petrobras e a transpetro, lançando algumas
medidas de política industrial. as empresas efetuaram grandes encomendas aos
estaleiros nacionais, enquanto a união atuou com exigências de percentual mínimo
de conteúdo local nas atividades de exploração e produção; com incentivos fiscais;
com a criação de um fundo garantidor à indústria; e com a concessão de crédito
aos agentes financeiros do Fundo de Marinha Mercante (FMM).1 Destaque-se, com

1
O FMM é um fundo de natureza contábil, destinado a prover recursos para o desenvolvimento da marinha mercante e da indústria
de construção e reparação naval brasileiras. Sua fonte básica de recursos é o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha
Mercante (AFRMM), incidente sobre o frete cobrado pelo transporte aquaviário de carga de qualquer natureza descarregada em
porto brasileiro, ou seja, sobre as atividades de cabotagem e importação de mercadorias.
278 BnDEs 60 anos – PErsPECtIvas sEtorIaIs

relação a esse último ponto, o papel do BnDEs, que, como repassador de recursos2
do FMM, apoiou fortemente o setor, tendo contratado cerca de r$ 30 bilhões e
liberado aproximadamente r$ 10 bilhões no período de 2000 a abril de 2012.
as ações realizadas lograram êxito em retomar os investimentos no setor. no pe-
ríodo de 2000 a 2011, relevantes inversões foram realizadas em estaleiros, houve am-
pliação e modernização da capacidade produtiva, novos investidores passaram a atuar
no setor e verificou-se um significativo crescimento da produção de embarcações.
o presente artigo divide-se em quatro seções, além desta introdução. na primeira,
é apresentado o histórico da indústria naval brasileira, desde os anos 1980 até o cená-
rio atual, apontando os principais incentivos concedidos ao setor. Em seguida, discu-
tem-se o posicionamento brasileiro no mercado mundial e os fatores estratégicos de
competitividade associados à indústria naval. na terceira seção, é abordada a questão
da inovação, também fundamental para o desenvolvimento do setor. Finalmente, na
quarta seção, são expostas as perspectivas da indústria naval nacional, bem como as
considerações finais deste artigo, destacando-se o papel do BnDEs no apoio ao setor.

2. Hi S TÓ R i C O
a Nova demaNda À iNdÚSTria Naval

a crise econômica mundial dos anos 19803 e a abertura da economia à concorrência


estrangeira na década de 1990 levaram a indústria naval a uma situação financeira
delicada, restringindo sua capacidade de investimento. tal fato resultou em um
parque fabril com relevante defasagem tecnológica4 perante os produtores mun-

2
Até 2004, o bndES era o único agente financeiro repassador de recursos do FMM. Porém, com a publicação do
decreto 5.269/2004, a condição de agente foi estendida aos bancos oficiais federais habilitados (bb, cEF, basa e bnb). A despeito
dessa mudança, o bndES continua sendo o principal agente financeiro do fundo.
3
A crise econômica mundial experimentada na década de 1980 trouxe consigo a retração do comércio internacional marítimo e a
consequente queda nos valores dos fretes. Tal situação impactou a arrecadação do FMM, fragilizou a situação financeira dos armadores
nacionais e reduziu drasticamente o nível de atividade dos estaleiros aqui instalados, levando alguns participantes do mercado à falência.
4
O momento de declínio da produção nacional coincidiu com a chamada “terceira revolução industrial e tecnológica”, quando a
base microeletrônica passou a ser empregada nos mais diversos ramos da indústria, atingindo a automação integrada flexível, o que
tornou os processos da indústria nacional ainda mais obsoletos. Além disso, durante o período de estagnação produtiva brasileira,
as embarcações construídas no resto do mundo passaram a ter porte e complexidade cada vez maiores, o que exige dos estaleiros
elevada capacidade produtiva, organizacional e tecnológica [Lima (2009, p. 137)].
Construção Naval 279

diais de embarcações, o que provocou a estagnação da produção naval brasileira


por cerca de vinte anos.
Com a quebra do monopólio das atividades de exploração, desenvolvimento
e produção de petróleo e gás natural em 1997, essas passaram a ser realizadas
mediante contratos de concessão precedidos de licitação realizada pela Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Em 1999, na primeira
rodada de licitação de blocos, o processo considerava os índices de conteúdo local
ofertados pelos concorrentes como um dos critérios de escolha do vencedor, de
modo a estimular a aquisição de bens e serviços nacionais. A partir da sétima ro-
dada, realizada em 2005, os índices de conteúdo local passaram a ser obrigatórios,
sendo estipulados índices mínimos nas etapas de exploração, desenvolvimento e
produção. É importante ressaltar que as embarcações utilizadas nas atividades pe-
trolíferas são consideradas no cálculo do conteúdo local dos blocos.
Desde 2002, cerca de 85% da produção nacional de petróleo e gás é realizada
no mar [ANP(2012)], por isso são necessárias diversas embarcações especializadas
para as atividades de exploração e produção, como navios-sonda, plataformas de
produção e embarcações de apoio marítimo. As embarcações utilizadas atualmente
para o desenvolvimento dessas atividades ainda são majoritariamente estrangeiras
e entram no país não como importações, mas por meio de contratos de afretamen-
to renovados continuamente.
Dada a desmobilização do setor, o movimento de retomada de investimentos
foi iniciado a partir da necessidade de renovação e ampliação da frota de apoio
marítimo, que, além de representar maior número de encomendas, gerando escala,
era composta por embarcações mais simples e mais baratas do que os navios-sonda
e as plataformas de produção.
Em 1999, a Petrobras lançou o Programa de Renovação da Frota de Apoio Marí-
timo I (Prorefam I), oferecendo contratos de afretamento de oito anos para 22 em-
barcações a serem construídas no país. Considerando a receita estável e de longo
prazo oferecida pelos contratos aos armadores – diferente daquela do tradicional
mercado de apoio, de mais curto prazo – e, ainda, a reduzida capacidade operacio-
nal dos estaleiros aqui instalados, os armadores adotaram a estratégia de investir
280 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

em estaleiros de médio porte, especializados na construção de embarcações de


apoio, configurando uma estrutura verticalizada para esse segmento.
No Prorefam I, foram licitadas 22 embarcações, mas três contratos foram cance-
lados. A segunda etapa do programa, iniciada em 2003, contratou mais trinta no-
vas embarcações e 21 modernizações, contemplando, entre estas últimas, algumas
jumborizações.5 Já em 2008, no âmbito da Política de Desenvolvimento Produtivo
(PDP), a Petrobras lançou a terceira etapa do Prorefam, que previa a contratação de
146 novas embarcações de apoio no período de 2008 a 2016 para atuar, inclusive,
em campos do pré-sal, como Tupi e Júpiter. Ressalte-se que nessa etapa o programa
contou com requerimentos de conteúdo local mínimo para as embarcações.
O Prorefam aumentou significativamente a demanda do setor e teve êxito em
reativar a indústria naval brasileira. O elevado volume de embarcações demandado
e a prioridade dada por lei6 à bandeira brasileira nos serviços de apoio marítimo mo-
vimentaram o mercado nacional e estimularam a indústria de construção naval e as
indústrias a montante a retomar seus investimentos. Destaquem-se os investimentos
realizados na instalação e na ampliação de capacidade de estaleiros de médio porte.
Desde o lançamento do programa até março de 2012, foram contratadas 105
embarcações de apoio marítimo dos seguintes tipos: AHTS (Anchor, Handling, Tug
and Supply); PSV (Plataform Supply Vessel); PLSV (Pipe Laying Support Vessel);
RSV-ROV (Remote Operated Vehicle Support Vessel); OSRV (Oil Spill Response
Vessel); e MPSV (Multipurpose Support Vessel).7
Algumas dessas encomendas não foram contratadas no âmbito do Prorefam,
especialmente as mais complexas, como os RSV-ROV e os PLSV. De qualquer forma,

5
Jumborização – modernização e aumento da capacidade de carregamento de uma embarcação, por meio de um corte transversal
vertical do navio, para inserção de um trecho de casco.
6
Pela Lei 9.432/97, as embarcações estrangeiras somente poderão participar da navegação de cabotagem e da navegação interior de
percurso nacional, bem como da navegação de apoio portuário e da navegação de apoio marítimo, quando afretadas por empresas
brasileiras de navegação.
7
AHTS (Anchor, Handling, Tug and Supply): navio de suprimento, reboque e manejo de âncoras, dotados de guindastes com
importante capacidade de tração. PSV (Plataform Supply Vessel): navio de suprimento com capacidade de carga tanto em seu convés
principal e nas cabines quanto em tanques para transporte de produtos químicos, água, combustível e lama. PLSV (Pipe Laying
Support Vessel): navio voltado à construção submarina que realiza o lançamento de dutos a serem instalados no fundo do mar.
RSV–ROV (Remote Operated Vehicle Support Vessel): navio que realiza trabalhos de manutenção submarina, mapeamento do leito
oceânico para a passagem de dutos, entre outros serviços de natureza submarina, por meio de robô controlado remotamente pela
embarcação. OSRV (Oil Spill Response Vessel): navio de combate ao derramamento de óleo. MPSV (Multipurpose Support Vessel):
navio que combina capacitações de diversos tipos de embarcações de apoio.
Construção Naval 281

essas embarcações podem ser incorporadas pelo programa, já que o Prorefam III
ainda tem diversas embarcações a serem contratadas.
Adicionalmente, a Petrobras contratou embarcações do tipo LH (line handling),
UT (utility boat) e P (passenger),8 que são embarcações de pequeno porte, também
não contempladas no Prorefam.
O Gráfico 1 mostra a produção nacional de embarcações de apoio marítimo,
por tipo de embarcação. Note-se a concentração de embarcações do tipo PSV no
total das entregas da década. Ressalte-se que as embarcações mais complexas já
contratadas devem ser entregues nos próximos anos.

Gráfico 1 Embarcações construídas no Brasil nos últimos dez anos – por tipo

PSV
54%

3% UT

3% PLSV

3% ROV

3% P

17%

17% LH

AHTS

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras.

As encomendas de embarcações de apoio da Petrobras foram realizadas por


diversos armadores e distribuídas, principalmente, entre os estaleiros Navship,
STX-Niterói e Wilson Sons.
A maior parte das embarcações contratadas no âmbito do Prorefam foi ou está
sendo construída com o apoio do BNDES, que atua como repassador de recursos do

8
LH (line handling): navio para manuseio de espias. UT (utility boat): navio supridor de carga rápida. P – (passenger): barco de
alumínio para transporte de passageiros.
282 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

FMM ao armador e/ou ao estaleiro contratado. Entre 2000, e abril de 2012, o Banco
desembolsou cerca de R$ 5,5 bilhões às embarcações do programa.
Com relação à frota para movimentação de carga, os incentivos se deram, prin-
cipalmente, por intermédio da Transpetro, que lançou, nos anos de 2005 e 2008, os
Programas de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro I e II (Promef I e II),
contratando a construção de 49 navios-tanque em estaleiros nacionais.
A Transpetro já contratou a totalidade dos 23 navios previstos no Promef I e
dos 26 navios do Promef II. Essas embarcações correspondem a navios petroleiros,
comumente qualificados por sua capacidade de carga como Panamax, Aframax e
Suezmax,9 a navios de produtos e a navios gaseiros.
As encomendas da Transpetro foram contratadas de cinco estaleiros, quais sejam:
Atlântico Sul, Mauá, Eisa, Superpesa e STX-Suape, este último ainda em implantação.
Ainda no segmento de transporte de cargas, visando fomentar o surgimento de
armadores privados nacionais e reduzir a dependência do mercado externo de fretes
para a atividade de cabotagem, a Petrobras lançou em 2010, em duas etapas, o Pro-
grama Empresa Brasileira de Navegação (EBN 1 e EBN 2), no qual oferecia contratos
de afretamento de 15 anos de vigência a 39 embarcações a serem construídas no país.
As embarcações encomendadas no âmbito do EBN são, em grande parte, si-
milares às do Promef e foram contratadas por nove armadores a cinco estaleiros,
havendo ainda três embarcações sem estaleiro definido.
No Gráfico 2, relacionam-se os contratos já celebrados no âmbito do Promef e
do EBN por tipos de embarcação. Esses navios representam, em boa medida, a na-
tureza da produção naval de cabotagem dos próximos anos.
A retomada do setor, resultante dos programas antes citados, estimulou as en-
comendas aos estaleiros nacionais de empresas privadas de transporte marítimo de
outros setores. Destaquem-se os investimentos da Log-In Logística, empresa sub-
sidiária da Vale, que recentemente encomendou cinco navios porta-contêineres e
dois navios graneleiros internamente.

9
Panamax (cerca de quinhentos mil barris); Aframax (cerca de oitocentos mil barris); Suezmax (cerca de 1,1 milhão de barris).
Os tipos Panamax e Suezmax são assim denominados porque suas dimensões permitem a passagem pelos canais do Panamá e de
Suez, enquanto o Aframax é considerado um navio de médio porte (Average Freighter).
Construção Naval 283

Gráfico 2 Promef e EBN – embarcações contratadas por tipo

60

50
5

40 7

8 12
30
3
49

20 14 39
14

10 7
8

6
4
0
Promef I e II EBN I e II

Panamax Aframax Suezmax Bunker Gaseiros Produtos claros Produtos escuros

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da Petrobras.

Finalmente, o incentivo ao setor naval voltou-se também aos segmentos de


plataformas de produção e navios-sonda. A Petrobras realizou, nos últimos anos,
licitações para a construção parcial ou total de quarenta plataformas, sendo 14 já
entregues, e de 33 sondas de perfuração no Brasil. As plataformas foram licitadas
de forma dispersa e com características distintas de acordo com cada campo,10 as
sondas, por outro lado, foram licitadas de forma concentrada, caracterizando uma
demanda em escala capaz de viabilizar investimentos em novos estaleiros.11
As encomendas das sondas estão distribuídas entre os estaleiros Atlântico Sul,
Rio Grande, Brasfels, Jurong, Enseada do Paraguaçu e Mauá.
A Tabela 1 consolida o número de embarcações a serem construídas no país, no
âmbito dos programas abordados anteriormente.

10
A despeito da maior necessidade de adequação às características dos campos, deve-se destacar o recente esforço da Petrobras em
padronizar, tanto quanto possível, as encomendas de plataformas de produção, tal como ocorreu nas contratações das oito FPSOs
(Floating, Production, Storage and Offloading) que vão operar nos blocos BM-S-9 e BM-S-11 e das quatro FPSOs que vão operar
na cessão onerosa. A padronização possibilita ganhos de escala e aceleração da curva de aprendizado dos estaleiros envolvidos na
construção dos diferentes módulos das FPSOs.
11
Além das ampliações dos estaleiros Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, os estaleiros Jurong, no
Espírito Santo, e Enseada do Paraguaçu, na Bahia, encontram-se em implantação para atender à demanda das sondas.
284 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 1 Embarcações contratadas e a contratar no Brasil a partir de 1999

Programa Embarcações Total


Contratadas A contratar
Prorefam I 19 0 19
Prorefam II 30 0 30
Prorefam III 56 90 146
Promef I 23 0 23
Promef II 26 0 26
EBN 1 19 0 19
EBN 2 20 0 20
Sondas 7 26 33
Total 316

Fonte: Elaboração BNDES.

Os incentivos da União

Além de uma demanda assegurada pelas encomendas da Petrobras e de sua sub-


sidiária Transpetro, a indústria naval brasileira contou com diversos incentivos
da União para que pudesse se reerguer. Entre as medidas de estímulo ao setor,
encontram-se:
• Regulamentação do transporte aquaviário, garantindo preferência às em-
presas de bandeira brasileira nas contratações de fretes e serviços de apoio
em operações portuárias e marítimas, bem como na navegação de cabota-
gem e na navegação interior de percurso nacional (Lei 9.432/1997 e Resolu-
ção Antaq 495/2005).
• Concessão de benefícios às embarcações registradas no Registro Especial Bra-
sileiro (REB),12 possibilitando tratamento fiscal e legal equiparado aos bens de
exportação durante a construção, modernização e reparo; acesso a combustível
a preço equiparado ao cobrado para a navegação de longo curso e isenção do
recolhimento de taxa para manutenção do Fundo de Desenvolvimento do En-
sino Profissional Marítimo.

12
Podem ser registradas no REB embarcações brasileiras ou embarcações estrangeiras afretadas a casco nu com suspensão da
bandeira e desde que no limite de tonelada de porte bruto permitido de acordo com a frota de bandeira nacional da empresa.
Construção Naval 285

• Requerimentos de conteúdo local nas atividades de exploração e produção de


petróleo e gás, que se refletem na demanda por embarcações utilizadas nessas
atividades (Resoluções ANP 36 a 39/2007).13
• Facilitação das condições de financiamento ao setor com o lançamento, em
2000, do Programa Navega Brasil, que introduziu modificações no acesso a li-
nhas de crédito para armadores e estaleiros, aumentando a participação do
FMM de 85% para 90% nas operações da indústria naval e o prazo máximo do
empréstimo de 15 para vinte anos (Reedição da Medida Provisória 1.969/67).
• Estabelecimento de taxas de juros e participações diferenciadas nos financia-
mentos com recursos do FMM cujos contratos garantam índices de conteúdo
nacional superiores a 60% ou 65% (Resolução CMN 3.828/2009).
• Criação do Fundo de Garantia à Construção Naval (FGCN), cuja finalidade é
garantir o risco de crédito das operações de financiamento para construção
ou produção de embarcações e o risco de performance dos estaleiros brasi-
leiros (Lei 11.786/2008).
• Desoneração da cobrança de IPI incidente sobre peças e materiais destinados à
construção de navios por estaleiros nacionais e redução a zero das alíquotas de
PIS/Pasep e Cofins sobre equipamentos destinados à indústria naval, estimulan-
do o setor de navipeças (Decreto 6.704/2008 e Lei 11.774/2008).
• Criação, em 2003, do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petró-
leo e Gás Natural (Prominp), coordenado pelo Ministério de Minas e Energia
(MME), com a participação de diversos segmentos produtivos do país, com ên-
fase na qualificação profissional e no desenvolvimento tecnológico voltado, es-
pecialmente, para a área de petróleo e gás natural. Destaque-se a participação
do BNDES como membro do comitê diretivo do programa.

13
A partir da sétima rodada de licitações (2005), o conteúdo local empregado nas fases de exploração e desenvolvimento deixou de
ser declaratório, e foi introduzida exigência de Certificação de Conteúdo Local, regulamentada pelas Resoluções ANP 36 a 39/2007.
286 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O parque de estaleiros atual

A retomada dos investimentos do setor naval na última década refletiu-se em au-


mento da capacidade instalada dos estaleiros, tanto por investimentos em novas
unidades quanto por expansões e modernizações de instalações existentes.
O FMM concedeu, nos últimos anos, prioridade para 38 projetos de construção, am-
pliação e modernização de estaleiros, conforme Tabela 2. Note-se o aumento nos valores
especialmente nos anos de 2009 e 2011,14 acompanhando o aquecimento do mercado.

Tabela 2 Estaleiros no Brasil – investimentos priorizados pelo FMM

Ano Nova planta Ampliação Modernização Total


Projetos Valor (US$) Projetos Valor (US$) Projetos Valor (US$) Projetos Valor (US$)

2005 4 432.154.126,68 0 - 1 1.173.036,64 5 433.327.163,32

2006 3 241.670.548,75 0 - 0 - 3 241.670.548,75

2007 0 - 0 - 1 64.355.397,09 1 64.355.397,09

2008 0 - 0 - 2 145.492.000,84 2 145.492.000,84

2009 11 1.950.272.484,28 1 68.860.573,62 0 - 12 2.019.133.057,90

2010 0 - 0 - 0 - 0 -

2011 8 2.722.600.426,48 3 500.445.841,53 1 27.264.629,54 12 3.250.310.897,55

2012* 2 25.596.437,85 1 42.970.361,67 3 68.566.799,52

Total 28 5.372.294.024,04 4 569.306.415,15 6 281.255.425,78 38 6.222.855.864,97

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados do CDFMM/MT.


* Dados até abr. 2012.

Cumpre ressaltar que parte relevante dos investimentos nos projetos prioriza-
dos ainda se encontra em andamento ou a iniciar.
A capacidade instalada de processamento de aço no país, referente a estaleiros
de médio e grande portes, totaliza atualmente 529 mil toneladas/ano, ocupando
uma área de 3,97 milhões de m².
Os estaleiros de médio porte são aqueles com capacidade de produção de pe-
quenas e médias embarcações, atualmente especializados na construção de em-
barcações de apoio marítimo. Na Tabela 3, destacam-se os estaleiros STX-Niterói e
o Aliança, no estado do Rio de Janeiro, o Navship, em Santa Catarina, e o Wilson
Sons, em São Paulo.

14
Em 2010, não houve reunião do Conselho Diretor do FMM e, portanto, não houve concessão de prioridades.
Construção Naval 287

Tabela 3 Estaleiros nacionais de médio e grande portes – capacidade instalada


no primeiro trimestre de 2010

Estaleiros Processamento de aço (mil t/ano) Estado Área (mil m²)

Eisa 52 Rio de Janeiro 150

Brasfels 50 Rio de Janeiro 410

Rio Nave 48 Rio de Janeiro 150

Enavi-Renave 40 Rio de Janeiro 200

Mauá 36 Rio de Janeiro 334

STX 15 Rio de Janeiro 120

Aliança 10 Rio de Janeiro 61

Superpesa 10 Rio de Janeiro 96

SRD 10 Rio de Janeiro 85

UTC n.d. Rio de Janeiro 112

Detroit 10 Santa Catarina 90

MacLaren Oil 6 Rio de Janeiro 30

Wilson Sons 10 São Paulo 22

Navship 15 Santa Catarina 175

Itajaí 12 Santa Catarina 177

Rio Grande 30 Rio Grande do Sul 100

Quip 0 Rio Grande do Sul 70

Atlântico Sul 160 Pernambuco 1.500

Inace 15 Ceará 180

Fontes: Sinaval e BNDES.

Com relação aos estaleiros de grande porte, voltados à construção de grandes


embarcações, destacam-se o Eisa, o Brasfels e o Mauá, no estado do Rio de Janeiro,
o Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e o Atlântico Sul, em Pernambuco.
Esses estaleiros respondem por parte relevante das encomendas nacionais,
como pode ser verificado no Gráfico 3, que indica o market share dos estaleiros do
país por tipo de embarcação.
Note-se a atuação do BNDES nos investimentos já realizados nos estaleiros, tan-
to na construção de novas plantas – Estaleiro Atlântico Sul, Estaleiro OSX, Estaleiro
Wilson Sons (duas plantas), Estaleiro Aliança (São Gonçalo), e Estaleiro Navship –
quanto na ampliação e na modernização dos estaleiros já existentes – Estaleiro
Aliança (Niterói) e Estaleiro STX. No período de 2000 a 2012, foram desembolsados
R$ 2,2 bilhões a esses projetos.
288 BnDEs 60 anos – PErsPECtIvas sEtorIaIs

Gráfico 3 MARKET SHARE dOS ESTALEiROS bRASiLEiROS – POR TiPO dE EMbARcAçÃO


STX-SUAPE* BRASFELS
RIO NAVE
ITAJAÍ 6 (18%)
8 (9%)
10 (11%) PARAGUAÇU*
7 (8%) MAUÁ

RENAVE
6 (18%)
OSX* 5 (6%) 5 (15%)
11 (13%)
EISA
GRÁFICO 3A: 4 (5%) GRÁFICO 3B:
MARKET SHARE – MARKET SHARE –
NAVIOS-TANQUE 3 (3%) SONDAS
SUPERPESA
3 (3%) 3 (9%)
12 (14%) SÃO MIGUEL
6 (18%) RIO
3 (3%)
MAUÁ GRANDE
A DEFINIR JURONG*

7 (22%)
22 (25%)

EAS SÃO MIGUEL EAS


INACE
NAVSHIP MACLAREN
10 10
(5%) (5%) 9
14 (7%)
(4%)
ETP

16 (8%)

OUTROS
ALIANÇA 16 (8%) 53 (24%)
GRÁFICO 3C:
MARKET SHARE –
EMBARCAÇÕES
DE APOIO
18 (9%)
STX

19 (9%) 22 (11%)

21 (10%)
WILSON SONS
EISA

DETROIT

Fonte: Elaboração BnDEs, com base em dados da Petrobras.


* Em implantação.

3. PO S i C i O nA M E n T O D A in D Ú S T R iA
nAVAl B R A S il E iR A n O M E R C A D O
M UnDi Al E fAT OR E S E S T R AT É g iC OS
DE C O M PET iT iViD A D E
o crescimento da indústria de construção naval brasileira ao longo da década foi
acompanhado de crescimento desse setor no mundo. Diferentemente da indús-
Construção Naval 289

tria brasileira, cujo crescimento esteve atrelado ao desenvolvimento das ativida-


des petrolíferas offshore, o desempenho da indústria naval internacional esteve
mais correlacionado ao aquecimento do comércio marítimo global, ocorrido nos
anos anteriores à crise financeira de 2008, que estimulou a renovação da frota
mercante internacional.

Tabela 4 Número de embarcações encomendadas no início do ano

Ano Mundo China (A) Coreia do Sul (B) Japão (C) Brasil (D) (A+B+C)/mundo (%) (D)/mundo (%)

2002 2.437 348 480 551 14 57 0,6

2003 2.497 357 488 645 21 60 0,8

2004 3.484 563 790 970 34 67 1,0

2005 4.483 862 1.017 1.123 27 67 0,6

2006 5.773 1.290 1.128 1.303 27 64 0,5

2007 7.788 2.243 1.457 1.553 40 67 0,5

2008 10.721 3.709 2.206 1.828 63 72 0,6

2009 11.071 4.102 2.308 1.910 78 75 0,7

2010 9.164 3.641 1.847 1.539 84 77 0,9

2011 8.198 3.511 1.556 1.326 108 78 1,3

2012 6.308 2.647 1.161 983 124 76 2,0

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados Clarkson Research.

A Tabela 4 mostra o número de embarcações encomendadas no período de


2002 a 2012. Note-se o aumento na carteira de pedidos até o início do ano de 2009,
quando a demanda por transporte marítimo encontrava-se bastante aquecida, com
a posterior queda nas encomendas, a partir de 2010, que refletiu a tendência de
retração do comércio internacional em consequência da crise global.
A tabela indica, ainda, a importante participação dos países asiáticos na oferta
mundial da indústria naval, com destaque para China, Coreia do Sul e Japão, que
atendem a cerca de 80% das encomendas. Tal situação decorre não apenas do am-
plo amparo governamental desses países ao setor, mas também da mão de obra
abundante e barata da região e da atuação em conglomerados para adequar a
produção de navipeças e de tecnologia aos estaleiros.
Os países asiáticos, em geral, especializaram seus estaleiros em alguns segmen-
tos específicos para serem competitivos por meio de ganho de escala ou de conheci-
mento tecnológico. Os navios de carga, mais demandados internacionalmente, têm
290 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

sido produzidos principalmente pelos países antes apontados – China, Coreia do


Sul e Japão –, enquanto as plataformas e os navios voltados à indústria de petróleo
offshore são entregues, em sua maioria, por Cingapura.
A produção de embarcações no Brasil ainda é muito pequena quando compa-
rada à produção mundial. A carteira de encomendas aos estaleiros nacionais repre-
sentou menos de 1% dos pedidos globais ao longo da década, embora, nos últimos
anos, o número de pedidos tenha aumentado significativamente.
Ressalte-se a ocorrência de recentes licitações para a contratação de 26 sondas
de perfuração e de 14 plataformas de produção pela Petrobras, cujas contratações
aos estaleiros ainda não estão definidas em sua totalidade. É importante destacar
também a característica dessas novas encomendas, que dispõem de maior conteú-
do tecnológico quando comparadas a navios-tanque e, consequentemente, contam
com maior valor agregado.
Como a retomada da indústria naval brasileira está fundamentada na garantia de
uma demanda doméstica, os estaleiros nacionais têm sua produção voltada exclusiva-
mente ao mercado interno. Ainda que nesse momento a indústria naval não esteja
competindo internacionalmente, é importante destacar alguns fatores estratégicos
para a competitividade global nesse setor: preço do aço, custo da mão de obra, com-
petência em gestão e montagem e disponibilidade de navipeças [Favarin et al. (2010)].

Preço do aço

O aço é um dos elementos de maior custo na construção naval, representando cerca


de 20% a 30% dos custos totais de construção de navios.15 A indústria siderúrgica
brasileira é uma das mais competitivas do mundo, mas a crise econômica de 2008
reduziu a demanda internacional de aço, fazendo com que países exportadores bus-
cassem o Brasil como mercado, oferecendo preços bastante inferiores aos nossos.
O poder de negociação dos estaleiros brasileiros para o fornecimento do aço
nacional foi, durante anos, limitado, já que a demanda por chapas e bobinas gros-

15
O percentual indicado refere-se à construção de navios de carga, como petroleiros e gaseiros. Para sondas, plataformas e embarcações
de apoio mais complexas, o custo do aço não é tão relevante, já que essas embarcações dispõem de maior conteúdo tecnológico.
Construção Naval 291

sas, principais produtos siderúrgicos utilizados pelo setor naval, era irregular e pul-
verizada, enquanto a oferta era realizada apenas pela Usiminas, caracterizando
uma estrutura de monopólio. A produção nacional de chapas e bobinas grossas
destinadas ao setor naval no período de 2007 a 2011 passou de 1,6% para cerca de
2,2% das vendas internas desses produtos.
Atualmente, a demanda da indústria naval encontra-se mais robusta e rele-
vante para a indústria siderúrgica nacional. Além disso, o Brasil conta hoje com
três fornecedores de chapas grossas – a Usiminas, a CSN e a Arcelor Mittal –, e
foram anunciados alguns investimentos para expansão da produção, como o da
empresa Gerdau.

Custo e disponibilidade de mão de obra – impactos


no nível tecnológico
O custo da mão de obra representa de 15% a 20% dos custos totais de construção
de navios e varia em função de dois fatores: posição dos estaleiros na curva de
aprendizado, que define a velocidade dos ganhos de produtividade, e nível tecno-
lógico dos estaleiros, que define o grau de mecanização dos processos.
Estudos realizados por consultorias à época da formulação do Promef indicam
que a curva de aprendizado da indústria naval brasileira apresenta declividade de
85%. Isso significa que, toda vez que a produção acumulada dobra, ocorre uma
redução de 15% no consumo de mão de obra, medido pelo indicador HH/CGT.16 A
declividade da curva dos países asiáticos é de cerca de 70%.
Note-se, ainda, a agravante carência de mão de obra qualificada no Brasil, de-
corrente do desinteresse pela formação de pessoas nessa área nos últimos anos,
já que o nível de investimentos no setor era praticamente nulo. Essa situação de-
verá mudar no médio prazo, já que diversos programas de treinamento têm sido
realizados pela indústria e pelo governo, e alguns cursos universitários voltados à
indústria naval foram retomados.

16
Indicador-padrão de produtividade de mão de obra na indústria naval. HH (homem-hora)/CGT (compensated gross tonnage – tonelagem
bruta compensada): medida que equilibra as variações no nível de complexidade entre os tipos de embarcações existentes. Para o
segmento offshore, especialmente sondas e plataformas, utiliza-se o indicador HH/t.
292 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Quanto ao nível tecnológico, os estaleiros que dispõem de ativos e sistemas de


informação avançados têm maior grau de automação e, portanto, fazem sentido
em países com alto custo de mão de obra. Considerando que o custo da mão de
obra no Brasil varia entre US$ 11 e US$ 19/HH, inferior ao de alguns países asiá-
ticos e europeus, porém superior ao chinês, o país pode ser orientado a um nível
tecnológico intermediário, isto é, nível 3 da Figura 1, que caracteriza os níveis de
tecnologia da indústria naval.

Figura 1 Níveis de tecnologia na indústria naval

NÍVEL TECNOLÓGICO

ELEMENTO 1 2 3 4 5

ESTRUTURA Carreira longitudinal ou lateral Dique escavado


PRINCIPAL

MOVIMENTAÇÃO Guindastes 10 ton Guindastes/pórticos Equipamentos* Equipamentos Equipamentos


DE CARGA a 50 ton 50 ton a 200 ton 200 ton a 500 ton 500 ton a 1.500 ton superior a 1.500 ton

Corte manual/ótico; Corte a plasma; Corte a laser;**


PROCESSAMENTO
DE AÇO
Solda manual Solda semiautomática Solda robotizada

CAD/CAM; CAD/CAM/CIM;***
INFORMATIZAÇÃO CAD
MRP ERP

Data dos primeiros 1960 1970 1980 1990


estaleiros

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da National Shipbuilding Research Program (NSRP).
* São incluídos guindastes, pórticos, cábreas e sistema conjunto de trilhos + guindastes.
** Apesar de não aplicável a chapasde amior espessura, considerada o estado das artes da tecnologia de corte.
*** CAD – Computer aided design; CAM – Computer aided manufacturing; CIM – Computer integrated manufacturing.

Com relação aos ativos que definem a capacidade de movimentação, os níveis tec-
nológicos 1 e 2 dispõem de equipamentos de baixa capacidade de içamento, enquanto
a partir do nível 3 começam a ser movimentados e unidos grandes blocos. Assim, nos
níveis 1 e 2 são edificados de 250 a trezentos blocos para a construção de um navio,
enquanto no nível 5 a construção se dá a partir da edificação de 12 a vinte blocos. A
redução no número de blocos proporciona a redução dos prazos de construção.
Construção Naval 293

Quanto à informatização, os níveis 1 e 2 têm muito baixa informatização, ao


passo que a partir do nível 3 surgem sistemas de informação que permitem geren-
ciar recursos, processos, projetos e finanças. A aproximação do nível 5 indica maior
integração desses sistemas.
Apesar da possível orientação a um nível tecnológico intermediário, nível 3, os
novos estaleiros Atlântico Sul, em Pernambuco, e Rio Grande, no Rio Grande do
Sul, optaram por uma estratégia tecnológica equivalente ao nível 4 por disporem
de dique, alta capacidade de içamento, etapas de processamento automatizadas e
presença de sistemas de informação modernos.

Competência em gestão e montagem

A competência em gestão e montagem é outro importante fator para obter ga-


nhos de produtividade e redução de custos gerais, uma vez que impacta no plane-
jamento, em programação e controle da produção, na engenharia de processos e
na utilização de sistemas de informação e de coleta de dados.
Nesse ponto, deve-se destacar a inovação de processos como importante fonte
de competitividade do setor. A identificação de similaridades entre produtos in-
termediários, por exemplo, pode aumentar a eficiência do processo por meio do
aumento da escala de produção, mesmo quando os produtos finais não são padro-
nizados. O aprendizado na produção orientada a produto, isto é, com elevado grau
de padronização, é significativamente mais rápido do que em estaleiros orientados
a processos, com produção não seriada.
Para obter a competência em gestão e montagem, os estaleiros nacionais têm
utilizado duas estratégias: contratação de profissionais de outras empresas brasi-
leiras com experiência na atividade de construção naval e associação com parceiros
tecnológicos internacionais.

Disponibilidade de navipeças

Finalmente, a disponibilidade de navipeças representa de 30% a 50% dos custos


totais de construção de navios. A cadeia fornecedora de navipeças no Brasil ainda é
294 BnDEs 60 anos – PErsPECtIvas sEtorIaIs

incipiente, e a produção de alguns equipamentos no país não é viável por falta de


demanda que represente escala para a produção a custos competitivos.
os requerimentos de conteúdo local exigidos nas últimas encomendas de em-
barcações, no âmbito dos programas Prorefam e Promef e também na contratação
das sondas e plataformas de produção, tendem a aumentar a demanda por equi-
pamentos, possibilitando o desenvolvimento da indústria de navipeças. De outro
lado, a prática continuada de fornecimento estrangeiro dos principais equipamen-
tos em pacotes fechados, como sistemas, se coloca como importante barreira ao
crescimento dessa demanda.
Destaque-se o esforço do BnDEs em fomentar a indústria de navipeças. o Banco
lançou, em 2011, o Programa BnDEs de apoio ao Desenvolvimento da Cadeia de
Fornecedores de Bens e serviços relacionados ao setor de Petróleo e Gás (BnDEs
P&G), o qual tem como principais objetivos criar e ampliar a capacidade produtiva
das empresas fornecedoras de bens e serviços de petróleo e gás, nos quais se in-
serem os fornecedores de navipeças; aumentar sua competitividade doméstica e
internacional; e desenvolver sua capacidade inovativa.

4. i nO VAÇ ÃO n O S E T OR n AVA l B R A S il EiRO


ainda que não tenha sido elencada como um dos fatores estratégicos de competiti-
vidade da indústria naval, a inovação é determinante da eficiência e da capacidade
produtiva dos estaleiros de um país.
a indústria naval é caracterizada por um lento processo de inovação tecnológi-
ca de produtos17 e está mais propensa às inovações de processos, tanto as tecnoló-
gicas quanto as gerenciais.
no Brasil, a crise do setor naval na década de 1980 interrompeu os tímidos
investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) feitos até então pelos es-
taleiros e por algumas empresas de projetos. Quando da retomada da indústria

17
Exceção se faz à indústria de navipeças, que oferece extensa possibilidade de inovação de produtos.
Construção naval 295

nos anos 2000, calcada em nova demanda por embarcações voltadas às atividades
petrolíferas, os estaleiros então instalados não dispunham de estrutura financeira
robusta que lhes permitisse investir em atividades de P&D para atender às necessi-
dades de seus clientes. assim, passaram a adquirir os projetos e os equipamentos
de alto conteúdo tecnológico de fornecedores internacionais.
a busca de inovações pelos estaleiros brasileiros foi determinada pela necessi-
dade de atender aos requerimentos dos armadores (demand pull). nesse sentido, a
participação de parceiros internacionais – acionistas, fornecedores e consultores – foi
relevante para que os estaleiros nacionais tivessem acesso às tecnologias já utiliza-
das por outros países.
os projetos básicos têm sido importados das matrizes dos acionistas estrangei-
ros dos estaleiros ou de empresas projetistas reconhecidas internacionalmente. as
inovações em navipeças de alto conteúdo tecnológico e em bens de capital especí-
ficos para a indústria naval têm sido introduzidas no mercado brasileiro por meio
de importações. não há, ainda, grande participação de empresas nacionais no de-
senvolvimento desses produtos.
o cenário de novas encomendas nacionais configura uma oportunidade para
que a indústria de navipeças se junte aos estaleiros para desenvolver a engenharia
básica de novos produtos internamente, reduzindo a dependência dos fornecedo-
res internacionais.
Com relação às inovações em processos, a indústria naval brasileira proporciona
grandes possibilidades, já que existe uma defasagem da engenharia de processos
nacional vis-à-vis a estrangeira, tanto em processos de fabricação quanto em tec-
nologias gerenciais.

5. PER S PEC Ti VA S E C On S iD E R A Ç ÕE S f inA iS


a demanda do setor de petróleo e gás por embarcações encontra-se bastante aque-
cida e tal situação deve se manter no longo prazo, já que a produção offshore ten-
de a se intensificar com a exploração e a produção do pré-sal. o Plano de negócios
296 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

2012-2016 da Petrobras estimou uma produção de 4.200 mbpd/dia18 para o ano de


2020, dos quais mais de 90% resultantes de produção no mar. Essa produção de-
mandará a contratação de diversas sondas de perfuração, plataformas de produção
e embarcações de apoio marítimo.
Esse aquecimento do mercado tem ensejado investimentos na implantação e na
ampliação de estaleiros de médio e grande portes, aumentando, de forma relevan-
te, a capacidade instalada projetada para os próximos anos.
Entre os projetos de novas plantas de grande porte, destacam-se o Estaleiro
OSX, no Rio de Janeiro, o Estaleiro Enseada do Paraguaçu, na Bahia, e o Estaleiro
Jurong, no Espírito Santo. Com relação aos projetos de expansão, destacam-se o
do Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, e o do Estaleiro Rio Grande, no Rio
Grande do Sul.
Com relação aos estaleiros de médio porte, destacam-se os investimentos em
novas plantas pelo STX-Quissamã, no Rio de Janeiro, e P2, em Santa Catarina. Quan-
to às expansões, o Estaleiro Wilson Sons, em São Paulo, já está com os investimentos
em andamento.
Além do aumento de capacidade, esses novos estaleiros vão elevar o nível tec-
nológico do parque nacional, já que os equipamentos adquiridos devem contar
com maior capacidade de içamento e movimentação, e os níveis de informatização
devem ser superiores aos previamente utilizados. Ainda do ponto de vista tecnoló-
gico, é importante ressaltar a crescente atração de grupos estrangeiros à indústria
naval brasileira, atuando, na maioria das vezes, como parceiros tecnológicos nos
novos estaleiros.
O grupo sul-coreano Hyundai Heavy Industries é acionista do Estaleiro OSX, o
grupo Jurong Shipyard, de Cingapura, atuará no Brasil por intermédio do estaleiro
Jurong Aracruz, o Estaleiro Enseada do Paraguaçu firmou, recentemente, parceria
com o grupo japonês Kawasaki Heavy Industries Ltd. e o Estaleiro Atlântico Sul en-
contra-se em negociação com novo parceiro tecnológico japonês, o Ishikawajima-
-Harima Heavy Industries.

18
Mbpd/dia: mil barris de petróleo/dia.
Construção Naval 297

Além de atrair diversos grupos internacionais, a demanda aquecida do setor de


óleo e gás por embarcações e a política de incentivos adotada pelo governo federal
também trouxeram investidores nacionais de outros segmentos para a construção
de embarcações, como as construtoras Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e
Odebrecht e as empresas de engenharia UTC e Engevix.
Com relação ao setor de navipeças, cumpre ressaltar os investimentos que já
estão sendo realizados por algumas empresas do setor, como a WEG e a Jaraguá, e
a atração de empresas estrangeiras que também estão realizando investimentos no
país, como a Caterpillar e a Rolls Royce. Note-se, ainda, o movimento que tem feito
a indústria metal-mecânica nacional, já consolidada em alguns setores de bens de
capital, voltando sua produção ao setor de navipeças, como a Usimec.
As perspectivas de demanda e de aumento de capacidade da indústria naval na-
cional nos próximos anos são bastante positivas. A demanda criada pelas atividades
de exploração e produção de petróleo e gás offshore tem se mostrado robusta e
perene, requerendo investimentos relevantes em aumento de capacidade produtiva.
As encomendas de sondas de perfuração, de plataformas de produção e de
embarcações de apoio marítimo deverão sustentar, no longo prazo, a carteira
dos estaleiros.
Com os investimentos anteriormente apontados, o parque naval nacional deve-
rá atingir uma capacidade de processamento de aço superior a 850 mil toneladas/
ano. Tal como ocorre atualmente, a configuração do novo parque se manterá con-
centrada em estaleiros de médio porte, para atender, assim, à grande demanda por
esse tipo de embarcação.
Finalmente, deve-se ressaltar a relevante participação do BNDES na reestrutu-
ração da indústria naval ao longo da década. O Banco foi o principal repassador de
recursos do FMM nas operações de investimentos em aumento de capacidade dos
estaleiros e de construção de embarcações de apoio e de navios-tanque.
Destaque-se, ainda, o importante papel que o BNDES desempenhará no apoio
à construção de sondas de perfuração e plataformas de produção em estaleiros na-
cionais, operações dependentes de grandes volumes de capital e que não contarão
com recursos do FMM.
298 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O apoio à indústria naval, além da forte geração de empregos nos estaleiros,


traz externalidades a toda a cadeia fornecedora do setor, inclusive à indústria de
navipeças, que está se reestruturando e se fortalecendo, também com o apoio do
Banco, de modo a atender à nova demanda dos estaleiros.

R e f er ênc i as
ANP – Agência Nacional do Petróleo. Anuário estatístico brasileiro do petróleo, gás
natural e biocombustíveis – 2011. Rio de Janeiro, 2011.

Favarin, J. V. et al. Competitividade da indústria naval brasileira. Rio de Janeiro, 2010.

Lima, G. O soerguimento da construção naval brasileira nos anos 2000 – Uma


análise neo-schumpeteriana. Dissertação (Mestrado em Teoria Econômica) –
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2009.

Sinaval – Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore.


Capacidade produtiva dos estaleiros brasileiros. Disponível em: http://www.sinaval.
org.br/docs/SINAVAL-Cenario2010-Capacidade.pdf>. Acesso em: ago. 2012.

Bi b l i o gra f i a
Almeida, L. M. Estudo de caso sobre a indústria naval sul-coreana. Rio de Janeiro, 2009.

Coutinho, L.; Sabbatini, R.; Ruas, J. A. Projeto: Implantação e consolidação de


laboratório de gestão de operações e da cadeia de suprimentos da indústria de
construção naval – Documento: Forças atuantes na indústria. São Paulo, 2006.

Coutinho, L. et al. Projeto: Implantação e consolidação de laboratório de gestão


de operações e da cadeia de suprimentos da indústria de construção naval –
Documento: Avaliação de nichos de mercado potencialmente atraentes ao Brasil.
São Paulo, 2006.
Construção Naval 299

Cunha, M. A. Indústria de construção naval: uma abordagem estratégica. São


Paulo, 2006.

De Negri, J. A.; Kubota, L. C.; Turchi, L. Inovação e a indústria naval no Brasil. Belo
Horizonte, 2009.

Favarin, J. V. Metodologia de formulação de estratégia de produção para


estaleiros brasileiros. São Paulo, 2011.

Favarin, J. V. et al. Balanço entre oferta e demanda na construção naval brasileira.


Rio de Janeiro, 2010a.

Rodrigues, F. H.; Ruas, J. A. Perspectivas do investimento em Mecânica – Naval.


Perspectivas do Investimento no Brasil, Sistema produtivo 07. Instituto de Economia
da UFRJ e Instituto de Economia da Unicamp (Coord.). Campinas, jan. 2009.

Sabbatini, R. et al. Construção naval. Relatório de acompanhamento setorial, v. II.


Campinas: Unicamp e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI),
jun. 2008. Disponível em: <http://www.abdi.com.br/Estudo/Naval%20junho%20
2008.pdf>. Acesso em: ago. 2012.

Sites consultados

MT – Ministério dos Transportes – <http://www.transportes.gov.br/>.


Vitor pimentel
renata Gomes
andré landim
João pieroni
pedro palmeira Filho*

* respectivamente, economista, engenheira, engenheiro, gerente setorial e chefe do Departamento de Produtos intermediários
químicos e farmacêuticos da área industrial do BnDes. Os autores agradecem os comentários de Maurício neves, tânia tinoco, filipe
lage de sousa, andré sant’anna e Mário fernandes. eventuais erros remanescentes são de responsabilidade exclusiva dos autores.
Complexo IndustrIal da saúde 301

R es UM O
a saúde é uma das áreas de maior convergência entre aspectos sociais e econômi-
cos do desenvolvimento, pois condiciona o pleno exercício dos direitos humanos e
demanda uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnologia. nos países em
desenvolvimento, as transições epidemiológica e demográfica apontam para um
crescimento acelerado do mercado e a aproximação de suas necessidades de saú-
de às dos países desenvolvidos. dessa forma, a construção de uma base industrial
em saúde passou ao centro das agendas nacionais de desenvolvimento. no Brasil,
o maior desafio do Complexo Industrial da saúde é ampliar os investimentos em
inovação, como forma de expandir sua competitividade. o objetivo deste trabalho
é discutir o papel do Bndes em um contexto em que promover a inovação constitui
meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.

aB s TR ac T
Health promotion is a basic condition for human rights fullfilment and requires
a complex chain of high technology goods and services, being a key area of both
social and economic development. In developing countries, the demographic
and epidemiological transitions points out to an intense growth of the market
and to a convergence of their health needs to those of developed countries.
thus, building a health care industrial base became a central issue in national
development political agendas. In Brazil, the greatest challenge for the Health
Industry is increasing innovation investments, in order to compete in the global
market. In this context, we discuss the role of Bndes in fostering innovation as
means to expand Brazilian people’s access to new health products.
Complexo IndustrIal da saúde 303

1. i nTR O DUÇ Ã O
a saúde é uma das áreas mais importantes do ponto de vista do desenvolvimento
econômico e social, tanto como condição para o pleno exercício dos direitos humanos
quanto como demandante de uma complexa cadeia de bens e serviços de alta tecnolo-
gia. o direito à saúde, como parte do papel do estado, adiciona um papel fundamental
às políticas públicas, buscando ampliar o acesso da população a esses produtos.
ao longo de seus sessenta anos de história, o Bndes vem atuando no forta-
lecimento das indústrias de saúde no Brasil por meio de suas diferentes linhas de
financiamento. a partir de 2003, a instituição passou a atuar de forma prioritária
na cadeia farmacêutica e, mais recentemente, em todo o Complexo Industrial da
saúde, como parte dos focos das recentes políticas industriais. por meio de um pro-
grama específico, o Bndes profarma, o Banco vem contribuindo para a ampliação
da competitividade e dos esforços de inovação na indústria de saúde brasileira.
no entanto, diversos são os desafios previstos para o futuro. desde a segunda
metade do século xx, o Brasil está em processo de transição do perfil de deman-
da por saúde, aproximando-se do de países desenvolvidos, com alta prevalência
de doenças crônico-degenerativas. esse movimento, associado à contínua melhoria
de indicadores sociais e de renda, gera uma perspectiva de elevado crescimento
da demanda por saúde, impondo um grande desafio para a sustentabilidade do
sistema público de saúde brasileiro, que se propõe universal, conforme consagra a
Constituição de 1988.
pelo lado da oferta, embora tenham ocorrido avanços nos esforços de inovação
das empresas brasileiras, as bases produtiva e tecnológica instaladas no país não
acompanharam as mudanças no perfil da demanda. Como reflexo da fragilidade
competitiva, o déficit comercial do Complexo Industrial da saúde alcançou us$ 10
bilhões em 2011. Contudo, novas trajetórias tecnológicas e tendências de mercado,
como a ascensão da biotecnologia na indústria farmacêutica e a busca por soluções
integradas na indústria de equipamentos médicos, se apresentam como grandes
oportunidades para incorporação de competências produtivas e tecnológicas na
indústria brasileira de saúde.
304 Bndes 60 anos – perspeCtIVas setorIaIs

Considerando o fortalecimento do Complexo Industrial da saúde como um dos


elementos-chave da sustentabilidade do sistema único de saúde (sus), do aden-
samento tecnológico da indústria brasileira e, em última instância, do desenvolvi-
mento do país, busca-se apontar neste trabalho o papel do Bndes na construção de
uma base industrial e tecnológica de saúde competitiva no Brasil.
para isso, o artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução. na pri-
meira, resgatam-se alguns conceitos da relação entre saúde e desenvolvimento que
fundamentam a análise integrada do Complexo da saúde. em seguida, traça-se um
breve panorama dos principais condicionantes para a evolução futura das indústrias
de saúde, destacando a mudança de perfil epidemiológico, o crescimento dos países
em desenvolvimento e as principais tendências tecnológicas e de mercado. direcio-
nando o olhar para o Brasil, a terceira seção mostra sua posição nas tendências in-
ternacionais e identifica os principais desafios para as indústrias de saúde do país.
a quarta seção expõe a história recente da atuação do Bndes, com ênfase na pro-
gressiva adoção do conceito de Complexo Industrial da saúde. À guisa de conclusão,
discute-se o papel do Bndes, nesse novo cenário, como um dos atores da integração
entre a política industrial e o atendimento às necessidades de saúde do país.

2 . s aÚDe c O M O D e s e n VOLViM e n T O
a organização mundial de saúde (oms) define saúde como “um estado de com-
pleto bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças” [oms
(1946)]. por envolver aspectos objetivos e subjetivos, a saúde é um dos temas mais
complexos para as teorias tradicionais do desenvolvimento, que geralmente se
restringem à análise do crescimento econômico, do aumento da renda e do avan-
ço tecnológico.
se considerada uma perspectiva mais ampla, como a proposta por sen (2000),
a saúde passa a ter um papel central no desenvolvimento econômico e social. para
o autor, o desenvolvimento consiste na remoção das várias restrições que limitam a
escolha individual e reduzem as oportunidades de ação das pessoas. a expansão da
liberdade é, simultaneamente, o fim precípuo e o principal meio para a promoção
Complexo Industrial da Saúde 305

do desenvolvimento. Mais do que apenas influenciar a liberdade, a saúde é consi-


derada condição básica, sendo sua promoção um fim em si mesmo.
Concretamente, a ampliação do acesso à saúde está associada a várias traje-
tórias de redução da pobreza e do aumento de renda, pois viabiliza o desenvolvi-
mento físico e intelectual das pessoas, favorecendo a produtividade do trabalho e
a capacidade de aprendizado. Grandes saltos de desenvolvimento da história eco-
nômica foram sustentados por importantes transformações no sistema de saúde e
no controle de doenças, como nos casos do milagre japonês e da reconstrução da
Europa Ocidental, na segunda metade do século XX [Sachs (2001)].
A associação entre ausência de saúde e persistência da pobreza é mais direta.
As populações pobres são mais vulneráveis a contrair doenças por terem menos
acesso a água potável, saneamento básico, informação sobre comportamentos pre-
ventivos e alimentação adequada. Por sua vez, as enfermidades tendem a aprofun-
dar a pobreza, tanto pelo custo financeiro de tratar a doença, quanto por reduzir a
capacidade de trabalho. Por esse motivo, ao longo do processo de desenvolvimento
de alguns países, as demandas sociais levaram à formação dos modernos sistemas
de proteção da saúde, tornando coletivo o risco de um indivíduo adoecer [Sachs
(2001); Viana, Silva e Elias (2007)].
A construção desses sistemas de proteção social ao longo do processo de desen-
volvimento representou uma fonte de demanda relativamente estável e indepen-
dente do ciclo econômico para os bens e serviços de saúde, induzindo a consolida-
ção de uma expressiva base industrial de saúde [McKelvey e Orsenigo (2001)].
Dessa forma, por envolver a produção de um amplo conjunto de bens e ser-
viços de elevado conteúdo tecnológico e demandar mão de obra qualificada, a
saúde pode ser diretamente relacionada, também, ao desenvolvimento industrial
e tecnológico de um país. Em particular, a inovação é o fator de competitividade
preponderante nas indústrias de saúde [Gadelha et al. (2009)].
A inovação em saúde é essencialmente tecnológica, tendo recebido o segundo
maior investimento privado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do mundo, da
ordem de US$ 150 bilhões em 2010, atrás apenas das indústrias de tecnologia de
informação [Batelle (2011)]. Se considerados também os investimentos públicos,
306 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

estima-se que a saúde receba cerca de 20% (US$ 270 bilhões) do total de recursos
de P&D1 [Burke e Matlin (2008); Batelle (2011)].
Assim, dado o constante deslocamento da fronteira tecnológica em saúde, o
desenvolvimento industrial significa não apenas construir uma base produtiva, mas
também internalizar competências de inovação, de modo a ser capaz de participar
do deslocamento da fronteira do conhecimento e compreender mais rapidamente
as novas tecnologias.
A inovação tecnológica (ou o progresso técnico) é considerada a chave para o
desenvolvimento por um variado espectro de correntes da teoria econômica, desde
as diversas abordagens de inspiração schumpeteriana (destruição criadora) até os
modelos neoclássicos de crescimento (progresso técnico), passando pelos estrutura-
listas (mudanças estruturais) e marxistas (desenvolvimento das forças produtivas),
em um raro consenso entre tradições tão díspares.
A interação entre a base industrial e a prestação de serviços (hospitais, clíni-
cas, centros de diagnóstico) no atendimento à saúde impõe a necessidade de uma
análise integrada e sistêmica, entendida no conceito de Complexo (Econômico-In-
dustrial) da Saúde [Gadelha (2003)]. Essa abordagem se propõe a analisar a saúde
de uma perspectiva mais ampla, que leva em conta a articulação entre a geração
e difusão tecnológica e a dinâmica social. As políticas de promoção do desenvolvi-
mento industrial e tecnológico passam, assim, a considerar sua articulação com as
demandas sociais.
Em síntese, busca-se discutir o apoio do BNDES ao Complexo Industrial da Saú-
de com base em uma visão particular de desenvolvimento econômico, definida por
Celso Furtado como:

Processo de mudança social pelo qual o crescente número de necessi-

dades humanas, pré-existentes ou criadas pela própria mudança, são

satisfeitas através de uma diferenciação no sistema produtivo, gerado

pela introdução de inovações tecnológicas [Furtado (1964, p. 29)].

1
O valor percentual refere-se ao levantamento de Burke e Matlin (2008) e teve o ano de 2005 como referência; Batelle (2011)
apresenta os dados de investimento em P&D total no mundo por países, com referência a 2010.
Complexo IndustrIal da saúde 307

3. TR ans i Ç Õ e s in T e R n a c iOn a is D a s aÚ D e
TeNdêNcias da deMaNda Por saúde No MuNdo

a natureza da demanda por saúde depende do grau de desenvolvimento da socie-


dade. as populações pobres geralmente apresentam problemas de saúde relacio-
nados às condições de vida coletiva, resultando em elevada incidência de doenças
infectocontagiosas na população. além de tratamento por medicamentos, o efe-
tivo enfrentamento dessas doenças ocorre com a ampliação de serviços de sanea-
mento, infraestrutura e educação [Hsiao e Heller (2007)].
Com a evolução dos indicadores sociais e econômicos, os fatores individuais –
como estilo de vida, genética e idade – se tornam preponderantes, resultando em
aumento da incidência de doenças crônico-degenerativas na população, como cân-
cer, diabetes e hipertensão [Hsiao e Heller (2007)].
tal configuração se reflete na distribuição da carga de doença2 no mundo: nos
países pobres,3 as causas transmissíveis são mais frequentes, enquanto nos países
ricos prevalecem as causas não transmissíveis; a participação das causas externas é
relativamente estável.4 Já os países de renda média convivem com ambas as causas
de perda de anos de vida, conforme se observa no Gráfico 1.
assim, o processo de desenvolvimento e crescimento da renda tende a alterar
os padrões de demanda por saúde da população em direção às doenças crônico-
-degenerativas, processo conhecido como transição epidemiológica.
em um movimento conjunto e correlacionado à transição epidemiológica, o mun-
do passa também por uma intensa transição demográfica, que se reflete na melhora
dos indicadores populacionais básicos. em particular, observa-se uma queda nos in-
dicadores de natalidade e mortalidade infantil, enquanto a expectativa de vida ao

2
Metodologia adotada pela Organização Mundial da saúde [OMs (2012)]. consiste no cálculo de um índice sintético, o Disability-
adjusted life Years (DalY), ou anos de vida ajustados por incapacidades, definido como a soma dos anos de vida perdidos em razão
da mortalidade prematura e dos anos vividos com a incapacidade (por causa da doença ou das sequelas).
3
conforme classifica o Banco Mundial, países de renda baixa, média e alta são, respectivamente, aqueles cuja renda nacional Bruta
per capita em 2009 foi: inferior a us$ 995; entre us$ 996 e us$ 12.195; e superior a us$ 12.196.
4
causas transmissíveis: doenças infectocontagiosas, problemas nutricionais e perinatais; causas não transmissíveis: basicamente
doenças crônico-degenerativas, como câncer, diabetes e hipertensão; causas externas: violência, guerra, acidentes e autoflagelo.
308 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

nascer aumenta. Na comparação entre 1970 e 2009, nota-se melhora em todos esses
indicadores na média mundial e em todas as classes de países. Nesse contexto, o Brasil
sobressai, ao passar de uma situação de alinhamento com os países de renda média
para aproximar-se dos indicadores dos países de renda elevada (Tabela 1).

Gráfico 1 Distribuição da carga de doenças no mundo, 2004

100

80

60
(%)

40

20

0
Países de renda baixa Países de renda média Países de renda alta

Transmissíveis Não transmissíveis Externas

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de OMS (2008) e do Banco Mundial, Databank.

Tabela 1 Indicadores sociodemográficos selecionados, 1970-2009

Número de filhos por mulher Mortalidade infantil Expectativa de vida


1970 2009 1970 2009 1970 2009

Países de renda baixa 6,6 4,1 146 70 45 58

Países de renda média 5,3 2,4 99 38 57 69

Países de renda alta 2,5 1,7 24 5 71 80

Mundo 4,7 2,5 95 41 59 69

Brasil 5,0 1,9 99 17 59 73

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial, Databank.

Como consequência, a população de crianças e adolescentes (zero a 14 anos)


vem caindo em termos relativos desde a década de 1970 e, em termos absolutos,
desde o ano 2000. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas [ONU
Complexo Industrial da Saúde 309

(2012)], em cenário neutro (médio), a participação dos idosos (maiores de sessenta


anos) no total da população mundial deverá ultrapassar a de crianças e adolescen-
tes por volta de 2045, conforme mostra o Gráfico 2.

Gráfico 2 População mundial por faixas etárias, 1970-2045

10.000

9.000

8.000 21%

16%
7.000
MILHÕES DE HABITANTES

12%
6.000

10%
5.000
60% 58%
4.000 62%
8%
58%
3.000
54%
2.000

1.000 33% 27% 24% 21%


37%

0
1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015* 2020* 2025* 2030* 2035* 2045*

0-14 15-59 60+

Fonte: Elaboração própria, com base em dados e estimativas da United Nations Population Division.
* Estimativa.

O relatório da ONU relata que as doenças crônico-degenerativas já respondem


por mais de 60% dos óbitos no mundo e, em locais onde a população de idosos
supera 20%, ultrapassam 80% das causas de óbito [ONU (2012)]. Assim, em um con-
texto de envelhecimento da população, espera-se que, no mundo, essas doenças
tenham crescente participação nas necessidades de saúde.
Há correlação positiva entre as transições epidemiológica e demográfica e
a natureza da demanda por produtos e serviços de saúde: uma população mais
velha tende a ter maior incidência de doenças crônico-degenerativas, que, na
maior parte, ainda não têm cura, fazendo o tratamento acompanhar o paciente
por longos períodos e impondo a necessidade de incorporação de tecnologias
mais avançadas e, geralmente, mais caras [ONU (2012); Nunes (2004); Schramm
et al. (2004)].
310 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Dentre essas tecnologias, destacam-se medicamentos de origem biotecnológi-


ca, com a aplicação de técnicas de DNA recombinante, e equipamentos de diagnós-
tico mais precisos, que permitem maior personalização do tratamento conforme as
necessidades do paciente [PWC (2007); Golisano (2012)].
Dessa forma, uma parcela crescente da renda é destinada à saúde. Conforme a
Tabela 2, a participação dos gastos em saúde na renda per capita é maior quanto
maior a renda per capita do país, além de crescer ao longo do tempo. Nesse contex-
to, a participação dos gastos com saúde na renda per capita brasileira é bem supe-
rior à da classe dos países de renda média, da qual faz parte, indicando um estágio
avançado dos processos de transição.

Tabela 2 Participação do gasto com saúde na renda per capita, por classes de países,1995
e 2009 (em %)

1995 2009

Países de renda baixa 3,6 5,2

Países de renda média 3,7 6,1

Países de renda alta 8,0 13,6

Mundo 6,5 10,0

Brasil 5,3 10,0

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Banco Mundial, Databank.

Estrutura e tendências das indústrias de saúde

O Complexo Industrial da Saúde (CIS) é composto pelas cadeias de P&D e de pro-


dução das indústrias de Equipamentos e Materiais Médicos, Hospitalares e Odon-
tológicos (EMHO) e das indústrias farmacêutica, de vacinas e hemoderivados. Em-
bora de diferentes bases tecnológicas, como a metal-mecânica, eletrônica, química
e biotecnologia, esses segmentos interagem entre si e com os serviços de saúde,
formando o Complexo da Saúde.
O mercado global do CIS alcançou US$ 1,2 trilhão em 2011.5 Apresenta estrutu-
ra de mercado em oligopólio, no qual as grandes empresas atuam globalmente e

5
Neste trabalho, buscou-se abordar as diferentes indústrias de saúde de forma integrada, enfatizando as diferenças quando necessário.
Os dados do CIS se referem à soma das indústrias farmacêutica e de EMHO, as mais representativas entre os setores industriais.
Complexo Industrial da Saúde 311

respondem por cerca da metade do mercado mundial. Tal estrutura é resultado dos
enormes investimentos em P&D para o lançamento de novos produtos, que conso-
mem entre 10% e 20% da receita das empresas mais representativas [IMS Health
(2012); PhRMA (2011); Kalorama (2012)].
As demais empresas buscam vantagens competitivas por estratégias de enfo-
que, especializando-se em nichos de mercado ou plataformas tecnológicas. Não
obstante a estratégia competitiva, a inovação tecnológica é o principal fator de
competitividade das indústrias de saúde.
Estima-se que o mercado do CIS cresça entre 4% e 6% a.a. nos próximos quatro
anos. Entretanto, a média camufla uma grande diferença no crescimento entre os
países: tendo em vista as transições epidemiológica e demográfica mais intensas
nos países em desenvolvimento, essas nações devem se tornar o “motor do cresci-
mento” do CIS, com taxas estimadas acima de 10% a.a. [IMS Health (2011); Kalora-
ma (2012)].
O maior dinamismo dos mercados emergentes vem intensificando os movimen-
tos de consolidação no CIS, liderados pelas grandes multinacionais do setor, por
meio de investimentos externos diretos e aquisições de empresas nos mercados-
-alvo. Além das razões tradicionais relacionadas a custos, o deslocamento da pro-
dução em direção aos países em desenvolvimento busca maior proximidade e adap-
tação dos produtos a esses mercados.
No caso farmacêutico, com o fraco desempenho dos mercados maduros, em es-
pecial Estados Unidos, Europa e Japão, a tendência é que a participação dos países
emergentes no mercado mundial praticamente dobre em um período de dez anos,
alcançando 37% até 2015, como indica o Gráfico 3 [IMS Health (2011)].
O maior interesse das grandes multinacionais em relação aos países em desen-
volvimento reflete não só o crescimento acelerado desses mercados como também
o crescente hiato entre a ampliação dos investimentos em P&D das grandes em-
presas (dobraram na década de 2000) e o número de novos produtos lançados no
mercado, que foi reduzido à metade.6

6
Dados se referem ao mercado norte-americano, conforme analisam Reis, Landim e Pieroni (2011).
312 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 3 Mercado farmacêutico, distribuição geográfica por mercado

100

19%
26%
80 37%

60
%

40 81%
74%
63%

20

0
2005 2010 2015
Maduro Emergente

Fonte: IMS Health (2011).

A incapacidade de repor o portfólio de produtos de elevado volume de vendas


vem levando ao aumento da participação de produtos de empresas concorrentes
seguidoras, como os medicamentos genéricos, cuja participação no mercado farma-
cêutico deve passar de 20% para 40% entre 2005 e 2015 [Burrill & Company (2011);
IMS Health (2011)].
Do ponto de vista tecnológico, uma das alternativas mais promissoras para a
perda de receitas observada advém da aplicação de técnicas de biotecnologia mo-
derna à saúde, pois a maior parte dos produtos tem indicações para tratamento
de doenças crônico-degenerativas, com prevalência crescente no perfil epidemio-
lógico mundial. Por exemplo, o crescimento médio acumulado das vendas de me-
dicamentos biotecnológicos foi de 17% a.a. entre 2002 e 2010, ante 7% a.a. dos
demais produtos farmacêuticos (Gráfico 4). Para 2016, espera-se que os produtos
biotecnológicos representem mais de 20% das vendas do mercado farmacêutico
mundial [Evaluate Pharma (2010)].
A biotecnologia contribui, ainda, com a tendência de ampliação da medi-
cina personalizada, com destaque, por exemplo, para o desenvolvimento de
Complexo Industrial da Saúde 313

biomarcadores para diagnóstico e tratamento de doenças. Os marcadores bio-


lógicos são utilizados na distinção entre processos biológicos normais e aqueles
associados à doença e na avaliação da resposta a um determinado tratamento,
com base na identificação genética do paciente, subsidiando a escolha tera-
pêutica pelo médico. Já existem medicamentos desenvolvidos para tratar os pa-
cientes com câncer cujo tumor seja positivo para traços genéticos específicos,
identificados por biomarcadores.

Gráfico 4 Mercado farmacêutico mundial, por tecnologia de produção

1.000

900

800 21%

700
18%
600
US$ BILHÕES

500

400 10%

300

200

100

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011* 2012* 2013* 2014* 2015* 2016*

Outros Biotecnologia

Fonte: Evaluate Pharma (2010).


* Estimativa.

A tendência de medicina personalizada conduz à necessidade de elaborar


um quadro clínico mais abrangente e distinguir características específicas de
grupos de pacientes. Assim, os investimentos da indústria de EMHO vêm pro-
curando focar em novas técnicas de diagnóstico e monitoramento na forma de
soluções integradas, que buscam, por meio das tecnologias de informação e
comunicação, a integração com os demais aparelhos e com o sistema de geren-
ciamento de hospitais.
314 Bndes 60 anos – perspeCtIVas setorIaIs

4. Des af i O s e OP ORT U n iD a D e s D O B R a siL


deMaNda Por saúde

Como um país em desenvolvimento, o Brasil se insere na tendência global de tran-


sição em direção a padrões de demanda de saúde mais próximos aos de países de-
senvolvidos. os processos de transição epidemiológica e demográfica estão bastante
avançados no país: as causas de doenças não transmissíveis já respondem por 64%
da carga de doença, padrão mais próximo de países desenvolvidos (77%) do que dos
países de renda média (47%). do ponto de vista demográfico, onu (2012) estima
que a população brasileira de idosos deve ultrapassar a de crianças e adolescentes em
2030, antes do previsto em âmbito mundial, por volta de 2045.
uma terceira transição, mais recente e específica do Brasil, é a melhoria da
distribuição de renda da população, depois de um longo período de deterioração.
ainda extremamente elevado, o índice de Gini7 apresentou redução de 10% na dé-
cada de 2000, resultado do crescimento econômico e das políticas sociais compen-
satórias. assim, observa-se, no Gráfico 5, a ascensão da população para as classes
mais altas de renda: em 2003, 45% da população brasileira pertencia às classes a, B
e C,8 enquanto em 2009 a proporção se inverteu, com mais de 60% pertencendo ao
grupo de renda superior [neri (2011)].
a melhoria da distribuição de renda gera impactos diretos na demanda por bens
e serviços de saúde. segundo a pesquisa de orçamentos Familiares do IBGe, a partici-
pação dos gastos com assistência à saúde no total de despesas do brasileiro aumenta
com a ampliação da renda, chegando a representar mais de 8% das despesas de con-
sumo nas famílias mais ricas e menos de 5% nas famílias pobres [IBGe (2010)].
o ritmo acelerado das transições epidemiológica e demográfica e da melho-
ra da distribuição de renda no Brasil aponta para uma explosão da demanda por
produtos e serviços de saúde nos próximos anos, implicando desafios significativos
para o sistema público de saúde brasileiro.

7
indicador que varia entre 0 e 1, em que 0 significa perfeita igualdade de renda (todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à
absoluta desigualdade (uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm).
8
renda familiar per capita superior a r$ 1.126 (de 2009).
Complexo Industrial da Saúde 315

Gráfico 5 Distribuição da população por classes de renda

65

60

55

50
%

45

40

35

30
1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Classes A, B e C Classes D e E

Fonte: Centro de Políticas Sociais, Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os desafios do SUS

O Brasil é um dos poucos países do mundo que assumiram a ousada proposta de cons-
truir um sistema público e universal de atenção à saúde da população, conforme con-
sagra a Constituição de 1988. Por essa razão, do ponto de vista da demanda, o Sistema
Único de Saúde (SUS) representa uma parcela expressiva do mercado de produtos de
saúde (cerca de 30% do mercado total) e alcançou R$ 18 bilhões em 2011, dos quais
R$ 11 bilhões em medicamentos e R$ 7 bilhões em EMHO [Brasil (2011) e Aguiar (2012)].
Referência em diversas áreas de saúde, como imunização, transplantes, tratamen-
to da AIDS e distribuição gratuita de medicamentos, o SUS é o único sistema público
de saúde no mundo que assiste, de forma integral, mais de cem milhões de pessoas. O
gasto total com saúde representa cerca de 9% do PIB brasileiro, uma média próxima
aos padrões internacionais (Gráfico 6). No entanto, ao se analisar a parcela pública dos
gastos em saúde, o país ainda apresenta uma estrutura de desembolso próxima à de
países de renda baixa (apenas 46% dos gastos são oriundos do Estado), inferior a países
da Améria Latina e incompatível com um modelo que se pretende universal.
316 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 6 Gasto com saúde público e privado como percentual do PIB, 2009

18

16

14

12

10
% PIB

4 49%
63% 84%
66%

2 46%
52% 43%
41%
0
Renda baixa Renda média Paraguai Brasil Argentina Renda alta Reino Unido Estados Unidos

Gasto público com saúde Gasto privado com saúde

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Banco Mundial, Databank.

Assim, a perspectiva de aumento expressivo da demanda por saúde no Brasil


e a demanda social pelo acesso a tratamentos mais avançados9 torna ainda mais
premente a reversão do atual estado de subfinanciamento público da saúde no
país. Por outro lado, o desafio de gestão de um sistema desse porte é enorme,
envolvendo uma longa discussão sobre os possíveis modelos. Estes parecem ser os
principais desafios das políticas públicas de saúde no Brasil: a ampliação do acesso
e a racionalização dos gastos do sistema [Ipea (2008); OMS (2011)].
Para fazer frente aos desafios, observa-se o deslocamento do foco dos sistemas
de saúde no mundo em direção à atenção básica e à promoção de hábitos de vida
mais saudáveis, buscando prevenir doenças e reduzir o número de intervenções
mais profundas. Os tratamentos, quando necessários, devem ser adaptados aos ca-
sos específicos, por meio principalmente de mapeamento genético, em linha com a
medicina personalizada [PWC (2007)].

9
Até mesmo pela via judicial, em que pacientes que necessitam de produtos ou serviços ainda não incorporados pelo SUS entram
com ação contra o Estado para receber o tratamento, com impactos significativos e imprevisíveis sobre o orçamento público.
A questão é controversa, envolvendo elementos que escapam ao escopo deste trabalho.
Complexo Industrial da Saúde 317

Ao mesmo tempo, os procedimentos para incorporação tecnológica de novos


produtos e tratamentos nos sistemas de saúde vêm ganhando cada vez mais impor-
tância, com a realização de estudos de custo-efetividade, que avaliam seus benefí-
cios ante sua viabilidade econômica para o Estado.10
Já do ponto de vista da segurança do sistema, é desejável a produção domésti-
ca dos itens considerados estratégicos.11 Compreendida a saúde em uma lógica de
desenvolvimento social e econômico, a existência de uma expressiva base industrial
e de inovação tecnológica no país apresenta-se como um dos elementos-chave para
a redução da vulnerabilidade da política de saúde, contribuindo para viabilizar o
maior acesso da população a novos produtos e serviços.

Evolução do Complexo Industrial da Saúde

As primeiras empresas da indústria brasileira de saúde surgiram nas décadas de


1950 e 1960, em consonância com o início efetivo da industrialização no país, no
bojo das políticas de substituição de importações.
As empresas brasileiras de EMHO conseguiram crescer e ganhar mercado prin-
cipalmente em função de medidas protecionistas, como a Lei do Similar Nacional.12
Entretanto, tendo em vista as limitações tecnológicas e de mercado do país à épo-
ca, a maior parte dos investimentos destinaram-se aos itens mais simples, como ma-
teriais de consumo (luvas, seringas, agulhas, cateteres), que até hoje representam
41% da produção local [Abimo (2007; 2011)].
No caso da indústria farmacêutica, as primeiras empresas instaladas no país fo-
ram grandes multinacionais, que restringiam sua produção a etapas finais do pro-
cesso de produção dos medicamentos, mantendo os princípios ativos importados.
Com o passar dos anos, empresas nacionais, de atuação basicamente comercial na
cadeia farmacêutica, passaram a produzir medicamentos.

10
Para isso, foi instituída no Brasil a Comissão para Incorporação de Tecnologias (Citec) pela Portaria 3.322/2006 do Ministério da Saúde.
11
Em 2008, o Ministério da Saúde definiu, pela primeira vez, uma lista de produtos estratégicos, atualizada pela Portaria MS 1.284,
de maio de 2010.
12
Os produtos fabricados no Brasil eram registrados no Conselho de Política Aduaneira e passavam a receber proteção tarifária
contra importações.
318 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Buscando promover a internalização de competências tecnológicas por meio


da estratégia de imitação, o Brasil, a exemplo de China, Índia e Israel, excluiu o
setor farmacêutico da possibilidade de registro e reconhecimento de patentes,13
com base em uma flexibilidade prevista na Convenção de Paris sobre Propriedade
Industrial (1883). Essa regra foi extinta em 1996, com a adesão do Brasil ao acordo
Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS).
Entretanto, mesmo depois de um período extenso sem patentes, o esperado
movimento de capacitação não ocorreu: as empresas brasileiras restringiram suas
atividades às etapas de comercialização e àquelas menos densas da cadeia de pro-
dução de medicamentos similares aos de referência internacional [Barbosa (2003);
Palmeira Filho e Capanema (2010); Palmeira Filho e Koo Pan (2003)].
Foi apenas a partir da introdução da Lei dos Genéricos, em 1999, que a indús-
tria farmacêutica brasileira ganhou novo fôlego. As empresas nacionais souberam
aproveitar a oportunidade de mercado e, ao longo da década de 2000, se fortale-
ceram e ampliaram sua competitividade, ganhando parcela expressiva de mercado.
Tal período pode ser considerado a “década de ouro” da indústria farmacêutica
nacional, que ampliou de 32% para aproximadamente 50% sua participação no
mercado interno [Reis, Landim e Pieroni (2011)].
O mercado total do CIS cresceu a uma taxa média anual de 14% a.a. entre 2003
e 2011, crescimento esse puxado principalmente pelos medicamentos genéricos
(32% a.a.) e pelas compras de medicamentos do Ministério da Saúde (19% a.a.),
atingindo quase R$ 70 bilhões, como expõe o Gráfico 7.
No entanto, mesmo com o elevado crescimento do mercado ocorreram poucos efei-
tos no adensamento das cadeias farmacêutica e de equipamentos médicos. Atualmente,
pode-se afirmar que a produção nacional em saúde dedica-se em grande parte a etapas de
menor valor agregado, como a formulação de medicamentos genéricos de síntese química
e a produção de materiais de consumo de uso médico, hospitalar e odontológico.
Com a demanda por soluções avançadas, essa situação se reflete em um déficit co-
mercial crescente, superior a US$ 10 bilhões em 2011. Mais que um resultado negativo na

13
Lei 5.772, de 1971.
Complexo Industrial da Saúde 319

balança comercial, essa situação configura uma dependência externa de conhecimento e


tecnologia, expressa nos altos percentuais de importação de medicamentos biotecnoló-
gicos, princípios ativos e equipamentos médicos de alta tecnologia (Gráfico 8).

Gráfico 7 Mercado CIS Brasileiro, 2003-2011, em R$ correntes

80.000

70.000

60.000

50.000

40.000

30.000

20.000

10.000

-
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Farmacêutico EMHO

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma, IMS Health, Abimo e Ministério da Saúde.

Gráfico 8 Déficit Comercial do CIS, por segmentos, 2007-2010, em US$


12.000

10.000

31% 33%
8.000

6.000 30% 31%

28%

4.000

2.000

24% 21%
16% 17%
13%
-
2007 2008 2009 2010 2011

Biológicos Outros produtos farmacêuticos Insumos farmacêuticos EMHO

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abiquifi, Abimo e MDIC.


320 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Os desafios e as oportunidades do CIS

Apesar desse cenário, há uma relevante base industrial instalada no país, cuja pro-
dução responde por aproximadamente metade do mercado interno, tanto de medi-
camentos quanto de equipamentos e materiais médicos e hospitalares [Sindusfarma
(2012); Abimo (2011)].
A indústria brasileira de EMHO tem atuação relevante em nichos de média in-
tensidade tecnológica, especialmente nas áreas de odontologia e de equipamentos
médicos, como incubadoras neonatais, monitores e aparelhos de ultrassonografia,
que respondem por 30% da produção local. Entretanto, o setor é muito pulveri-
zado: há mais de quatrocentas empresas atuando no país, a maioria com receita
anual inferior a R$ 50 milhões [Abimo (2011)].
As empresas farmacêuticas brasileiras, por sua vez, tem maior porte, com qua-
tro companhias figurando na lista das dez maiores do setor do país. Apesar de já
serem importantes no mercado interno, ainda estão distantes das grandes mul-
tinacionais que atuam no setor. Com empresas nacionais de maior porte, o atual
estágio da indústria farmacêutica brasileira é de consolidação da estratégia baseada
na formulação e comercialização de medicamentos genéricos e de ampliação gra-
dativa dos investimentos em atividades de maior risco.
Dessa forma, o maior desafio para o CIS é a ampliação sistemática dos investi-
mentos em inovação. Na última década, houve um esforço expressivo das empresas
para isso, refletido no aumento dos investimentos em P&D captados pela Pintec
(Gráfico 9). Embora superiores à média da indústria de transformação brasileira,
ainda são baixos em relação ao padrão de competição internacional da indústria de
saúde, baseado em vultosos investimentos em P&D.
Ao mesmo tempo, observa-se uma crescente pressão no mercado interno em
função do movimento global em direção aos mercados emergentes. No caso das
indústrias de EMHO, vem ocorrendo uma inédita entrada de companhias multina-
cionais – como Phillips e GE –, realizando movimentos de aquisição de empresas
locais e implantação de unidades produtivas no Brasil.14

14
Destaque para a aquisição das empresas Dixtal, VMI, Tecso Informática e Wheb Sistemas pela Phillips e da XPRO pela GE.
Complexo Industrial da Saúde 321

Gráfico 9 Participação dos investimentos em P&D na Receita Líquida de Vendas*

1,8

1,6

1,4

1,2

1,0
%

0,8

0,6

0,4

0,2

0,0
2003 2005 2008

Complexo Industrial da Saúde Média das indústrias de transformação

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Pintec/IBGE.


* Considerou-se o faturamento da indústria de EMHO conforme Abimo (2011).

Assim, além do aumento sustentado da capacidade de inovação, o desafio da in-


dústria de EMHO passa também pelo fortalecimento das empresas nacionais, ainda de
pequeno porte, por meio de processos de fusões e aquisições, visando capacitá-las para
a crescente competição nos mercados nacional e internacional. No caso dos segmentos
dominados por multinacionais, é desejável o maior adensamento da cadeia de forne-
cedores no Brasil, com capacitação e produção local de insumos e componentes.
No caso farmacêutico, por sua vez, o Brasil vem ganhando papel cada vez mais
representativo nas estratégias das empresas globais, que vêm ampliando sua atu-
ação no país por meio de aquisições de empresas de genéricos,15 segmento que
propiciou o crescimento das empresas de capital nacional.
A maior pressão competitiva no mercado brasileiro de medicamentos genéricos nos
próximos anos deve comprimir a rentabilidade e aproximá-lo do padrão de mercados ma-
duros: a diferença entre a participação de mercado dos genéricos em quantidade e em va-

15
Por exemplo, em 2010, o grupo francês Sanofi-Aventis adquiriu a brasileira Medley e, em 2011, a Pfizer adquiriu 40% do
laboratório nacional Teuto.
322 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

lor no total do mercado no Brasil é pequena se posta diante da experiência internacional,


indicando haver ainda muito espaço para maior concorrência via preços (Gráfico 10).

Gráfico 10 Participação dos medicamentos genéricos em países selecionados, % em valor


e em quantidade, 2011

80

70

60

50

40

30

20

10

0
Alemanha Brasil Canadá E.U.A Inglaterra*

% em US$ % em unidades

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Sindusfarma (2012) e IMS Health (2012).
* Referente a 2010.

Diante desse cenário, uma guinada em direção a estratégias mais ousadas de


inovação por parte das empresas nacionais é condição fundamental para sua com-
petitividade de longo prazo.
Nos próximos anos, patentes de importantes medicamentos biotecnológicos
terão seu prazo expirado e passarão a domínio público, representando uma opor-
tunidade de inserção, para países seguidores, em uma nova trajetória tecnológica.
Nações como China, Índia, Coreia do Sul e Israel vêm utilizando incentivos regula-
tórios, de financiamento e, mais amplamente, de política industrial, na busca por
capacitação na produção de medicamentos biológicos, em especial em biológicos
não novos, os chamados biossimilares16 [Reis, Landim e Pieroni (2011)].

16
O termo biossimilar é utilizado para medicamentos biológicos com estrutura similar e ação semelhante ao medicamento biológico de
referência. O termo biogenérico não é adequado nesse caso, uma vez que ainda não é possível a cópia exata de medicamentos biológicos.
Complexo IndustrIal da saúde 323

no entanto, por suas complexas características técnicas, há elevadas barreiras


tecnológicas, mesmo para produtos não novos. a necessidade de um longo e caro
período de desenvolvimento sugere que um número reduzido de empresas terá
condições de se inserir nesse mercado.
no Brasil, o desenvolvimento e a produção interna desses produtos gerariam
ganhos sociais, econômicos e tecnológicos. os medicamentos biotecnológicos re-
presentam parcela expressiva das compras do ministério da saúde (mais r$ 3 bilhões
em 2011), sendo a totalidade dos produtos importada. a produção interna de bios-
similares garantiria a oferta e permitiria a redução de preços, ampliando o acesso
da população, ao mesmo tempo em que capacitaria a indústria brasileira em uma
tecnologia de fronteira e portadora de futuro.
se bem-sucedida, a estratégia de aprendizado na área de biotecnologia pode
ainda significar uma oportunidade para prestadores de serviços tecnológicos no
país, criando demanda para as empresas da cadeia de p&d da saúde, como em
testes pré-clínicos, clínicos e escalonamento de processos. o incentivo à execução
desses serviços no país é fundamental para tornar endógena a inovação em saúde,
pois promovem o adensamento da cadeia de desenvolvimento e contribuem para
fixar competências tecnológicas.

5. a aTUaÇ ÃO D O B n D e s n O P e R ÍOD O
R ec enTe
ao longo de seus sessenta anos de história, o Bndes vem apoiando as empresas do
CIs por meio de seus diferentes instrumentos. até o início dos anos 2000, a instituição
inseria as diferentes indústrias do complexo em uma classificação de base técnica,
isto é, a indústria farmacêutica como um subconjunto das indústrias de base química
e da indústria de emHo apoiada no âmbito do complexo eletrônico. Como reflexo
dessa visão, a ação do Bndes, à época, apresentava um caráter menos sistêmico.
em 2003, o Bndes participou ativamente das discussões do Fórum de Compe-
titividade da Indústria Farmacêutica, embrião das recentes políticas industriais. a
política Industrial, tecnológica e de Comércio exterior (pItCe) foi lançada em 2004
324 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

e definiu a cadeia farmacêutica como um dos quatro setores prioritários. No mes-


mo ano, o BNDES criou seu primeiro programa de apoio à indústria de saúde, o
Programa BNDES de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica –
BNDES Profarma.
Nesse período, a indústria farmacêutica passava por um momento de consolida-
ção da política de medicamentos genéricos no país, que impulsionava o crescimen-
to do mercado farmacêutico brasileiro. Também data dessa época novas exigências
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com o objetivo de melhorar
a qualidade dos produtos fabricados no país, por meio das regras de Boas Práticas
de Fabricação (BPF). Por fim, já se via a necessidade de ampliar o baixo esforço de
inovação no país, visando garantir a futura competitividade da indústria.
Para responder a essas necessidades, o BNDES Profarma foi dividido em três sub-
programas que apoiavam projetos de natureza distinta – Produção; Pesquisa, Desen-
volvimento e Inovação (PD&I); e Fortalecimento das Empresas Nacionais (Reestrutu-
ração). O aumento da capacidade produtiva da indústria brasileira, a adequação das
plantas produtivas aos padrões nacionais e internacionais de produção (Boas Práticas
de Fabricação), a ampliação dos esforços de inovação e a necessidade de fortalecer as
empresas nacionais eram os principais objetivos definidos em sua criação.
Quanto às condições, o BNDES Profarma dispunha de diversas medidas que o
diferenciavam das linhas tradicionais da Instituição. Buscando ampliar a adesão das
empresas de capital nacional, geralmente de menor porte, o programa estabelecia
menor piso para apoio direto do BNDES (R$ 1 milhão) e previa a possibilidade de
flexibilização das políticas de risco de crédito e de garantias em casos específicos.
Além disso, o Profarma P,D&I foi um dos primeiros programas do Banco com a
proposta de taxa de juros fixa para projetos de inovação, com apoio a itens tangí-
veis e intangíveis, visando reduzir, ao menos pelo lado do financiamento, os riscos
inerentes ao processo inovativo [Palmeira Filho e Capanema (2010)].
No início de 2007, houve uma aproximação do BNDES com o Ministério da Saú-
de (MS), buscando convergir os objetivos de suas ações com as diretrizes da política
nacional de saúde. Depois de um processo de revisão, em setembro de 2007, foi
lançada a segunda fase do BNDES Profarma.
Complexo Industrial da Saúde 325

A primeira alteração ocorreu em seu escopo, passando a incorporar o conceito


de Complexo Industrial da Saúde, incluindo o apoio a outras indústrias de saúde,
como a de EMHO. Foram criados dois novos subprogramas: Profarma – Exporta-
ção e Profarma – Produtores Públicos, visando ao estímulo às exportações no CIS
(principalmente de farmoquímicos) e ao apoio aos laboratórios oficiais. Por fim, as
prioridades do BNDES Profarma passaram a ser a indução e o apoio a projetos de
inovação tecnológica e, a partir da aproximação do BNDES com o MS, a busca pela
convergência entre medidas de política industrial e as necessidades de saúde do país.
Assim, a partir de 2007, o BNDES Profarma incorporou a visão sistêmica de
desenvolvimento do Complexo da Saúde, buscando interseções positivas entre o
apoio do Banco e as prioridades de saúde do país. Essa articulação foi explicitada
nos objetivos do novo programa, que incluíam a redução da vulnerabilidade da
Política Nacional de Saúde e a indução de P,D&I com foco em produtos de interesse
estratégico do SUS.
A mudança de enfoque, espelhada na revisão de escopo do BNDES Profarma,
levou a uma variação expressiva na adesão de cada um dos diferentes subprogra-
mas, conforme pode ser observado no Gráfico 11. Na primeira fase, na qual a prin-
cipal questão vigente era a necessidade de expansão e modernização das plantas
produtivas, observa-se maior participação do subprograma Produção no valor total
dos financiamentos contratados. Por sua vez, durante a segunda fase, os projetos de
inovação passaram a responder por 50% (R$ 444 milhões) dos financiamentos, refle-
tindo a prioridade dada ao tema pelo BNDES e o crescente interesse das empresas.
No total, o estoque da carteira do BNDES Profarma em todo o período de atua-
ção (isto é, operações aprovadas e contratadas entre 2004 e 2011) foi de cerca de
R$ 1,8 bilhão em 79 operações, superando R$ 3,3 bilhões em investimentos quan-
do consideradas as contrapartidas das empresas. Para efeitos de comparação, os
financiamentos do programa representaram aproximadamente 20% do total de
investimentos em ativos imobilizados no setor farmacêutico no período 2004-2009,
para o qual há dados da PIA/IBGE.
Alguns trabalhos buscaram avaliar a efetividade do BNDES Profarma no cum-
primento de seus objetivos, como Capanema, Palmeira Filho e Pieroni (2008) e
326 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Pieroni, Machado e Pereira (2011). Em resumo, as conclusões apontam que o


BNDES Profarma foi bem-sucedido no apoio à modernização, expansão e adequa-
ção das plantas produtivas, em consonância com a nova regulação sanitária, em
especial nas empresas farmacêuticas de capital nacional. As taxas de expansão
produtiva e de plantas adequadas das empresas apoiadas pelo programa foram
bem superiores à média da indústria.

Gráfico 11 BNDES Profarma, operações contratadas ou aprovadas, períodos selecionados (em R$)

Exportação
100.186.223
Reestruturação Produção
347.160.253 Produção 11% 351.736.448
444.218.092

39%
39% GRÁFICO 11A GRÁFICO 11B
PROFARMA PROFARMA
PRIMEIRA FASE 50% SEGUNDA FASE
(ATÉ SET. 2007) (OUT. 2007 A MAR. 2012)
OPERAÇÕES APROVADAS OPERAÇÕES APROVADAS
OU CONTRATADAS OU CONTRATADAS
50%

11%
Inovação
443.724.169
Inovação
102.868.931

Fonte: Elaboração própria.

No que se refere à ampliação da capacidade de inovação das empresas na-


cionais, o BNDES Profarma atingiu parcialmente seus objetivos: foram induzidos
projetos de inovação, embora ainda em número pequeno para os padrões da
indústria internacional. Por fim, com relação à consolidação de empresas nacio-
nais, o programa foi pouco efetivo, apesar de seu caráter estratégico. A baixa
adesão ocorreu, em grande parte, em função da origem familiar das principais
empresas, em geral controladas por seus sócios-fundadores. Essa avaliação está
sendo utilizada como insumo para definição da terceira fase do BNDES Profarma,
discutida na próxima seção.
Além de um programa específico de financiamento, ao longo da década, o
BNDES vem buscando diversificar os instrumentos de apoio à indústria de saúde,
Complexo IndustrIal da saúde 327

com destaque para o Fundo tecnológico (Bndes Funtec) e participação acionária,


diretamente em empresas ou em fundos geridos externamente.
o Bndes Funtec destina recursos não reembolsáveis a Instituições Científicas e
tecnológicas, em projetos de parceria com empresas, tendo como objetivo apoiar
projetos que estimulem o desenvolvimento tecnológico e a inovação de interesse
estratégico para o país. o estoque até março de 2012 da carteira do Bndes Funtec
com foco em saúde conta com 16 projetos e mais de r$ 175 milhões em recursos
aprovados ou contratados, a maior parte em projetos voltados para a biotecnolo-
gia. o foco em saúde representa aproximadamente metade dos recursos contrata-
dos no âmbito do Bndes Funtec, desde sua criação, em 2006.
para incentivar o aumento dos recursos de capital de risco destinados à área
de saúde, o Bndes estruturou a criação de um fundo de venture capital, cuja ges-
tão, após processo de concorrência, foi concedida à Burrill Brasil. o objetivo do
fundo é investir em empresas de base biotecnológica com aplicações em saúde,
energia e alimentos. sua fase de captação teve início em 2010, superando r$ 100
milhões em recursos comprometidos, com participação de 25% do Bndes.
por fim, com 80% de participação do Bndes, o Criatec foi estruturado como um
fundo de capital semente, de cunho transversal, dedicado a empresas emergentes
inovadoras com faturamento inferior a r$ 6 milhões. Com apoio à gestão e profis-
sionalização das empresas, o fundo vem sendo um importante investidor para as
empresas de saúde. das 36 operações aprovadas até 2012, dez foram direcionadas
a empresas de saúde humana, totalizando r$ 16 milhões em investimentos.

6. O nO V O Pa P e L D O B n D e s
o entendimento sistêmico da saúde, em suas vertentes social e econômica, exige o
fortalecimento do Complexo Industrial da saúde como um dos instrumentos para
ampliar o acesso à saúde no país. assim, o direcionamento dos investimentos para a
inovação, principal fonte de competitividade da indústria, implica um papel ainda
mais ousado das políticas públicas e, em particular, do Bndes, nos próximos anos.
328 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Em um cenário de concorrência com demais países em desenvolvimento, a Insti-


tuição deve participar de forma ativa na busca pelo catch-up tecnológico, por meio
de uma ação articulada entre os diversos atores das políticas públicas.
Para isso, ao longo de 2012, está em curso o processo de revisão do BNDES
Profarma, visando adequar suas condições e estabelecer novos focos em um hori-
zonte de quatro anos. Diante dos maiores desafios e oportunidades para as indús-
trias de saúde, o BNDES deve ter como prioridade o suporte adequado aos investi-
mentos em inovação e à capacitação da indústria de saúde brasileira em segmentos
portadores de futuro, como a biotecnologia.
Em relação ao primeiro objetivo, a lógica de apoio a projetos específicos de
inovação pode ser alterada para o financiamento a planos estruturados de P&D
das empresas, visando tornar sistemática a atividade de desenvolvimento de novos
produtos nas empresas do CIS. A inovação deve ser vista como um processo de con-
tínuo aprendizado em seu principal locus, a empresa inovadora.
Diante das oportunidades críveis e de prazo limitado apresentadas pela biotec-
nologia, é importante que o BNDES priorize a internalização de competências de
desenvolvimento e a produção de medicamentos biotecnológicos, aproveitando o
período de expiração de patentes no país. Esse movimento pode, ainda, ampliar
a demanda por serviços tecnológicos, viabilizando o crescimento das empresas de
base tecnológica inseridas na cadeia de P&D.
Nesse contexto, na medida em que a indústria caminha para atividades de
inovação com maior risco tecnológico, os instrumentos de renda fixa parecem
menos indicados. O desenvolvimento de outros instrumentos capazes de mitigar
os riscos dos projetos, como a ampliação do uso da renda variável e o fortaleci-
mento de fundos de venture capital, pode tornar a ação do BNDES mais efetiva
no apoio à inovação.
Por fim, em função do padrão de concorrência das indústrias de saúde, ainda
será relevante o processo de fortalecimento das empresas nacionais, em especial da
indústria de EMHO, por meio de processos de parcerias, joint-ventures e aquisições. A
tendência por oferta de soluções integradas de equipamentos exige modelos abertos
de inovação que possam garantir papel de destaque para as empresas brasileiras.
Complexo Industrial da Saúde 329

A visão de futuro do BNDES deve ser calcada na indução de uma indústria de


saúde cada vez mais inovadora, capaz de atender às transições sociais que vêm
ocorrendo no país, reflexo dos avanços da sociedade brasileira. A ação do BNDES no
fortalecimento do Complexo Industrial da Saúde, portanto, deve ser capaz de unir
a promoção do desenvolvimento econômico e tecnológico do país como meio para
a ampliação do acesso da população a novos bens e serviços de saúde.

R ef er ênc i as
Abimo – Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos,
Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios. História da Abimo e do Sinaemo:
construindo a saúde de um país. São Paulo, 2007.

. Estudo Setorial da Indústria de Equipamentos Odonto-Médico Hospitalar


e Laboratorial no Brasil. São Paulo, 2011.

Aguiar, I. D. Produção local atrai gigantes globais. Valor Econômico, São Paulo, 29
de março de 2012.

Barbosa, D. B. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. 2.ed. Rio de Janeiro:


Lúmen Iuris, 2003.

Batelle. 2012 Global R&D Funding Forecast. EUA: R&D Magazine, 2011. Disponível
em: <http://battelle.org/docs/default-document-library/2012_global_forecast.
pdf?sfvrsn=2>. Acesso em: 16 jul. 2012.

Brasil. Ministério da Saúde. Complexo Industrial da Saúde: foco no acesso. Brasília:


III fórum nacional de medicamentos, 2011.

Burke, M. A.; Matlin S. A. (Eds.). Monitoring Financial Flows for Health Research
2008: Prioritizing research for health equity. Genebra: Global Forum for Health
Research, 2008.

Burrill & Company. Biotech 2011 Life Sciences: Looking Back to See Ahead. EUA:
Burrill & Company LLC, 2011.
330 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Capanema, L.; Palmeira Filho, P.; Pieroni, J. Apoio do BNDES ao Complexo Industrial
da Saúde: a experiência do Profarma e seus desdobramentos. BNDES Setorial, n.
27. Rio de Janeiro: BNDES, 2008.

Evaluate Pharma. World Preview 2016. EUA: Evaluate Pharma, 2010.

Furtado, C. A. Dialética do Desenvolvimento. Belo Horizonte: Fundo de Cultura, 1964.

Gadelha, C. A. G.; Quental, C.; Fialho, B. Saúde e Inovação: uma abordagem


sistêmica das indústrias de saúde, Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro,
n. 19, p. 47-59, 2003.

Gadelha, C. A. G. et al. Complexo Econômico-Industrial da Saúde. In: Kupfer, D.;


Laplane, M. Perspectiva do Investimento no Brasil. Rio de Janeiro e Campinas: UFRJ
e Unicamp, 2009.

Golisano, E. Tendências Globais, Oportunidades Locais. In: 1º Congresso de Inovação em


Materiais e Equipamentos para Saúde. São Paulo, 2012. Disponível em: <http://www.cimes.
org.br/uploads/paginas/file/Eduardo%20Golisano.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012.

Hsiao, W.; Heller, P. What Should Macroeconomists Know About Health Care
Policy? International Monetary Fund, n. 13, 2007.

IMS Health. Global Use of Medicines: Outlook through 2015. EUA: IMS Health,
2011. Disponível em: <http://www.imshealth.com>. Acesso em: 16 jul. 2012.

. Top-Line Market Data. EUA: IMS Health, 2012. Disponível em: <http://
www.imshealth.com>. Acesso em: 16 jul. 2012.

Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Políticas Sociais: Acompanhamento e


Análise. Brasília, 2008.

Kalorama Information. The Global Market for Medical Devices. EUA, 2012.

McKelvey, M.; Orsenigo, L. Pharmaceutical as a sectoral innovation system,


European Sectoral Systems of Innovation Project, ESSY Project, Itália, nov. 2001.
Complexo Industrial da Saúde 331

Disponível em: <http://www.druid.dk/uploads/tx_picturedb/dw2002-447.pdf>.


Acesso em: 16 jul. 2012.

Neri, M. Desigualdade de renda na década. Rio de Janeiro: FGV/CPS, 2011.

Nunes, A. O envelhecimento populacional e as despesas do Sistema Único de


Saúde. In: Camarano, A. A. (Org.). Os novos idosos brasileiros: muito além dos 60?
Rio de Janeiro: Ipea, 2004. p. 427-450. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/
sites/000/2/livros/idososalem60/Arq_21_Cap_13.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012.

OMS – Organização Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da


Saúde. Nova York, 1946. Disponível em: <http://www.who.int/governance/eb/who_
constitution_en.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012.

. Relatório Mundial da Saúde – Financiamento dos Sistemas de Saúde, o


caminho para a cobertura universal. Genebra: OMS, 2011. Disponível em: <http://
www.who.int/whr/2010/whr10_pt.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012.

. The global burden of disease: 2004 update. Genebra: OMS, 2008.


Disponível em: <http://www.who.int/healthinfo/global_burden_disease/GBD_
report_2004update_full.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2012.

ONU – Organização das Nações Unidas. Population Facts, n. 1, 2012. Disponível em:
<http://www.un.org/esa/population/publications/popfacts/popfacts__2012-1.pdf>.
Acesso em: 16 jul. 2012.

Palmeira Filho, P.; Capanema, L. A indústria farmacêutica nacional: desafios rumo à


inserção global. In: Além, A. C.; Giambiagi, F. O BNDES em um Brasil em transição.
Rio de Janeiro: BNDES, 2010.

Palmeira Filho, P.; Koo Pan, S. Cadeia Farmacêutica no Brasil: Avaliação Preliminar e
Perspectivas. BNDES Setorial, n. 18, p. 3-22. Rio de Janeiro, BNDES, set. 2003.

Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009. Despesas,Rendimentos e Condições de


Vida. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.
332 Bndes 60 anos – perspeCtIVas setorIaIs

phrma – pHarmaCeutICal researCH and manuFaCtures oF amerICa. Pharmaceutical


Industry Profile 2011. Washington, dC, 2011. disponível em: <http://www.phrma.
org>. acesso em: 16 jul. 2012.

pIeronI, J. p.; pereIra, r. o.; maCHado, l. metodologia de monitoramento e avaliação


do Bndes: uma aplicação ao programa Bndes profarma. BNDES Setorial, n. 33,
p. 357-390. rio de Janeiro, mar. 2011.

pWC – prICe WaterHouse Coopers. Pharma 2020: The Vision. Which path will you
take? eua: pWC, 2007. disponível em: <http://www.pwc.com/gx/en/pharma-life-
sciences/pharma-2020/pharma-2020-vision-path.jhtml>. acesso em: 16 jul. 2012.

reIs, C.; landIm, a.; pIeronI, J. p. lições da experiência Internacional e propostas


para a Incorporação da rota Biotecnológica na Indústria Farmacêutica Brasileira.
BNDES Setorial, n. 34, p. 5-44. rio de Janeiro: Bndes, set. 2011.

saCHs, J. Macroeconomics and Health: investing in health for economic


development. Genebra: FmI, 2001.

sCHramm, J. et al. transição epidemiológica e o estudo de carga de doença no


Brasil, Ciência & Saúde Coletiva, n. 9, v. 4, p. 897-908, 2004.

sen, a. K. Desenvolvimento como Liberdade. são paulo: Companhia das letras, 2000.

sIndusFarma – sIndICato da IndústrIa de produtos FarmaCÊutICos do estado de são paulo.


Indicadores Econômicos. são paulo: sindusfarma, 2012. disponível em: <http://www.
sindusfarmacomunica.org.br/indicadores-economicos/>. acesso em: 16 jul. 2012.

VIana, a. l.; sIlVa, H.; elIas, p. economia política da saúde: Introduzindo o debate,
Divulgação em Saúde para Debate, rio de Janeiro, n. 37, p. 7-20, jan. 2007.
andré Carvalho Foster Vidal
andré Barros da Hora*

* respectivamente administrador e gerente do departamento de indústria de Papel e celulose da área de insumos básicos do bndes.
Papel e Celulose 335

R ES UM O
O presente trabalho busca fazer um panorama do setor de papel e celulose, no
Brasil e no mundo, com base no histórico recente do setor, bem como apresentar
as perspectivas para o futuro. Nos últimos dez anos, a China passou a ser o gran-
de produtor e consumidor mundial de papéis, enquanto outros países emergentes
apresentaram aumento na produção, ainda que em ritmo um pouco inferior ao
observado no consumo. O Brasil apresentou um razoável crescimento na demanda,
com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores, sendo que o baixo consumo
per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em relação à celulose,
resultou em poucos projetos de expansão de capacidade no país. A mudança da
China à condição de grande produtor global de papéis resultou no expressivo au-
mento do volume importado de celulose. Em contraste, o Brasil passou a ser o gran-
de fornecedor global desse insumo. Para o futuro da indústria brasileira de papéis,
questões como o baixo consumo per capita, as dificuldades e entraves logísticos e
tributários, bem como o reduzido porte das empresas, precisam ser equacionadas
para que a competitividade nacional aumente e os investimentos, enfim, ganhem
expressividade. Na celulose, a indústria deve buscar mecanismos de fortalecer a po-
sição competitiva alcançada, garantindo que os grandes projetos anunciados para
os próximos anos se concretizem, apesar da queda na rentabilidade dos produto-
res. Ao mesmo tempo, a indústria deve mirar em inovações ligadas ao conceito de
biorrefinaria, para garantir a sua rentabilidade e posicionamento no longo prazo.

AB S TR AC T
This study aims to provide an overview of the pulp and paper industries, in Brazil
and worldwide, based on the sector’s recent history, besides aiming to present
perspectives for the future. Over the past decade, China has become the major
producer and consumer of paper, while other emerging countries showed
an increase in production, although at a smaller rate than that recorded in
consumption. Brazil presented reasonable growth in demand, with supply growing
336 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

at slightly lower rates. The low per-capita consumption and low competitiveness
in paper production, in relation to pulp, resulted in very few projects aimed at
expanding the country’s capacity. The change in China’s status to the major global
producer of paper resulted in an expressive increase in the volume of imported
pulp. In contrast, Brazil has become the major global supplier of this input. For the
future of the Brazilian paper industry, issues such as low per-capita consumption,
the logistics and tax difficulties and barriers, as well as the small size of companies
must be weighed up so that national competitiveness increases, and investment,
ultimately, becomes expressive. In pulp, the industry should encounter mechanisms
to strengthen the competitive position achieved by ensuring that large-scale
projects announced for the coming years are actually executed, despite the decline
in producer profitability. At the same time, the industry should aim at innovations
linked to the concept of biorefinery to ensure its profitability and positioning in
the long term.
PaPel e Celulose 337

1. i nTR O DUÇ Ã O
motivação e eStrutura Do artigo

o presente trabalho busca fazer um panorama do setor de papel e celulose, no


Brasil e no mundo, com base no histórico recente do setor, bem como expor as
perspectivas para os próximos anos.
em 2002, em comemoração aos cinquenta anos do BNDes, Juvenal e Mattos
(2002) desenvolveram um estudo em que abordavam o histórico do setor de papel
e celulose no Brasil, desde o início das atividades do BNDes, em 1952, até o ano
de 2001. assim, este trabalho busca mostrar o que ocorreu depois desse período,
com foco não somente no mercado nacional, mas também em âmbito mundial,
para entender como o Brasil evoluiu em relação aos demais países. uma vez que
os dados oficiais de 2011, em sua maioria, ainda não estavam disponíveis, optou-se
por realizar um histórico de 2000 a 2010, de modo que se pudesse calcular a taxa
média de dez anos de crescimento (2001-2010). os dados disponíveis para 2011 são
comentados na seção de perspectivas.
optou-se também por tratar o desempenho dos mercados de papéis e de celu-
lose de forma separada, já que a posição competitiva no mercado internacional e o
desempenho do Brasil no período analisado foram bem diferentes entre cada um
desses dois setores. Conforme mostrado na Figura 1, enquanto no setor de papéis
o Brasil respondeu por apenas 2,5% da produção mundial em 2010, no da celulose
essa participação foi de 7,6%, ou de 38% se for considerada apenas a celulose de
mercado branqueada kraft de fibra curta (BHKP).
Nesta introdução, além da explicação sobre a estrutura do artigo, faz-se
uma rápida caracterização técnica dos papéis e da celulose destinada a sua fa-
bricação, além de um panorama geral sobre o mercado, explicando as razões da
alta competitividade brasileira em celulose e da baixa competitividade em pa-
péis. Na segunda seção, consta um pequeno resumo da história da indústria de
papel e celulose em cinquenta anos, com base em Juvenal e Mattos (2002). Na
terceira, trata-se especificamente do setor de papéis, abordando o histórico de
338 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

demanda, oferta e comércio internacional para o perídodo de 2000 a 2010. Na


quarta seção, utiliza-se a mesma estrutura, porém abordando o setor de celulo-
se. A quinta traz um pequeno resumo da atuação do BNDES no setor nos últimos
anos. A seção seguinte expõe as perspectivas para os próximos anos, tanto em
papéis quanto em celulose. Por fim, na última seção, são mostradas as principais
conclusões do estudo.

Figura 1 Produção global de papel e celulose e participação brasileira, em 2010


(em milhões de toneladas)

55% 223

APARAS DE PAPEL
409
CONSUMO 4% 17
TOTAL DE FIBRA
CELULOSE NÃO 68%
MADEIRA 115
CELULOSE
INTEGRADA
41%
169
394
CELULOSE DE
PRODUÇÃO GLOBAL MADEIRA VIRGEM 32% 54
DE PAPÉIS
CELULOSE DE
MERCADO

10
2,5%
PRODUÇÃO
BRASILEIRA
32 Demais papéis DE PAPÉIS
29 Sanitários Demais pastas 7
51 Papel-cartão
BSKP 22
143 I&E e Imprensa
9 38%

PRODUÇÃO
BRASILEIRA DE BHKP 25
139 Papelão
BHKP MERCADO
ondulado

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da RISI.

Caracterização técnica

Os papéis têm um amplo espectro de utilização e são geralmente agrupados nas


seguintes categorias:
• Papel imprensa: destinado majoritariamente à impressão de jornais, mas também
inclui periódicos, revistas, listas telefônicas, suplementos e encartes promocionais.
• Imprimir e escrever (I&E): costumam ser divididos em quatro subgrupos, depen-
dendo de duas características: revestimento – revestidos (coated) ou não reves-
Papel e Celulose 339

tidos (uncoated); e fabricação – se a partir da celulose química (woodfree) ou


de pasta mecânica (woodcontaining). O revestimento e a não utilização de pasta
mecânica conferem maior qualidade e valor ao papel. A categoria de I&E é mui-
tas vezes agrupada com o papel imprensa, na denominação de papéis gráficos.
• Papelão ondulado (P.O.): os papéis destinados à fabricação do P.O. são o miolo e
a capa. Este último, quando fabricado com fibras virgens, denomina-se kraftliner
(maior qualidade e resistência) e, quando fabricado a partir de fibras recicladas,
denomina-se testliner. O P.O. é majoritariamente dirigido para a produção de
embalagens para transporte das mais variadas mercadorias.
• Papel-cartão: papel fabricado em múltiplas camadas, especialmente utilizado na
produção de embalagens de bens de consumo imediato, como remédios, alimen-
tos industrializados, cosméticos e brinquedos, entre outros. Alguns dos demais
usos do papel-cartão incluem capas de livros ou cadernos, cartelas e displays.
• Sanitários: também chamados de tissue, cujo principal produto é o papel higiê-
nico, mas também engloba a produção de toalhas, guardanapos e lenços, entre
outros produtos.
• Demais: inclui outros papéis para embalagens e os papéis especiais.
Já a celulose de madeira1 destinada à fabricação de papéis2 costuma ser clas-
sificada de acordo com três critérios: tipo de fibra (curta ou longa), processo de
fabricação (entre químico, semiquímico e alto rendimento) e destinação (mercado
ou integrada). A fibra curta é originada de folhosas (como o eucalipto) e a longa
de coníferas (como o pínus), e cada fibra tem propriedades que as tornam mais
adequadas à fabricação de determinados tipos de papéis. O processo de fabricação
determina o rendimento da madeira e a qualidade da celulose. Por fim, a celulose
é denominada integrada quando se destina à produção de papel em uma planta
anexa à produção do insumo, ao passo que é denominada de mercado quando é
vendida para outras plantas de papel. Assim, a celulose, tanto de mercado quanto
integrada, costuma ser agrupada nas seguintes categorias:

1
A celulose pode ser fabricada com outros vegetais (também chamada nonwood pulp). Especialmente na China, ainda existe muita
produção de celulose oriunda do bambu, porém a qualidade da celulose é baixa e o processo produtivo é altamente poluente.
2
Existe ainda a celulose solúvel (destinada à fabricação de uma ampla gama de produtos, com destaque para o segmento têxtil).
340 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

• Celulose kraft branqueada de fibra curta (bleached hardwood kraft pulp –


BHKP): de fibra curta, produzida por meio de processo químico. Suas principais
aplicações são os papéis de I&E, sanitários, especiais, além de alguma aplicação
em papel-cartão. É o tipo de celulose mais produzida no Brasil e na qual o país
tem maior competitividade global. No Brasil é proveniente do eucalipto, deno-
minada no mercado BEKP, com diferencial de qualidade em relação às demais
fibras curtas, em especial para aplicação em papéis sanitários.
• Celulose kraft branqueada de fibra longa (bleached softwood kraft pulp –
BSKP): de fibra longa, produzida por meio de processo químico. É mais cara
que a BHKP (em razão do ciclo mais longo para o corte das coníferas), mas tor-
na o papel mais resistente, evitando até rasgos neste ao rodar em máquinas de
papel muito rápidas. É bastante utilizada em papéis sanitários e de embalagem.
• Celulose kraft não branqueada: geralmente produzida a partir de fibra longa e
destinada para a produção de papéis de embalagem.
• Pasta mecânica: de alto rendimento, o que reduz seu custo, porém também a
qualidade. Muito utilizada em papéis de I&E e de imprensa, além de ter alguma
aplicação em papel-cartão.
• Demais: inclui principalmente pastas químicas de processo sulfito e pastas se-
mimecânicas.
A celulose para produção de papéis compete diretamente com a fibra re-
ciclada, feita com aparas de papel. Entretanto, as aparas não podem substituir
por completo as fibras virgens, pois as fibras se degradam depois da reciclagem
contínua (estudos sugerem que, em tese, a celulose pode ser reciclada em torno
de seis vezes). O uso de aparas de papel, além de resultar em maiores perdas no
processo produtivo3 em relação às fibras virgens, costuma requerer maior gasto
com energia e químicos.

3
Na Figura 1, é possível notar que o consumo de fibras é superior à produção de papéis, e um dos motivos são as altas perdas
derivadas do uso de aparas de papel. Outros motivos incluem o uso de cargas minerais no papel, além dos diferentes teores de
umidade nas fibras e nos papéis.
Papel e Celulose 341

Estrutura do mercado e competitividade brasileira

Conforme visto na Figura 1, o Brasil está em uma posição de destaque na produção


mundial de celulose, em especial considerando-se a produção de BHKP de mercado,
com participação de 38% em 2010. Essa alta participação advém da alta competitivi-
dade da produção brasileira, que por sua vez é oriunda da floresta: condições edafo-
climáticas favoráveis e um longo histórico de investimento em pesquisa e desenvol-
vimento elevaram a produtividade do pínus e, sobretudo, do eucalipto brasileiro ao
maior patamar mundial. Como o frete da madeira é muito mais elevado que o frete
da celulose, globalmente a produção dessa commodity tende a se concentrar próxi-
ma a florestas de alta produtividade, com boa parcela de sua produção direcionada
à exportação para longas distâncias.
No papel, porém, a lógica é distinta. As particularidades de cada subsegmento
não permitem definir razões universais. Entretanto, em grande parte, a produção
tende a se concentrar próxima aos mercados consumidores, em razão da: (i) com-
plexidade da cadeia de distribuição com alto número de SKUs;4 (ii) necessidade (em
muitos tipos de papéis) de prestar assistência técnica aos consumidores (por exemplo,
gráficas); (iii) venda direta ao consumidor final em alguns tipos de papéis (como I&E
do tipo A4 ou papéis sanitários vendidos em supermercados), elevando a necessidade
e a importância do branding; e (iv) baixa densidade ou valor agregado, encarecendo
o frete para longas distâncias (em especial no caso dos papéis sanitários e do P.O. à
base de papel reciclado). Por fim, a concentração da produção perto dos mercados
consumidores elevou a escala destes produtores em relação aos localizados em mer-
cados com baixo consumo (notadamente os emergentes). Como a escala é um impor-
tante fator competitivo em muitos tipos de papéis, os produtores localizados próxi-
mos a grandes mercados consumidores aumentaram ainda mais sua competitividade
perante os localizados em mercados pequenos, em especial nos papéis gráficos, que
são os que apresentam maior volume no comércio internacional. Assim, a produção
de papéis concentrou-se nos países desenvolvidos, ainda que a ascensão econômica

4
Stock Keeping Unit, ou unidades de manutenção de estoque.
342 BNDes 60 aNos – PeRsPeCTIVas seToRIaIs

da China nos últimos anos tenha levado esse país a figurar como o grande consumi-
dor e produtor mundial de papéis, conforme será visto em detalhes mais adiante.
essas razões ajudam a explicar o motivo da baixa participação brasileira na pro-
dução mundial de papéis (ver Figura 1), de apenas 2,5% em 2010, não sendo, porém,
as únicas. Deficiências lógisticas, alta e complexa carga tributária, desvio de finalida-
de de papel imune (explicado em detalhes mais à frente), pequeno porte das empre-
sas de papéis, além da competição por recursos com a celulose (que oferece maior
rentabilidade econômica e potencial de crescer em outros mercados via exportação),
ajudam a complementar o quadro. ao longo do texto, especialmente na sexta seção,
a baixa competitividade brasileira em papéis será explorada em maior detalhamento.

2. UM A V i S ÃO D E C in QU E n TA A n OS
DA i nDÚS T R iA n A C iOn A L
segundo a associação Brasileira de Papel e Celulose (Bracelpa), em 1952 produziam-
-se no Brasil cerca de 262 mil toneladas de todos os tipos de papel, com destaque
para os de embalagem, que correspondiam a 48% do total. Já a produção de fibras
totalizava 121 mil toneladas, das quais 45% de celulose, a maioria fibra longa, e
54% de pastas de alto rendimento.
em 1956, o Plano de Metas, esforço do estado brasileiro em promover o de-
senvolvimento econômico, proporcionou ao setor de papel e celulose o apoio mais
constante do BNDes. um dos projetos importantes dessa época, que também con-
tou com o apoio do Banco, foi o de fabricação de papel com celulose proveniente
do eucalipto, cujo advento constituiu um marco para a indústria e permitiu ampliar
a produção de celulose brasileira.
No período compreendido entre 1957 e 1973, a produção de papel aumentou
cerca de quatro vezes, e o consumo três. Por outro lado, a produção de celulose e
pastas de alto rendimento aumentou substancialmente mais que o consumo, pos-
sibilitando o início das exportações, em especial da celulose derivada do eucalipto.
entre 1974 e 1980, a produção brasileira de celulose cresceu 201%, atingindo
2,9 milhões de toneladas. No mesmo período, a fabricação de papéis aumentou
PaPel e Celulose 343

81%, com destaque para os papéis para embalagem e os de imprimir e escrever, os


quais cresceram 98% e 84%, respectivamente. o vultoso crescimento da produção
de celulose ocorreu em razão da entrada em operação de dois importantes proje-
tos financiados pelo BNDes: a aracruz Celulose e a Cenibra, que produziam celulo-
se branqueada de fibra curta (eucalipto) para exportação.
Com o start-up dos projetos implantados entre 1974 e 1980, a produção de ce-
lulose no ano de 1985 atingiu 3,4 milhões de toneladas, e a de papel, 4,0 milhões.
Cabe ressaltar, nessa etapa, o apoio do BNDes à implantação da Papel de Imprensa
s.a. (Pisa), que permitiu dobrar a produção de papel imprensa nacional, superando
o patamar de 200 mil t/ano.
Nos anos 1980, a desaceleração da economia brasileira e mundial, aliada ao au-
mento do custo do capital e ao colapso do sistema internacional de crédito, fez a in-
dústria reforçar seus esforços para exportar mais e reduzir custos. sendo assim, o pe-
ríodo 1986-1992 representou a consolidação da indústria de celulose e papel. Foi nessa
fase que se realizaram investimentos em modernização e em ganho de produtividade,
quando a profissionalização da gestão das empresas se tornou a maior preocupação.
Já nos anos 1990, a indústria de celulose e papel atingiu a maturidade e passou a
ter seu avanço ditado pelo mercado e pelas necessidades de expansão das empresas,
e não mais pelas exigências do desenvolvimento planejado do país. Para os grandes
do setor, o BNDes deixou de ser o alicerce principal e passou a constituir uma alterna-
tiva de financiamento, com os demais instrumentos disponíveis no mercado.

3. PAnO R AM A D O ME R C A D O D E PA P É iS
DemanDa

entre 2000 e 2010, o CaGR5 global do consumo aparente de papéis foi de 1,8%,
como se pode verificar na Tabela 1. em 2010, a demanda global foi de 394 milhões
de toneladas, um incremento de 65,8 milhões de toneladas em relação ao patamar

5
compound annual growth rate, ou taxa média de crescimento.
344 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

registrado em 2000. No mesmo período, o CAGR do PIB global foi de 3,4%. A prin-
cipal razão para tal divergência reside na redução do consumo per capita de papéis
em mercados maduros, em especial nos papéis gráficos (I&E e imprensa).

Tabela 1 Consumo aparente de papéis, por tipo e região

Tipo de papel/mercado 2000 2010 Variação no período


% do total Mil t % do total Mil t CAGR Mil t
Imprensa 12,0 39.579 8,3 32.817 (1,9) (6.762)
Mercados maduros 8,7 28.606 4,6 18.138 (4,5) (10.468)
China 0,5 1.663 1,1 4.224 9,8 2.561
Brasil 0,2 650 0,1 586 (1,0) (64)
Demais emergentes 2,6 8.660 2,5 9.869 1,3 1.209
I&E 31,4 103.287 27,8 109.789 0,6 6.502
Mercados maduros 22,5 73.901 15,1 59.523 (2,1) (14.378)
China 3,3 10.939 5,3 21.086 6,8 10.147
Brasil 0,5 1.658 0,6 2.348 3,5 690
Demais emergentes 5,1 16.789 6,8 26.832 4,8 10.043
Papelão ondulado 29,2 95.965 35,1 138.512 3,7 42.547
Mercados maduros 18,8 61.821 15,1 59.453 (0,4) (2.369)
China 3,1 10.223 9,6 37.757 14,0 27.534
Brasil 0,8 2.499 1,0 3.775 4,2 1.276
Demais emergentes 6,5 21.422 9,5 37.526 5,8 16.104
Papel-cartão 11,8 38.933 12,6 49.838 2,5 10.904
Mercados maduros 7,7 25.402 5,8 22.909 (1,0) (2.493)
China 1,4 4.716 3,1 12.321 10,1 7.605
Brasil 0,2 726 0,2 960 2,8 234

Demais emergentes 2,5 8.090 3,5 13.648 5,4 5.558


Sanitários 6,4 20.982 7,4 29.276 3,4 8.294
Mercados maduros 4,4 14.307 4,2 16.728 1,6 2.421
China 0,7 2.256 1,2 4.775 7,8 2.519
Brasil 0,2 580 0,2 922 4,7 342
Demais emergentes 1,2 3.839 1,7 6.851 6,0 3.012
Demais papéis 9,2 30.146 8,7 34.497 1,4 4.351
Mercados maduros 4,4 14.621 3,3 13.102 (1,1) (1.518)
China 2,4 7.843 2,9 11.492 3,9 3.649
Brasil 0,2 705 0,2 916 2,6 210
Demais emergentes 2,1 6.977 2,3 8.987 2,6 2.010
Total papéis 100,0 328.892 100,0 394.728 1,8 65.836
Mercados maduros 66,5 218.658 48,1 189.852 (1,4) (28.805)
China 11,4 37.640 23,2 91.655 9,3 54.015
Brasil 2,1 6.818 2,5 9.507 3,4 2.688
Demais emergentes 20,0 65.776 26,3 103.714 4,7 37.938

Fonte: RISI.
Papel e Celulose 345

Os papéis gráficos foram muito afetados no período pela concorrência com os


meios digitais, como tablets, smartphones e leitores digitais (por exemplo, kindle). Tal
concorrência foi mais forte em mercados maduros, onde a penetração dos meios
digitais é mais intensa na população. O CAGR, no período, nesses mercados, foi de
-4,5% para imprensa e -2,1% para I&E.
O consumo da China expandiu mais em papel imprensa (9,8%) do que em I&E
(6,8%), ao passo que nos demais emergentes o movimento foi oposto (1,2% e
4,7%, respectivamente). Tanto em imprensa quanto em I&E, o desempenho do Bra-
sil ficou situado entre o patamar recessivo dos mercados maduros e o crescimento
moderado dos demais emergentes, com CAGR de -1% e de 3,5%, respectivamente.
Já o P.O. foi responsável pelo mais alto crescimento global (CAGR de 3,7%) e
chinês (14%), tornando-se o papel mais consumido no mundo, à frente do de I&E.
Esse tipo de papel foi muito beneficiado pelo aumento da renda, da produção
industrial e do comércio internacional. A China, que se tornou o grande produtor
global de produtos industrializados, passou a demandar cada vez mais esse tipo de
papel para exportar sua produção.6 Outro papel de embalagem, o papel-cartão,
também revelou crescimento (global de 2,5% e chinês de 10,1%), porém inferior
ao P.O., em função da maior concorrência com outros materiais para embalagens,
com destaque para o plástico. No Brasil, o movimento foi semelhante, com CAGR
de 4,2% para o P.O. e de 2,8% para o papel-cartão.
Os papéis sanitários, por sua vez, apresentaram o segundo maior crescimento
global (3,4%), puxado não somente pela China (cujo crescimento, de 7,8%, foi in-
ferior ao de outros tipos de papéis), mas também pelos mercados maduros, pelo
Brasil e pelos demais emergentes, regiões onde a taxa de crescimento de papéis
sanitários foi a mais alta entre todos os segmentos de papéis. O CAGR de mercados
maduros foi de 1,6% (único segmento em que essa taxa não foi negativa), o do
Brasil de 4,7%, e o dos demais emergentes de 6%.
Ao considerar todos os tipos de papéis, o desempenho do Brasil esteve não somen-
te atrás do chinês, mas também dos demais emergentes. O CAGR do consumo de papéis

6
A embalagem dos produtos exportados entra nas estatísticas do país exportador como consumo interno.
346 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

no Brasil foi de 3,4%, ao passo que o da China foi de 9,3% e dos demais emergentes de
4,7%. Entretanto, o Brasil ainda experienciou um ligeiro aumento na participação da
demanda mundial, saindo de 2,1% em 2000 para 2,5% em 2010. A explicação para tal
fato reside na contração ocorrida em mercados maduros (-1,4%), que detinham uma
alta participação na demanda global (66,5% em 2000 e 48,1% em 2010).
Tais taxas de crescimento são semelhantes, porém um pouco superiores, às do
consumo per capita de papéis (à exceção dos mercados maduros): a China apresen-
tou um CAGR de 8,7% no período, seguido dos demais emergentes (3,1%), Brasil
(2,2%) e mercados maduros (-2%). Em 2000, o consumo per capita chinês era 76%
do brasileiro, e essa razão subiu a 140% em 2010. Apesar da queda no consumo per
capita em mercados maduros, em 2010 este ainda foi o triplo do consumo chinês.
Conforme ilustra o Gráfico 1, o consumo per capita (medido em kg/habitante/
ano) de papéis no Brasil em 2010 (48) foi inferior ao de outros emergentes, como
Coreia do Sul (201), Chile (78), Turquia (69), México (64) e Argentina (63), quase
igual ao da África do Sul (48), mas superior a de outros emergentes, como Rússia
(46), Indonésia (25) e Índia (9).

Gráfico 1 Consumo per capita anual de papéis, em kg/habitante

300

250

200

150

100

50

-
Mercados maduros China Brasil Demais emergentes

2000 2010

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados de RISI e World Bank.


Papel e Celulose 347

Dessa maneira, apesar do crescimento dos países emergentes no ranking dos


dez maiores consumidores (Tabela 2), este ainda é dominado pelos países desenvol-
vidos. China, Índia, Brasil e Coreia do Sul foram países emergentes que avançaram
no ranking. O consumo da China equivalia a cerca de um terço do consumo ameri-
cano em 2000, passando, em 2010, a ser 22% superior a ele. O Brasil, que em 2000
era o 11º maior consumidor, passou a nono em 2010.

Tabela 2 Dez maiores consumidores mundiais de papéis (em mil toneladas)

2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 92.859 28,2 China 91.655 23,2
China 37.640 11,4 Estados Unidos 75.246 19,1
Japão 32.099 9,8 Japão 27.872 7,1
Alemanha 18.757 5,7 Alemanha 19.763 5,0
Reino Unido 12.826 3,9 Itália 10.829 2,7
França 11.475 3,5 Índia 10.776 2,7
Itália 10.983 3,3 Reino Unido 10.515 2,7
Canadá 7.839 2,4 França 9.924 2,5
Coreia do Sul 7.396 2,2 Brasil 9.507 2,4
Espanha 6.842 2,1 Coreia do Sul 9.426 2,4
Demais países 90.175 27,4 Demais países 119.215 30,2
Total mundo 328.892 100,0 Total mundo 394.728 100,0

Fonte: RISI.

Oferta
Como a produção de papéis tende a se situar próxima à demanda, seu crescimento foi
muito semelhante ao do consumo. O crescimento da produção versus o crescimento
do consumo foi de -0,9% x -1,4% nos mercados maduros; 10,9% x 9,3% na China;
3,1% x 3,4% no Brasil; e 3,7% x 4,7% nos demais emergentes. Ou seja, apesar da
semelhança nas taxas, o crescimento da oferta foi superior ao da demanda nos mer-
cados maduros e na China, ao passo que o contrário ocorreu no Brasil e nos demais
emergentes. A China foi a grande responsável pelo aumento da oferta de papéis no
mundo: a variação na produção de 2010 em relação a 2000 foi de 59,7 milhões. Nos
demais emergentes, houve adição na produção de 24,7 milhões de toneladas; no
Brasil, de apenas 2,6 milhões de toneladas; e nos mercados maduros houve retração
de 20,3 milhões de toneladas. Os mercados maduros, que representavam 71% da
produção mundial em 2000, passaram a representar 53% em 2010 (Gráfico 2).
348 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 2 Produção mundial de papéis (em mil toneladas)

450.000

400.000

350.000

300.000

250.000

200.000

150.000

100.000

50.000

-
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Brasil Demais emergentes China Mercados maduros

Fonte: RISI.

O ranking dos dez maiores produtores mundiais (Tabela 3) guarda muita seme-
lhança com o dos maiores consumidores. Quatro emergentes ganharam posições: China,
Coreia do Sul, Indonésia e Brasil. Entretanto, como apontam as diferenças nas taxas de
produção e crescimento, os países desenvolvidos perderam menos espaço, proporcio-
nalmente, no ranking dos maiores consumidores do que no de maiores produtores.

Tabela 3 Dez maiores produtores mundiais de papéis (em mil toneladas)

2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 86.011 26,3 China 92.599 23,5
China 32.864 10,0 Estados Unidos 75.849 19,3
Japão 31.828 9,7 Japão 27.288 6,9
Canadá 20.813 6,4 Alemanha 23.122 5,9
Alemanha 18.182 5,6 Canadá 12.787 3,2
Finlândia 13.509 4,1 Finlândia 11.789 3,0
Suécia 10.786 3,3 Suécia 11.410 2,9
França 10.006 3,1 Coreia do Sul 11.120 2,8
Coreia do Sul 9.308 2,8 Indonésia 9.951 2,5
Itália 9.087 2,8 Brasil 9.796 2,5
Demais países 84.772 25,9 Demais países 108.188 27,5
Total mundo 327.166 100,0 Total mundo 393.899 100,0

Fonte: RISI.
Papel e Celulose 349

Em consonância ao pequeno aumento, de apenas 2,6 milhões de toneladas,


da produção e consumo de papéis no Brasil, houve apenas dois grandes projetos
de expansão de capacidade no período analisado. O primeiro foi o MA-1100, da
Klabin. Com start-up em 2008, esse projeto aumentou a capacidade de produção
de papel-cartão da companhia em 420 mil t/ano, equivalente a 59% de todo o
aumento de capacidade de produção de papel-cartão nacional no período, e em
15% se forem contemplados todos os tipos de papéis (segundo dados da Bracelpa,
considerando o período de 2000 a 2009).7 O segundo grande projeto foi a linha de
I&E da International Paper, em Três Lagoas (MS), integrada à fábrica de celulose da
Fibria. Inaugurada em 2009, a planta tem capacidade instalada de 200 mil t/ano.
A baixa competitividade mundial brasileira na produção de papéis, além de um
mercado interno pequeno (em função do baixo consumo per capita), direcionou os
aumentos de capacidade de produção para a celulose, que destina sua produção
para exportação e obtém maior rentabilidade.

Comércio internacional

Como uma proporção da produção global, as exportações se mantiveram ao redor


de 30% durante o período analisado. Oscilando cerca de 42% nos papéis gráficos,
21% nos sanitários e de 17% no P.O., conforme aponta o Gráfico 3. Estes dois úl-
timos tipos são os papéis menos negociados internacionalmente. O primeiro em
função de sua baixa densidade, e o segundo em função do baixo valor agregado
(no caso dos papéis reciclados).
Ao longo do período analisado, a América do Norte e a Europa Ocidental foram
as únicas regiões que sempre obtiveram superávit comercial, com a última apresen-
tando um crescimento acelerado no período, aumentando, em 2010, seu saldo em
7,3 milhões de toneladas, em relação a 2000. A China passou de relevante impor-
tador líquido (terceiro maior déficit em 2000) para exportador líquido. A Europa
Oriental registrou a maior deterioração da balança comercial, o que pode explicar

7
A Bracelpa não divulgou a capacidade instalada de 2010.
350 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

uma parte do grande aumento nas exportações por parte da região. A América La-
tina também sofreu déficits na balança, que se deteriorou no decorrer do período.
O Brasil foi o único país da região que registrou saldo positivo entre 2000 e 2010,
enquanto o Chile experienciou saldo positivo em alguns anos do mesmo período.

Gráfico 3 Exportações sobre produção em âmbito global, aberto por tipo de papel

50

45

40

35

30

25
%

20

15

10

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Imprensa I&E Papel-cartão Demais papéis Sanitários Papelão ondulado

Fonte: RISI.

Os déficits comerciais em papéis na maioria dos mercados emergentes ilustram


a estrutura dessa indústria, conforme exposto na primeira seção deste artigo: regiões
desenvolvidas criaram empresas mais competitivas internacionalmente do que paí-
ses em desenvolvimento, pois o alto consumo doméstico permitiu a essas empresas
que investissem em plantas maiores e mais modernas. Isso se tornou relevante, em
especial, no segmento de papéis gráficos, no qual a escala é um importante dife-
rencial competitivo e que, de 2001 a 2010, respondeu por 56% do volume de papéis
comercializados internacionalmente. Além disso, é importante destacar que boa
parte do comércio internacional de papéis é realizado regionalmente – segundo
dados da Secretaria de Comércio Exterior, a América do Sul respondeu por 42% das
exportações de papéis brasileiras, entre 2001 e 2010. Em contrapartida, na celulose,
esse percentual foi de apenas 1%.
Papel e Celulose 351

Tabela 4 Saldo Comercial de papéis, por região e países selecionados (em mil toneladas)

Região/país 2000 2010 Variação

América do Norte 6.125 7.099 974

Canadá 12.974 6.496 (6.477)

Estados Unidos (6.849) 603 7.451

Europa 6.906 9.589 2.684

Ocidental 7.201 14.591 7.390

Finlândia 11.668 10.313 (1.355)

Suécia 8.263 9.399 1.136

Reino Unido (6.222) (6.215) 7

Alemanha (575) 3.359 3.934

Itália (1.896) (1.683) 213

Demais países (5.933) (2.266) 3.668

Oriental (295) (5.001) (4.706)

Rússia 1.949 1.039 (910)

Demais países (2.244) (6.040) (3.796)

Ásia (4.780) (1.775) 3.006

China (4.776) 943 5.720

Japão (272) (584) (313)

Índia (493) (1.552) (1.059)

Indonésia 3.367 3.854 487

Demais países (2.607) (4.436) (1.829)

América Latina (4.540) (6.844) (2.305)

Brasil 370 289 (81)

Chile (59) (31) 28

México (1.563) (2.513) (950)

Demais países (3.288) (4.590) (1.302)

Oceania (1.028) (667) 362

África (1.579) (3.654) (2.075)

Oriente Médio (2.830) (4.578) (1.747)

Fonte: RISI.

A balança comercial brasileira de papéis realizou dois movimentos antagôni-


cos, correlacionando-se com o movimento do câmbio. De 2000 a 2005 a balança
registrou superávits cada vez maiores (à exceção do ano de 2004), tendo registrado
saldo de 1,1 milhão de toneladas em 2005. De 2005 a 2010, porém, a balança se de-
teriorou (à exceção de 2009), tendo registrado em 2010 o menor valor desde 2000,
de 289 mil toneladas, como expõe a Tabela 4.
352 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 4 Saldo comercial brasileiro de papéis, por segmento

2.000 3,5

3,0
1.500

2,5
1.000
MIL TONELADAS

2,0

R$/US$
500
1,5

-
1,0

-500
0,5

-1.000 -
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

R$/US$ Demais papéis Sanitários Papel-cartão Papelão ondulado I&E Imprensa

Fontes: RISI e Bacen.

O papel imprensa é o único segmento8 que registrou déficits expressivos,


conforme registrado no Gráfico 4, em função da importação anual de cerca de
400 mil t/ano, segmento no qual o Brasil tem apenas uma planta, com capacidade
de produção de 180 mil t/ano, insuficiente para atender ao mercado interno, que
têm de recorrer às importações. Conforme será visto na seção de perspectivas, a
pouca competitividade do Brasil nesse segmento, aliado a um declínio na deman-
da mundial, bem como aos problemas de desvio de finalidade do papel imune,
acabam por reduzir a possibilidade de investimento em uma nova planta de papel
jornal no país.
Em relação às exportações brasileiras, a maior parte se concentrou no kraftliner
(papel destinado à fabricação de P.O. à base de fibra virgem) e nos papéis de
I&E woodfree não revestidos, o que permitiu que o país fosse o único da região
que registrasse superávits comerciais durante o período analisado (ver Tabela 4).

8
É importante lembrar que, em cada segmento, existem outros diversos subsegmentos que apresentaram déficits individualmente.
Um exemplo notável são os papéis de I&E revestidos.
PaPel e Celulose 353

Nesses papéis, o peso da fibra virgem nos custos é mais relevante, e o Brasil, além
de dispor de uma celulose altamente competitiva, tem grandes produtores (como
Klabin, suzano e IP), com algumas plantas modernas e de grande porte, o que
permitiu ao Brasil exportar de forma competitiva (em especial para o restante da
américa latina, bastante dependente de papéis importados).

4. PAnO R AM A D O ME R C A D O D E C E L U L OSE
DemanDa

o consumo aparente global de celulose,9 incluindo as fabricadas a partir de


outros insumos que não a madeira, oscilou nos últimos dez anos, mas encerrou
2010 com valores similares aos registrados em 2000, ao contrário do crescimen-
to registrado no papel (CaGR de 1,8%). o que explica tal divergência é a maior
utilização de aparas (utilizadas por meio da reciclagem) no mix de fibra utiliza-
do na produção de papel. Desde 2003, a utilização da fibra reciclada é superior
à da fibra virgem,10 diferença que permanece aumentando desde então, tendo
chegado a participação da fibra reciclada, no mix de produção mundial, a 56%
em 2010 (Gráfico 5).
apesar da quase estagnação no consumo global de celulose, houve uma clara
diferenciação entre o desempenho de cada tipo do produto. enquanto o CaGR
da BHKP, no período, foi de 2,1%, a taxa de crescimento do consumo de BsKP foi
de -0,4%, a de celulose kraft não branqueada foi de zero, a de pasta mecânica de
-1,4% e as demais de -3% (ver Gráfico 6).

9
todas as referências à celulose no texto referem-se à polpa oriunda de madeira destinada à produção de papéis, exceto quando
explicitamente mencionado.
10
a razão calculada foi feita com base em consumo de fibra/produção de papéis, sem ajuste por perdas, umidade ou uso de outros
aditivos no papel, como cargas minerais.
354 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 5 Mix de fibras na produção de papéis no mundo

58

56

54

52

50
%

48

46

44

42

40
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Celulose de madeira Fibra reciclada

Fonte: RISI.

Gráfico 6 Consumo aparente global de celulose, por tipo (em mil toneladas)

200.000

180.000

160.000

140.000

120.000

100.000

80.000

60.000

40.000

20.000

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Demais Pasta mecânica Kraft não branqueado BSKP BHKP

Fonte: RISI.

A pasta mecânica é muito utilizada na produção de papel imprensa, o que ex-


plica a queda em sua demanda. Já a celulose kraft não branqueada é muito utiliza-
Papel e Celulose 355

da em papéis de embalagens, que, apesar de responsáveis por um dos maiores cres-


cimentos entre os papéis no período, utilizaram cada vez mais fibra reciclada em
sua produção. Já o bom desempenho de BHKP é explicado tanto pelo crescimento
na demanda de papéis sanitários, papel-cartão e especiais, quanto pela substitui-
ção de BSKP, em função do baixo custo e de melhorias nas propriedades das fibras.
Ao analisar o ranking dos dez maiores consumidores globais de celulose (inclu-
sive de outras fontes que não a madeira), reproduzido na Tabela 5, podem-se ob-
servar algumas diferenças em relação aos maiores produtores de papéis. Um deles é
o consumo maior de celulose, em 2010, dos Estados Unidos em relação à China, ao
contrário do ocorrido na produção de papéis, o que é explicado pelo maior uso de
fibra reciclada neste último país (entre outros motivos, pela alta produção de P.O.,
com a maior taxa de utilização11 entre todos os tipos de papéis). Outra diferença é
que o Brasil aparece em posição mais relevante no consumo de celulose do que na
produção de papéis, o que pode ser explicado pela alta oferta de fibra virgem a um
custo baixo, em relação à oferta de fibra reciclada.

Tabela 5 Dez maiores consumidores mundiais de celulose, de madeira e outras fontes


(em mil toneladas)

2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 57.360 31,2 Estados Unidos 48.306 26,1
China 19.380 10,5 China 32.396 17,5
Canadá 15.962 8,7 Japão 10.679 5,8
Japão 14.148 7,7 Canadá 9.335 5,1
Finlândia 10.361 5,6 Suécia 9.186 5,0
Suécia 8.755 4,8 Finlândia 8.810 4,8
Alemanha 5.968 3,2 Alemanha 6.994 3,8
Brasil 4.795 2,6 Brasil 6.079 3,3
Rússia 4.307 2,3 Rússia 5.756 3,1
França 4.289 2,3 Indonésia 4.601 2,5
Demais países 38.796 21,1 Demais países 42.640 23,1
Total mundo 184.121 100,0 Total mundo 184.783 100,0

Fonte: RISI.

11
Definido pela razão do consumo de aparas de papel sobre a produção de papel.
356 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Oferta

Na celulose, ao contrário do setor de papéis, o Brasil foi o grande destaque global.


A produção do país em 2010 foi 6,6 milhões de toneladas superior à de 2000, o que
representou um CAGR de 6,5%. Foi o maior crescimento registrado entre todos os
países, incluindo a China, que expandiu sua produção em 5,6 milhões (consideran-
do também a produção de celulose não oriunda de madeira). Em 2000, o Brasil era
o sétimo maior produtor, com 4% de participação de mercado, passando, em 2010,
para a quarta posição, com 7,6% do mercado (Tabela 6). Rússia, Indonésia e Chile
foram outros emergentes que subiram no ranking dos maiores produtores mun-
diais, enquanto grandes países produtores localizados no hemisfério norte, como
Estados Unidos, Canadá, Finlândia e Suécia, reduziram sua produção no período,
em função da menor competitividade diante dos países do hemisfério sul.

Tabela 6 Dez maiores produtores mundiais de celulose, de madeira e outras fontes


(em mil toneladas)

2000 2010
País Mil t % País Mil t %
Estados Unidos 56.933 30,8 Estados Unidos 49.243 26,5
Canadá 26.871 14,5 China 22.042 11,9
China 16.438 8,9 Canadá 18.536 10,0
Finlândia 11.910 6,4 Brasil 14.062 7,6
Suécia 11.517 6,2 Suécia 11.877 6,4
Japão 11.319 6,1 Finlândia 10.508 5,7
Brasil 7.463 4,0 Japão 9.393 5,1
Rússia 5.885 3,2 Rússia 7.421 4,0
Indonésia 4.308 2,3 Indonésia 6.278 3,4
Índia 2.770 1,5 Chile 4.114 2,2
Demais países 29.564 16,0 Demais países 32.109 17,3
Total mundo 184.978 100,0 Total mundo 185.582 100,0

Fonte: RISI.

Apesar da estagnação do volume produzido entre 2000 e 2010, observaram-se


comportamentos distintos na produção de celulose integrada e na de mercado. En-
quanto a celulose integrada apresentou CAGR de -0,8%, a de mercado cresceu 2,2%,
o que permitiu que a produção de celulose de mercado, que representava 26% do
total de celulose em 2000, passasse a 32% em 2010. A razão para essa divergência é
Papel e Celulose 357

que muitas das novas capacidades localizadas no hemisfério sul destinam-se a ofertar
celulose aos grandes produtores de papel, localizados principalmente em países
desenvolvidos e na China.
Se for considerada somente a celulose de mercado, a participação do Brasil no
mercado global, que era de 8,5% em 2000, foi a 18% em 2010. Se fizermos um cor-
te ainda maior e considerarmos apenas a produção de BHKP de mercado, o Brasil
saiu de uma participação de 22% em 2000 para 38% em 2010.
Esse grande salto na produção veio principalmente por meio de quatro grandes
projetos de celulose de mercado, de classe mundial, que iniciaram suas atividades en-
tre 2000 e 2010. O primeiro foi a terceira linha da unidade de Aracruz (ES) da então
Aracruz (atual Fibria), com capacidade de produção de 700 mil t/ano de celulose. Com
start-up em 2002, o projeto garantiu à empresa, que na época era a segunda maior
produtora mundial de fibra curta de eucalipto, a liderança mundial nesse segmento.
Posteriormente, em 2005, na região sul da Bahia, houve o início das opera-
ções da primeira planta de celulose da Veracel (joint-venture da Stora Enso e da
Aracruz), nos limites dos municípios de Eunápolis e Belmonte, com capacidade de
900 mil t/ano e que é, ainda hoje, uma das plantas mais eficientes do mundo, em
função da alta produtividade das florestas da região. Ainda na Bahia, o projeto de
uma nova linha na planta da Suzano em Mucuri, com capacidade de produção de
1 milhão de t/ano de celulose de mercado, começou em 2007. Na época, foi a maior
escala de uma planta de celulose em todo o mundo e foi responsável por levar a Su-
zano (que era denominada Suzano Bahia Sul Papel e Celulose) a ser segunda maior
produtora nacional de celulose.
Por fim, o quarto grande projeto iniciou-se em 2009, no que foi a primeira
planta de celulose no estado de Mato Grosso do Sul: uma nova unidade da en-
tão VCP (Votorantim Celulose e Papel, atual Fibria) com capacidade instalada de
1,3 milhão de t/ano. Apenas nesses quatro projetos, foram adicionados quase
quatro milhões de toneladas de capacidade instalada de BHKP no mercado. É
interessante notar o contínuo aumento de escala nos projetos de celulose: saindo
de 700 mil t/ano em 2002, para 900 mil t/ano em 2005, 1 milhão t/ano em 2007 e
1,3 milhão de t/ano em 2009. Essa grande escala contrasta com os investimentos
358 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

em papel: o maior projeto do período, o MA-1100 da Klabin, adicionou 420 mil t/ano
de capacidade produtiva no mercado.
Outro destaque na oferta brasileira no período foi a formação da Fibria, a
maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo, oriunda da fusão
entre a VCP e a Aracruz, em 2009. Segundo estimativas da consultoria RISI, a Fibria
detém 10% da capacidade instalada global de celulose de mercado, sendo 21% se
considerada apenas BHKP.

Comércio internacional

As exportações globais, como um percentual da produção, vêm aumentando, pas-


sando de 21% em 2000 para 26% em 2010, como indica o Gráfico 7. Apesar da
tendência positiva, a fração da produção exportada de celulose ainda é inferior à
de papéis – que pouco oscilou, ficando ao redor de 30% durante o período analisa-
do –, visto que a maior parte da celulose produzida no mundo é integrada. Quando
se considera a celulose de mercado, o percentual é muito superior, tendo saído de
79% em 2000 para 81% em 2010.

Gráfico 7 Exportações sobre produção de celulose, total e de mercado

90

80

70

60

50
%

40

30

20

10

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Total Mercado

Fonte: RISI.
Papel e Celulose 359

Em relação ao saldo comercial de celulose, exibido na Tabela 7, a América do


Norte e a América Latina aparecem como regiões exportadoras líquidas, enquanto
a Europa e a Ásia como importadoras líquidas. O Brasil alcançou o maior acréscimo
na balança comercial, com o saldo em 2010 de 5,3 milhões de toneladas acima do
registrado em 2000, o que levou o país a se tornar o segundo maior exportador de
celulose, atrás apenas do Canadá (o Brasil era o quarto maior exportador em 2000).
A China aparece como destaque negativo: seu saldo deteriorou-se em 7,4 milhões
de toneladas, tornando-se o maior importador do mundo em 2010, responsável por
24% das importações mundiais de celulose.

Tabela 7 Saldo comercial de celulose, por região e países selecionados (em mil toneladas)

Região/país 2000 2010 Variação


América do Norte 9.943 9.934 (9)
Canadá 10.641 8.995 (1.646)
Estados Unidos (698) 939 1.637
Europa (5.547) (5.924) (377)
Ocidental (6.536) (6.397) 139
Finlândia 1.549 1.715 166
Suécia 2.762 2.660 (102)
Reino Unido (1.621) (1.049) 572
Alemanha (3.753) (4.205) (452)
Itália (3.106) (3.226) (120)
Demais países (2.367) (2.292) 75
Oriental 989 473 (516)
Rússia 1.578 1.665 87
Demais países (589) (1.192) (603)
Ásia (8.213) (14.517) (6.304)
China (2.942) (10.355) (7.413)
Japão (2.829) (1.286) 1.543
Índia (186) (576) (390)
Indonésia 1.015 1.677 662
Demais países (3.271) (3.978) (707)
América Latina 3.809 11.198 7.390
Brasil 2.668 7.969 5.301
Chile 1.831 3.363 1.532
México (440) (853) (413)
Demais países (250) 719 969
Oceania 476 576 100
África 174 (194) (368)
Oriente Médio (366) (703) (337)

Fonte: RISI.
360 BNDes 60 aNos – PeRsPeCTIVas seToRIaIs

a abertura da destinação das exportações brasileiras mostra que a europa é a


principal região importadora da celulose brasileira, respondendo por 47% do volu-
me total, tanto em 2000 quanto em 2010. os estados unidos, que respondiam por
28% das exportações brasileiras em 2010, passaram a responder por 19% em 2010.
Já a China, que importava apenas 3% das exportações brasileiras de celulose em
2000, passou a 22% em 2010, tornando-se o principal destino individual da celulose
brasileira (Gráfico 8).

gráFiCo 8 destinação das exPortações brasileiras de celulose

Demais

China
Demais 12%
Estados Unidos Estados Unidos
22%
28%
22%
19%

China 3%
2000 2010

47% 47%

Europa Europa

Fonte: aliceWeb.

5. O APO i O D O B n D E S
a maioria dos grandes projetos ocorridos nos últimos dez anos no Brasil teve apoio do
BNDes. De 2001 a 2010, os desembolsos diretos para projetos industriais em celulose
(não incluindo a formação da base florestal, investimentos em renda variável ou ca-
pital de giro) foi de R$ 5,4 bilhões, ao passo que para papéis, o montante foi inferior,
de R$ 2,5 bilhões (Gráfico 9). Tal situação ilustra o menor nível de investimentos em
papéis do que em celulose, conforme destacado anteriormente. Dos quatro grandes
projetos de celulose ocorridos no país no período, o único que não foi apoiado pelo
Banco foi o projeto da Cenibra. em papéis, o Banco financiou o projeto Ma-1100 da
Klabin, porém não participou da linha de I&e da IP em Três lagoas (Ms).
Papel e Celulose 361

Já indiretamente, o Banco desembolsou R$ 0,3 bilhão para a celulose e R$ 1,1


bilhão para o setor de papéis. Os desembolsos indiretos apresentam uma concen-
tração muito maior no setor de papéis do que no de celulose, ao contrário dos de-
sembolsos diretos. A maioria das empresas do setor de papéis no Brasil é de peque-
no ou médio porte, com projetos de menor escala, o que muitas vezes inviabiliza a
possibilidade de operar diretamente com o BNDES.12

Gráfico 9 Desembolsos industriais do BNDES de 2001 a 2010 para o setor de Papel e


Celulose, excluindo investimentos florestais, renda variável e capital de giro

6
R$ BILHÕES

-
Indireto Direto

Celulose Papel

Fonte: Elaboração do BNDES.

No total, o apoio direto e indireto do BNDES foi de R$ 9,4 bilhões, o que resulta
em uma média anual de quase R$ 1 bilhão. Para maiores informações sobre o apoio
do BNDES, nos últimos dez anos, ao setor de produtos florestais, sugere-se consul-
tar Vidal e Da Hora (2011).

12
O BNDES pode atuar tanto diretamente, quanto indiretamente, por meio de agentes financeiros. De acordo com as políticas
operacionais vigentes à época da elaboração deste artigo, apenas operações acima de R$ 10 milhões podem ser realizadas de
forma direta.
362 BNDes 60 aNos – PeRsPeCTIVas seToRIaIs

6. PER S PEC Ti VA S
PaPéiS

segundo estimativas da RIsI, o consumo aparente de papéis em 2011 foi de


401 milhões de toneladas, um acréscimo de 1,7% sobre o registrado em 2010. No
Brasil, segundo informado pela Bracelpa, o consumo aparente de papéis subiu
0,1% em 2011 em relação a 2010, ao passo que a produção cresceu 0,4%, como é
possível verificar na Tabela 8. Portanto, a participação do Brasil na demanda global,
em 2011, deve ter recuado para 2,3%.

taBela 8 resultado de 2011 em PaPéis no brasil, em relação a 2010 (em mil toneladas)

Segmento Produção Consumo aparente exportações importações Saldo comercial


mil t vs 2010 mil t vs 2010 mil t vs 2010 mil t vs 2010 mil t vs 2010
2011 (%) 2011 (%) 2011 (%) 2011 (%) 2011 (%)

emBalagem 4.926 1,3 4.384 0,8 606 3,9 64 (8,6) 542 5,7

i&e 2.682 (0,8) 2.347 0,0 1.034 (5,2) 699 (4,9) 335 (5,9)

imPrenSa 129 4,0 533 (9,0) 2 100,0 406 (12,3) (404) (12,6)

SanitárioS 972 7,4 973 7,8 8 (33,3) 9 (10,0) (1) (150,0)

PaPel-Cartão 732 (6,9) 550 (9,2) 221 3,8 39 18,2 182 1,1

DemaiS 438 (5,4) 495 3,1 181 4,0 238 24,6 (57) 235,3

total PaPéiS 9.879 0,4 9.282 0,1 2.052 (1,1) 1.455 (3,1) 597 4,4

Fonte: Bracelpa.

Para os próximos anos, é provável que a demanda por papéis continue sendo
influenciada pelo crescimento do PIB e, uma vez que as perspectivas econômicas
são favoráveis aos países emergentes, estes devem continuar praticando melhor
desempenho do que os mercados maduros, à semelhança dos últimos anos.
Vale notar ainda que o consumo per capita de papéis nos mercados maduros
guarda significativa distância do observado nos mercados emergentes (ver Gráfico 1),
o que é outro indício do potencial de ganho destes últimos.

Papéis gráficos
Tanto nos mercados maduros quanto nos emergentes, mas em especial nos pri-
meiros, o consumo de papéis gráficos (I&e e imprensa) deve continuar pressionado
Papel e Celulose 363

pela competição com os meios digitais. Em relação aos emergentes, a competição


entre papéis gráficos e leitores digitais vem se intensificando, sobretudo entre as
classes mais altas da população, de modo que nessas regiões provavelmente não
vai ocorrer o movimento ascendente seguido de declínio no consumo per capita
desse tipo de papel, a exemplo do ocorrido nos mercados maduros. O consumo
desses países aumentará, porém tendendo a se situar nos patamares encontrados
no mundo desenvolvido.
Produtores de papéis gráficos localizados em mercados maduros têm visto sua
demanda local encolher e estão sendo forçados, cada vez mais, a exportar. Para os
menos competitivos, cujo custo marginal de produção é inferior ao preço de mer-
cado subtraído dos custos de frete, a redução na demanda vem levando ao fecha-
mento de capacidades. Entre 2000 e 2010 houve fechamento líquido de 9,5 milhões
de t/ano de capacidade de I&E em mercados maduros e de 8,6 milhões de t/ano em
papel imprensa, enquanto observou-se na China um aumento líquido de capacida-
de de 11,9 milhões de t/ano de I&E e de 3,3 milhões de t/ano de papel imprensa.
O enorme aumento na demanda permitiu à China não somente investir em novas
e modernas máquinas, mas também em máquinas de grande porte. Considerando
que a escala e a idade tecnológica são dois fatores determinantes para a competiti-
vidade nos papéis gráficos, a dificuldade dos produtores de mercados maduros em
competir com os chineses torna-se cada vez maior.
De acordo com a base de dados sobre as plantas de papéis de I&E da RISI,13 a
China hoje possui o parque fabril mais atualizado, com idade tecnológica média14
de apenas seis anos e capacidade instalada média de 43 mil t/ano (vale notar, entre-
tanto, que as cinco maiores máquinas de I&E do mundo estão na China, todas com
capacidade instalada acima de 500 mil t/ano). A Europa Ocidental, apesar de ter
plantas, na média, maiores (100 mil t/ano), possui um parque fabril bem mais desa-
tualizado (18 anos de idade tecnológica). E a tendência é a posição competitiva da
China se elevar, uma vez que, em seu último plano quinquenal, o país estabeleceu

13
A base da RISI considera cerca de 87% da capacidade instalada de I&E do mundo.
14
Todas as referências a dados médios de plantas de papel e celulose no texto referem-se a uma média ponderada por capacidade
instalada.
364 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

que máquinas de I&E com menos de 1,76 metro de diâmetro e velocidade inferior a
120 m/min deverão ser fechadas, dando lugar a novas e modernas máquinas.
O Brasil tem plantas com idade tecnológica semelhante às da Europa Ociden-
tal e do Japão, porém com escala muito menor (média de 64 mil t/ano, sendo a
maior planta, da IP em Três Lagoas, de 200 mil t/ano). Entretanto, a situação ainda
é melhor do que a do restante da América Latina, com a menor escala (média de
32 mil t/ano) e um dos mais antigos parques industriais do mundo (idade tecnoló-
gica média de 24 anos).
Esses dados estão representados no Gráfico 10.

Gráfico 10 Capacidade instalada e idade tecnológica média de papéis I&E

CAPACIDADE MÉDIA (MIL T/ANO)

20 40 60 80 100 120

0
CHINA

5
IDADE TECNOLÓGICA MÉDIA (ANOS)

BRASIL
10
Demais asiáticos
Europa Ocidental

15
Japão
África, Europa
Oriental e Oceania

20

25
Demais América

América do Norte
30

Fonte: Elaboração BNDES, com base em dados da RISI.


Obs.: O tamanho das bolas indica a capacidade instalada total.

A situação competitiva internacional tende a se acirrar ainda mais nos próximos


anos, considerando o crescimento da oferta chinesa maior do que o de sua deman-
da. Desde 2006, a China passou de importador líquido para exportador líquido de
papéis gráficos, registrando superávits na balança, tal como a Coreia do Sul e a
Indonésia (Gráfico 11). É possível que essa situação continue nos próximos anos,
visto que, de acordo com os anúncios de expansões e fechamentos das empresas do
Papel e Celulose 365

setor, a Ásia deve aumentar sua capacidade instalada de I&E em quase 8 milhões
de t/ano até 2016, enquanto a Europa e a América do Norte devem fechar cerca de
3 milhões de t/ano no mesmo período. Já no papel imprensa, o aumento de capaci-
dade da Ásia provavelmente será próximo de 800 mil t/ano, ao passo que América
do Norte e Europa devem fechar quase 500 mil t/ano de capacidade.

Gráfico 11 Saldo comercial de papéis gráficos na China, Indonésia e Coreia do Sul (em mil
toneladas)

3.500

3.000

2.500

2.000

1.500

1.000

500

(500)

(1.000)

(1.500)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

China Indonésia Coreia do Sul

Fonte: RISI.

No Brasil, o mercado ainda revela perspectivas de crescimento na demanda por


papéis de I&E, em função do aumento e da melhor distribuição de renda. Entre-
tanto, o crescimento na demanda ocorre em patamar bem inferior ao observado
na China e em outros emergentes. O crescimento moderado também inibe futuras
expansões, porque novas capacidades entram no mercado em saltos enquanto a
demanda cresce de forma contínua e mais suave. Assim, uma nova planta de gran-
de capacidade precisaria, em um primeiro momento, exportar uma parcela de sua
produção para tornar-se economicamente viável.
Vale dizer ainda que o Brasil é pouco competitivo internacionalmente na pro-
dução de papéis gráficos, em função do alto custo da energia, de uma logística
366 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

interna deficiente, da distância para os principais mercados consumidores, da alta e


complexa carga tributária, do elevado custo de químicos e de canais de distribuição
no exterior pouco desenvolvidos, inclusive pela ausência de marcas fortes.
No caso da questão tributária, ela não somente dificulta as exportações, como
facilita as importações. No Brasil, os papéis destinados à elaboração de livros, revis-
tas e periódicos contam com imunidade tributária garantida pela Constituição, mas
boa parte do papel declarado como imune no Brasil é desviado para outros fins, ge-
rando evasão fiscal e uma concorrência desleal entre produtores (e importadores)
que operam legalmente e os que não operam. Segundo estimativas da Bracelpa,
em 2010, cerca de 685 mil toneladas de papel imune foram desviados para outros
fins, um aumento de 29% diante do volume observado em 2009, conforme mostra-
do no Gráfico 12.
Por fim, o patamar atual do câmbio brasileiro é outro fator que dificulta a
expansão da produção e exportação brasileira de papéis gráficos. Como o Grá-
fico 4 demonstra, o saldo comercial brasileiro de papéis guarda alta correlação
com o câmbio.

Gráfico 12 Estimativa de desvio de finalidade do papel imune no Brasil


(em mil toneladas e em % do total)

800 70

700 60

600
50

500
MIL TONELADAS

40
%

400
30
300

20
200

10
100

0 0
2005 2006 2007 2008 2009 2010

Toneladas % do total

Fonte: Bracelpa.
Papel e Celulose 367

Ademais, como já analisado, a competição internacional por mercados nos pa-


péis gráficos vem se acirrando em função da tendência de declínio deste mercado.
Dessa forma, não é esperado nenhum grande projeto para papéis gráficos no Brasil
nos próximos anos, à exceção do anúncio da segunda linha da International Paper
na planta de Três Lagoas (MS), de 200 mil t/ano de I&E.
A decisão de seguir em frente com o projeto ainda não foi oficializada pela
empresa. No entanto, o fato de a linha anunciada ser de papéis woodfree não re-
vestidos aumenta a probabilidade de o projeto ser implantado, já que esse tipo de
papel tem perspectivas positivas em relação à demanda interna e é o tipo de papel
de I&E no qual o Brasil aparece em melhor posição competitiva, uma vez que o peso
da celulose química, entre os insumos utilizados, é maior.

Papelão ondulado, papel-cartão e outros papéis para embalagens


O P.O. deve continuar respondendo pela maior taxa de crescimento global entre
todos os tipos de papéis, impulsionado pelo crescimento do PIB, da produção
industrial e do comércio internacional. Outros papéis para embalagens, incluin-
do o papel-cartão, também devem crescer, ainda que com taxas menores do que
o P.O., em razão da maior concorrência com outros materiais para embalagem,
em especial do plástico, a exemplo do ocorrido nos últimos anos. Já a questão
ambiental aparece tanto como um vetor positivo (a maior conscientização am-
biental tende a aumentar o consumo de papéis de embalagem, em detrimento
do plástico) quanto negativo (pelas constantes pressões por redução do peso
das embalagens).
O P.O. é o tipo de papel com a menor razão exportação/produção entre todos
os tipos de papéis (ver Gráfico 3), ao redor de 16%, sendo boa parte do comércio
internacional concentrada no kraftliner, a capa do P.O., formada com predominân-
cia de fibras virgens. No papel-cartão, o comércio internacional é maior, ainda que
não atinja o patamar dos papéis gráficos.
Os papéis para embalagens concentram boa parte da inovação de produto
no setor, tendência que deve continuar nos próximos anos, uma vez que esse seg-
mento está sempre competindo com outros materiais pela preferência do consu-
368 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

midor. Algumas inovações tendem a unir o papel com outros materiais, como no
caso das caixas de embalagem “longa vida” (embalagens cartonadas assépticas),
em que a união de papel-cartão com polietileno de baixa densidade e alumínio
permitiu criar uma embalagem que melhor preserva e conserva as bebidas. Ou-
tras inovações são relacionadas ao design, buscando conferir mais sofisticação
à embalagem do produto e, assim, aumentar a percepção de valor pelo cliente,
ou mesmo de permitir novas funcionalidades à embalagem. Esta última função
também deve ser buscada por meio de avanços tecnológicos, inclusive pelo uso
de nanotecnologia [Santi (2011)], criando embalagens inteligentes. Algumas das
possíveis vertentes que vão ditar o rumo das inovações no setor de papéis para
embalagem nos próximos anos são: a redução no uso de matérias-primas, a se-
gurança alimentar, o potencial de reciclagem, a inteligência das embalagens, a
sofisticação do design e a conveniência do cliente.
No Brasil, segundo a Bracelpa, a produção de papéis para embalagem (exclusi-
ve papel-cartão) cresceu 1,3% em 2011, ao passo que o consumo aparente cresceu
0,8%. Já o papel-cartão sofreu retração de -6,9% na produção e de -9,2% no con-
sumo. O que explica a divergência entre as taxas de crescimento desses tipos de
papéis é a maior base de comparação em papel-cartão (houve acréscimo na produ-
ção de 5,2% em 2010 em relação a 2009, ao passo que nos papéis para embalagens
esse valor foi de 3,2%) e o aumento da importação de produtos industrializados no
Brasil (que já vêm embalados, o que reduz a produção local de embalagem). Nesse
caso, o P.O. foi menos pressionado por ser muito utilizado na embalagem de pro-
dutos alimentícios. Em 2010, 46% das vendas de produtos acabados de P.O. tiveram
essa destinação, segundo a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO). O
país deve continuar apresentando demanda crescente por papéis para embalagens,
em especial pelas perspectivas positivas para o crescimento do PIB nos próximos
anos. Do lado negativo, a principal ameaça à demanda possivelmente virá pelo
aumento da importação de produtos que já vêm embalados.
Já a oferta brasileira deve continuar crescendo, acompanhando as perspec-
tivas positivas para a demanda. O país deve continuar recebendo pequenos in-
vestimentos em plantas de fabricação de P.O. à base de aparas de papel, bem
Papel e Celulose 369

como desgargalamentos em plantas de grandes produtores, a exemplo dos últi-


mos anos. No entanto, pela primeira vez desde o start-up do projeto MA-1100 da
Klabin, em 2008, são esperados grandes investimentos em plantas de papéis para
embalagens no Brasil.
A Rigesa (subsidiária da americana MeadWestVaco) está ampliando sua ca-
pacidade de produção em 300 mil t/ano de papel kraftliner e em 135 mil t/ano
de papel-miolo, em sua unidade de Três Barras (SC), com previsão de start-up
até o fim de 2012. Outra grande multinacional do setor, a International Paper, já
anunciou planos de entrar no mercado brasileiro de papéis para embalagens, via
aquisição ou construção de unidades produtivas no país. A Klabin, empresa nacio-
nal líder no setor de papéis para embalagens, anunciou recentemente planos de
instalar duas novas máquinas de papéis em 2012: uma em sua unidade de Correia
Pinto (SC), com capacidade produtiva de 100 mil t/ano de sacos kraft, e a outra em
sua unidade em Angatuba (SP), com capacidade de produção de papéis reciclados
entre 250 e 300 mil t/ano. A empresa também tem planos antigos de instalar uma
segunda linha de papel-cartão, à semelhança do projeto MA-1100, que ainda não
foram confirmados, mas que podem vir a materializar-se em função das perspec-
tivas positivas para o mercado.
Grosso modo, o país é mais competitivo nos papéis para embalagens que se
utilizam de fibra virgem do que os que empregam fibra reciclada, o que permite ao
Brasil exportar de maneira competitiva os papéis do primeiro tipo. No entanto, nos
últimos anos, o mercado interno aquecido e o real valorizado levaram os produto-
res a direcionar mais de sua produção ao mercado interno, em busca de melhores
margens. Caso todos esses projetos em perspectiva ocorram, é possível que o país
volte a registrar aumentos no saldo da balança comercial para esse tipo de papel.

Papéis sanitários
Os papéis sanitários também revelam tendências de crescimento muito positivas no
mundo, uma vez que praticamente inexistem produtos substitutos (à exceção de
algumas aplicações, em especial no mercado corporativo, como secadores de mão
à base de ar quente). Os papéis sanitários foram os únicos que não sofreram retra-
370 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

ção no consumo global no recessivo ano de 2009, quando a demanda global por
papéis recuou 5,6%, mas a demanda por papéis sanitários cresceu 0,9%. O fato de
sua demanda ser estável mesmo em momentos de crise demonstra a consistência
do crescimento esperado para o segmento.
Esse crescimento nos próximos anos deverá vir, sobretudo, dos mercados emer-
gentes, uma vez que a melhoria de renda e o aumento da população urbana tra-
zem ao mercado milhares de novos consumidores, especialmente na China. Mas,
mesmo em mercados maduros, as perspectivas para o setor são positivas. Os papéis
sanitários foram o único segmento em que os mercados maduros experienciaram
crescimento no período 2000-2010 (ver Tabela 1).
Os papéis sanitários estão entre os tipos de papel menos negociados internacio-
nalmente, em razão de sua baixa densidade, o que encarece muito o frete. Mesmo
dentro dos países, as unidades produtoras de papéis sanitários costumam ter escala
reduzida e presença dispersa pelo território, já que precisam estar bastante próxi-
mas dos mercados consumidores para serem competitivas. Assim, mais do que em
qualquer outro tipo de papel, nos sanitários o crescimento da demanda nos países
será seguido muito de perto pela oferta.
No Brasil, a maior parcela de papéis sanitários consumida refere-se a papéis
higiênicos de folha simples. Entretanto, conforme Tabela 9, nos últimos anos, vem
ocorrendo um crescente aumento da composição de papéis higiênicos de folha du-
pla, como ocorrido em mercados maduros, um sinal da melhoria de distribuição de
renda da população [Vital (2008)].

Tabela 9 Produção de papéis sanitários no Brasil

Tipo de papel sanitário 2000 2010

Mil t % total Mil t % total CAGR 2000-2010

Higiênico popular 31.959 5 44.388 5 3,3

Folha simples de boa qualidade 186.937 31 132.975 15 (3,3)

Folha simples de alta qualidade 192.700 32 329.622 36 5,5

Higiênico folha dupla 63.378 11 168.890 19 10,3

Toalha, guardanapo e lenços 121.758 20 229.066 25 6,5

Total sanitários 596.732 100 904.941 100 4,3

Fonte: Bracelpa.
Papel e Celulose 371

Segundo a RISI, com base nos projetos anunciados por empresas do setor, o
Brasil deve receber cerca de 260 mil t/ano de novas capacidades de papéis sanitá-
rios até o fim de 2016. Considerando as estimativas da RISI de que a capacidade
instalada brasileira encerrou o ano de 2011 em 1,2 milhão de t/ano, e com base nos
anúncios realizados, o crescimento da oferta brasileira seria da ordem de 4% a.a.

Celulose

De acordo com estimativas da RISI, o consumo aparente global de celulose em


2011 foi de 172 milhões de toneladas, um acréscimo de 3% sobre o registrado em
2010, com a BHKP de mercado crescendo 3,6%. No Brasil, segundo informado pela
Bracelpa, o consumo aparente de celulose caiu 4,6% em 2011 em relação a 2010, ao
passo que a produção recuou 1,2% e as exportações cresceram 1,2%. Dessa forma,
o Brasil deve ter perdido participação de mercado nesse ano, entre outros fatores,
pela ausência de novos grandes projetos no país.
Não houve a partida de um grande projeto de celulose no Brasil desde 2008,
ano em que foi inaugurada a planta da VCP em Três Lagoas. A crise internacional
que eclodiu em 2008 afetou a capacidade das empresas brasileiras de se expandir,
fato que foi agravado pelas perdas com derivativos cambiais por algumas compa-
nhias. Entretanto, essa situação deverá passar por drástica alteração nos próximos
anos, já que a maioria dos novos projetos de celulose anunciados globalmente está
localizada no Brasil.

Demanda por celulose


É possível que a demanda por celulose nos próximos anos continue apresentando
comportamento distinto a depender de seu tipo. A celulose BHKP deve manter
seu padrão de crescimento mais elevado, puxado pelo aumento da demanda por
papéis de I&E na Ásia, da expansão dos papéis sanitários e, em menor grau, da ex-
pansão do segmento de papel-cartão e papéis especiais. O menor custo da celulose
BHKP em relação à BSKP deve continuar favorecendo a primeira, em especial à me-
dida que novas máquinas de papéis entrem em operação na Ásia, com tecnologias
372 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mais modernas, que permitam maior flexibilidade no mix de fibras utilizado na


produção. Entretanto, a BSKP também vai experienciar crescimento, puxado princi-
palmente pelo aumento da demanda por papéis para embalagens. Outro possível
fator a impulsionar o consumo de celulose de madeira é o contínuo fechamento de
fábricas de celulose oriunda de outros vegetais (em especial o bambu) na China, em
função de pressões ambientais.
O principal concorrente ao uso da fibra virgem de celulose, com impacto dire-
to sobre a demanda desse insumo nos próximos anos, é o uso de aparas de papel.
Novas tecnologias que permitem produzir papéis reciclados de melhor qualidade,
demanda por práticas mais sustentáveis por parte da sociedade, aumento da taxa
de recuperação15 em países em desenvolvimento e maior participação do P.O. no
consumo global de papéis (o P.O. é o tipo de papel que mais se utiliza de fibra reci-
clada em seu mix de produção) devem continuar elevando (Gráfico 5) o percentual
de fibras recicladas utilizado no mix global de produção de papéis.
A celulose BHKP é especialmente utilizada nos papéis de I&E sem pasta me-
cânica (woodfree), nos papéis sanitários, e nos papéis especiais, além de alguma
utilização na produção de papel-cartão. No caso específico da demanda por
celulose de eucalipto (BEKP) de mercado, segmento em que o Brasil é mais com-
petitivo, a demanda é bastante concentrada nos papéis sanitários, em função da
qualidade dessa fibra para esse tipo de papel, e, em virtude da pequena escala
das plantas produtoras, poucas são integradas à produção de celulose, tendo de
comprar no mercado seu principal insumo de produção. Segundo a Fibria (maior
produtora mundial de BEKP de mercado, com 32% de market-share), cerca de
54% de suas vendas são destinadas aos produtores de papéis sanitários, 24% aos
produtores de papéis especiais e 22% aos produtores de papéis de I&E, como
expõe o Gráfico 13.

15
A taxa de recuperação é definida como o consumo de aparas sobre o consumo de papel, ou seja, quanto do papel consumido foi
direcionado para a reciclagem.
Papel e Celulose 373

Gráfico 13 Destinação das vendas de celulose de eucalipto da Fibria, em 2010

Papéis especiais I&E

24% 22%

54%
Papéis sanitários

Fonte: Fibria.

Oferta de celulose e a grande onda de expansões de BHKP


A oferta de celulose continuará, cada vez mais, proveniente de países localizados
no hemisfério sul, em função da maior produtividade das florestas dessa região, o
que lhe confere diferencial competitivo perante os países produtores localizados
no hemisfério norte.
Segundo estimativas da RISI, com base nas expansões anunciados por empre-
sas do setor com início de produção até 2016, haveria adição líquida de cerca de
13 milhões de t/ano de capacidade de celulose de mercado. Considerando somente
BHKP, a adição de capacidade instalada seria em torno de 12 milhões de t/ano, com
o Brasil respondendo por aproximadamente 10 milhões de t/ano, em um total de
sete novos projetos (Tabela 10).
É válido notar que esses números se referem a projetos anunciados. Nem todos
serão executados conforme anunciados, podendo sofrer atrasos ou até mesmo can-
celamentos. Existem também potenciais grandes projetos que não são anunciados
pelas empresas, mas que podem vir a surpreender o mercado. Segundo a RISI, a
chinesa Asian Pulp and Paper (APP) estaria planejando a maior linha individual de
BHKP do mundo, na Indonésia, com capacidade entre 1,5 e 2 milhões de t/ano de
capacidade e previsão de start-up entre 2015 e 2016.
374 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 10 Novos projetos de BHKP anunciados na América Latina

Empresa Local País Capacidade (mil t/ano) Ano de start-up

Eldorado Três Lagoas Brasil 1.500 2012


Montes del Plata
(Stora Enso/Arauco) Punta Pereyra Uruguai 1.300 2013

Suzano Maranhão Brasil 1.300 2013

Fibria Três Lagoas Brasil 1.500 2014

Veracel Eunápolis Brasil 1.500 2015

CMPC Guaíba Brasil 1.350 2015

Klabin* A definir Brasil 1.500 2015

Suzano Piauí Brasil 1.500 2015

Fonte: RISI.
* A planta da Klabin será flex, produzindo fibras curta e longa.

Além disso, conforme já demonstrado e ilustrado a seguir no Gráfico 14,


a maior parte da demanda global por celulose nos próximos anos vai emergir
da China. Existe uma questão política, além de econômica, se a China quiser
manter sua dependência por celulose brasileira no futuro no mesmo nível ob-
servado atualmente. Em seu último plano quinquenal, a China sinalizou que
buscará estimular a produção interna de fibra de modo a reduzir a dependên-
cia das importações. Outra saída estratégica para os chineses pode residir na
produção direta de celulose em terras estrangeiras. Mas o recente parecer da
Advocacia-Geral da União (AGU), que limita a compra de terras por estrangeiros
no Brasil,16 se não inviabiliza, ao menos dificulta a entrada de empresas chinesas
na produção de celulose no país. A suposta nova linha da APP na Indonésia pode
ser um indício de que os chineses estão buscando fontes alternativas de celulo-
se, e África, Sudeste Asiático e Oceania aparecem como potenciais regiões para
empresas chinesas se instalarem.

16
Para mais informações, ver Parecer CGU/AGU 01/2008, publicado em 19 de agosto de 2010.
Papel e Celulose 375

Gráfico 14 Importações chinesas de BHKP, acumulado 12 meses

7.000 45

40
6.000

35

5.000
30
MIL TONELADAS

4.000 25

%
20
3.000

15
2.000
10

1.000
5

0 0

jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011 jan. 2012

Importações China BHKP % Oriundo do Brasil

Fonte: RISI.

Competitividade
Globalmente, os custos de produção da celulose vêm se elevando nos últimos anos,
reflexo direto do aumento no custo de seu principal insumo, a madeira. Houve
aumentos no custo desta em decorrência da valorização da terra. A inflação global
nos preços das terras vem ocorrendo na esteira do crescimento da população mun-
dial e da renda em países emergentes, que eleva a demanda por alimentos, madei-
ra e biocombustíveis. Uma vez que a população mundial deve continuar crescendo,
assim como a renda em países emergentes, e que pressões ambientais por fontes
de energias limpas continuarão impulsionando a demanda por biocombustíveis, a
pressão nos custos de terras, e, por consequência, da madeira, deverá permanecer.
Em BHKP, o CAGR do custo-caixa médio dos maiores produtores globais17 (me-
dido em US$/t), incluindo frete até a Europa, entre 2000 e 2011, foi de 4,1%. Em
parte, o aumento da média global foi puxado pelo Brasil, cujo CAGR foi de 5,8% e
que se tornou o maior produtor mundial de celulose de mercado BHKP no mundo.
Nas regiões de alto custo, o CAGR foi de 3,5% (ver Gráfico 15).

17
Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.
376 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

No Brasil, além da inflação do preço da terra, vem pesando nos últimos anos a
elevação do custo de mão de obra, bem como a apreciação do real em relação ao
dólar. Desde 2002, o diferencial de custos de produção do Brasil em comparação
às regiões de alto custo vem se reduzindo. Naquele ano, o custo-caixa médio dos
produtores brasileiros (considerando frete para Europa) esteve 41% abaixo da
região de alto custo, enquanto, em 2011, esse diferencial foi de apenas 15%. A
menos que a atual tendência de uma moeda forte e de aumentos reais na renda
dos trabalhadores se altere, o Brasil continuará com menor destaque na posição
competitiva global de BHKP, ainda que continue figurando entre os produtores
de menor custo.

Gráfico 15 Custos de produção de BHKP (em US$/t)

700

600

500

400

300

200

100

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Produtores de alto custo Maiores produtores* Brasil

Fonte: RISI.
* Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.

Em BSKP, os custos também seguem pressionados, porém em menor magnitude


do que em BHKP. O CAGR dos maiores produtores foi de 3,4%, do Chile (produtor
de menor custo nesta fibra) de 3,5% e dos produtores de alto custo de 4,8%. O
custo-caixa dos chilenos se manteve cerca de 47% abaixo do custo dos produtores
de alto custo (Gráfico 16).
Papel e Celulose 377

Gráfico 16 Custos de produção de BSKP (em US$/t)

700

600

500

400

300

200

100

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Produtores de alto custo Maiores produtores* Chile

Fonte: RISI.
* Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Finlândia, Portugal, Espanha, Chile e Indonésia.

O grande aumento de capacidade de BHKP no Brasil até 2008 levou a muitos


fechamentos de capacidade de produtores de alto custo no hemisfério norte. Tal
fenômeno não ocorreu em tamanha magnitude em BSKP, em parte pela limitação
de terras disponíveis no Chile, em parte pelo grande foco dos produtores mundiais
em aumentar capacidade em BHKP. Como a quase totalidade dos novos projetos
anunciados para os próximos anos está focada em BHKP no Brasil, a diferença entre
o custo-caixa dos produtores de alto e de baixo custo deve continuar se estreitando
em BHKP, ao contrário de BSKP. Portanto, a margem dos produtores brasileiros de
celulose deve seguir pressionada nos próximos anos.

Tendências tecnológicas e biorrefinarias


Os avanços tecnológicos florestais estão focados no aumento da produtividade das
florestas e das propriedades da fibra. O Brasil conseguiu, ao longo das últimas dé-
cadas, avançar muito nessa questão, o que, somado às condições naturais favorá-
veis, levou o país a apresentar os melhores indicadores de desempenho florestal do
mundo, sendo a alta produtividade das florestas brasileiras o principal responsável
378 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

pela grande competitividade do Brasil na produção de celulose. O incremento mé-


dio anual (IMA, uma medida de produtividade florestal dada por m3/ha/ano) das
plantações de folhosas (como o eucalipto) atuais da Indonésia é próximo ao do
Brasil em 1990. Em 2010, o IMA das plantações de eucalipto brasileiras esteve em
patamar 58% superior ao observado vinte anos atrás (Gráfico 17).

Gráfico 17 Comparação do IMA (m3/ha/ano) de coníferas e folhosas, no Brasil e em países


selecionados em 2010

45

40

35

30

25

20

15

10

0
Finlândia Suécia EUA Portugal África do Sul Chile Austrália Indonésia Brasil 1990 Brasil 2000 Brasil 2010

Folhosas Coníferas

Fonte: Abraf.

De modo a continuar buscando ganhos de produtividade, os produtores florestais


permanecem investindo na pesquisa e no desenvolvimento genético de mudas. Uma
das promessas para os próximos anos reside na biotecnologia florestal. Muitos pro-
dutores brasileiros já discutem esse assunto e se planejam para aplicar tal tecnologia
em suas florestas. Entretanto, restrições impostas por certificadores, como o Forest
Stewardship Council (FSC), ao uso de plantações com organismos geneticamente mo-
dificados limitam sua aplicação em plantios experimentais. A grande demanda por
madeira e a escassez de terras no mundo devem levar a uma revisão desse debate.
Em relação ao desenvolvimento tecnológico na parte industrial, a principal pro-
messa para os próximos anos reside na biorrefinaria, que, de maneira simplificada,
pode ser definida como uma unidade industrial que se utiliza de biomassa para pro-
PaPel e Celulose 379

dução simultânea de distintos produtos, como químicos, biocombustíveis, energia


elétrica e térmica, celulose etc.
apesar de não ser exclusivo do setor de celulose, o conceito de biorrefinaria é
uma das principais promessas para o setor, em razão da abundância na oferta de
matéria-prima. ainda residem diversas incertezas em relação às rotas tecnológicas
vencedoras para aplicação em uma fábrica de celulose e a quais produtos serão
desenvolvidos para posterior comercialização. entretanto, há um grande potencial
no conceito, por causa da possibilidade de agregação de valor à biomassa dispo-
nível nas fábricas. ademais, como visto anteriormente, a previsão de alta para a
demanda de celulose é moderada (crescendo abaixo do PIB) e a pressão nos custos
vem sendo constante, o que enfraquece as margens das empresas do setor. a pos-
sibilidade de entrar em novos mercados pode restaurar a atratividade do negócio.

7. C O nC L US Õ E S
Nos últimos dez anos, a China passou a ser o grande produtor e consumidor mundial
de papéis, enquanto outros países emergentes obtiveram aumento na produção, ainda
que em ritmo um pouco inferior ao observado no consumo. Já nos mercados maduros,
houve retração na demanda, em especial pelo declínio no consumo de papéis gráficos,
muito afetados pela concorrência com os meios digitais. o Brasil contou com um razo-
ável crescimento na demanda, com a oferta crescendo a taxas um pouco inferiores. Po-
rém, o baixo consumo per capita e a baixa competitividade na produção de papéis, em
relação à celulose, resultaram em poucos projetos de expansão de capacidade no país.
a promoção da China à condição de grande produtor global de papéis resultou
no expressivo aumento do volume importado de celulose pelo país. em contraste,
o Brasil passou a ser o grande fornecedor global de BeKP de mercado, tornando-se
o segundo maior exportador global de celulose. Nos países do hemisfério norte, a
pouca competitividade, em relação aos do hemisfério sul, levou a diversos fecha-
mentos de capacidade instalada no período.
Nos próximos anos, a tendência para o consumo global de papéis será de cresci-
mento, ainda que a taxas inferiores ao crescimento do PIB, e, como os papéis gráficos
380 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

devem continuar pressionados pela concorrência digital, a maior parcela do cresci-


mento global deverá vir dos papéis para embalagem e sanitários. Os países emergen-
tes continuarão a aumentar sua participação no mercado global, considerando que
as perspectivas econômicas para os países desenvolvidos não são animadoras. O des-
taque permanecerá sendo a China, que deve se consolidar como o maior produtor
global de papéis. Já o Brasil, apesar das perspectivas de crescimento na demanda e na
oferta, não deverá, no curto ou médio prazos, ocupar posição de destaque no setor
de papéis como a que tem na celulose. Questões como o baixo consumo per capita
de papel, as dificuldades e entraves logísticos e tributários, bem como o reduzido
porte das empresas, precisam ser equacionadas para que a competitividade nacional
aumente e os investimentos, enfim, ganhem expressividade.
Em relação ao consumo de fibra, o mundo deverá continuar utilizando mais apa-
ras de papel em seu mix de produção, mas ainda haverá espaço para a demanda
por celulose crescer, em especial em BHKP de mercado. A maioria dos novos proje-
tos anunciados em celulose é de fibra curta e localizada no Brasil, que permanecerá
como principal fornecedor global de celulose de eucalipto de mercado. Ainda que
pressões nos custos e no câmbio tenham reduzido a competitividade do país, o Brasil
ainda é o produtor de menor custo-caixa na produção de BHKP. Para o futuro, é pos-
sível que a biotecnologia aumente ainda mais a produtividade florestal, ao passo que
as biorrefinarias em fábricas de celulose devem alavancar a utilização da biomassa,
permitindo ampliar o escopo e o valor dos produtos fabricados com madeira.
Portanto, o desafio para os próximos anos para a indústria brasileira de celulose
é bastante diferenciado do de setor de papéis. A indústria deve buscar mecanismos
para fortalecer a posição competitiva alcançada, garantindo que os grandes pro-
jetos anunciados para os próximos anos se concretizem, apesar da queda na ren-
tabilidade dos produtores em função do aumento nos custos. Ao mesmo tempo, a
indústria deve mirar o futuro, pois além dessas pressões nos custos, residem muitas
incertezas sobre a demanda futura, em especial em função do declínio no consumo
de papéis gráficos. É importante que o setor esteja atento às oportunidades que
possam surgir em novas tecnologias ligadas à biorrefinaria, buscando inovações
que possam garantir sua rentabilidade e posicionamento no longo prazo.
Papel e Celulose 381

R e f er ênc i as
Abraf – Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas. Anuário estatístico
da ABRAF 2006: ano base 2005. Brasília, 2006.

______. Anuário estatístico da ABRAF 2011: ano base 2010. Brasília, 2011.

ABPO – Associação Brasileira de Papelão Ondulado. Anuário Estatístico. São Paulo, 2010.

Juvenal, T.; Mattos, R. O setor de celulose e papel. BNDES 50 Anos – Histórias Setoriais.
Rio de Janeiro, 2002.

Santi, T. Reportagem especial Simpósio Latino-Americano de Papel para Embalagem.


Revista O Papel, out. 2011.

Vidal, A.; Da Hora; A. A atuação do BNDES nos setores de florestas plantadas,


painéis de madeira, celulose e papéis: o período 2001-2010. BNDES Setorial 34,
p. 133-172. Rio de Janeiro: BNDES, 2011.

Vital, M. A indústria de papéis sanitários – panorama mundial e brasileiro. BNDES


Setorial 28, p. 233-278. Rio de Janeiro: BNDES, 2008.

Sites consultados

AliceWeb – Análise das informações de Comércio Exterior – <www.aliceweb2.mdic.gov.br>.

Bacen – Banco Central do Brasil – <www.bcb.gov.br>.

Bracelpa – Associação Brasileira de Celulose e Papel – <www.bracelpa.org.br>.

Fibria – <www.fibria.infovest.com.br>.

RISI – <www.risi.com>.

World Bank – <www.worldbank.org>.


Coordenação Editorial
Gerência de Editoração do BNDES

Projeto Gráfico e Diagramação


Refinaria Design

Produção Editorial
Expressão Editorial

Impressão
Gráfica Stamppa
VOLUME II

Organizador:
filipe Lage de Sousa

1ª edição
r i o D e JA n e i r o – o u t u B r o D e 2 0 1 2
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES

P re side nt e
Luciano Coutinho

V i ce - pr e side nt e
João Carlos Ferraz

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não


refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução
parcial ou total dos artigos desta publicação, desde que citada a fonte.

Esta publicação não pode ser comercializada. As publicações editadas pelo


BNDES estão disponíveis gratuitamente em formato impresso e digital. Mais
informações em www.bndes.gov.br/faleconosco.

B661 BNDES 60 anos: perspectivas setoriais/Organizador: Filipe Lage


de Sousa. – 1. ed. – Rio de Janeiro: BNDES, 2012.
v. 2: il.

352 p.

Vários autores.

ISBN: 978-85-87545-45-9

1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. 2.


Economia - Brasil. 3. Desenvolvimento econômico - Brasil. I.
Sousa, Filipe Lage de (org.).

CDD – 332.28

Av. República do Chile, 100


Rio de Janeiro – RJ – CEP 20031-917
Central de Atendimento 0800 702 6337
Atendimento a deficientes auditivos 0800 888 9873
S um ár i o

VOLUME 1

Prefácio................................................................................................................. 5

Apresentação........................................................................................................ 9

A economia brasileira: Conquistas dos últimos dez anos


e perspectivas para o futuro............................................................................ 12
Adriana Inhudes Gonçalves da Cruz, Antonio Marcos Hoelz Ambrozio, Fernando Pimentel Puga,
Filipe Lage de Sousa e Marcelo Machado Nascimento

Complexo Eletrônico: a evolução recente


e os desafios para o setor e para a atuação do BNDES................................. 42
Ricardo Rivera de Sousa Lima

O papel do BNDES no desenvolvimento do setor automotivo brasileiro.... 98


Daniel Chiari Barros e Luciana Silvestre Pedro

A indústria aeronáutica no Brasil: evolução recente e perspectivas..... 138


Sérgio Bittencourt Varella Gomes

O setor de bens de capital no Brasil e o papel do BNDES


como indutor do desenvolvimento, no período 2003-2011.. ....................... 186
Breno Emerenciano Albuquerque, Edson Moret, Luciana Surliuga, Marcelo Oliveira Santos,
Marcos dos Santos e Marcos Fernandes Machado

Perspectivas para o desenvolvimento industrial


e tecnológico na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados ao setor de P&G....................................................................... 224
Bruno Plattek de Araújo, André Pompeo do Amaral Mendes, Ricardo Cunha da Costa

A retomada da indústria naval brasileira.................................................. 274


Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomão Lage e Lucas Duarte Processi

saúde como desenvolvimento: perspectivas para a atuação


do bndes no complexo industrial da saúde................................................ 300
Vitor Pimentel, Renata Gomes, André Landim, João Pieroni e Pedro Palmeira Filho

A indústria de papel e celulose..................................................................... 334


André Carvalho Foster Vidal e André Barros da Hora
VOLUME 2

Prefácio................................................................................................................. 5

Apresentação........................................................................................................ 9

A INDÚSTRIA QUÍMICA E O SETOR DE FERTILIZANTES............................................... 12


Leticia Magalhães da Costa e Martim Francisco de Oliveira e Silva

O futuro do setor sucroenergético e o papel do BNDES............................... 62


Artur Yabe Milanez e Diego Nyko

Apoio do BNDES à agroindústria: retrospectiva e visão de futuro............. 88


Egmar Del Bel Filho, Jaldir Freire Lima, Luciana Xavier de Lemos Capanema e Victor Emanoel Gomes de Moraes

Indústrias tradicionais de bens de consumo no Brasil:


desafios e oportunidades . . ............................................................................. 122
Job Rodrigues Teixeira Junior, Rangel Galinari, Paulo Fernandes Montano e Juliana Generoso da Silva

Criatividade e desenvolvimento.................................................................... 160


Marina Moreira da Gama

O setor elétrico brasileiro E o BNDES:


reflexões sobre o financiamento aos investimentos e perspectivas........ 190
Alexandre Siciliano Esposito

Situação atual e perspectivas da infraestrutura


de transportes e da logística no Brasil . . ..................................................... 232
Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira

O saneamento ambiental no Brasil: cenário atual e perspectivas........... 272


Guilherme da Rocha Albuquerque e Arian Bechara Ferreira

Transporte urbano: o papel do BNDES no apoio à solução


dos principais gargalos de mobilidade........................................................ 310
Rafael R. Herdy, Carlos H. R. Malburg e Rodolfo Torres dos Santos
Pr ef ác i o
A construção do futuro
Ao longo do século XX, a economia brasileira passou por mudanças significativas.
O Brasil deixou de ser uma economia exportadora de produtos primários para se
transformar – notadamente a partir da grande crise dos anos trinta e, depois, pelo
impulso de quatro ciclos relevantes de avanço industrial entre 1950 e 1980 – em
uma economia urbanizada, diversificada e complexa. Já no longo período que se
iniciou com a crise da dívida externa no início dos anos oitenta, até o rápido pro-
cesso de robustecimento da posição cambial brasileira (de 2004 a 2007), a economia
experimentou alta instabilidade, forte incerteza e modestos avanços estruturais no
que toca ao seu sistema industrial e de serviços.
A partir de 2005, a economia brasileira experimentou um firme ciclo de
expansão, interrompido pela eclosão da grave crise bancária e financeira mundial
de 2008-2009. Desde 2010, o crescimento foi retomado, mas sob crescentes desa-
fios derivados do acirramento global da concorrência comercial e industrial. Diag-
nosticar esses desafios e propor novos caminhos constituem o objetivo principal
desta publicação.
Com efeito, ao comemorar sessenta anos de existência este ano, o BNDES se
orgulha de ter sido, ao longo de sua história, um ator importante no processo de
desenvolvimento econômico e social. E uma das virtudes da instituição foi sua capa-
cidade de antever os desafios do país e se reestruturar para atendê-los.
Nos anos cinquenta, o Banco apoiou o desenvolvimento da infraestrutura. Si-
multaneamente, começou a dar suporte financeiro para incentivar o surgimento
das indústrias de base. Nos anos setenta, impulsionou a formação de um amplo se-
tor de bens de capital (seriados e sob encomenda), além da expansão das indústrias
de insumos básicos (siderurgia, metalurgia de não ferrosos, química e petroquí-
mica, celulose e papel), bem como a expansão das indústrias de bens de consumo
duráveis, sem deixar de apoiar o esforço continuado de investimentos em infraes-
trutura, inclusive de telecomunicações.
6 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Nos oitenta, o Banco ganhou mais uma missão relevante: a de apoiar o desen-
volvimento social, o que motivou financiamentos a infraestruturas de saneamento
básico e transportes de massa, além da atenção ao crédito às pequenas empresas.
No difícil período de alta inflação e alta vulnerabilidade cambial, nas décadas de
1980 e 1990, em que a Formação Bruta de Capital Fixo/Produto Interno Bruto (FCBF/
PIB) veio declinando, o BNDES teve sua atuação restringida pelas circunstâncias ad-
versas. Não obstante, colaborou de forma competente e diferenciada com o proces-
so de modernização do setor público, tendo sido o agente operativo do programa
nacional de desestatização.
Desde 2004, com a retomada do crescimento, o BNDES voltou a apoiar firme-
mente a expansão dos investimentos em infraestruturas, indústria e serviços, cola-
borando decisivamente para elevar o patamar da taxa agregada de investimento
(FBCF/PIB), que subiu de cerca de 16% para perto de 20%. Essa trajetória ascenden-
te foi interrompida pela gravíssima crise financeira global detonada pela falência
do Lehman Brothers em setembro de 2008.
O acúmulo de reservas efetuado no período 2004-2008 somado aos bons fun-
damentos fiscais permitiu ao governo brasileiro exercitar, pela primeira vez em três
décadas, uma firme política anticíclica baseada em um conjunto de iniciativas de
estímulo do mercado interno, visando sustentar o consumo e reanimar os inves-
timentos. O BNDES atuou proativamente desde o início da crise e, com as demais
instituições financeiras federais, contribuiu de modo relevante para a rápida supe-
ração do processo recessionista ao longo de 2009. Para isso, não apenas recebeu
empréstimos de grande escala do Tesouro Nacional em 2009 e 2010, mas atuou de
forma inovadora, sugerindo várias iniciativas ao governo federal.
Essa capacidade de adaptar as suas formas de atuação pode ser explicada pelo
conhecimento setorial da instituição sobre os diversos setores da economia brasileira.
A partir de diagnósticos precisos e realistas, foi possível adequar as políticas públicas
para resistir aos retrocessos, suprir as vicissitudes e aproveitar oportunidades viáveis.
Os desafios atuais requerem superação das dificuldades antepostas pelo cená-
rio internacional. A perda de dinamismo de grandes mercados em países desenvol-
vidos, acompanhada pela ascensão de países em desenvolvimento, tem resultado
prefácio 7

em maior competição internacional no mercado de bens transacionáveis. Simulta-


neamente, a continuidade das rápidas mudanças tecnológicas demanda agilidade
na elaboração de políticas de fomento.
Apesar do ambiente desafiador, o Brasil possui amplas oportunidades de cresci-
mento a serem exploradas. A demanda mundial por produtos em que somos com-
provadamente competitivos tende a aumentar e, por consequência, a atrair mais
recursos para o país. As descobertas de recursos minerais em alto-mar trazem opor-
tunidades de desenvolvimento de uma gama de bens e serviços ao longo da cadeia
produtiva e que requerem conteúdo tecnológico de fronteira.
Nossos agronegócios são extremamente competitivos e podem capturar opor-
tunidades relevantes com o desenvolvimento avançado das cadeias supridoras de
bens de capital, insumos e biotecnologias. Basta observar o potencial de muitas
áreas de nossa indústria de bens de capital e da indústria automotiva, os setores
de caminhões e o de ônibus, considerando as oportunidades de transição tecnoló-
gica em direção a novos padrões de sustentabilidade ambiental, incluindo veículos
híbridos e elétricos. A necessidade mundial de desenvolvimento mais sustentável
coloca o Brasil em posição de destaque por sua capacidade de aglutinar soluções de
baixo carbono, eficiência energética e inclusão social.
Oportunidades relevantes de crescimento derivam da expansão das infraestru-
turas. Os investimentos em mobilidade urbana e saneamento ganharam corpo a
partir de 2007, com o Plano de Aceleração do Crescimento, e continuarão a crescer
nos próximos anos com a entrada de novos projetos na terceira edição desse plano.
Mais recentemente o lançamento pelo governo federal de um ciclo de concessões e
parcerias público-privadas em infraestruturas logísticas (rodovias, ferrovias, portos,
aeroportos) abre mais oportunidades de desenvolvimento de cadeias supridoras de
equipamentos, insumos e serviços – além do impacto positivo para a competitivida-
de sistêmica da economia.
Não se deve, porém, considerar apenas os desafios de avançar nas cadeias e se-
tores onde o Brasil já tem constituído vantagens competitivas reveladas ou onde os
gargalos existentes criaram oportunidades rentáveis. É preciso pesquisar e fomen-
tar as nossas chances de desenvolver indústrias e cadeias intensivas em conheci-
8 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mento científico e inovação. Não há razão para não ambicionar capturar oportuni-
dades empresariais nas tecnologias de informação e comunicação, como os setores
de software, de telecomunicações, de semicondutores, de automação dos serviços
e comércio. Entre as novas oportunidades, sobressaem a farmacêutica de biossinté-
ticos e várias famílias de equipamentos do complexo industrial da saúde, além de
nosso complexo aeronáutico, aeroespacial e de defesa. Ressaltam-se, ainda, novas
oportunidades nas áreas de energias renováveis, biomassa, etanol de terceira gera-
ção, assim como as energias eólica e solar. Há possibilidades de desenvolvimento de
cadeias produtivas mais fortes e inovadoras e podemos avançar no desenvolvimen-
to de gerações avançadas de produtos e processos. Não há por que amesquinhar a
perspectiva brasileira e não pensar de forma ambiciosa em relação aos potenciais
de desenvolvimento do país.
Nesta edição especial comemorativa do aniversário de sessenta anos da institui-
ção, o BNDES mostra sua capacidade de refletir sobre as necessidades e potenciali-
dades brasileiras. Esta edição traz um olhar sobre o desempenho dos setores com
um breve histórico da última década, mas volta-se principalmente para as perspec-
tivas nos próximos anos. Ao vislumbrar as necessidades e oportunidades futuras,
este estudo propicia uma visão de como as políticas do Banco podem se adequar às
demandas setoriais. Desafios e oportunidades emergem, e o BNDES está atento e
pronto a continuar apoiando o desenvolvimento brasileiro de maneira sustentável
em todos os sentidos.

Luciano Coutinho
Presidente do BNDES
ap r es enta ç ã o
Desde o início do século XXI, ocorreram marcantes transformações econômicas que
mudaram o eixo de desenvolvimento mundial: grave crise financeira nos EUA; crise
bancária e soberana na Europa; China como principal motor do crescimento mundial;
ritmo intenso de progresso técnico gerando novos produtos a preços consistente-
mente decrescentes; termos de troca favoráveis às commodities; inclusão econômica
de uma nova classe média em países em desenvolvimento. Diante dessas transforma-
ções em curso, a tarefa de vislumbrar as perspectivas de longo prazo da economia
brasileira, principalmente do ângulo setorial, tornou-se complexa e desafiadora.
Ao completar sessenta anos de existência, o BNDES organizou a presente publica-
ção com este intuito: registrar as possibilidades futuras de desenvolvimento de alguns
setores da economia brasileira. As dificuldades encontradas para identificar as potencia-
lidades de cada setor são consideráveis, porém, esse exercício pode trazer contribuições
positivas para o país e para o BNDES. Identificar e compreender melhor as vicissitudes
e oportunidades setoriais contribui para o debate sobre os rumos do desenvolvimento
brasileiro, para a formulação de políticas públicas e auxilia o BNDES a traçar os rumos de
sua atuação. Portanto, mais importante do que conseguir antever o futuro dos setores
per se, é permanecer sempre disposto a dialogar com os agentes interessados e com a
sociedade sobre os desafios que a economia brasileira terá que enfrentar.
Dividida em dois volumes, esta publicação reúne 18 artigos, sendo um intro-
dutório e 17 setoriais que procuram refletir sobre as potencialidades da economia
brasileira a partir da performance dos últimos dez anos e dos cenários mais pro-
váveis acerca dos mercados mundial e doméstico. O artigo introdutório utiliza os
resultados da balança comercial, da expansão do mercado doméstico, do investi-
mento e da produtividade para analisar o comportamento da economia brasileira
no período recente, bem como suas perspectivas.
Entre os artigos setoriais, os setores intensivos em tecnologia são particular-
mente relevantes na discussão de crescimento econômico sustentável. O primeiro
artigo setorial do Volume I trata do Complexo Eletrônico, analisado tanto pelos
equipamentos e componentes eletrônicos (inclusive microeletrônica e displays),
10 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

quanto pelo crescente e cada vez mais importante segmento de software e serviços
correlatos. O artigo seguinte aborda o Complexo Automobilístico e avalia não só a
produção de veículos como também o setor de autopeças. A evolução da indústria
aeronáutica é apresentada posteriormente, enfatizando como o Brasil soube apro-
veitar as oportunidades do setor para desenvolver empresas internacionalmente
competitivas e examina os principais desafios para mantê-las.
A performance da indústria de bens de capital, o apoio do BNDES ao setor e
suas perspectivas futuras são apreciadas no quarto artigo setorial deste volume.
Além da análise geral de máquinas e equipamentos, alguns estudos tratam da es-
pecificidade de alguns demandantes desses bens. As perspectivas da exploração do
pré-sal no Brasil abrem oportunidades na cadeia de fornecedores de bens e serviços
relacionados à exploração e produção offshore de petróleo e gás natural. O assun-
to é abordado no artigo seguinte, focando nos equipamentos e serviços necessários
para extração de hidrocarbonetos em alto-mar. Outro setor impulsionado pelas des-
cobertas das reservas é o de construção naval, analisado no sexto artigo setorial, no
qual é possível perceber a existência de grandes oportunidades para o Brasil voltar a
desempenhar papel de relevo na produção mundial. O Complexo Industrial da Saú-
de, formado pelas indústrias farmacêutica e de equipamentos médicos, é avaliado no
penúltimo artigo do Volume I, em um contexto em que promover a inovação cons-
titui meio para ampliar o acesso da população brasileira a novos produtos de saúde.
Outros setores são caracterizados como fornecedores de insumos para outros. Um
exemplo é o setor de papel e celulose, abordado em detalhe no último artigo do Volume I.
Já no Volume II, o primeiro artigo trata da indústria química, com foco em ferti-
lizantes, setor que tem um considerável potencial de crescimento e de contribuição
para a expansão agrícola no país. O desenvolvimento de fornecedores nacionais
do referido insumo dinamizaria ainda mais dois outros segmentos tratados nesta
publicação: biocombustíveis e agroindústria. Com relação ao setor de biocombustí-
veis, uma análise do crescimento de sua importância nos últimos anos por conta da
necessidade de desenvolver uma economia sustentável é apresentada no artigo se-
guinte. A agroindústria é avaliada no terceiro artigo como um processo integrado,
contemplando desde a produção no campo até as etapas industriais que a sucedem.
Apresentação 11

O quarto artigo do Volume II aborda alguns setores tradicionais de bens de con-


sumo, exemplificados por móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produ-
tos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. O quinto artigo analisa a evolução
da economia criativa assim como as perspectivas futuras.
Infraestrutura é outro grande setor abordado na publicação. A evolução estrutu-
ral do setor elétrico brasileiro e o seu financiamento são discutidos no sexto artigo.
O artigo seguinte mostra o desenvolvimento da logística e sua evolução nos próxi-
mos anos em diversos modais, tais como: rodoviário, ferroviário, portuário e aqua-
viário. Com relação à infraestrutura urbana, o sétimo artigo aborda a questão de
saneamento urbano e suas potencialidades. Por fim, o último artigo do Volume II
apresenta outra questão relevante para os anseios da população nas cidades: a capa-
cidade de mobilidade urbana.
A importância dos setores abordados nesta publicação não se resume a sua repre-
sentatividade no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, mas também na sua relevân-
cia para o desenvolvimento da economia brasileira. Por sua abrangência, uma boa
performance desses setores auxiliará o Brasil a mudar de patamar, passando para país
de renda alta. Essa mudança representa um grande salto de desenvolvimento por sua
dificuldade e complexidade. A expectativa é que o conhecimento aqui demonstrado
possa contribuir para superar os desafios encontrados pela economia brasileira.
Por último, é necessário registrar e agradecer a contribuição de todos os autores
dos artigos desta edição comemorativa e das equipes de todas as áreas envolvidas
nesse projeto: Industrial (AI), Insumos Básicos (AIB), Infraestrutura (AIE), Social (AS),
Operações Indiretas (AOI), Comércio Exterior (AEX) e Pesquisa Econômica (APE).
O empenho e a dedicação desses autores foram essenciais para garantir a quali-
dade das reflexões encontradas na publicação. Cabe também um agradecimento
aos colaboradores do Departamento de Divulgação do Gabinete da Presidência do
BNDES envolvidos na edição do livro.

Filipe Lage de Sousa


Organizador
Leticia magalhães da costa
martim Francisco de Oliveira e Silva*

*respectivamente economista e engenheiro do departamento de indústria química da Área de insumos básicos do bndes.
os autores agradecem os comentários de gabriel lourenço gomes, felipe dos santos pereira, marcelo gonçalves tavares e rodrigo
matos huet de bacellar, respectivamente: chefe de departamento e gerente do departamento de indústria química e assessor e
superintendente da Área de insumos básicos, e os comentários da Área de pesquisa econômica do bndes (ape). os autores são
gratos também a david roquetti filho, diretor-executivo da associação nacional de difusão de adubos (anda), e carlos eduardo
florence, diretor-executivo da associação dos misturadores de adubos do brasil (ama) por recebê-los para conversas sobre o setor.
erros e omissões eventualmente remanescentes são, entretanto, de responsabilidade dos autores.
Química 13

R ES UM O
O setor de fertilizantes é um segmento estratégico para o país, estando a eleva-
ção da produtividade da agricultura fortemente relacionada a sua utilização. No
entanto, a produção interna tem sido insuficiente para atender à demanda, o que
tem ocasionado uma forte elevação das importações de fertilizantes ano após ano
e tornado o segmento responsável por cerca de um terço do déficit da indústria
química. Os diversos investimentos planejados para os próximos anos serão capazes
de reduzir a dependência externa, porém ainda serão insuficientes para suprir o
mercado nacional. O setor sofre com problemas de infraestrutura portuária e de ar-
mazenamento, e também relacionados a questões tecnológicas, regulatórias, tribu-
tárias e ambientais, que merecem destaque e serão objeto de estudo neste artigo.

AB S TR AC T
The fertilizer industry is a strategic segment for the country, and the increase in
agricultural productivity is strongly related to the use of fertilizer. However, domestic
production has been unable to meet demand, which has caused a sharp rise in
imports of fertilizers year after year. This has resulted in the segment accounting for
approximately one third of the deficit in the chemical industry. Several investments
planned for the coming years will be able to reduce dependence on imports, but it
will still be unable to supply the national market. The sector suffers from problems
with port infrastructure and storage, and also with technological, regulatory, tax
and environmental issues that warrant attention and will be the focus of this paper.
Química 15

1. i nTR O DUÇ Ã O
Na década de 2000, a produção da indústria química brasileira não acompanhou a
evolução do consumo interno, ocasionando um déficit crescente e persistente no
setor. Os intermediários para fertilizantes, segmento importante da indústria quí-
mica, são responsáveis por cerca de um terço do déficit, e as perspectivas são de que
a demanda por adubos eleve-se ainda mais nos próximos anos.
O Brasil dispõe de um enorme potencial agrícola. O agronegócio é responsável
por parcela importante do Produto interno Bruto (PiB), e o país é um dos maiores
produtores e fornecedores globais de grãos, cana-de-açúcar, carne e produtos flores-
tais, tendo uma das estruturas de custos mais competitivas do mundo. as projeções
de crescimento da população e sua urbanização, a alta procura por alimentos reali-
zada por china e índia e o apelo para utilização de biocombustíveis exigirão que a
produção agrícola se eleve para acompanhar a demanda. No entanto, a quantidade
de terras disponíveis para a agricultura é limitada, criando a necessidade de que as
terras cultiváveis aumentem sua produtividade. Esse aumento de produtividade vem
ocorrendo por meio do uso de fertilizantes, aliado a outras tecnologias.
como um grande produtor agrícola, o país é também um grande consumidor
de fertilizantes, atrás apenas de china, índia e Estados unidos. apesar de ser um
grande demandante, porém, a produção interna de insumos para fertilizantes é
insuficiente para atender ao consumo, e cerca de 60% dos fertilizantes utilizados
provêm de importações. a alta dependência externa deixa o país vulnerável a flu-
tuações de câmbio e preços e traz o risco de escassez de insumos básicos.
Tendo em vista a importância estratégica dos fertilizantes para o país, é necessário
reduzir a participação das importações no consumo nacional, elevando a produção
interna. O país tem reservas de fósforo e potássio, matérias-primas para a produção
de fertilizantes fosfatados e potássicos, com potencial para serem exploradas. além
disso, com a descoberta do pré-sal, a oferta de gás natural, que é insumo básico para
a produção de nitrogenados, deve ser ampliada. contudo, para destravar os investi-
mentos no setor, são necessários investimentos em logística e formulação de políticas
que solucionem impasses regulatórios, tecnológicos, tributários e ambientais.
16 BNDES 60 aNOS – PERSPEcTiVaS SETORiaiS

assim, o objetivo deste artigo é destacar a importância do setor de fertilizantes


como um segmento estratégico para o país e alertar para a necessidade de existên-
cia de uma política industrial focada, a fim de incentivar os investimentos e reduzir
a exposição externa.
O estudo está composto de cinco seções. além desta introdução, na próxima se-
ção será avaliada a evolução da indústria química de 2000 a 2011, caracterizando e
dimensionando o setor no país e no mundo, destacando a importância do segmen-
to de fertilizantes para o aumento do déficit comercial nos últimos anos. Em segui-
da, será detalhado o segmento de fertilizantes, explorando sua contribuição para o
aumento da produtividade do agronegócio brasileiro. a seção posterior visa avaliar
as grandes tendências do setor no mundo e no país, em relação ao crescimento do
mercado e a fatores que poderão afetar de forma significativa a competitividade
do setor. Serão apresentados os principais desafios, oportunidades e perspectivas
de investimento. Por fim, expõem-se as conclusões do estudo.

2. A i nDÚS TR iA QU ÍMiC A
caracterização do Setor

a indústria química está presente em quase todas as cadeias produtivas dos mais
diversos setores, fornecendo insumos e produtos para a indústria, agricultura e
serviços. Em razão de sua importância, ocupava em 2009 a quarta posição no PiB in-
dustrial, que corresponde a 10,11% do PiB gerado pela indústria de transformação,
ficando atrás apenas da indústria de alimentos e bebidas; coque, produtos deriva-
dos de petróleo e biocombustíveis; e veículos automotores, reboques e carrocerias.
a indústria química envolve a fabricação de produtos com base em reações
químicas que convertem matérias-primas (petróleo, gás natural e outras fontes, até
mesmo da biomassa) em mais de setenta mil produtos químicos existentes. Embora
todos tenham em comum o fato de empregarem processos químicos (ou biotec-
nológicos) para síntese dos produtos, há grandes diferenças nas características dos
produtos e processos de produção, nos respectivos mercados e padrões de compe-
tição nos diferentes segmentos da indústria química.
Química 17

Segundo a Classificação Nacional de Atividade Econômica do IBGE (CNAE-2.0),


pode-se dividir a indústria química em nove segmentos: fabricação de produtos
químicos inorgânicos; fabricação de produtos químicos orgânicos; fabricação de re-
sinas e elastômeros; fabricação de fibras artificiais e sintéticas; fabricação de defen-
sivos agrícolas e desinfestantes domissanitários; fabricação de sabões, detergentes,
produtos de limpeza, cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal; fabri-
cação de tintas, vernizes, esmaltes, lacas e produto afins; e fabricação de produtos
e preparados químicos diversos.
Os produtos químicos, de acordo com o segmento em que estão inseridos e
a aplicação final, podem ser classificados em commodities ou especialidades. As
commodities são produtos fabricados em grandes quantidades, comercializados em
nível mundial, utilizando principalmente processos contínuos, e que têm certa pa-
dronização. Já que os consumidores finais não fazem distinções entre os produtos, a
competição ocorre predominantemente via preços, que são definidos no mercado
mundial. Exemplos de commodities na indústria química são os segmentos de resinas
termoplásticas e intermediários para fertilizantes. As especialidades têm caracterís-
ticas particulares, como um determinado grau de pureza ou propriedade física, ha-
vendo diferenciação por parte do cliente final do produto a ser adquirido. Normal-
mente são produzidas em plantas menores, que requerem menor intensidade de
capital. Nesse caso, como há diferenciação de produtos, os preços praticados geralmente
são mais altos e as margens, mais elevadas. Defensivos agrícolas, catalisadores e aditivos
e intermediários de síntese são alguns exemplos de especialidades na indústria química.

Faturamento

A indústria química brasileira tem uma importante posição internacional, ocupan-


do em 2010 o sétimo lugar no ranking mundial em faturamento, com US$ 130
bilhões. A primeira posição é ocupada pela China, com faturamento de US$ 903
bilhões, seguida pelos EUA (US$ 720 bilhões) e Japão (US$ 338 bilhões), como pode
ser visto no Gráfico 1. Nos últimos dez anos o mundo apresentou uma taxa compos-
ta de crescimento anual de 9%, liderada principalmente pelos países em desenvol-
vimento. A China cresceu a uma taxa de 24% a.a., ultrapassando Estados Unidos,
18 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Japão e Alemanha. Índia, Rússia, Brasil e Coreia cresceram, respectivamente, 14% a.a.,
13% a.a., 11% a.a. e 10% a.a. A indústria química brasileira ganhou a posição de
países como Itália e Reino Unido.

Gráfico 1 Ranking de faturamento da indústria química mundial, 2010 (em US$ bilhões)

China 903

EUA 720

Japão 338

Alemanha 229

Coreia 139

França 137

Brasil 129

Índia 125

Itália 105

Reino Unido 94

Rússia 83

0 100 200 300 400 500 600 700 800 900 1.000

Fonte: Abiquim (2011).

No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira de Indústria Química


(Abiquim), a indústria química, considerando todos os seus segmentos (produtos
químicos industriais + produtos farmacêuticos + produtos de higiene pessoal, per-
fumaria e cosméticos + defensivos agrícolas + adubos e fertilizantes + tintas e ver-
nizes + produtos de limpeza + fertilizantes + fibras artificiais e sintéticas) alcançou,
em 2011, um faturamento líquido estimado de R$ 261,9 bilhões, o equivalente
a US$ 158,5 bilhões. Com esse faturamento espera-se que o Brasil eleve em pelo
menos uma posição sua colocação no ranking mundial, assumindo o sexto lugar,
ocupado pela França em 2010.
Os produtos químicos de uso industrial, categoria acompanhada de modo mais
detalhado pela Abiquim, correspondem aos produtos químicos empregados como
matéria-prima da própria indústria química e são seu principal segmento, respon-
dendo por quase metade do faturamento total da indústria, atingindo o valor de
Química 19

R$ 125,4 bilhões, cerca de US$ 76,2 bilhões, em 2011. Compreendem, assim, produ-
tos petroquímicos (básicos, ou de segunda geração, como as resinas termoplásticas,
termofixas e elastômeros), outros produtos orgânicos, além de produtos inorgâni-
cos, como cloro e álcalis, gases industriais e intermediários para fertilizantes.
Dentre os produtos químicos de uso industrial, destacam-se os petroquími-
cos básicos e resinas termoplásticas (responsáveis por 33% do faturamento total
do segmento em 2011), produtos e preparados químicos diversos (17%), outros
produtos químicos orgânicos (15%), intermediários para fertilizantes (9%), inter-
mediários para resinas e fibras (7%), e outros inorgânicos (6%). A petroquímica
corresponde ao principal segmento da indústria química brasileira, com cerca de
60% do faturamento total dos produtos químicos de uso industrial, o equivalente a
US$ 45,9 bilhões. Assim, a petroquímica, com quase um terço do faturamento glo-
bal da indústria, é o principal segmento da indústria química no país.

Tabela 1 Faturamento da indústria química por segmento, 2011 (em US$ bilhões)

Segmento US$ bilhões

Petroquímicos 45,9

Inorgânicos 17,4

Químicos diversos 12,9

Produtos farmacêuticos 25,3

Higiene pessoal, perfumaria e cosméticos 15,4

Adubos e fertilizantes 16,9

Defensivos agrícolas 8,0

Produtos de limpeza 8,7

Tintas, esmaltes e vernizes 4,5

Fibras artificiais e sintéticas 1,3

Outros 2,2

Fonte: Abiquim (2011).

Na década de 2000, o faturamento da indústria química, de acordo com da-


dos da Abiquim, passou de US$ 43,6 bilhões em 2000 para US$ 158,5 em 2011, o
que corresponde a um aumento de cerca de 264%, ou a uma taxa composta de
crescimento anual por volta de 12%. No Gráfico 2, se observa uma queda do fatu-
ramento no ano de 2009, reflexo da crise econômica do fim de 2008, porém com
recuperação nos anos seguintes.
20 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 2 Faturamento da indústria química brasileira, 2000-2011 (em R$ e US$ bilhões)

300

261,9
226,1
225,2
250

201,2
200,9
179,6
176,4

176,1
200
140

150 158,5
108,9
91,3

123,8 128,5
79,8

100 101,3
103,5
82,6
72,3
60,3
50 43,6 45,5
38,8 37,3

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

R$ BILHÕES US$ BILHÕES

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Abiquim (2011).

Produção

A indústria química brasileira tem importante participação no PIB, da ordem de


2,5% em 2010. Esse número já foi de 3,6% em 2004, porém desde então a indústria
química vem perdendo participação na economia. Segundo dados do IBGE, da Pes-
quisa da Indústria Anual1 (PIA), o valor bruto da produção industrial de químicos no
Brasil chegou a R$ 133 bilhões (excluindo os farmacêuticos) no ano de 2009 [IBGE
(2009)]. Dentre os segmentos da indústria química, destacam-se a produção em
valor dos produtos químicos orgânicos, resinas e elastômeros e produtos químicos
inorgânicos. Observa-se uma concentração da produção voltada para a indústria
petroquímica. No caso de fertilizantes, existe elevada produção nacional de pro-

1
Os dados de produção industrial foram retirados da PIA-Empresa e correspondem ao valor bruto da produção industrial, da
Tabela 1.4 (Estrutura do valor da transformação das empresas industriais com 30 ou mais pessoas ocupadas). O valor bruto da
transformação industrial é dado pela soma de vendas de produtos e serviços industriais (receita líquida industrial), variação dos
estoques dos produtos acabados e em elaboração e produção própria realizada para o ativo imobilizado. Para os anos 2000-2006 foi
utilizada a divisão 24 do CNAE 1.0 e para os anos 2007-2009 a divisão 20 do CNAE 2.0. A fim de compatibilizar as duas séries, foi
separado o grupo de fabricação de produtos farmacêuticos, 24.5 do CNAE 1.0. Vale ressaltar que, como os dados utilizados captam
as informações apenas para o universo de empresas de portes médio e grande (acima de trinta empregados), o valor da produção
pode estar subestimado.
Química 21

dutos finais misturados, contudo o país é extremamente carente na produção de


matérias-primas e fertilizantes básicos e intermediários.
Apesar da importância da indústria química para os outros setores da econo-
mia, o que se constata quando analisamos o índice físico de produção é que este se
manteve constante na década analisada para os segmentos de maior representati-
vidade quanto ao valor. Com base em dados da Pesquisa de Indústria Mensal (PIM),
foi feito o Gráfico 3, que mostra a evolução da produção física de produtos quími-
cos inorgânicos; adubos e fertilizantes; petroquímicos básicos e intermediários para
resinas e fibras; e resinas e elastômeros. Todas revelam uma tendência horizontal
de crescimento, com uma queda observada no fim do ano de 2008 e início de 2009
por causa da crise financeira internacional. O segmento de adubos e fertilizantes
tem um ciclo associado ao plantio da agricultura, que pode ser facilmente identifi-
cado. Houve recuperação na produção em 2010 e 2011, porém os níveis encontram-se
iguais ou inferiores aos identificados em 2007 e início de 2008, com tendência de
estagnação da produção.

Gráfico 3 Produção física industrial por subsetores sem ajuste sazonal, 2000-2011
(2002=base 100)

175

150

125

100

75

50
jan. 2000

jul. 2000

jan. 2001

jul. 2001

jan. 2002

jul. 2002

jan. 2003

jul. 2003

jan. 2004

jul. 2004

jan. 2005

jul. 2005

jan. 2006

jul. 2006

jan. 2007

jul. 2007

jan. 2008

jul. 2008

jan. 2009

jul. 2009

jan. 2010

jul. 2010

jan. 2011

jul. 2011

Produtos químicos inorgânicos


Adubos, fertilizantes e corretivos para o solo
Petroquímicos básicos e intermediários para resinas e fibras
Resinas, elastômeros, fibras, fios, cabos e filamentos artificiais e sintéticos

Fonte: PIM/IBGE.
22 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Balança comercial

O crescimento do consumo do setor químico não vem sendo acompanhado pela


elevação da produção doméstica, o que resulta em importações cada vez maiores
para atender à demanda interna. Assim, a indústria química vem contribuindo ne-
gativamente para o resultado da balança comercial brasileira. Nos últimos anos,
o setor vem sofrendo déficits crescentes e persistentes, que passaram de US$ 6,7
bilhões no ano 2000 para US$ 26,5 bilhões em 2011, uma taxa composta de cresci-
mento anual por volta de 13,3% (Gráfico 4). Para se ter uma ideia da gravidade do
problema, o valor do déficit do setor verificado no último ano é quase equivalente
ao superávit comercial obtido para toda a economia, que foi de US$ 29,8 bilhões. A
razão para constantes resultados negativos deve-se principalmente às importações
ascendentes que apresentam alta elasticidade com o PIB industrial e agrícola, além
de fatores como preços, câmbio e custos de matérias-primas.

Gráfico 4 Balança comercial da indústria química, 2000-2011 (em US$ bilhões)

45

40

35

30

25
EM US$ BILHÕES

20

15

10

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Exportação Importação Déficit

Fonte: Abiquim (2011).

As preocupações com o desenvolvimento da indústria química aumentaram


depois de serem divulgados os resultados para a balança comercial do setor em
Química 23

2011. Depois de uma breve melhora dos números em 2009, com redução do
déficit em razão da crise econômica que ocasionou uma queda na demanda e
nos preços no mercado internacional, o déficit do setor vem crescendo signifi-
cativamente nos últimos dois anos. Em 2011, a balança comercial da indústria
química foi negativa em US$ 26,5 bilhões, um aumento de 28,3% em relação a
2010 e de 14,2% em relação ao déficit obtido em 2008, que era o maior da série
histórica. As importações atingiram US$ 42,3 bilhões (19% das importações to-
tais do país), ultrapassando a cifra recorde de US$ 34,7 bilhões, em 2008. Já as
exportações vêm apresentando um crescimento mais moderado, somando qua-
se US$ 15,8 bilhões no último ano (cerca de 6% das exportações totais do país).
O déficit comercial de produtos químicos do país concentra-se nos segmentos
de produtos químicos orgânicos, farmacêuticos e inorgânicos, que responderam
por mais de 70% em 2011.
O segmento de intermediários de fertilizantes, que está inserido no grupo de
inorgânicos, é o principal item da pauta de importação dos produtos químicos,
sendo um dos maiores responsáveis pela elevação no déficit do setor nos últimos
anos. Conforme é mostrado no Gráfico 5, no ano de 2011, o segmento representou
cerca de um terço do déficit da indústria química. As importações alcançaram cerca
de US$ 8,7 bilhões, valor 78,5% superior ao verificado no ano de 2010. O produto
cloreto de potássio foi o item de maior importação, com US$ 3,5 bilhões.
A América do Norte e a União Europeia são os principais fornecedores para
a indústria química brasileira, totalizando 55% do total das importações em
2011. A Ásia ocupa a terceira posição, com 17%. Já no que diz respeito ao des-
tino das exportações da indústria química brasileira, há um maior equilíbrio dos
atores. Os países do Mercosul são os principais clientes, sendo responsáveis por
22% do total exportado; seguidos por União Europeia e América do Norte, cada
uma com parcelas referentes a 21%. Tal configuração se reflete na estrutura do
déficit, que se concentra na América do Norte e União Europeia. Com os países
do Mercosul verifica-se pequeno superávit, mas não capaz de reverter o déficit
com as outras regiões.
24 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 5 Déficit comercial da indústria química por segmento, 2011 (em %)

Intermed. fertilizantes 33%

Farmacêuticos 26%

Orgânicos 16%

Resinas e elastômeros 10%

Defensivos agrícolas 8%

Químicos diversos 4%

Fibras e fios 3%

Tintas 1%

Produtos de limpeza 0%

0 4 8 12
US$ BILHÕES

Fonte: Abiquim.

Atuação do BNDES

O BNDES desempenha um importante papel para toda a indústria nacional e por


isso vem acompanhando e apoiando financeiramente a indústria química brasilei-
ra, a fim de que esta seja capaz de enfrentar os mais diversos desafios. O Banco tem
também um papel ativo na formulação de políticas industriais, fazendo propostas
e articulações entre o setor público e privado que incentivem os investimentos pro-
dutivos e em inovação.
Na última década, o Banco participou dos maiores investimentos realizados
pelo setor, como a construção do polo gás-químico do Rio de Janeiro, das novas
unidades e expansões de polipropileno (PP) e policloreto de vinila (PVC), além da
unidade de fibras sintéticas em implantação em Suape. Acompanhou e esteve pre-
sente no processo de reestruturação e consolidação empresarial na indústria pe-
troquímica, que resultou na emergência da Braskem, parceria da Odebrecht e da
Petrobras, uma empresa de porte comparável ao padrão internacional. O BNDES
elaborou também um programa destinado ao fortalecimento do setor de trans-
formados plásticos, que é formado principalmente por micro, pequenas e médias
Química 25

empresas. Além disso, vem trabalhando para a promoção de projetos de inovação


e realizou trabalho em conjunto com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)
para o fomento de projetos que utilizem biomassa proveniente da cana-de-açúcar
como matéria-prima.
O financiamento proporcionado pelo BNDES para a indústria química2 em geral
ao longo do período de 2000 a 2011, em valores reais de 2011, apresentou uma
trajetória constante até 2006, sendo desembolsado cerca de R$ 1,5 bilhão ao ano.
A partir de 2007, esse valor elevou-se para R$ 2,5 bilhões ao ano, como pode ser
observado no Gráfico 6. Cabe lembrar que no ano de 2009, como reflexo da crise
internacional que atingiu o país em 2008, houve uma estagnação dos desembolsos
à indústria. Já em 2010, com a recuperação da economia e o importante papel de-
sempenhado pelo BNDES, houve um grande avanço nas liberações, que atingiram
o valor máximo de R$ 3,8 bilhões em valores nominais ou R$ 4,1 bilhões em reais
de 2011. No ano de 2011 os desembolsos recuaram para o valor de R$ 2,5 bilhões.

Gráfico 6 Desembolso do BNDES à indústria química, 2000-2011 (em R$ bilhões de 2011)

4,5

4,0

3,5

3,0
R$ BILHÕES

2,5

2,0

1,5

1,0

0,5

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: Elaboração própria.

2
A indústria química é representada pelo código 20 do CNAE 2.0.
26 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Quando desagregamos os desembolsos da indústria química por segmen-


to, observa-se que estes estão concentrados principalmente em petroquímica e
vêm aumentando sua participação ao longo do tempo. No ano de 2000, cerca
de 18% dos financiamentos eram destinados a petroquímicos básicos. A partir
de 2006, esse percentual chegou a 43% e, no ano de 2011, alcançou 71% dos
desembolsos totais (Tabela 2). No sentido inverso, outros segmentos como de-
fensivos e fertilizantes, cuja participação já foi mais elevada no passado, tive-
ram os desembolsos a seus segmentos diminuídos. Especificamente no caso de
fertilizantes, ainda há certo apoio ao setor de adubos e fertilizantes finais, que
são formados pelos misturadores responsáveis por fornecer a mistura NPK (Ni-
trogênio-Fósforo-Potássio) aos agricultores. No entanto, para os intermediários
de fertilizantes, que são responsáveis pela formulação de matérias-primas, o
desembolso vem sendo praticamente nulo nos últimos anos, refletindo o baixo
investimento no setor.

Tabela 2 Participação dos desembolsos do BNDES por segmento3 da indústria química (em %)

Setor de atividade 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total

20.1 - Químicos inorgânicos 11 20 20 6 15 12 9 7 5 10 10 7 10


20.126 - Intermediários
para fertilizantes 0 2 3 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0
20.134 - Adubos e
fertilizantes 3 15 13 3 9 9 2 2 1 3 8 6 6

20.2 - Químicos orgânicos 22 21 19 11 19 33 51 26 61 54 62 72 44


20.215 - Petroquímicos
básicos 18 13 9 10 14 22 43 22 53 52 55 71 38
20.3 - Resinas e
elastômeros 29 13 28 48 33 23 20 51 21 12 8 4 22
20.4 - Fibras artificiais e
sintéticas 5 1 3 0 0 0 0 0 0 0 4 0 1

20.5 - Defensivos agrícolas 0 24 12 22 6 15 1 1 0 6 3 1 6


20.6 - Produtos de limpeza
e Perfumaria 11 5 2 6 5 10 8 9 8 9 7 10 8
20.7 - Tintas, vernizes,
esmaltes e lacas 4 5 1 1 1 1 1 2 1 2 1 2 2

20.9 - Químicos diversos 9 9 9 6 12 6 6 3 4 8 4 4 6

Sem classificação 10 2 6 1 10 0 4 1 0 0 0 0 2

Fonte: Elaboração própria.

3
Para classificação do segmento, foi utilizada a CNAE principal da empresa que obteve financiamento.
Química 27

a grande participação da indústria petroquímica nos desembolsos realizados


pelo BNDES reflete a concentração da produção química brasileira no setor. Seg-
mentos como o de fertilizantes, que na última década tiveram um crescimento
acentuado em seu consumo, não revelaram um desempenho semelhante em in-
vestimento, resultando em um baixo apoio do Banco. Tal fato é preocupante, já
que, ao acompanhar o crescimento da agroindústria no Brasil, percebe-se que a
necessidade de utilização de fertilizantes a fim de elevar a produtividade se fará
cada vez mais necessária e crescente, como será visto com mais detalhes na próxima
seção. a dependência externa já é uma realidade e foi descrita com os resultados
da balança comercial para a indústria química. as importações de intermediários
para fertilizantes são os principais responsáveis pelo déficit no setor. Diante da
crescente demanda global por alimentos e sendo o Brasil um dos maiores fornece-
dores mundiais de produtos agrícolas, caso não ocorram investimentos no setor, a
dependência externa vai se elevar ainda mais.
além de receber e apoiar projetos de investimentos, é também dever do BNDES
agir de maneira proativa, fomentando e apoiando o crescimento de uma estrutura
produtiva diversificada, integrada, dinâmica, inclusiva, sustentável e competitiva.
Dessa forma, o Banco busca de alguma maneira aprofundar seu conhecimento no
setor de fertilizantes e aumentar sua atuação no segmento nos próximos anos,
acreditando ser este um setor estratégico para o país.

3. O S EGM En T O D E f E RT iL iZ A n T E S
caracterização do Setor

Pode ser definida como fertilizante toda substância mineral ou orgânica, obtida de
forma natural ou industrial, que forneça às plantas os nutrientes básicos necessá-
rios a seu desenvolvimento. O objetivo principal é devolver ao solo os elementos
retirados em cada colheita, mantendo ou elevando a produtividade.
Os primeiros produtos usados como fertilizantes eram adubos orgânicos, como
excrementos animais, cinza vegetal oriunda da queima de plantas e lodo de rios,
28 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

lagos e pântanos. Estes ainda necessitam ser desmontados em compostos inorgâni-


cos antes de utilizados pelas plantas e, portanto, têm ação mais lenta.
A era dos fertilizantes químicos iniciou com o cientista alemão Justus Von
Liebig (1803-1873), que foi o primeiro a afirmar que o crescimento das plantas é
determinado pelos elementos presentes no solo em quantidades adequadas. Em
um solo carente de nutrientes, bastaria adicionar a famosa fórmula NPK para que
as plantas crescessem mais.
Ao todo são dezesseis os nutrientes essenciais ao desenvolvimento das plan-
tas, que podem ser encontrados no ar, na água e no solo. Cada um tem um papel
específico, não podendo ser substituído. São eles: carbono, hidrogênio, oxigênio,
nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, manganês, zinco,
cobre, boro, cloro e molibdênio. Os nutrientes podem ainda ser divididos em duas
categorias: macronutrientes e micronutrientes.
Os macronutrientes são aqueles utilizados em larga quantidade, sendo os
principais: nitrogênio, fósforo e potássio. O papel do nitrogênio é a manutenção
do crescimento da planta, a formação de aminoácidos e proteínas. O fósforo é
responsável por auxiliar as reações químicas que ocorrem nas plantas, interfe-
rindo nos processos de fotossíntese, respiração, armazenamento e transferência
de energia, divisão celular e crescimento das células. Já o potássio é importante
para a manutenção de água nas plantas, formação de frutos, resistência ao frio
e às doenças. O enxofre também é considerado hoje um elemento-chave para o
desenvolvimento das plantas, intervindo na formação de compostos orgânicos.
Já os micronutrientes são adicionados em quantidades muito pequenas, quando
não forem oferecidos pelo solo.
A aplicação de fertilizantes aumenta o rendimento das plantas quando se usa
o adubo correto e a quantidade adequada. No entanto, outras medidas devem
acompanhar a aplicação de fertilizantes para que esta seja eficaz. A natureza dos
solos no Brasil é acentuadamente ácida, o que dificulta a absorção dos nutrientes e
eleva os custos de fertilização. Portanto, antes da aplicação de adubos, recomenda-se
a neutralização do solo, que pode ser feita por simples aplicação de calcário moído
[Dias e Fernandes (2006)].
Química 29

Cadeia produtiva

A cadeia produtiva de fertilizantes vai desde a extração da matéria-prima até o


agricultor, podendo ser dividida em cinco elos. Na Figura 1, é exibido um fluxogra-
ma da cadeia de produção.

Figura 1 Cadeia de produção da indústria de fertilizantes

GÁS NATURAL
PETRÓLEO ENXOFRE NATURAL ROCHA FOSFÁTICA
ROCHA POTÁSSICA
RESÍDUOS PESADOS PIRITAS “IN SITU”
NAFTA

MATÉRIAS-PRIMAS

AMÔNIA ENXOFRE ROCHA FOSFÁTICA

PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS

ÁCIDO ÁCIDO
NÍTRICO SULFÚRICO

ÁCIDO
FOSFÓRICO

FERTILIZANTES BÁSICOS

NITRATO DE SULFATO DE
UREIA TERMOFOSFATO
AMÔNIO AMÔNIO

SUPERFOSFATO ROCHA
TRIPLO PARCIALMENTE
ACIDULADA
NITROCÁLCIO MAP

SUPERFOSFATO
SIMPLES

CLORETO
DAP
DE POTÁSSIO

GRANULAÇÃO E MISTURA DE FORMULAÇÃO NPK

DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

Fonte: Dias e Fernandes (2006).


30 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O primeiro elo da cadeia é formado pela indústria extrativa mineral, que for-
nece as matérias-primas básicas (rocha fosfática, rocha potássica, enxofre e gás na-
tural ou nafta) para a produção de fertilizantes. Em seguida, entramos na indústria
de fabricação de produtos químicos inorgânicos, que, a partir dos insumos obti-
dos da indústria extrativa, produzem as matérias-primas básicas e intermediárias,
como o ácido sulfúrico, ácido fosfórico e amônia anidrida. A indústria de fabricação
de fertilizantes simples e intermediários compõe o terceiro elo da cadeia, do qual
resultam: superfosfato simples (SSP); superfosfato triplo (TSP); fosfato de amônio
(MAP e DAP); nitrato de amônio; sulfato de amônio; ureia; cloreto de potássio; ter-
mofosfatos; e rocha fosfática parcialmente articulada.
O quarto elo contempla o processo de granulação e mistura dos fertilizantes,
que origina os fertilizantes finais, mais conhecidos como NPK. Por fim, estes são
distribuídos e comercializados no quinto elo, sendo utilizados pelo produtor rural
na agricultura.

O Agronegócio

A indústria de fertilizantes está fortemente relacionada ao agronegócio. O cresci-


mento da população mundial, que veio acompanhado pela elevação da renda em
mercados emergentes e mudança na dieta das pessoas, criou uma demanda cres-
cente na produção de alimentos. Além desses fatores, a tendência de substituição
de combustíveis derivados do petróleo por biocombustíveis também vem pressio-
nando a elevação da produção agrícola. Como os recursos agrícolas são limitados e
as áreas disponíveis para o plantio cada vez mais escassas, o aumento da produção
via expansão da fronteira agrícola já não é a melhor opção, tornando-se necessária
a elevação do rendimento por hectare plantado (produtividade).
O aumento de produtividade pode ocorrer por meio da adoção de técnicas
apropriadas de cultivo e manejo, como a utilização de agricultura de precisão, cor-
reta aplicação de fertilizantes, rotação de culturas, correção de acidez do solo, ma-
nejo integrado de pragas e uso de defensivos agrícolas. Nos últimos anos, as pes-
quisas com sementes geneticamente modificadas também vêm contribuindo para
elevação da produtividade na agricultura.
Química 31

Segundo estimação feita pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Apli-


cada (Cepea), em 2011, o PIB do agronegócio brasileiro totalizou R$ 917 bilhões
(em reais de 2011, descontando a inflação), tendo crescido 4,38% (a preços reais).
O PIB da economia brasileira, segundo o IBGE, apresentou uma taxa de crescimento
de 2,7%, atingindo R$ 4,1 trilhões. Dessa forma, a participação do agronegócio no
PIB nacional passou de 21,8% em 2010 para 22,2% em 2011.
O Brasil ocupa importante posição na produção agrícola mundial, a primeira
nas exportações de café, cana-de-açúcar e suco de laranja, e o segundo lugar no
complexo de soja.
A utilização de fertilizantes químicos é um dos maiores contribuintes para a
elevação da produtividade agrícola no Brasil e no mundo. No Gráfico 7 são indica-
dos: a evolução da produção brasileira de grãos,4 a área plantada de grãos5 e o con-
sumo de fertilizantes6 para o período de 1977 a 2011, trabalhando com o primeiro
ano da série como base. Pode-se verificar que até a década de 1990 as séries mos-
tram uma tendência horizontal, com baixo crescimento das três variáveis. Contudo,
a partir daí, com o desenvolvimento da indústria de fertilizantes e a difusão de seu
uso, constata-se elevação na produção de grãos, que foi acompanhada de maior
consumo de fertilizantes, tendo a área plantada alcançado pequena elevação. De
fato, no período 1977-1990, a produção de grãos apresentou uma taxa composta
de crescimento anual de 1,68%, enquanto a área plantada cresceu 0,33% a.a. e o
consumo de fertilizantes apenas 0,11% a.a. Já no período 1990-2011, a produção
de grãos saltou para 5,02% a.a., sendo acompanhada pelo crescimento na taxa de
consumo de fertilizantes que passou para 5,92% a.a., enquanto a área cultivada
elevou-se somente 1,19% a.a. Logo, conclui-se que a indústria de fertilizantes foi
elemento fundamental para o aumento da produtividade agrícola.

4
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – produção em toneladas mil. O valor
apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Inclui algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola,
centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras), soja, sorgo, trigo e triticale.
5
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento, Indicadores Econômicos (Conab/IE) – Área Plantada em hectares mil. O valor
apresentado em cada ano refere-se à safra iniciada no ano anterior. Os dados mais recentes são estimativas sujeitas a revisões. Inclui
algodão, amendoim (duas safras), arroz, aveia, canola, centeio, cevada, feijão (três safras), girassol, mamona, milho (duas safras),
soja, sorgo, trigo e triticale.
6
Fonte: Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA). Refere-se a fertilizantes entregues ao consumidor final avaliados em
nutrientes medidos em toneladas. No momento da elaboração não estava disponível a quantidade entregue em 2011.
32 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 7 Produção de grãos, área plantada e consumo de NPK no Brasil (1977 = base 100)

400

350

300

250

200

150

100

50

0
1977

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

2005

2007

2009

2011
Produção grãos Área plantada Consumo NPK

Fonte: Elaboração própria, com base em Conab/ANDA.

Mercado mundial

O mercado mundial de fertilizantes vem revelando taxas crescentes na última déca-


da. Segundo dados da International Fertilizer Industry Association (IFA), o consumo
mundial de fertilizantes no ano de 2010 foi de 171 milhões de toneladas de nutrien-
tes. No período 2000-2010 o consumo cresceu 27%, o que equivale a uma taxa com-
posta de crescimento anual de 2%. Já na década anterior, o consumo de fertilizantes
manteve-se praticamente constante, como pode ser visto no Gráfico 8. No mundo, o
consumo de fertilizantes está concentrando principalmente nos fertilizantes nitroge-
nados, que representaram cerca de 61% da demanda total por nutrientes, dos quais
os fosfatados foram responsáveis por cerca de 23% e os potássicos, 16%.
A demanda por fertilizantes é altamente concentrada, sendo quatro países res-
ponsáveis por 64% do total consumido em 2010. A China é o maior consumidor
mundial e vem aumentando sua participação ano após ano. Em 1990, o percentual
consumido pelo país era de 20%, tendo saltado para 26% em 2000 e alcançado 30%
em 2010. A Índia ocupa a segunda posição, com 16%, tendo ultrapassado os EUA
na última década, que passaram para o terceiro lugar, consumindo 12% do total
Química 33

mundial. O Brasil foi o quarto maior consumidor, respondendo por 6% do total glo-
bal. Cabe lembrar que China, Índia e Brasil vêm apresentado taxas de crescimento
para o consumo de fertilizantes de 4% a.a., superior à taxa mundial e à dos EUA.

Gráfico 8 Consumo mundial de NPK por nutriente, 1990, 2000 e 2010 (em milhões ton)

180

160 27

140

24 22 40
120

100 33
36

80

60 104
79 82
40

20

-
1990 2000 2010

Nitrogênio Fósforo Potássio

Fonte: IFA.

A indústria de matérias-primas para o setor de fertilizantes, assim como a in-


dústria petroquímica, é intensiva em capital. As plantas precisam ter escala que lhes
permita a diluição dos custos fixos e viabilize os investimentos. Além desse fato, o
acesso aos recursos naturais é restrito, o que faz o segmento ser concentrado em
todo o mundo, tanto em relação a países, como a firmas. No mais, em função da
dotação de fatores naturais ser de certa forma escassa, a produção é relativamente
estável. A estrutura econômica ainda pode variar de acordo com o tipo de nutrien-
te que é analisado.
De acordo com dados da IFA, em 2009, a produção total de fertilizantes foi de
164 milhões de toneladas de nutrientes. China, Índia, EUA e Rússia são os maiores
produtores, representando 63% da produção. O Brasil, apesar de ser o quarto con-
sumidor, ocupava a décima posição em relação à produção, sendo responsável por
apenas 2% da produção mundial de nutrientes.
34 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O Nitrogênio (N) é a matéria-prima básica para a produção de fertilizantes nitro-


genados, como amônia e ureia. Para a fabricação da amônia necessita-se da reação
do nitrogênio, prontamente disponível no ar, com o hidrogênio, que pode ser ob-
tido de fontes diversas – gás natural, nafta, carvão, resíduos asfálticos. No Brasil,
assim como na maioria dos países, a principal fonte de hidrogênio é o gás natural,
cujo preço no país é elevado em comparação ao restante do mundo.
No total, de acordo com dados da IFA, existiam em 2009 cerca de 77 países
produtores mundiais de nitrogenados, estando a China em primeiro lugar, seguida
de Índia, EUA e Rússia. Os quatro países foram responsáveis por 60% da produção
mundial de nitrogenados em 2009, que foi de 105 milhões de toneladas de nutrien-
tes, tendo crescido 18% em relação a 2000. Somente a China aumentou sua capa-
cidade de produção em 62%. No entanto, cabe lembrar que o país tem uma base
de produção “suja”, já que utiliza como principal fonte de hidrogênio o carvão. Em
2009, China, Índia e EUA eram também os maiores consumidores de nitrogenados.
O Brasil, apesar da baixa produção, ocupava a sexta posição mundial em consumo.
O Fósforo (P) é obtido por uma atividade extrativa mineral que tem como
fonte a exploração da rocha fosfática. Existem dois tipos de rocha fosfática, as
de origem ígnea ou as sedimentares, onde a concentração de fósforo é maior. No
Brasil, ao contrário da maioria dos países produtores, a origem da rocha fosfática
é ígnea em função da estrutura geológica. Em 2009, existiam cerca de sessenta
países produtores, liderados por China, EUA, Índia e Rússia, respectivamente. O
Brasil ocupava a quinta posição, sendo responsável por cerca de 5% da produção
mundial de fosfatados, que foi de 37 milhões de toneladas de nutrientes, 14%
superior ao que foi produzido no ano 2000. As principais reservas encontram-se
nos continentes africano e asiático. É um mercado global formando por grandes
players mundiais. Novamente China, Índia, EUA e Brasil são os maiores consumi-
dores, representando 68% do consumo total.
O Potássio (K), obtido principalmente a partir do cloreto de potássio, é encon-
trado na maioria das vezes em camadas sedimentares. As reservas mundiais são de
grande limitação e a produção concentra-se basicamente em 12 países. Canadá,
Rússia, Bielo-Rússia e Alemanha são os maiores produtores, responsáveis por cerca
Química 35

de 65% da produção mundial. A produção em 2009 foi de 20,6 milhões de tonela-


das. Os maiores demandantes são mais uma vez China, EUA, Índia e Brasil, com 64%
da demanda global.

Mercado brasileiro

O mercado brasileiro de fertilizantes é o quarto maior consumidor do mundo, re-


presentando cerca de 6% do mercado global em 2009 de acordo com dados da
IFA. Segundo a ANDA (2010), foram entregues 24,5 milhões de toneladas em 2010,
contendo 10,1 milhões de nutrientes. Apesar do elevado consumo, a utilização de
fertilizantes por hectare ainda é baixa em relação a outros países da Europa e à Chi-
na. Contudo, o país vem apresentando uma taxa de crescimento da demanda supe-
rior à taxa de crescimento mundial e de países desenvolvidos. O consumo nacional
depende, principalmente, da renda dos agricultores, mas também é influenciado
pelo preço relativo dos fertilizantes, pela política agrícola e expectativas de preços
futuros e da produção agrícola. No Gráfico 9, é exposta a evolução do consumo de
fertilizantes por tipo de nutriente no período 2000-2010.

Gráfico 9 Consumo brasileiro de NPK por nutriente, 2000-2010, (em milhões ton)

12

10

4,3 4,2
4,3 3,9
8
3,7 3,1
3,5
3,5

6 2,8 3,0
2,9

3,9 3,7 3,4


3,4 3,2 3,3
4 3,1
2,9
2,5 2,7
2,5

2
2,5 2,8 2,5 2,6 2,9
2,4 2,3 2,3
2,0 1,7 1,9

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Nitrogênio Fósforo Potássio

Fonte: ANDA.
36 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

No Brasil, diferentemente do restante do mundo, os fertilizantes mais consumi-


dos não são os nitrogenados, mas sim os potássicos, que no ano de 2010 responderam
por 38% do total de nutrientes demandados, enquanto fosfatados e nitrogenados
foram responsáveis por 28% e 33%, respectivamente. A explicação para essa inver-
são ocorre por causa da estrutura da agricultura brasileira. Cinco principais culturas
concentram o consumo no país: soja, milho, cana-de-açúcar, café e algodão. Em 2010,
elas representaram mais de 75% do total de fertilizantes consumidos. A soja, que é
a principal cultura consumidora, com 36%, utiliza pouco nitrogênio e muito potássio
para sua produção, explicando a concentração no consumo desse tipo de nutriente.
O consumo de fertilizantes por cultura no Brasil em 2010 é mostrado no Gráfico 10.

Gráfico 10 Entrega de Fertilizantes por cultura, 2010 (em %)

Outras
Soja
23%
36%

5%
Algodão

6%
Café

15% 15%

Cana-de-açúcar Milho

Fonte: ANDA.

A Região Centro-Sul, formada pelos estados do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, é


onde está concentrado o maior consumo de fertilizantes no Brasil. No ano de 2010,
86% dos fertilizantes entregues foram direcionados à região, onde estão localiza-
das as principais culturas agrícolas do país. As regiões Norte e Nordeste consumiram
apenas 14% do total.
O estado de Mato Grosso, principal produtor brasileiro de soja, foi o maior
consumidor de fertilizantes, com participação de 16% sobre a demanda total. Em
seguida temos São Paulo, com 14%, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com 13%, e
Química 37

Paraná, com 12%. O Gráfico 11 detalha o consumo de fertilizantes por unidade de


federação no ano de 2010.

Gráfico 11 Entrega de fertilizantes por unidade de federação, 2010 (em mil ton)

4.500

4.000

3.500

3.000
MILHARES DE TONELADAS

2.500

2.000

1.500

1.000

500

-
MT SP MG RS PR GO BA MS SC MA ES AL PE PI TO PA SE RO PB RJ RN DF CE RR AP AM AC

Fonte: ANDA.

Apesar de o Brasil ter experienciado altas taxas de crescimento na demanda


por fertilizantes, a produção interna para a fabricação de suas matérias-primas
não vem crescendo no mesmo ritmo, resultando em um grande desbalanceamento
entre oferta e demanda. A indisponibilidade de matérias-primas básicas, além de
questões logísticas, tributárias e ambientais, vem sendo gargalos para novos inves-
timentos. Dessa forma, o atendimento ao consumo interno vem ocorrendo princi-
palmente via aumento das importações.
No ano de 2010, a entrega total de fertilizantes formulados no Brasil alcançou
24 milhões de toneladas de produtos, dos quais 15 milhões de toneladas foram im-
portadas e 9 milhões produzidas internamente. Em relação ao ano 2000 houve um
crescimento acumulado de 50% do consumo, 17% da produção e 48% das impor-
tações. A participação das importações sobre o consumo total manteve-se, de certa
forma, constante no período analisado, por volta de 60%. No ano de 2007, ano de
alta no consumo de fertilizantes, o percentual ocupado pelas importações chegou
38 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

a superar 70%. Já em 2009, em razão da grande queda na demanda por conta da


crise econômica de 2008, o volume importado teve sua participação reduzida para
49%, pois muitos produtores utilizaram os estoques acumulados nos anos anterio-
res. No ano de 2010, com a retomada do mercado de fertilizantes, as importações
cresceram novamente e representaram 62% do total consumido (Gráfico 12).

Gráfico 12 Importação, produção e consumo de fertilizantes (produto), 2000-2010


(em milhões ton)

30

25

20
MILHÕES TON

15

10

-
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Importação Produção Consumo

Fonte: ANDA.

A dependência externa não é função apenas da elevada demanda do setor


agrícola nacional, mas também da disponibilidade de matérias-primas (nitrogênio,
fósforo e potássio) e da estrutura de produção. A produção interna de fertilizan-
tes nitrogenados no ano de 2010 atendeu aproximadamente a 24% da demanda.
No início da década, no ano 2000, esse número já foi próximo a 40%. No entanto,
como pode ser observado no Gráfico 13, enquanto o consumo de nitrogenados
cresceu, a produção permaneceu estagnada. Gás natural, gás de refinaria e resíduo
asfáltico são as matérias-primas utilizadas para a fabricação de amônia, cujas uni-
dades produtivas são localizadas próximas a refinarias petroquímicas ou de fontes
de hidrogênio. No Brasil, o preço do gás natural, utilizado como matéria-prima, é
superior a outras regiões do mundo, tornando o país menos competitivo.
Química 39

Gráfico 13 Importação, produção e consumo de fertilizantes de nitrogenados, 2000-2010


(EM MIL TON)

3.000
NITROGÊNIO

2.500

2.000

1.500

1.000

500

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Produção Importação Consumo

Fonte: ANDA.

Os fertilizantes fosfatados são os que exibem a situação mais favorável, po-


rém ainda insuficiente. A produção nacional consegue atender a cerca de 59%
das necessidades do país. Essa situação vem se mantendo estável, com elevação
da produção ao longo da década, como se pode verificar no Gráfico 14. Contudo,
um agravante é o fato de o Brasil não ter produção destinada à indústria de ferti-
lizantes de enxofre, matéria-prima básica para a produção de ácido sulfúrico, que
é utilizado para obtenção de ácido fosfórico. Este é utilizado como matéria-prima
intermediária para a produção de fertilizantes fosfatados.
Por fim, em relação ao potássio, a situação é mais preocupante. Apesar de ser
o nutriente com maior demanda pelo setor agrícola brasileiro, a produção nacional
é muito inferior à demanda e tem atendido somente a 10% do consumo interno
(Gráfico 15). O Brasil conta com apenas uma mina de potássio explorável hoje.
Apesar de existirem grandes reservas, estas não são economicamente viáveis ou
oferecem grandes riscos ambientais.
40 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 14 Importação, produção e consumo de fertilizantes de fosfatados, 2000-2010


(em mil ton)

4.500
FÓSFORO
4.000

3.500

3.000

2.500

2.000

1.500

1.000

500

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Produção Importação Consumo

Fonte: ANDA.

Gráfico 15 Importação, produção e consumo de fertilizantes potássicos, 2000-2010


(em mil ton)

5.000
POTÁSSIO
4.500

4.000

3.500

3.000

2.500

2.000

1.500

1.000

500

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Produção Importação Consumo

Fonte: ANDA.
Química 41

Na Tabela 3 são mostrados os volumes de importação, produção e exportação, para


os principais fertilizantes básicos e intermediários, realizados no ano de 2010. Com base
nos números, foi calculado o consumo aparente7 dos produtos e a participação das im-
portações no total consumido. Verifica-se que, com exceção do SSP, do qual há quase
autossuficiência na produção, sendo apenas 6% importado, todos os outros fertilizantes
apresentaram uma participação das importações superior a 50%. Em alguns casos, como
o DAP e cloreto de potássio, a dependência externa chega a ultrapassar 90%.

Tabela 3 Importação, produção, exportação e consumo aparente de fertilizantes básicos


e intermediários, 2010 (em ton)

Importação (a) Produção (b) Exportação (c) Consumo aparente % Importação no


(d)=(a)+(b)-(c) consumo (a)/(d)

Sulfato de amônio 1.538.301 264.300 5.282 1.797.319 86

Ureia 2.510.214 814.762 10.202 3.314.774 76

Nitrato de amônio 962.872 250.753 1.213.625 79

SSP 312.533 5.033.885 8.581 5.337.837 6

TSP 971.916 886.208 9.914 1.848.210 53

MAP 1.142.536 1.047.536 1.866 2.188.206 52

DAP 367.990 2.486 365.504 101

Cloreto de potássio 6.133.985 664.214 21.082 6.777.117 91

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANDA.

A situação atual no mercado de fertilizantes brasileiros, que vem experimen-


tando elevações no consumo e baixa capacidade de produção interna, aumenta
a vulnerabilidade do país, deixando-o exposto às variações na taxa de câmbio e
preços no mercado internacional, além de outras conjunturas econômicas. Para que
esse quadro seja revertido, são necessários investimentos na produção e na infraes-
trutura logística, que serão discutidos mais à frente.

Organização industrial e competitividade

No Brasil, as primeiras fábricas de fertilizantes surgiram em 1940. Até o início da


década de 1960, as importações atendiam à demanda interna de matérias-primas.

7
Consumo aparente = produção + importação - exportação
42 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A partir de 1970, foi implementado o I Plano Nacional de Fertilizantes, quando se


iniciou uma nova fase com incentivos do governo. Nos anos 1990 ocorreu a primei-
ra privatização do setor.
No segmento de fertilizantes, assim como na indústria petroquímica, vêm ocor-
rendo movimentos de fusões e aquisições. Depois da abertura do mercado na dé-
cada de 1990, observou-se a entrada de diversos grupos multinacionais para atuar
no segmento por meio da aquisição de pequenas empresas nacionais, iniciando um
movimento de concentração. Em 2010, ocorreu o último e maior caso de aquisição
na indústria nacional de fertilizantes com a ampliação de atuação da Vale no setor.
A empresa adquiriu a Fosfértil e outros ativos da Bunge na área de matérias-primas
para fertilizantes, criando a Vale Fertilizantes, uma gigante do setor. A Vale tam-
bém mantém projetos e operações na área de fertilizantes na Argentina, Peru,
Moçambique e Canadá.
A reestruturação observada é uma resposta ao maior dinamismo da indústria,
em que o controle de fontes de matérias-primas (disponibilidade e custo) e o aces-
so a mercados exigem maiores escalas de planta e porte das empresas, bem como
integração vertical.
No Brasil, apenas quatro empresas têm acesso às matérias-primas básicas para
a produção dos fertilizantes básicos e intermediários. A Petrobras é a única forne-
cedora de gás natural como matéria-prima para a indústria e a principal produtora
de amônia destinada à produção de fertilizantes, dividindo o mercado com a Vale
Fertilizantes. A Vale Fertilizantes é a grande produtora de rocha fosfática no Brasil,
com participação menor de Galvani e Copebrás. No que diz respeito ao potássio, a
Vale explora reservas localizadas em Sergipe. No Amazonas, a Petrobras detém di-
reito de exploração de lavras de grandes reservas, porém em razão principalmente
de questionamentos ambientais, não há definição para iniciar as explorações. Não
há no Brasil produção de enxofre para uso como fertilizante, 100% do enxofre uti-
lizado é importado.
O Quadro 1 mostra as principais empresas do setor nas fases de produção de
matérias-primas e das Fórmulas NPK.
Química 43

Quadro 1 Principais empresas produtoras, de acordo com o produto

N P K
Matérias-primas Ureia/Nitrato MAP/DAP TSP SSP Cloreto de NPK misturadoras
básicas de amônio potássio

Petrobras Petrobras Vale Vale Heringer Vale Heringer

Vale Vale Copebrás Copebrás Galvani Bunge

Copebrás Timac Agro Copebrás Mosaic

Galvani Yara Yara Brasil Yara

Timac Agro Fertipar

Fospar Outros

Cibrafértil

Bunge

Profertil

Vale

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do 1º Congresso Brasileiro de Fertilizantes.

No caso de fabricação de fertilizantes básicos e intermediários, o número de


empresas produtoras varia de acordo com o tipo de fertilizante. Para os nitroge-
nados, existem somente três empresas responsáveis pela produção. São elas Petro-
bras, Vale e Proquigel, que produz sulfato de amônio. Na cadeia de fertilizantes
fosfatados, o número de empresas produtoras já é maior, chegando a dez para o
SSP. Quanto ao cloreto de potássio, o mercado é altamente concentrado, havendo
somente a Vale como produtora.
No setor de mistura, responsável pelas formulações finais de NPK, estima-se
que existam cerca de cem misturadores8 no Brasil. Por ser um processo mais simples
e por causa da facilidade de importação de matérias-primas e fertilizantes inter-
mediários, a concorrência no setor é maior. Contudo, deve-se ressaltar que grandes
grupos, como Bunge, Mosaic, Heringer e Yara, têm grandes participações nas ven-
das, que chegam a 70%. Além disso, como lembrado por Saab e Paula, há grupos
das indústrias de fertilizantes que também controlam ou são sócios das Trandings
Companies que comercializam os grãos. Dessa forma, os produtores rurais ficam
com pouca margem de manobra, já que são clientes nas duas pontas.

8
Número obtido em entrevistas na ANDA com especialistas no setor.
44 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

As maiores margens de lucro encontram-se no começo da cadeia, durante a


etapa de produção de fertilizantes básicos e intermediários. Os misturadores de
fertilizantes trabalham com uma margem muito pequena, por volta de 5%, já que
a concorrência é grande e o produto não apresenta diferenciação, competindo
em preço.

Preços

Os fertilizantes são commodities, sendo seu preço determinado pelo mercado in-
ternacional. São variáveis relevantes na formação de preço nacional dos fertili-
zantes o custo da matéria-prima, o custo do transporte marítimo, custos portuá-
rios, tributos externos e internos, e custo de transporte até os centros produtores
[Saab e Paula (2008)].
Os preços internacionais dos fertilizantes revelaram uma trajetória ascendente
até o ano de 2007, ocorrendo uma intensa alta no ano de 2008. Os elevados preços
foram resultado da grande expansão no mercado agrícola, que exerceu pressão
sobre o mercado de fertilizantes e consequentemente sobre os preços. O acelerado
crescimento das economias da China e da Índia aumentou o consumo de fertilizan-
tes e, como a oferta mundial é concentrada em poucos países produtores e limitada
por conta do alto custo do investimento e dotação de recursos naturais, houve re-
flexo no aumento de preços. Além disso, o petróleo e derivados que servem como
insumos para o setor também experienciaram elevação de seus preços.
No ano de 2009, a crise financeira mundial causou impacto sobre diversas
commodities minerais, incluindo os fertilizantes. Além disso, no mercado mundial,
também houve uma queda na demanda por commodities agrícolas, reduzindo a
procura por fertilizantes. Tal fato levou os produtores a utilizarem os estoques de
fertilizantes formados no período de alta, reduzindo ainda mais o preço. Recen-
temente, com a recuperação da demanda no mercado agrícola global, observa-se
novamente uma alta na demanda por fertilizantes, causando um movimento as-
cendente nos preços. No Gráfico 16, são exibidos os preços internacionais de alguns
fertilizantes básicos e suas matérias-primas.
Química 45

Gráfico 16 Preços internacionais de fertilizantes (DAP, rocha fosfática, cloreto de


potássio, TSP e ureia), 2000 a 2011 (preços em US$/TON)

1.200

1.000

800
US$/TON

600

400

200

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

DAP Rocha fosfática Cloreto de potássio TSP Ureia, E. Europe, bulk

Fonte: World Databank.

Os preços nacionais dos fertilizantes acompanharam o comportamento obser-


vado no mercado mundial, conforme mostrado no Gráfico 17, com base no Índice
de Preços ao Produtor – Fertilizantes, em que os preços foram calculados pela Fun-
dação Getulio Vargas (FGV).
Os custos com fertilizantes representam cerca de 20% dos gastos totais do pro-
dutor rural na lavoura, porém esse número pode variar com a cultura e estado. A
relação de troca entre fertilizantes e produtos agrícolas, que reflete a quantidade de
produto agrícola necessária para adquirir uma tonelada de fertilizante, é também
uma forma de precificação. Segundo dados da ANDA, na última década, o ano de
2008 foi aquele em que as relações de troca estiveram menos favoráveis aos agricul-
tores, indo ao encontro da alta observada nos preços de fertilizantes a partir de 2007.
Em alguns casos, como o da cana-de-açúcar, essa relação mais que dobrou. Os produ-
tores rurais, em 2008, mesmo recebendo preços relativamente bons por seus grãos,
precisaram vender maior quantidade de sua produção para adquirir uma tonelada
de fertilizante. Como pode ser observado na Tabela 4, a partir de 2009, a situação
tende a se normalizar e os produtores passam a ter uma situação mais favorável.
46 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 17 Índice de Preço ao Produtor IPP – Fertilizantes, 2000-2011 (jan. 2000 = 100)

300

250

200

150

100

50

0
jan. 2000 jan. 2001 jan. 2002 jan. 2003 jan. 2004 jan. 2005 jan. 2006 jan. 2007 jan. 2008 jan. 2009 jan. 2010 jan. 2011

Fonte: FGVDados.

Tabela 4 Relações de trocas de fertilizantes e produtos agrícolas, 2000-2010

Produto Unidade 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Algodão
com caroço 15 kg 42,0 42,3 33,4 37,1 42,1 39,7 47,2 71,5 58,5 48,2 42,4

Arroz em casca Saca de 60 kg 23,3 24,2 21,3 18,4 20,4 22,8 22,3 24,9 32,9 20,6 23,8 38,9

Batata-inglesa Saca de 60 kg 9,2 11,6 12,7 16,9 11,4 11,4 13,8 19,5 9,8 12,5 28,8

Café arábica Saca de 60 kg 2,2 3,7 4,0 3,7 3,6 2,7 2,6 3,0 4,4 3,8 3,0 2,3

Cana-de-açúcar TONELADAS 18,9 17,2 18,4 20,4 26,7 21,9 15,9 19,8 36,3 27,3 21,9 19,2

Feijão Saca de 60 kg 6,9 5,6 5,2 5,7 8,1 7,1 7,0 7,7 6,2 6,2 6,5 10,8

Laranja Caixa de 40,8 kg 45,5 39,3 45,5 63,8 65,2 48,0 59,7 79,3 94,8 48,9 75,6

Milho Saca de 60 kg 27,7 42,1 30,8 32,7 41,7 40,1 39,3 37,9 51,0 47,4 48,9 43,3

Soja Saca de 60 kg 18,9 18,8 15,6 15,5 17,3 19,6 20,4 20,6 26,3 19,4 25,3 24,2

Trigo Saca de 60 kg 27,1 21,5 21,7 29,3 30,7 28,0 26,5 37,8 33,4 34,5 41,4

Fonte: ANDA.

Como o Brasil é um grande importador de fertilizantes, a formação do preço


interno também sofre influência do frete marítimo. O frete custa em média US$ 40,
cerca de 10% a 15% do preço do fertilizante. Além do frete marítimo, há incidência
de custos portuários sobre o preço final de fertilizantes, como Adicional ao Frete
Química 47

para Renovação da marinha mercante (aFRmm), que representa tarifa de 25% co-
brada sobre o valor do frete, demurrage e outras despesas portuárias.
adicionalmente, o setor paga alíquota de 2% de compensação Financeira pela
Exploração de Recursos minerais (cFEm), que incide sobre o valor final da receita
total depois da venda do produto, cobrado pelo Departamento Nacional de Produ-
ção mineral (DNPm) pela lavra de recursos minerais nos municípios brasileiros, do
qual parcela de arrecadação destina-se às prefeituras [Brasil (2011)].
Todas as alíquotas de importação para fertilizantes estão zeradas, constando
na Lista de Exceção da TEc (Tarifa Externa comum). Tal fato facilita ainda mais a
importação de fertilizantes e intermediários e é visto como uma barreira ao inves-
timento nacional pelos representantes do segmento. No que se refere a tributos
internos, o setor é isento de iPi, e as alíquotas da contribuição para o PiS/Pasep
e a confins incidentes sobre a importação e receita bruta de vendas no mercado
interno de fertilizantes foram reduzidas a zero. com relação ao icmS, vigoram a
base de cálculo reduzida de 30% nas operações interestaduais, o diferimento nas
operações internas nos principais estados consumidores (mG, GO, mT, mS e PR) e a
isenção nas operações no estado de São Paulo a partir de 1995 [Lafis (2011)].

4. TEnDênC i A S D O S E T OR D E f E RT iL iZ An TES
creScimento do mercado e balanço de oFerta e demanda

De acordo com estimativas da Organização das Nações unidas (ONu), em 2050 a pro-
jeção é de que a população mundial seja de 9,3 bilhões de pessoas, podendo alcançar
10,6 bilhões caso não ocorra a redução prevista da taxa de natalidade dos países mais
populosos (uNFPa).9 além de crescer, a população estará em um mundo mais rico,
alimentando-se de uma dieta mais farta. Esses fatores alertam para a necessidade
de produção de alimentos capaz de atender à demanda crescente. Segundo maté-
ria publicada no Valor Online, em 9 de fevereiro de 2012, a Food and agriculture

9
state of World population (2011).
48 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Organization (FAO) aponta a necessidade de um aumento de 60% na produção glo-


bal de alimentos até 2050, tanto para uso alimentar como para a produção de bio-
combustíveis. As terras disponíveis para agricultura no mundo são poucas e situadas
basicamente na América do Sul e nas savanas africanas. Dessa forma, o aumento na
oferta de alimentos passa principalmente por redução do desperdício e elevação da
produtividade, tendo o fertilizante um papel fundamental nesse ponto.
De acordo com dados da IFA/ANDA expostos no 1° Congresso Brasileiro de Fer-
tilizantes, em 2011, o consumo mundial de fertilizantes deverá ultrapassar 200 Mt
em 2015 e crescer, em média, 3% a.a. até 2018, como pode ser visto no Gráfico 18.
O crescimento será fomentado principalmente por países em desenvolvimento,
como o Brasil, que deve elevar seu consumo em 5% a.a.

Gráfico 18 Projeção do consumo de fertilizantes até 2019 (em nutrientes)

240

.
CONSUMO DE FERTILIZANTES EM MILHÕES DE TONELADAS

A.A
3%
200

160

120

80

40

0
61 73 83 89 92 95 98 ‘01 ‘04 ‘07 10 13 16 19

K2O P205 N

Fonte: IFA/ANDA.

Segundo projeções do Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento


(Mapa),10 a produção de grãos no Brasil (soja, milho, trigo, arroz e feijão) deverá pas-
sar de 142,9 milhões de toneladas em 2010-2011 para 175,8 milhões em 2020-2021,

10
Projeções do agronegócio para 2010-2011-2020-2021.
Química 49

o que representa um aumento de 23%. De acordo com o trabalho, o crescimento da


produção agrícola no Brasil deve continuar acontecendo com base na produtividade.
Os resultados revelam maior acréscimo da produção agropecuária que os acréscimos
de área. As projeções indicam que, entre 2011 e 2021, enquanto a produção de grãos
(arroz, feijão, soja, milho e trigo) deve aumentar 23%, a área plantada deverá expan-
dir-se somente 9,5%. Novamente, tais projeções corroboram o entendimento de que
o aumento na oferta de alimentos passa principalmente por redução do desperdício
e elevação da produtividade, tendo o fertilizante um papel fundamental.
Na próxima figura é apresentado o Balanço de Oferta e Demanda de Nitrogê-
nio até 2016 [ANDA (2011)]. Estima-se um aumento acumulado da demanda de
21% em relação a 2010, ou 3% a.a. A produção deve se elevar em virtude do au-
mento previsto de capacidade de produção de nutrientes, principalmente em razão
de projetos da Petrobras que serão detalhados mais à frente. Dessa forma, a par-
ticipação das importações, que era de mais de 70%, deve cair para cerca de 32%.

Gráfico 19 Balanço de oferta e demanda de nitrogênio, 1990-2016 (em milhões de


toneladas de nutriente – N)

4,0 PREVISÃO

DEMANDA
3,0

2,0

IMPORTAÇÃO
1,0

PRODUÇÃO

0,0
90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16

Fontea: ANDA e Agroconsult.


Nota: Estimativa de 2011 a 2016.
50 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 20 Balanço de Oferta e Demanda de Fósforo, 1990-2016, (Em milhões de toneladas


de nutriente – P 2O 5)

PREVISÃO
5,0

DEMANDA
4,0

3,0

IMPORTAÇÃO

2,0

1,0
PRODUÇÃO

0,0
90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16

Fonte: ANDA e Agroconsult.


Nota: Estimativa de 2011 a 2016.

Gráfico 21 Balanço de oferta e demanda de potássio, 1990-2016 (em MILHÕES DE TONELADAS


de nutriente – K 2O)

6,0 PREVISÃO

5,0

DEMANDA
4,0

3,0

2,0 IMPORTAÇÃO

1,0

PRODUÇÃO
0,0
90 92 94 96 98 00 02 04 06 08 10 12 14 16

Fontes: ANDA e Agroconsult.


Nota: Estimativa de 2011 a 2016.
Química 51

No que se refere ao fósforo, calcula-se uma elevação de 4% a.a. no consumo


até 2016. A produção de P2O5 também deverá ter um incremento em sua capaci-
dade produtiva, o que deve reduzir a participação das importações na oferta para
apenas 12%. Os projetos previstos para fosfatados são liderados principalmente
pela Vale Fertilizantes e serão discutidos em seção específica.
Em relação ao potássio, espera-se para 2016 um crescimento na demanda de
27% em relação ao observado em 2010, o equivalente a 4% a.a. Estima-se a concre-
tização de novo projeto de investimento da Vale Fertilizantes, aliviando a depen-
dência externa, que hoje é superior a 90% e deve passar a 77%.

Gargalos e desafios do setor

Para que a indústria brasileira de fertilizantes seja competitiva e capaz de atender


às demandas que surgirão do agronegócio, será necessário vencer alguns desafios
e destravar alguns gargalos do setor. Estes passam por: melhora da balança comer-
cial, por meio do aumento da produção; investimentos em infraestrutura portuária
e logística para reduzir perdas e custos; solução das questões tributárias que hoje
favorecem o fertilizante importado; discussão de um novo marco regulatório para
o setor; e incentivo a maiores investimentos em inovação.
Como já discutido na seção anterior, a indústria de fertilizantes brasileira é al-
tamente dependente das importações, deixando o país vulnerável às variações de
câmbio, preços e outros eventos externos que possam vir a afetar o fornecimento
no país. A maneira mais direta de reduzir a dependência é por meio da elevação
da produção nacional de fertilizantes. No entanto, essa questão passa pela dispo-
nibilidade de matérias-primas, que é restringida pela dotação de recursos minerais.
A matéria-prima para os fertilizantes nitrogenados é o gás natural, que no
Brasil é fornecido pela Petrobras. O preço do gás natural, que varia de acordo com
o preço do petróleo, é elevado no país em relação a outras regiões do mundo,
tornando o país menos competitivo. Com a recente descoberta do pré-sal, há gran-
des perspectivas de elevação na produção de gás natural que poderá ser direcio-
nado à indústria de fertilizantes, tornando a situação brasileira mais confortável.
52 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Contudo, é necessária a formulação de uma política de utilização do gás natural


como matéria-prima. Já há investimentos em andamentos, que serão detalhados
adiante, sendo realizados nessa área.
A dependência externa no caso do fósforo não é difícil de reverter. De acor-
do com o DNPM,11 as reservas no Brasil são de 273 milhões de toneladas de rocha
fosfática e estão concentradas principalmente no estado de Minas Gerais. Diversos
projetos estão surgindo na região. Há ainda outras áreas potenciais para abertura
de minas, porém questões ambientais inviabilizam a exploração.
A situação do potássio é a mais delicada. Há as reservas hoje exploradas em Ta-
quari-Vassouras (SE) pela Vale, porém estas só são capazes de atender a cerca de 10%
do consumo interno. Existem enormes reservas na região de Nova Olinda do Norte,
no Amazonas, que podem chegar a novecentos milhões de toneladas, contudo não
se sabe se estas são economicamente viáveis, em virtude das questões logísticas, am-
bientais e de custo de extração, e, portanto, não há previsão de início de exploração.
Os projetos de exploração de potássio e fósforo muitas vezes são retardados
por conta da exigência de especificações técnicas para a exploração das jazidas e o
processo de obtenção da Licença Ambiental.
Apesar da necessidade de elevação da produção nacional, o país continuará
dependendo do fornecimento externo para atender à demanda da agricultura.
Portanto, para reduzir o preço final dos fertilizantes é preciso ainda realizar
investimentos em infraestrutura, principalmente portos, rodovias e sistemas de
armazenagem e distribuição. Uma grande queixa do setor diz respeito aos ele-
vados custos portuários e à demora na descarga de fertilizantes, elevando os pa-
gamentos de demurrage. De acordo com entrevista de David Roquetti, diretor
executivo da ANDA, ao jornal Valor Econômico, em 26 de setembro de 2011, um
navio que fica parado no porto tem um custo diário de R$ 60 mil. Além disso,
nos meses em que se concentram as importações, período que vai de agosto a
novembro, o preço do frete interno também apresenta grande elevação, preju-
dicando os produtores.

11
Sumário Mineral 2011 – Fosfato.
Química 53

A questão tributária também merece atenção. Hoje o setor alega que a alíquo-
ta de ICMS sobre a produção local, que varia de 4,9% a 8,4%, torna os produtos
nacionais menos competitivos que os importados. As vendas interestaduais das in-
dústrias locais são tributadas, enquanto as importações são isentas. Logo, resolver
essa questão poderia destravar investimentos, incentivando a produção interna e
aumentando a competitividade do setor.
Estão sendo elaborados pelo governo três projetos de lei para reformular o mar-
co regulatório do setor de mineração, que engloba o setor de fertilizantes. Um dos
objetivos é redesenhar o sistema de arrecadação dos royalties da mineração, que
ocorre por meio do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração de Re-
cursos Minerais (CFEM). A ideia é taxar menos os minerais usados na construção civil e
mais aqueles que, hoje, são exportados com pouca agregação de valor. Para o grupo
de fertilizantes, o governo planeja uma redução da alíquota, que hoje é de 2%. Os
outros dois pontos abordados na política de governo referem-se à instituição de um
novo Código de Mineração, com as novas regras de concessão e lavra, e a criação de
uma Agência Nacional de Mineração (ANM), que fará a fiscalização e o recolhimento
da CFEM, de acordo com Valor Econômico, em 29 de agosto de 2011.
Por fim, um grande desafio é aumentar a inovação nessa indústria. O setor não
tem uma tradição inovadora, contudo existem pesquisas iniciais para a produção de
fertilizante organomineral e para a utilização de polímeros. De acordo com Ali Aldersi
Saab, pesquisador de fertilizantes da Embrapa e coordenador do Plano Nacional de
Fertilizantes em 2009, esses dois tipos de fertilizantes trazem mais qualidade e menos
perdas. O polímero encapsula o fertilizante, reduzindo problemas com a lixiviação.
Segundo ele, polímeros como o de nitrogênio diminuem em até 50% a perda do
mineral. No entanto, são necessárias mais iniciativas de pesquisa para entender o
comportamento e eficácia desses novos tipos de fertilizantes [Revista Plantar (2012)].

Oportunidades e perspectivas de investimentos

Por ser a indústria de fertilizantes um segmento estratégico para o país e em fun-


ção das preocupações dos últimos anos com a inflação de alimentos, segurança
54 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

alimentar e questões ambientais, vêm ocorrendo estímulos do governo para que


novos investimentos sejam iniciados. Tal atitude está surtindo efeito, já que diver-
sos projetos novos ou ampliação de outros já existentes vêm sendo anunciados e,
caso sejam concretizados, aumentarão a produção nacional, diminuindo a depen-
dência externa brasileira. De acordo com o jornal Valor Econômico, em 19 de março
de 2012, os investimentos em andamento, liderados por Vale e Petrobras, deverão
somar US$ 13 bilhões até 2016, segundo informações da ANDA. São previstos pela
IFA US$ 88 bilhões de investimentos globais para o período, representando os in-
vestimentos brasileiros 15% do total.
A Vale está com um plano de investimentos bem contundente. A meta da com-
panhia é passar da 14ª para a quinta posição no mercado mundial de potássio e
rocha de fosfato, investindo cerca de US$ 15 bilhões até 2020 [Estadão (2011)].
Para os nitrogenados, a Petrobras deu início aos investimentos em sua terceira
planta, que produzirá amônia e ureia em Três Lagoas. A Unidade de Fertilizantes
Nitrogenados (UFN III) terá capacidade para produzir 1,2 milhão de toneladas de
ureia e cerca de setecentas mil toneladas de amônia por ano. Além da UFN III, a
Petrobras tem ainda outros dois projetos na área: UFN IV, em Linhares (ES) e UFN V,
em Uberaba (MG). Ambos os projetos estão ainda em fase de estudo e não têm
previsão de data para entrar em operação. Estima-se para as duas plantas uma
elevação na capacidade de produção de novecentas mil toneladas de amônia e
setecentas mil toneladas de ureia. A Vale também tem projetos na área e pretende
instalar até 2016 uma nova unidade de produção de ácido nítrico para suportar o
crescimento do segmento de nitrogenados químicos.
Quanto aos fertilizantes fosfatados, diversos projetos estão anunciados, e,
caso sejam realizados, tornarão o país praticamente autossuficiente nesse tipo
de nutriente. Há projetos na Serra do Salitre da Galvani (MG) e em Arraias (TO),
da MBAC, com previsão de produção de quatrocentas mil toneladas de con-
centrado fosfático e quinhentas mil toneladas de SSP, respectivamente. A Vale
Fertilizantes tem um dos maiores projetos na área, chamado Projeto Salitre,
localizado em Patrocínio, Minas Gerais. Estima-se a produção de 2,2 milhões de
toneladas métricas por ano de rocha fosfática e a construção de um complexo
Química 55

industrial com capacidade estimada em 1,2 milhão de toneladas métricas por


ano de fertilizantes fosfatados [Vale (2011)].
No caso do potássio, foi formalizado o arrendamento à Vale, por mais trinta
anos, de uma jazida que a Petrobras tem em Maruim (SE), o que vai permitir a
extração de carnalita e a produção do cloreto de potássio. O investimento no
empreendimento é estimado em R$ 4 bilhões, com início da operação em 2016.
A Vale já produz entre seiscentas mil e setecentas mil toneladas de cloreto de
potássio ao ano em Sergipe, também em uma mina arrendada da Petrobras,
garantindo cerca de 10% do consumo nacional. Segundo o jornal Valor Econô-
mico, em 23 de abril de 2012, a previsão é de que o Projeto Carnalita traga um
adicional de 1,2 milhão de toneladas por ano na produção de potássio do Ser-
gipe, o que deve permitir uma economia de US$ 17 bilhões em importações do
insumo ao longo de 29 anos.
Como mencionado anteriormente, na Amazônia existem enormes reservas de
potássio, porém de difícil extração. Contudo, algumas empresas como a Potássio
do Brasil estão estudando essas possibilidades e, se confirmadas as novas reser-
vas, a companhia estima trabalhar com o desenvolvimento de uma mina capaz de
produzir anualmente 2 milhões de toneladas de potássio, com investimentos que
podem alcançar 4,5 bilhões de dólares. De acordo com Valor Econômico, em 31 de
janeiro de 2012, outros projetos de investimentos utilizando fontes alternativas de
potássio têm sido estudados, como o da empresa Verde Fertilizantes, que pretende
investir US$ 654 milhões em sua mina de potássio em Minas Gerais, com capacidade
de produção inicial de seiscentas mil toneladas, segundo um estudo preliminar. A
empresa vai beneficiar a rocha verdete para a produção de cloreto de potássio.
Além da previsão de investimentos no Brasil, a Vale Fertilizantes tem tam-
bém projetos e operações na área de fertilizantes na Argentina, Peru, Moçam-
bique e Canadá. O projeto da Argentina, denominado Rio Colorado, é para ob-
tenção de potássio. Orçado em US$ 5,9 bilhões é um dos maiores investimentos
da companhia, que estima a capacidade inicial de 2,1 milhões de toneladas de
potássio por ano, com previsão de expansão para 4,3 milhões de toneladas [O
Estado de São Paulo (2012)].
56 BNDES 60 aNOS – PERSPEcTiVaS SETORiaiS

5. C O nC L US Ã O
No Brasil, a indústria química vem tendo importante participação no PiB e na pro-
dução da indústria de transformação, servindo como fornecedora de insumos para
uma série de outras indústrias. No entanto, sua produção, que é concentrada prin-
cipalmente em commodities, vem experimentando uma trajetória constante nos úl-
timos anos, não acompanhando o crescimento do mercado interno. Sendo assim,
as importações de produtos químicos têm aumentado ano a ano e respondido por
uma parcela cada vez maior do consumo nacional. O déficit comercial no setor atin-
giu elevados valores, aumentando a vulnerabilidade externa do país.
um dos principais segmentos responsáveis pelo déficit comercial da indústria
química é o setor de fertilizantes. O segmento representa cerca de um terço do
déficit, e o fertilizante cloreto de potássio é o item que vem apresentado maior im-
portação na pauta. a dependência externa desse produto chega a 90%. O agrone-
gócio brasileiro, que corresponde à cerca de 23% do PiB, tem uma correlação forte
com o setor, já que o aumento da produção de grãos para atender à população e
à demanda por biocombustíveis passa principalmente por uma elevação de produ-
tividade da terra, que pode ser obtida com a utilização correta dos fertilizantes.
Dessa forma, este é um segmento estratégico para o país e merece maior atenção.
Para impedir a eclosão de déficits comerciais cada vez maiores na indústria quí-
mica, investimentos expressivos no setor de fertilizantes serão exigidos nos próxi-
mos anos, em função do crescimento projetado para a produção de grãos (soja,
milho, trigo, arroz e café) brasileira, da ordem de 23% até 2020. Esse crescimento
deverá ser baseado na produtividade, já que a área plantada deverá expandir-se
somente em 9,5%. Os investimentos deverão englobar a adição de capacidade em
fertilizantes, para reversão da tendência ascendente das importações, ainda que
para sua viabilização sejam exigidas medidas de política industrial.
Existem no momento diversos projetos anunciados para fertilizantes fosfatados e
nitrogenados, que, caso executados, serão capazes de reduzir a dependência externa
brasileira. as amplas perspectivas abertas pelo pré-sal poderão elevar a disponibili-
dade de gás natural, utilizado como matéria-prima para fabricação de nitrogenados,
Química 57

embora ainda seja necessária uma política de utilização para uso do gás natural como
matéria-prima, de modo a elevar a competitividade da indústria brasileira no plano
mundial. No caso de fertilizantes à base de potássio a situação é mais delicada, pois
apesar de grandes reservas confirmadas no Amazonas, a dúvida quanto a viabilidade
econômica e questões ambientais vem adiando o início da exploração.
Além disso, o aproveitamento de fontes alternativas de potássio também vem
sendo avaliado por algumas empresas. O setor não tem um caráter muito inovador,
contudo existem pesquisas iniciais para a produção de fertilizante organomineral
e o uso de polímeros, que poderão reduzir as perdas com lixivação, melhorando o
aproveitamento dos fertilizantes.
Para incentivar ainda mais investimentos no setor é necessário resolver alguns
gargalos. Problemas com infraestrutura portuária e de armazenamento, assim como
questões tecnológicas, regulatórias, tributárias e ambientais merecem destaque e
necessitam da formulação de uma política específica. O governo lançou recente-
mente o Plano Brasil Maior, que avaliará medidas importantes de desoneração dos
investimentos e das exportações para iniciar o enfrentamento da apreciação cam-
bial, de avanço do crédito e aperfeiçoamento do marco regulatório da inovação, de
fortalecimento da defesa comercial e ampliação de incentivos fiscais e facilitação
de financiamentos para agregação de valor nacional e competitividade das cadeias
produtivas. O Plano contempla diversos setores, e um deles é a indústria química,
devendo o segmento de fertilizantes fazer parte dessa agenda de discussão.
O BNDES, além de apoiar projetos de investimentos, também participa de for-
ma ativa na formulação de políticas econômicas, fomentando e apoiando o cresci-
mento de uma estrutura produtiva diversificada, sustentável e competitiva. Desta
forma, o banco pode desempenhar um importante papel ajudando na construção
de uma política para o setor de fertilizantes.

R e f er ênc i as
ANDA – Associação Nacional para Difusão de Adubos. Anuário Estatístico do Setor de
Fertilizantes. São Paulo, 2010.
58 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

______. 1° Congresso Brasileiro de Fertilizantes. 2011. Disponível em: <http://www.


anda.org.br/index.php?mpg=06.10.00&ver=por>. Acesso em: 10 abr. 2012.

Análise Setorial – Fertilizantes. Lafis Informação de Valor. São Paulo, ago. 2011.

Brasil. Ministério da Fazenda. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE).


Panorama do mercado de fertilizantes. Mai. 2011, p. 8-33.

Cenário de fertilizantes no Brasil. Revista Plantar. 16 abr. 2012. Disponível em: <http://
www.revistaplantar.com.br/cenario-de-fertilizantes-no-brasil/>. Acesso em: 24 abr. 2012.

Consumo de adubos cresce duas vezes a média mundial. Valor Econômico. 26 set.
2011. Disponível em: <http://www.valor.com.br/impresso/fertilizantes/consumo-de-
adubos-cresce-duas-vezes-media-mundial>. Acesso em: 24 abr. 2012.

Demanda global por fertilizantes segue firme. Valor Econômico. 19 mar. 2012.
Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/2575660/demanda-global-por-
fertilizantes-segue-firme>. Acesso em: 24 abr. 2012.

Dias, V. P.; Fernandes, E. Fertilizantes: uma visão global sintética. BNDES Setorial,
n. 24, p. 97-138. Rio de Janeiro: BNDES, 2006.

DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral. Sumário Mineral 2011 –


Fosfato. Brasília, 2011.

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations. Current world
fertilizer trends and outlook to 2011/12. Roma, Itália, 2008.

Grupo Galvani. Galvani amplia o projeto Serra do Salitre. Informativo do Grupo


Galvani, n. 52, nov./dez. 2011. Disponível em: <http://www.galvani.ind.br/pdfs/
raizes-52-final_baixa.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2012

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa da Indústria Anual. IBGE, 2009.

Saab, A. A.; Paula, R. A. O mercado de fertilizantes no Brasil – diagnóstico e


proposta de políticas. Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa), 2008.
Química 59

UNFPA – United Nations Population Fund. State of world population 2011. Disponível
em: <http://www.unfpa.org/public/op/preview/home/sitemap/swp2011>. Acesso
em: 20 abr. 2012.

União quer taxa maior para minério bruto. Valor Econômico. 29 ago. 2011.
Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/990688/uniao-quer-taxa-maior-
para-minerio-bruto>. Acesso em: 24 abr. 2012.

Vale diz agora olhar com ‘viés positivo’ projeto na Argentina. O Estado de São
Paulo, São Paulo, 4 mai. 2012. Disponível em: <http://clippingmp.planejamento.
gov.br/cadastros/noticias/2012/5/4/vale-diz-agora-olhar-com-vies-positivo-projeto-
na-argentina>. Acesso em: 7 mai. 2012.

Vale e Petrobras formalizam acordo para explorar potássio em Sergipe.


Valor Econômico. 23 abr. 2012. Disponível em: <http://www.valor.com.br/
empresas/2628210/vale-e-petrobras-formalizam-acordo-para-explorar-potassio-
em-sergipe>. Acesso em: 24 abr. 2012.

Vale planeja investimentos de US$ 15 bi em fertilizantes até 2020. O Estado de São


Paulo, São Paulo, 28 set. 2011. Disponível em: <http://advivo.com.br/blog/paulo-
cezar/fertilizantes-movimentam-gigantes>. Acesso em: 24 abr. 2012.

Vale pretende investir US$ 15 bilhões em fertilizantes até 2020. Vale. 29 set. 2011.
Disponível em: <http://200.225.83.183/pt/release/interna.asp?id=21085>. Acesso
em: 24 abr. 2012.

Verde Fertilizantes planeja investir US$ 654 milhões em MG. Valor Econômico.
31 jan. 2012. Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/2512098/verde-
fertilizantes-planeja-investir-us-654-milhoes-em-mg>. Acesso em: 24 abr. 2012.

Sites consultados

Abiquim – Associação Brasileira de Indústria Química – <www.abiquim.com.br>.

ANDA – Associação Nacional para Difusão de Adubos – <www.anda.org.br>.


60 BNDES 60 aNOS – PERSPEcTiVaS SETORiaiS

BaNcO muNDiaL – <www.worldbank.org>.

cONaB – cOmPaNHia NaciONaL de aBaSTEcimENTO – <www.conab.gov.br>.

DNPm – DEPaRTamENTO NaciONaL DE PRODuçãO miNERaL – <www.dnpm.gov.br>.

FaO – FOOD aND aGRicuLTuRE ORGaNizaTiON – <www.fao.org.br>.

iBGE – iNSTiTuTO BRaSiLEiRO DE GEOGRaFia e ESTaTíSTica – <www.ibge.gov.br>.

iFa – iNTERNaTiONaL FERTiLizER iNDuSTRY aSSOciaTiON – <www.fertilizer.org>.

maPa – miNiSTÉRiO Da aGRicuLTuRa, PEcuÁRia e aBaSTEcimENTO – <www.agricultura.gov.br>.

mBac – <www.mbacfert.com>.

VaLE FERTiLizaNTES – <www.valefertilizantes.com>.


Artur Yabe Milanez
Diego Nyko**

* Este artigo recupera e aprofunda a discussão desenvolvida em milanez, Cavalcanti e Faveret Filho apud Além e giambiagi (2010).
** respectivamente, gerente e economista do Departamento de biocombustíveis da área industrial do bnDES. os autores
agradecem os comentários da equipe da área de Pesquisa Econômica (APE) da área industrial do bnDES.
BIOCOMBUSTÍVEIS 63

R ES UM O
O setor sucroenergético vem passando por mudanças significativas nas últimas dé-
cadas. Além da tradicional produção de açúcar, as empresas do setor consolidaram
em seus portfólios de produtos o etanol e a bioeletricidade. Essas transformações
tiveram como contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura
se adequar à realidade econômica setorial e nacional. O objetivo deste artigo é des-
crever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroenergético brasileiro
e, sobretudo, apresentar as diretrizes que vêm orientando a atuação do Banco e
as perspectivas para o futuro do setor. Tais diretrizes moldam a visão de futuro do
BNDES e, consequentemente, formam a base dos principais objetivos que o Banco
vem perseguindo nesse setor. Dentre eles, destacam-se o apoio à inovação e à cria-
ção de um mercado internacional do etanol.

AB S TR AC T
The Brazilian sugarcane industry has experienced significant changes in the recent
decades. Companies have consolidated, besides sugar, ethanol and bioelectricity in
their product portfolios. In turn, BNDES aims to continuously adjusting its operations
to changing economic scenarios. In order to present BNDES’ role in the Brazilian
sugarcane industry, this paper focuses on the BNDES’ main guidelines for the future
of this industry. These guidelines shape the objectives to be pursued in next years.
Among these objectives, it is important to mention the support for innovation and
for construction of an international market for ethanol.
BIOCOMBUSTÍVEIS 65

1. i nTR O DUÇ Ã O
O início da história da cana-de-açúcar no Brasil remonta aos primeiros anos de
nossa colonização, quando os canaviais destinavam-se à fabricação de açúcar para
atender às demandas do continente europeu. Apesar de secular, a cultura da cana
no Brasil vem enfrentando suas mudanças mais significativas nos últimos quarenta
anos de sua história. Nesse período, as empresas processadoras de cana deixaram
de produzir apenas açúcar e consolidaram o etanol carburante em seu portfólio de
produtos e, ainda mais recentemente, também a energia elétrica.
Entre as transformações mais importantes para o setor, foi emblemática a intro-
dução dos veículos de motores bicombustíveis (também conhecidos como veículos
flex) no mercado nacional. Estes podem usar como combustíveis gasolina ou etanol,
ou uma mistura dos dois em qualquer proporção. Disponível desde 2003, essa nova
tecnologia representou uma renovada fonte de demanda pelo etanol combustível,
cuja produção mais do que dobrou em apenas seis anos.
Ao longo desses anos, as mudanças do setor sucroenergético vêm tendo como
contrapartida mudanças na forma de apoio do BNDES, que procura se adequar à
realidade econômica setorial e nacional. Com a atenção voltada a isso, o objetivo
deste artigo é descrever o apoio do BNDES ao desenvolvimento do setor sucroener-
gético brasileiro.
O trabalho está dividido em sete seções, incluindo esta introdução. Na seção se-
guinte, faz-se uma breve descrição do passado recente do setor, com destaque para
as mudanças regulatórias que afetaram o contexto econômico desde seu surgimento.
Na terceira seção, são ressaltados os principais aspectos de sustentabilidade do
setor, com destaque para o etanol de cana-de-açúcar e a eletricidade gerada por
meio dos resíduos da cana. São exploradas as principais características que fazem
tais produtos serem considerados soluções relevantes, ainda que não exaustivas,
para a mitigação do avanço do aquecimento global.
A quarta descreve o apoio que o BNDES vem dando ao setor sucroenergético
nos últimos anos, especialmente na forma de desembolsos para projetos de amplia-
ção de capacidade produtiva.
66 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Já a quinta e a sexta seções apresentam respectivamente as principais diretrizes que


vêm orientando a atuação do Banco e as perspectivas para o futuro do setor. Tais diretrizes
moldam a visão de futuro do BNDES para o setor e, consequentemente, formam a base
dos principais objetivos que o Banco vem perseguindo. Dentre eles, destacam-se o apoio à
inovação e à criação de um mercado internacional do etanol e outras iniciativas que procu-
ram aumentar a competitividade setorial, como a criação de um programa de estocagem
e o apoio financeiro à construção de um sistema logístico de transporte de etanol.
Na sétima seção encontram-se as considerações finais.

2. A Hi S TÓ R i A R E C E n T E D O S E T OR
S UC R O EnE R G É T iC O
A produção de cana-de-açúcar é uma das atividades econômicas organizadas mais
antigas do Brasil. A despeito das vicissitudes ocorridas no decorrer da história eco-
nômica brasileira, a atividade açucareira perdurou durante os séculos e foi a gran-
de e, na maior parte dos casos, única fonte de renda de seus produtores até o últi-
mo quarto do século XX. Todavia, parte significativa da produção nacional de cana
encontrou, nos anos 1970, finalidade distinta: a produção de etanol carburante.
Na verdade e ao contrário do que por vezes se imagina, o etanol de cana-de-
-açúcar faz parte da matriz energética brasileira há quase oito décadas. O uso do eta-
nol como aditivo à gasolina foi introduzido no Brasil em 1931. Seu nível de mistura
situou-se em uma média de 7,5% até 1975, quando o primeiro choque do petróleo
exigiu uma ampliação de seu uso como meio de reduzir as importações de petróleo,
o que culminou com a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool).
Entre outras medidas, o Proálcool fixou metas de produção e paridades de pre-
ço entre o etanol e o açúcar, de forma que fosse incentivada a oferta do produto.
Em 1979, em razão de novo aumento de preços do petróleo, o Proálcool foi am-
pliado, com o estabelecimento de estímulos para o uso de etanol hidratado1 em

1
o etanol hidratado, usado como combustível substituto da gasolina, apresenta concentração de 96%. o etanol anidro, usado
como aditivo na gasolina, cerca de 99,5% de concentração, necessitando de etapas suplementares de destilação [milanez, Faveret
Filho e rosa (2008)].
BIOCOMBUSTÍVEIS 67

motores adaptados ou especialmente fabricados para tal. Como consequência, a


produção de etanol cresceu de 0,6 bilhão de litros em 1975 para quase 12 bilhões
de litros em 1985 [CGEE (2007)].
A partir de 1986, com a redução continuada dos preços do petróleo, os incen-
tivos estatais à produção e ao consumo de etanol foram sendo pouco a pouco re-
tirados, até extinguirem-se por completo em 1999. Nesse novo contexto, os preços
do etanol passaram a ser negociados livremente entre distribuidores e produto-
res. Continuou em vigor, porém, o mandato oficial de mistura do etanol anidro à
gasolina, que hoje se situa em 20%, mas já chegou a ser 25%. Assim, a produção
brasileira de etanol manteve-se estagnada até 2004, seguindo marginalmente o
crescimento da frota nacional de veículos.
Contudo, em 2003, com o advento da tecnologia de motores bicombustíveis,
criou-se um importante estímulo para o setor. Esses novos automóveis apresentaram
vendas anuais cada vez maiores. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes
de Veículos Automotores (Anfavea), a participação destes nas vendas totais de veículos
leves esteve, em média, entre 85% e 90% nos últimos três anos. Quando considerada a
participação estimada na frota circulante de veículos leves, os veículos flex já alcançam
48%. Isso representa 15,8 milhões de licenciamentos desde 2003 [Brasil (2012)].
A consequência do aumento da frota de veículos flex foi o expressivo incremen-
to da demanda por etanol que, em 2008, equiparou-se à demanda pela gasolina.
A demanda por etanol trouxe consigo aumentos constantes de produção desse
biocombustível. Enquanto, em 2002, a produção de etanol alcançou 12,6 bilhões de
litros, em 2010 esse volume foi de 28,2 bilhões de litros [ANP (2011)].
Os significativos volumes de etanol combustível consumidos pela frota flex bra-
sileira possibilitaram a utilização em larga escala da cana como insumo energético.
Os crescentes volumes de bagaço passaram a ser utilizados como insumo para a
geração e venda de energia elétrica (bioeletricidade) pelas usinas.
Esse crescimento da bioeletricidade da cana, contudo, também foi determina-
do por mudanças regulatórias importantes. Do ponto de vista histórico e com base
na organização industrial do setor elétrico brasileiro, a estrutura de monopólio
integrado verticalmente, que vigorou em boa parte do século XX, era incompatível
68 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

com a inserção da bioeletricidade na matriz elétrica brasileira, já que a competição


no segmento de geração era limitada, sem acesso aos segmentos de rede.
A partir do fim dos anos 1980, iniciou-se um processo de liberalização do setor
elétrico, com o objetivo de incitar a eficiência do setor e atrair capital para sua expan-
são. O fundamento dessas reformas era a desverticalização da indústria elétrica de
forma que fosse estimulada, por meio da garantia do acesso aos segmentos de trans-
missão e distribuição, a concorrência nos segmentos de geração e comercialização. É
importante mencionar que as reformas foram, em grande medida, viabilizadas por
inovações tecnológicas, responsáveis por reduzir as escalas mínimas de eficiência no
segmento de geração, especialmente para as termoelétricas. Essa redução da escala
permitiu maior competição naquele segmento e maior descentralização da produção
da energia elétrica, ficando mais próxima dos centros de consumo.
Assim, as reformas e ajustes do setor elétrico brasileiro ao longo das últimas
décadas, ao permitirem a competição no segmento de geração de energia elétrica e
ao regulamentarem o acesso à rede, proporcionaram as condições necessárias para
a comercialização de bioeletricidade. Como resultado, a bioeletricidade canavieira
vem ganhando cada vez mais espaço na matriz elétrica do Brasil. Todavia, apesar
desses resultados positivos, a participação da cana na matriz energética brasileira
ainda revela um nível muito aquém de seu potencial.2
Desse contexto, pode-se depreender que o setor sucroenergético cresceu de
modo expressivo durante a década passada. Em um esforço de mapeamento e
quantificação do setor, Neves, Trombin e Consoli (2009) mostram resultados bastan-
te interessantes. Segundo estimativa dos autores, o Produto Interno Bruto (PIB) do
setor sucroenergético3 em 2008 foi de cerca de US$ 24,3 bilhões (sem impostos), o
que correspondeu a 1,5% do PIB nacional. Especificamente na fabricação de etanol,
o PIB gerado foi de US$ 16,8 bilhões.
Ainda segundo o mesmo estudo, o setor contabilizou, em 2008, 1.283.258 em-
pregos formais diretos, dos quais 481.662 referiam-se ao cultivo da cana-de-açúcar,

2
Este estudo não foi atualizado até o momento e não há informações similares para anos mais recentes.
3
Estimativa calculada com base nos produtos finais: etanol, açúcar, eletricidade, levedura e aditivo e crédito de carbono.
BIOCOMBUSTÍVEIS 69

561.292 às fábricas de açúcar bruto, 13.791 ao refino e à moagem de açúcar, e


226.513 à produção de etanol. Daquele total, 54% dos funcionários tiveram seu
vínculo empregatício encerrado no fim do ano, em virtude da sazonalidade da
safra. Além disso, os autores estimam que os empregos informais no setor sejam
aproximadamente 150 mil.

3. AS PEC TO S P OS iT iV OS D O S E T OR
S UC R O EnE R G É T iC O
o eTanol de cana-de-açúcar

Como se pode depreender da seção anterior, os principais determinantes da pro-


dução brasileira de etanol foram inicialmente os choques do petróleo dos anos
1970 e, mais recentemente, a introdução dos motores bicombustíveis no mercado
nacional de automóveis.
Com relação ao petróleo, cabe salientar que diversos analistas preveem que,
por ser um recurso natural finito e por seu consumo aumentar rapidamente no
decorrer das últimas décadas, o nível de produção estaria em vias de se estabilizar
ou até mesmo decair, o que contribuiria para a manutenção de seu preço em pata-
mares elevados [Rosa (2007)].
Já no que se refere à frota de veículos flex, a consolidação dessa categoria no
mercado automotivo faz apenas os automóveis importados e os de topo de linha
serem dedicados à gasolina. Além disso, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE)
desenvolve o seguinte exercício teórico: se 93,5% das vendas de veículos leves fo-
rem de bicombustíveis, é possível projetar que, em 2017, cerca de 28 milhões de
veículos, ou 75% da frota brasileira, serão capazes de utilizar etanol [EPE (2008)].
Entretanto, apesar da importância de ambos os fatores, há que se considerar,
ainda, o papel relevante que o etanol poderá desempenhar na transformação da
economia mundial em um sistema produtivo mais sustentável do ponto de vista
econômico e, sobretudo, ambiental.
No que se refere ao pilar econômico, um aspecto relevante da sustentabilidade
do etanol de cana-de-açúcar é sua capacidade de induzir efeitos positivos a jusante
70 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

e a montante da cadeia de produção. Por seu elevado grau de adensamento produ-


tivo, o investimento na ampliação de novas usinas gera aumento correspondente da
oferta de equipamentos e máquinas, serviços de montagens e instalações, plantio,
colheita e transporte da cana-de-açúcar, entre outros efeitos.
Segundo Scaramucci e Cunha apud Cortez e Lora (2008), o processamento de
um milhão de toneladas de cana em etanol gera um aumento de R$ 171 milhões na
produção econômica e de cerca de 5,6 mil novos empregos, desde que considerados
os efeitos diretos, indiretos e induzidos.
Ainda com relação ao pilar econômico, muito embora alguns argumentem que
o uso de determinadas matérias-primas para a produção de biocombustíveis, como
milho, beterraba e trigo, encareça os alimentos que delas são produzidos, tal ar-
gumento perde força quando se analisam os dados de produtividade da cana-de-
-açúcar, conforme evidencia o Gráfico 1.
Como consequência de sua maior produtividade, a cana-de-açúcar exige menor área
de plantio, o que permite que a expansão de seu cultivo não implique redução significa-
tiva de outras culturas agropecuárias. E saliente-se que, assim que estiverem disponíveis
as tecnologias de conversão de resíduos celulósicos em etanol, a utilização do bagaço e
da palha proporcionará aumento ainda maior da produtividade da cana-de-açúcar.
Cabe ainda salientar que, no caso específico do Brasil, existem cerca de du-
zentos milhões de hectares dedicados a pastagens, nos quais, em boa parcela, é
praticada pecuária extensiva. Considerando-se que a área atualmente ocupada por
cana-de-açúcar destinada à produção de etanol é de cerca de cinco milhões de hec-
tares, pode-se inferir que é muito grande a probabilidade de que a expansão dessa
cultura se dê por meio de aumento da produtividade da pecuária.4
Além da maior sustentabilidade econômica, o etanol de cana também oferece
melhores ganhos ambientais quando comparado às demais opções de biocombus-

4
Conforme comentado, boa parte da pecuária brasileira é praticada de forma extensiva. Assim, a expansão da cana e a consequente
valorização da terra exigirão maior rentabilidade das áreas com pastagens e, com isso, a necessidade de incorporação de melhores
técnicas e o correspondente aumento da produtividade por hectare da pecuária. Tal movimento já é percebido no estado de São
Paulo, onde a lavoura de cana se expandiu, majoritariamente, em áreas de pastagens, sem que houvesse redução significativa do
rebanho paulista. De acordo com estimativa da Universidade de São Paulo (USP), se a média nacional de concentração do rebanho
fosse igual à praticada na pecuária paulista (1,5 cabeça/hectare), seriam disponibilizados mais de quarenta milhões de hectares para
outras culturas. Ver FEA-USP (2009).
BIOCOMBUSTÍVEIS 71

tíveis, sobretudo por sua significativa capacidade de reduzir a emissão de gases de


efeito estufa, em especial o CO2.

Gráfico 1 Produtividade média de etanol por área para diferentes culturas celulósicas

Trigo

Sorgo sacarino

Mandioca

Milho

Beterraba

Etanol de resíduo
celulósico
Cana

0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000


LITRO/HA

Fonte: Nogueira (2008).

Em função das características de sua produção, o bioetanol de cana é capaz de re-


duzir até 90% do volume de carbono emitido pela gasolina que seria alternativamente
consumida em seu lugar. Como evidencia a Tabela 1, as atividades necessárias à produção
e ao consumo de mil litros de etanol de cana-de-açúcar liberam 7.773 kg de carbono na
atmosfera. Desse montante, 7.464 kg são novamente absorvidos pelo processo de fotos-
síntese realizado durante o período de crescimento vegetativo da cana, na safra seguin-
te. Como consequência, o saldo líquido de emissões é de 309 kg, nível que representa
cerca de 10% do volume emitido de CO2 estimado para a gasolina [Nogueira (2008)].5
Uma crítica feita a esse tipo de cálculo é ele não considerar o uso anterior da
terra em que foi feito o plantio da cana-de-açúcar, o que subestimaria o nível de

5
Cabe lembrar ainda que esse desempenho não é verificado em outras matérias-primas. Parte da explicação reside no fato de que a
energia necessária para fabricação do bioetanol da cana provém do próprio processamento industrial, na medida em que o bagaço
gera a energia primária requerida pela usina. Nos demais casos, por não disporem de tal alternativa, as usinas precisam recorrer a
outras fontes primárias de energia, muitas das quais de origem fóssil.
72 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

emissões oriundas da produção de etanol de cana. Em geral, tal crítica apoia-se


no fato de que, caso a lavoura de cana tenha sido plantada em área na qual havia
cobertura vegetal nativa, então haveria de se considerar o carbono liberado pelo
desmatamento.

Tabela 1 Comparação das diferentes matérias-primas para a produção de etanol

Matéria-prima Relação de energia* Emissões evitadas em relação à gasolina (%)

Cana 9,3 89

Milho 0,6-2,0 (30) a 38

Trigo 0,97-1,11 19 a 47

Beterraba 1,2-1,8 35 a 56

Mandioca 1,6-1,7 63

Resíduos lignocelulósicos** 8,3-8,4 66 a 73

Fonte: Nogueira (2008).


* A relação de energia representa a energia renovável produzida na cadeia produtiva do biocombustível,
dividida pela quantidade de energia não renovável requerida para sua produção.
** Estimativa teórica, processo em desenvolvimento.

Com relação a esse aspecto, destaca-se que foi lançado pelo Ministério da Agri-
cultura, Pecuária e Abastecimento, em 17 de setembro de 2009, o Zoneamento
Agroecológico da Cana, cujo objetivo é delimitar as áreas em que será estimulado
e, principalmente, em que será desestimulado o plantio da cana-de-açúcar. Além de
critérios de aptidão de clima e de solo, foram excluídos do zoneamento os biomas
da Amazônia e do Pantanal, além da Bacia do Alto Paraguai. Com essa organização
do espaço, não é mais possível obter licenças ambientais para instalação ou am-
pliação de usinas, tampouco financiamento de fontes oficiais de crédito, nas áreas
consideradas inaptas.
A principal evidência de que as vantagens ambientais do etanol de cana-de-
-açúcar começam a ser reconhecidas internacionalmente foi a decisão da Agência
de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) de qualificar o etanol brasileiro
como biocombustível “avançado”.6

6
Segundo definição da Seção 201b do Capítulo II da Energy Independence and Security Act de 2007: “The term ‘advanced biofuel’ means
renewable fuel, other than ethanol derived from corn starch, that has lifecycle greenhouse gas emissions, as determined by the Administrator,
after notice and opportunity for comment, that are at least 50 percent less than baseline lifecycle greenhouse gas emissions.”
BIOCOMBUSTÍVEIS 73

Com essa decisão, a EPA reconhece o etanol de cana como o único biocombus-
tível capaz de reduzir, no mínimo, 50% das emissões de gases de efeito estufa, o
que implicará um potencial de importação, pelos Estados Unidos, de pelo menos 15
bilhões de litros até 2022.
Além de seu relevante e comprovado impacto na mitigação das emissões de
CO2, o etanol de cana-de-açúcar apresenta ainda outra vantagem importante na
luta contra o aquecimento global, qual seja, sua rápida capacidade de implemen-
tação. Entre as opções energéticas renováveis de que atualmente se dispõe ou que
estão em vias de se tornar economicamente viáveis, apenas uma parcela é capaz de
ser utilizada nos veículos automotores. O bioetanol de cana é um exemplo disso,
podendo utilizar todo o sistema atual de transporte e distribuição de combustíveis
veiculares e, sobretudo, não exigindo qualquer alteração nos motores do ciclo Otto
para mistura de até de 10% na gasolina [Labrador (2009)].

A bioeletricidade da cana-de-açúcar7

A bioeletricidade gerada pelo setor sucroenergético destaca-se como fonte ade-


quada para complementar o parque hidrelétrico brasileiro. A primeira, e talvez
mais importante, característica dessa fonte é seu caráter renovável. Diferentemen-
te das térmicas movidas a óleo diesel ou gás natural, a geração de eletricidade por
meio da biomassa da cana produz, em função da baixa utilização de insumos de
origem fóssil em seu processo produtivo, uma emissão de gases de efeito estufa
relativamente pequena.
Ademais, a safra de cana-de-açúcar na região centro-sul ocorre entre os me-
ses de abril e novembro, coincidindo com o período seco naquela região, onde
estão localizados 70% da capacidade dos reservatórios brasileiros. O Gráfico 2
mostra a grande complementaridade entre o parque hidrelétrico brasileiro e a
safra canavieira.

7
Esta seção é baseada em Nyko, D. et al. (2011).
74 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 2 Complementaridade entre o parque hidrelétrico e a safra canavieira

100

90

80
% DO MÊS COM MAIOR OFERTA

70

60

50

40

30

20

10

0
Jan. Fev. Mar. Abr. Mai. Jun. Jul. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

ENA Brasil Moagem de cana no centro-sul

Fontes: Site de ONS (www.ong.org.br) e Unica. Dados elaborados com base no histórico da operação em 2008 (ENA)
e na moagem de cana da safra 2007-2008 no centro-sul.
Nota: ENA = Energia Natural Afluente.

Outra característica vantajosa da bioeletricidade para o setor elétrico brasilei-


ro é ser uma fonte de geração distribuída, condição decorrente de dois fatores, a
saber: o porte relativamente pequeno e o significativo número das unidades sucro-
energéticas existentes. Além de distribuída, a bioeletricidade canavieira é gerada
próxima aos principais centros de consumo, em razão da concentração da produção
de cana no Sudeste e da expansão dessa cultura em áreas de fronteira agrícola no
Centro-Oeste. De fato, conforme mostra a Tabela 2, o subsistema Sudeste/Centro-
-Oeste responde por cerca de 60% da carga do Sistema Interligado Nacional (SIN),
e as projeções indicam que esse percentual será mantido.
Portanto, a inserção da bioeletricidade em uma escala condizente com seu po-
tencial, por se tratar de uma fonte de geração distribuída e próxima ao consumo
final, deverá reduzir a necessidade de investimentos em reforço e expansão do sis-
tema de transmissão. A proximidade do centro de consumo também reduz as per-
das, o que reforça a eficiência da bioeletricidade canavieira. Logo, trata-se de uma
fonte de energia condizente com a promoção do desenvolvimento sustentável.
BIOCOMBUSTÍVEIS 75

Tabela 2 ProJEção DA CArgA Do SiSTEmA inTErligADo nACionAl (mWmED)

subsistema 2010 % 2011 % 2012 % 2013 % 2014 %

norTe 3.950 7,1 4.411 7,5 5.529 8,9 5.856 8,9 6.188 9,0

nordesTe 8.242 14,9 8.683 14,8 9.110 14,6 9.566 14,6 10.043 14,7
sudesTe/
cenTro-oesTe 34.064 61,4 35.914 61,3 37.763 60,5 39.741 60,6 41.483 60,5

sul 9.189 16,6 9.583 16,4 9.982 16,0 10.397 15,9 10.828 15,8

sin 55.445 100,0 58.591 100,0 62.384 100,0 65.560 100,0 68.542 100,0

Fonte: EPE (2010).

Além das vantagens para a oferta de energia elétrica, a maior inserção da bio-
eletricidade gera também um importante efeito microeconômico, que é o de au-
mentar a resiliência do setor sucroenergético. Em razão da alta volatilidade dos
preços do etanol e do açúcar, a presença de uma receita estável e de longo prazo
viabilizada pela venda de eletricidade melhora o perfil econômico-financeiro do
setor e, com isso, aumenta sua capacidade de resistir a flutuações de preço de seus
principais produtos.
De acordo com a Unica,8 a eletricidade gerada a partir de biomassa foi de
10,9 mil GWh em 2011, o que equivale a 12% da energia total ofertada pela Usina
de Itaipu. Apenas durante a safra (maio a setembro) de 2011, a bioeletricidade ge-
rada foi de 7,1 mil GWh, o que representou 31% de toda a geração termelétrica do
Brasil no mesmo período.

4 . O APO i O RE C E n T E D O B n D E S A O S E TOR
S UC R O EnE R G É T iC O
Nesta seção, é apresentado de forma ampla o apoio do BNDES ao desenvolvimento
da indústria sucroenergética nacional nos últimos anos. Os desembolsos do Banco
são relacionados e segmentados por produto apoiado e por destino geográfico dos
financiamentos. Tais desembolsos também se traduzem em produção adicionada
pelos projetos financiados pelo Banco.

8
Ver: <http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=E9CE1848-bEEF-488A-84Db-68C618246070>.
76 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Desembolsos

O Gráfico 3 mostra os desembolsos do BNDES para o setor sucroenergético desde 2000.


Pode-se depreender que o apoio do Banco para o setor se manteve relativamente es-
tável entre 2000 e 2004. Com a introdução dos veículos flex no mercado automotivo
brasileiro, o setor passou a investir pesadamente em ampliação de capacidade produ-
tiva. Como consequência, os desembolsos do BNDES cresceram significativamente no
período. Entre 2003 e 2010, quando atingiu seu ponto máximo, o volume desembolsa-
do pelo Banco para o setor aumentou aproximadamente dez vezes. O volume recorde
desembolsado em 2010 refletiu a criação de medidas emergenciais, como a do Progra-
ma de Sustentação do Investimento (BNDES PSI). Tais medidas objetivaram mitigar os
efeitos negativos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira.

Gráfico 3 Desembolsos do BNDES para o setor sucroenergético (em R$ bilhões)*

8,3
8
7,5

7,4

5,9
6
4,7
R$ BILHÕES

4
2,7

2
1,5
1,4

1,2

0,9
0,9

1
0,4

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: BNDES.
*
O Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.

Por modalidade de financiamento


A Tabela 3 detalha os desembolsos, divididos por operações diretas com o
BNDES e por operações indiretas, nas quais há repasse por meio de instituições
BIOCOMBUSTÍVEIS 77

financeiras credenciadas. Esse enfoque permite destacar o importante papel an-


ticíclico do Banco em momentos de crise. Como exemplo, a queda nas operações
indiretas em 2011 reflete, em parte, os impactos da crise financeira internacio-
nal sobre o setor produtivo e sobre o setor financeiro privado. O cenário atual
é uma fotografia do passado recente, quando o BNDES agiu provendo crédito
contracíclico em um momento de retração da oferta de crédito privado. O resul-
tado positivo das operações indiretas de 2010 deveu-se basicamente à criação
do BNDES PSI. Em 2011, os desembolsos indiretos caíram 40%, enquanto os di-
retos subiram 15%.

Tabela 3 Distribuição dos desembolsos do BNDES por natureza da operação (em R$ milhões)*

2008 2009 2010 2011

OPERAÇÃo Direta 3.096 3.438 2.776 2.914

OPERAÇÃo Indireta 4.408 3.962 5.513 2.984

Total 7.504 7.399 8.289 5.898

Fonte: BNDES.
* O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.

Por região
Conforme mostra a Tabela 4, a Região Sudeste concentra a maior parte dos desem-
bolsos dos últimos anos, resultado que está em linha com a distribuição geográfica
do setor. O estado de São Paulo recebeu, sozinho, em 2011, 45% dos desembolsos
destinados ao setor, o que reflete sua liderança como produtor de açúcar e etanol
no país, com cerca de 60% da moagem nacional. Por sua vez, a Região Centro-Oes-
te recebeu outra grande parte dos desembolsos, o que corrobora sua tendência de
sediar o maior número dos novos investimentos. No último ano, sua participação
no total de investimentos do setor no país atingiu 14%. Juntas, as regiões Centro-
-Oeste e Sudeste concentraram quase 70% dos desembolsos em 2011. Em uma aná-
lise mais ampla, é provável que esse valor se revele significativamente maior, visto
que boa parte dos projetos localizados em mais de um estado (interestaduais) tam-
bém se localiza nessas regiões.
78 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 4 DiSTribUição DoS DESEmbolSoS Do bnDES Por rEgião (Em r$ milhõES)*

2008 % 2009 % 2010 % 2011 %

sudesTe 4.695 62,6 3.359 45,4 4.983 60 3.248 55,1

cenTro-oesTe 1.720 22,9 3.357 45,4 1.406 17 846 14,3

sul 502 6,7 139 1,9 231 3 124 2,1

nordesTe 51 0,7 25 0,3 149 2 203 3,4

norTe 3 0,0 1 0,0 17 0 17 0,3

inTeresTadual 532 7,1 519 7,0 1.504 18 1.459 24,7

ToTal 7.503 100,0 7.400 100,0 8.289 100,0 5.898 100,0

Fonte: BNDES.
O IGP-DI foi o indicador utilizado para deflacionar a série, cujo ano-base foi 2011.
*

increMenTo na caPacidade ProduTiVa

A Tabela 5 ilustra a importância do aumento da capacidade produtiva do setor, pos-


sibilitado pelos projetos apoiados pelo BNDES. Se considerarmos que os projetos
sucroenergéticos levam em média três safras para atingir a maturidade produtiva,
o conjunto de projetos em carteira do BNDES terá viabilizado, na safra 2012-2013,
capacidade industrial de cerca de 110,7 milhões de toneladas de cana-de-açúcar,
mais de cinco bilhões de litros de etanol e 2.183 MW de potência elétrica.

Tabela 5 CAPACiDADE ProDUTiVA ViAbilizADA PElo APoio Do bnDES Ao SETor SUCroEnErgéTiCo

ano de início da moagem


2008 2009 2010 2011 Total

aGrícola (MilhÕes de Toneladas) 27,2 39,0 25,9 18,6 110,7

eTanol (bilhÕes de liTros) 1,7 2,1 1,5 0,4 5,7

coGeraçÃo (MW) 642,0 576,0 493,0 472,0 2.183,0

Fonte: BNDES.

5. AS Di R ETR i Z E S D A AT U A Ç Ã O D O B n DES
O BNDES vem pautando sua atuação no setor sucroenergético por cinco diretrizes
principais, quais sejam:
1. ampliação da capacidade de produção;
BIOCOMBUSTÍVEIS 79

2. incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico;


3. potencialização de externalidades positivas;
4. estímulo à sustentabilidade socioambiental; e
5. contribuição para formação de um mercado internacional de bioetanol.
A primeira diretriz diz respeito à atividade precípua do BNDES, que é a de
prover recursos de longo prazo para ampliação do nível de produção da indústria
brasileira. Conforme já mencionado, o investimento no setor sucroenergético pro-
voca relevantes impactos econômicos a jusante e a montante da cadeia de produ-
ção, o que justifica a prioridade que o Banco vem dando ao tema. Nesse aspecto, a
história recente do setor sucroenergético se reflete na história do apoio do Banco
ao setor. Com o significativo crescimento dos investimentos ao longo da última dé-
cada, o BNDES criou uma unidade específica, o Departamento de Biocombustíveis
(DEBIO), para lidar com os projetos do setor, em meados de 2007.
No que se refere ao segundo ponto, o apoio a investimentos em pesquisa e
desenvolvimento tecnológico do etanol vem recebendo atenção crescente. Exem-
plo disso foi a criação do Programa Conjunto de Apoio à Inovação Tecnológica
Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS). Atualmente em sua
fase final, o programa pode ser considerado uma iniciativa pioneira de fomento à
inovação, conduzida conjuntamente por BNDES e Financiadora de Estudos e Proje-
tos (Finep). Elaborado com base em um detalhado diagnóstico realizado em Nyko
et al. (2010), o PAISS teve como objetivo fomentar projetos de desenvolvimento,
produção e comercialização de novas tecnologias industriais destinadas ao proces-
samento da biomassa de cana-de-açúcar. Em outras palavras, o escopo desse plano
abrange tecnologias que não se resumem unicamente aos biocombustíveis.
Assim, o PAISS fomentou tanto projetos capazes de agregar valor às atividades
tradicionais do setor por meio de novos produtos quanto projetos de pesquisa e
desenvolvimento referentes ao etanol celulósico, também conhecido como etanol
de segunda geração. Se viabilizado economicamente, o etanol celulósico poderá
aumentar a produtividade do setor em mais de 40%.
O resultado final do programa foi a seleção de 25 empresas, que submeteram
35 planos de negócios, os quais poderão gerar investimentos em inovação de cerca
80 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de R$ 3,1 bilhões. Entre as escolhidas estão empresas start-ups de base biotecnoló-


gica e grandes empresas do setor sucroenergético.
O terceiro aspecto refere-se à orientação estratégica do BNDES de tentar, na
medida do possível, intensificar a geração de externalidades positivas. Além do
PAISS, que pode gerar desdobramentos de elevada importância para o Brasil no
longo prazo, outro exemplo importante dessa diretriz foi a manutenção, por de-
terminado período, de condições mais favoráveis para o financiamento a caldeiras
de alta pressão. Também cabe destaque para os investimentos sociais, uma vez
que, em boa parte dos projetos financiados, vem sendo requerida a inclusão de
subprojetos que tenham como objetivo a construção de equipamentos sociais de
uso público, como creches, escolas e alas de hospitais.
Além desses exemplos, e ante o mérito estratégico do setor para o país, foram
estruturados programas específicos e operações que visam ao aumento da compe-
titividade setorial.
Em primeiro lugar, sobressai o Programa de Apoio do Setor Sucroalcooleiro
(BNDES PASS), cuja finalidade é financiar a estocagem de etanol para garantir o
abastecimento do país na entressafra. Em segundo lugar, destaca-se a criação do
BNDES Prorenova, programa que tenta reverter o quadro de elevada ociosidade
industrial vivenciada atualmente pelas usinas do setor, conforme diagnosticado em
Milanez et al. (2012). Para tanto, o programa pretende financiar a renovação e a
expansão dos canaviais brasileiros, condição fundamental para aumentar a produ-
tividade da lavoura de cana-de-açúcar e, assim, reduzir a ociosidade industrial da
produção de açúcar e etanol.
Espera-se que os R$ 4 bilhões do BNDES Prorenova possam financiar a renova-
ção e/ou ampliação de mais de um milhão de hectares de cana-de-açúcar. Com o au-
mento da disponibilidade de matéria-prima, a expectativa é de que a produção de
etanol receba um incremento de dois a quatro bilhões de litros entre 2013 e 2014,
o que representaria um crescimento de mais de 10% em relação à última safra.
Igualmente é digno de nota o apoio do BNDES para a implantação de um sis-
tema logístico de transporte de etanol, atualmente em sua primeira fase de cons-
trução. Essa iniciativa está em linha com as conclusões expostas em Milanez et al.
BIOCOMBUSTÍVEIS 81

(2010), em que se analisaram os desafios concernentes à logística de distribuição


do etanol e se estimou a estrutura logística necessária à distribuição geográfica da
oferta e da demanda, tanto no mercado interno como para as futuras exportações
desse biocombustível.
Esse sistema compreenderá uma estrutura logística multimodal (incluindo a
construção do alcoolduto) dedicada ao etanol, com capacidade de transporte de
20,8 milhões de metros cúbicos por ano. O projeto contará com aproximadamente
1.330 quilômetros de extensão de dutos e dez terminais de armazenamento. Qua-
tro desses terminais serão destinados à operação na Hidrovia Tietê-Paraná, no tre-
cho entre Presidente Epitácio (SP) a Anhembi (SP). Iniciada a operação em agosto
de 2011, o prazo total da implantação do sistema logístico é estimado em 54 meses,
com término previsto para fevereiro de 2016. O orçamento total para a implanta-
ção está estimado em R$ 9,1 bilhões.
A primeira fase tem extensão aproximada de 460 km e instalações de armaze-
namento e conta com o apoio financeiro do BNDES, que soma R$ 1,8 bilhão. Esse
valor corresponde a 76% dos gastos financiáveis do projeto no período.
Esse sistema logístico também contribuirá para aumentar o padrão de sustenta-
bilidade do setor sucroenergético, o que se enquadra no quarto princípio defendi-
do e executado pelo BNDES no decorrer de sua história. Contudo, os desafios socio-
ambientais ganharam novos contornos com o passar do tempo, mais diversificados
e complexos, o que exigiu que o Banco se adequasse ao novo contexto. Tal processo
culminou com a introdução de diversas linhas de financiamento e fundos específi-
cos para apoiar projetos ambientais e sociais e, principalmente, com a criação, em
meados de 2009, da Área de Meio Ambiente.
Finalmente, cabe mencionar ainda que o futuro crescimento da produção de
etanol não estará focado somente no aumento do consumo interno do produto. É
premente a necessidade de construir um mercado global e, por isso, os desafios para
que o etanol se transforme em commodity internacional precisam ser enfrentados.
Voltado para isso, o BNDES coordenou a produção e participou da extensa agenda
de divulgação do chamado “Livro Verde” do bioetanol, que, em parceria com o Mi-
nistério das Relações Exteriores e o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE),
82 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

foi distribuído em inúmeros países. Publicação de caráter técnico-científico, o livro


tem como objetivo central oferecer uma base para a discussão internacional sobre
a construção de um mercado mundial de etanol.
Além disso, também cabe destacar que, para alguns, o fato de a capacidade
exportadora de etanol estar concentrada no Brasil vem inibindo a criação de um
mercado internacional, haja vista que os potenciais países consumidores teriam
receio de eventuais interrupções de fornecimento do produto. Diante disso, o
BNDES aprovou recentemente o apoio financeiro para a realização de estudo técni-
co que avaliará a viabilidade da produção de biocombustíveis nos países-membros
da União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA). Esse estudo com-
preenderá levantamento completo, em todo o território de Benim, Burkina Faso,
Cote d’Ivoire (Costa do Marfim), Mali, Níger e Togo, das condições edafoclimáticas,
sociais, ambientais, de mercado, de infraestrutura, de marco legal, entre outras
que possam impactar a sustentabilidade e viabilidade da produção de bioenergia
pela região. Ao mesmo tempo, o BNDES procura oferecer financiamento para a
instalação de usinas no exterior, em especial na América Latina e na África. Conse-
quentemente, o conjunto dessas iniciativas possibilitará que mais países se tornem
exportadores de etanol.

6. PER S PEC Ti VA S
Conforme previamente discutido, o BNDES considera o etanol e a bioeletricidade da
cana-de-açúcar soluções viáveis para contribuir para a redução das emissões de gases
de efeito estufa. Assim, a agenda futura do Banco está calcada na necessidade de
continuar o estímulo ao aumento da competitividade da indústria sucroenergética,
de forma a prepará-la para gerar atores capazes de se sobressair em um mercado
internacional que, diante da crescente preocupação com o aquecimento global, se
formará cedo ou tarde.
No que tange à manutenção da competitividade da indústria brasileira, cabe
mencionar que o BNDES continuará priorizando o apoio a projetos de inovação
para o setor, comprometimento já consubstanciado pelo PAISS. Conforme discu-
BIOCOMBUSTÍVEIS 83

tido anteriormente, a produção de etanol celulósico, uma vez posta em escala


comercial, conseguirá aumentar o atual nível de produtividade do etanol brasilei-
ro em mais de 40%. A diversificação da produção do setor para outros produtos,
além dos já tradicionais, também vem sendo foco do apoio do BNDES. Com isso,
espera-se que o conceito de biorrefinaria se consolide e se torne realidade nos
próximos anos no Brasil. Ressalta-se, no entanto, que as pesquisas tradicionais,
como o melhoramento genético das variedades de cana-de-açúcar, continuarão a
receber apoio.
Além da eficiência agroindustrial e da diversificação da carteira de produtos do
setor, a criação de um mercado internacional de bioetanol também exigirá, para
aqueles que pretendem ser bem-sucedidos em nível global, competências adicio-
nais, como a capacidade de logística em transporte, armazenagem e distribuição, a
sustentabilidade de processos produtivos – à medida que sejam demandadas pelo
mercado certificações socioambientais – e a capacidade de oferecer garantia de
fornecimento do produto, que é fator crítico para o sucesso em qualquer mercado
de commodities energéticas.
Tais características, por exigirem elevados investimentos e a correspondente
necessidade de economias de escala, demandam uma nova forma de organiza-
ção industrial do setor, que, ao menos no que se refere à parcela capaz de atuar
internacionalmente, deixará de ser tão fragmentada. Por meio de suas iniciati-
vas estruturantes, o BNDES deve procurar contribuir para aumentar a competi-
tividade de empresas brasileiras que desejam competir globalmente. Exemplo
disso é o apoio do Banco ao projeto do sistema logístico de transporte de eta-
nol, que, quando concluído, aumentará a eficiência setorial, tanto do ponto de
vista econômico quanto ambiental.
Finalmente, todo esse esforço para fortalecer as vantagens competitivas do se-
tor sucroenergético não terá sido bem-sucedido caso não se logre criar um mer-
cado internacional para o etanol. Para tanto, o BNDES continuará empreendendo
esforços de diversas naturezas para reduzir os entraves ao maior fluxo de comércio
internacional. Além da manutenção da agenda de divulgação internacional das
vantagens econômicas e ambientais do etanol de cana-de-açúcar, o BNDES também
84 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

intensificará o apoio à instalação de usinas sucroenergéticas no exterior, que, ao


permitir a diversificação da matriz de países fornecedores de etanol, contribuirá
decisivamente para que o produto se torne, mais rapidamente, uma commodity
internacional.

7. C O nS i DER A Ç ÕE S f in A iS
O setor sucroenergético vem passando por mudanças significativas nas últimas dé-
cadas. Além da tradicional produção de açúcar, as empresas do setor consolidaram
em seus portfólios de produtos o etanol e a bioeletricidade. Essa diversificação au-
mentou a competitividade dessas empresas, mas o potencial da cana-de-açúcar está
muito além desses três produtos.
No futuro, as usinas processadoras de cana também produzirão novos itens,
como os biocombustíveis de maior densidade energética (querosene de aviação,
diesel e butanol, por exemplo) e produtos químicos de maior valor agregado. Essa
diversificação produtiva possibilitará às empresas tornarem-se grandes biorrefina-
rias. Nesse contexto, o BNDES vem moldando sua atuação no setor, especialmente
no que se refere ao apoio à inovação tecnológica.
Vislumbra-se ainda a criação de um mercado internacional de etanol, para o
qual será importante aumentar a competitividade do setor. Para isso, o BNDES vem
apoiando diversas iniciativas, como aquelas que procuram ampliar o número de
países produtores do etanol de cana-de-açúcar e aquelas referentes à constituição
de infraestrutura nacional de apoio à atividade produtiva.
Em síntese e sem perder de vista a sustentabilidade socioambiental, as re-
centes iniciativas do BNDES procuram manter o setor sucroenergético brasileiro
na vanguarda mundial da inovação e da produção de biocombustíveis, bem
como procuram divulgar as vantagens do etanol de cana-de-açúcar para o res-
tante do mundo.
BIOCOMBUSTÍVEIS 85

R e f er ênc i as
ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Anuário Estatístico
Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, 2011. Disponível em:
<www.anp.gov.br>. Acesso em: 12 jul. 2011.

Brasil. Ministério de Minas e Energia (MME). Secretaria de Petróleo, Gás Natural e


Combustíveis Renováveis. Departamento de Combustíveis Renováveis. Boletim
Mensal dos Combustíveis Renováveis, n. 50, mar. 2012.

CGEE – Centro de Gestão de Estudos Estratégicos. Estudo sobre as possibilidades e


impactos da produção de grandes quantidades de etanol visando à substituição
parcial de gasolina no mundo – Fase 2. Campinas: Nipe/Unicamp, 2007.

EPE – Empresa de Pesquisa Energética. Perspectivas para o etanol no Brasil. Cadernos


de Energia da EPE. Rio de Janeiro, 2008.

______. Projeção da demanda de energia elétrica no Sistema Interligado


Nacional para o Plano Anual da Operação Energética (PEN 2010). Séries Estudos
da Demanda – Nota Técnica DEA 03/10 e Nota Técnica NOS 010/2010. Rio de
Janeiro, fev. 2010.

FEA-USP – Faculdade de Economia e Administração. Uso da terra e expansão da cana-


de-açúcar no Brasil. O Boletim Sucroalcooleiro, v. 1, n. 1, p. 4-5.
Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, out. 2009.

Labrador, I. S. Biofuels: A decisive instrument for sustainable development.


Madri: Taurus, 2009.

Milanez, A. Y.; Faveret Filho, P. S. C.; Rosa, S. E. S. Perspectivas para o Etanol


Brasileiro. BNDES Setorial, n. 27, p. 21-38. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2008.

Milanez, A. Y; Cavalcanti, C. E. S.; Faveret Filho, P. S. C. O papel do BNDES no


desenvolvimento do setor sucroenergético. In: Além, A. C.; Giambiagi, F (Orgs.).
O BNDES em um Brasil em Transição. Rio de Janeiro, p. 335-347, jun. 2010.
86 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Milanez, A. Y. et al. Logística para o etanol: situação atual e desafios futuros.


BNDES Setorial, n. 31, p. 49-98. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2010.

______. O déficit de produção de etanol no Brasil entre 2012 e 2015:


determinantes, consequências e sugestões de política. BNDES Setorial, n. 35,
p. 277-302. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2012.

Neves, M. F.; Trombin, V. G.; Consoli, M. A. Mapeamento e quantificação do setor


sucroenergético em 2008. Versão preliminar. Markestrat/USP, 2009.

Nogueira, L. A. H. Bioetanol de cana-de-açúcar: energia para o desenvolvimento


sustentável. BNDES e CGEE (Orgs.), Rio de Janeiro: BNDES, 2008. Disponível em:
<http://www.bioetanoldecana.org/>. Acesso em: 12 jul. 2011.

Nyko, D. et al. A corrida tecnológica pelos biocombustíveis de segunda geração:


uma perspectiva comparada. BNDES Setorial, n. 32, p. 5-48. Rio de Janeiro:
BNDES, set. 2010.

______. Determinantes do baixo aproveitamento do potencial elétrico do setor


sucroenergético: uma Pesquisa de Campo. BNDES Setorial, n. 33, p. 421-476.
Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2011.

Rosa, S. E. S. O debate recente sobre o pico da produção do petróleo. Revista do


BNDES, v. 14, n. 28, p. 171-200. Rio de Janeiro: BNDES, dez. 2007.

Scaramucci, A. J.; Cunha, M. P. Aspectos socioeconômicos do uso energético da


biomassa da cana-de-açúcar. In: Cortez, L. A. B.; Lora, E. E. S. Tecnologias de
conversão energética da biomassa. 3.ed. Campinas: Unicamp, 2008.

Sites consultados

Anfavea – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores –


<www.anfavea.com.br>.
BIOCOMBUSTÍVEIS 87

ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis –


<www.anp.gov.br>.

US DOE/EERE – Energy Efficiency & Renewable Energy (US DEPARTMENT OF


ENERGY) – <www.eere.energy.gov>.
Egmar del Bel Filho
Jaldir Freire Lima
Luciana Xavier de Lemos Capanema
Victor Emanoel gomes de Moraes*

* Respectivamente, economista, chefe de departamento, gerente e contador do Departamento de Agroindústria da área industrial
do BNDES. Os autores agradecem os comentários da economista luiza Rodrigues.
Agroindústria 89

R ES UM O
Este artigo apresenta o histórico do apoio do BNDES ao complexo agroindustrial e
mostra sua visão sobre os temas que deverão estar em sua agenda futura. Por quase
trinta anos após sua criação, em 1952, a atuação do BNDES no apoio ao agronegócio
mostrou-se bastante tímida. A partir da década de 1980, com a responsabilidade de
executar o Proálcool, seu papel começa a ser relevante no setor. A década de 1990
consolida essa tendência, destacando-se o apoio à indústria de proteína animal.
Ao longo dos anos 2000, houve o fortalecimento do apoio às cooperativas agroin-
dustriais e a internacionalização de grandes empresas brasileiras. Novos desafios se
apresentam no horizonte e farão parte da agenda do Banco, destacando-se a busca
pela produção ambientalmente sustentável, concomitantemente a um expressivo
incremento de demanda em função do aumento populacional no mundo.

AB S TR AC T
This paper presents the history of the BNDES’ support for the agroindustrial
sector and shows its vision on issues that are expected to be on agenda in the
future. For the first thirty years after its creation, in 1952, the BNDES’ efforts
to provide support for agribusiness were rather timid. As of the 1980s, with
the responsibility of running the Proálcool program, the BNDES’ became
relevant. The 1990s consolidated this trend, with support for the animal protein
industry taking a leading role. Throughout the 2000s, support for agroindustrial
cooperatives was strengthened and large-scale Brazilian companies were
internationalized. New challenges have surfaced on the horizon and will
become part of the Bank’s agenda, especially the pursuit for environmentally
sustainable production, along with a significant increase in demand due to
worldwide population growth.
AgroindústriA 91

1. i nTR O DUÇ Ã O
na segunda metade do século XX, a propriedade agrícola mudou sua atividade de
subsistência para uma operação comercial, em que os agricultores consomem, cada
vez menos, o que produzem [Araújo, Wedekin e Pinazza (1990)]. o moderno agri-
cultor passou a ser um especialista, confinado às atividades de cultivo e criação. Por
outro lado, as funções de armazenar, processar e distribuir alimento foram se trans-
ferindo, em larga escala, para organizações além da fazenda. Essas organizações,
tipicamente empresas ou cooperativas, transformaram-se em operações altamente
especializadas. A jusante da fazenda, formaram-se complexas estruturas de arma-
zenamento, transporte, processamento, industrialização e distribuição.
Criou-se um novo arranjo de funções fora, e a montante, da fazenda: a pro-
dução de insumos agrícolas e fatores de produção, incluindo máquinas e imple-
mentos, tratores, combustíveis, fertilizantes, suplementos para ração, vacinas e me-
dicamentos, sementes melhoradas, matrizes, agroquímicos, entre outros, além de
serviços bancários, técnicos de pesquisa e informação [gonçalves (2005)].
A expressão Complexo Agroindustrial (CAi) foi então criada para caracterizar
uma tipologia marcada pelas relações intersetoriais indústria-agricultura-comércio-
-serviços em um padrão agrário moderno, no qual o setor agropecuário passa a ser
visto de maneira integrada à indústria [Fajardo (2008)].
Atualmente, o complexo agroindustrial brasileiro desempenha um significati-
vo papel na economia do país, abrangendo todas as instituições que desenvolvem
atividades, no processo de produção, elaboração e distribuição dos produtos da
agricultura e pecuária, envolvendo desde a produção e fornecimento de recursos
até a entrega do produto ao consumidor final.
segundo o mais recente censo agropecuário [iBgE (2009)], em 2006, o Brasil
contava com 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupavam cerca
de 36,7% de seu território total. Esse número vinha mantendo-se praticamente
constante nos vinte anos anteriores. Em relação ao número de unidades registra-
das, os estabelecimentos de menos de 10 hectares representavam pouco mais que
47%, enquanto os de mais de 1.000 hectares respondiam por, aproximadamente,
92 BndEs 60 Anos – PErsPECtiVAs sEtoriAis

0,9% do número total de estabelecimentos agropecuários no Brasil. Já em relação


à área ocupada, as propriedades com menos de 10 hectares ocupavam menos de
2,7% da área total, enquanto as maiores que 1.000 hectares ocupavam mais que
43%. Considerando-se que a tendência se manteve até 2011, ainda que em relação
à distribuição de área o quadro seja bem diferente, o Brasil continua apresentando
grande número de pequenos produtores agropecuários. Com isso, ainda que tenha
havido uma profissionalização e especialização dos produtores agrícolas, as políti-
cas de apoio à agricultura familiar e às cooperativas continuam sendo fundamen-
tais para a manutenção e fixação dessas famílias no campo.
neste artigo, os conceitos de complexo agroindustrial e agronegócio são consi-
derados sinônimos e compreendem produção de insumos, produção primária, pro-
cessamento e distribuição, enquanto o de agroindústria é definido como o resulta-
do da soma do setor agropecuário e das indústrias de alimentos, bebidas e fumo.
Assim, o objetivo deste artigo é expor o histórico da atuação do BndEs, em
seus sessenta anos de existência, no apoio ao complexo agroindustrial, buscando
relacioná-lo à evolução do próprio complexo e mostrar sua visão sobre temas que
impactam essas atividades econômicas e que deverão estar em sua agenda futura.
o artigo está organizado em duas grandes seções. na primeira, é exibido o históri-
co de atuação do BndEs no apoio ao CAi dividido por períodos: 1952 a 1980; 1980
a 1990; 1990 a 2000; e 2000 a 2011. A segunda seção trata de tendências e da visão
dessa instituição sobre a agenda futura do agronegócio brasileiro, abordando te-
mas como: demanda, biocombustíveis, sustentabilidade, inovação e exportações.

2 . Hi S TÓ R i C O
1952-1980: sUbstitUição De importaçÕes

o BndEs foi criado em um momento em que era predominante a ideia do desen-


volvimento econômico com a substituição de importações. Esta, por sua vez, ocor-
reria somente por via da industrialização e respectiva mudança do centro dinâmico
da economia: o mercado interno seria o driver da atividade econômica, em vez de
Agroindústria 93

ser o setor primário-exportador. Tratava-se de uma visão em que a agropecuária


era considerada sinônimo de atraso, e, portanto, era necessário reduzir sua par-
ticipação na formação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, cedendo lugar à
indústria. Para isso, seriam necessários investimentos na modernização do parque
industrial nacional e em obras de infraestrutura, principalmente em transporte e
energia. O BNDES, nesse contexto, nascera com papel definido: ser o provedor des-
ses financiamentos de longo prazo de maturação.
Como consequência, esse período foi caracterizado pela tímida atuação do
BNDES no financiamento à agroindústria, que teve seu apoio direcionado apenas
à etapa industrial do processo. A etapa agropecuária era então financiada por ou-
tras fontes, predominantemente o Banco do Brasil, o qual tinha acesso a recursos
“ilimitados” por meio da conta-movimento.1
De acordo com Faveret Filho e Paula (2002), no período de 1952 a 1959, a
agroindústria respondeu por apenas 3% do total desembolsado pelo BNDES. Des-
taca-se ainda que os principais empreendimentos apoiados foram frigoríficos, ma-
tadouros, armazéns e silos.
Segundo os mesmos autores, houve uma mudança na atuação do Banco nas
duas décadas seguintes: “Durante as décadas de 60 e 70, o Banco financiou diversas
indústrias complementares às atividades agropecuárias, concentrando sua atuação
na indústria de alimentos”.
Ao fim do período, quando o modelo de substituição de importações se es-
gotou, o Banco havia cumprido o seu papel. A participação da indústria na renda
interna havia se elevado de 26% para 33%, em detrimento da agropecuária, que
viu sua participação ser reduzida de 25% para 19%.

1980-1990: exportação

O fim da década de 1970 foi marcado pela crise internacional decorrente do segundo
choque do petróleo. Nesta época, além do elevado preço da commodity, as fontes

1
A conta-movimento, criada em 1965 e extinta em 1986, dava ao Banco do Brasil acesso direto aos recursos do Tesouro sem
aprovisionamento prévio.
94 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

internacionais de financiamento escassearam, com consequente escalada de juros. O


Brasil, importador líquido de petróleo e devedor internacional, foi afetado severamen-
te, sofrendo déficits crescentes no balanço de pagamentos. O governo, visando estan-
car esse movimento, instituiu o III Plano Nacional de Desenvolvimento (III PND), cujos
esforços se concentraram nas atividades exportadoras e/ou poupadoras de divisas.
Em 1979, foi lançado o Proálcool, com o objetivo de reduzir as importações de
petróleo e, com isso, diminuir a pressão sobre a balança comercial. Coube ao BNDES
ser o agente do respectivo programa.
A partir de então, o BNDES passou a financiar a atividade agropecuária, pois
atuou tanto nas operações industriais, com o financiamento à implantação de
destilarias, como nas operações rurais, financiando as lavouras de cana-de-açúcar.
Cabe ressaltar, entretanto, que as operações rurais eram realizadas apenas de for-
ma indireta.2 Um dos motivos para essa estrutura foi a tentativa de não sobrepor a
atuação do BNDES à do Banco do Brasil, considerado principal agente financeiro do
setor agropecuário até então.
Grigorovski (2000) destaca ainda duas formas de atuação do BNDES no setor
agropecuário na primeira metade da década de 1980. A primeira, por meio da ges-
tão do Finsocial, que lhe fora concedida pelo governo federal em 1982,3 pois entre
suas finalidades estava o apoio ao pequeno agricultor. A segunda foi o apoio com
a realização de obras de infraestrutura, como eletrificação rural, estradas vicinais e
irrigação, as quais faziam parte das prioridades do III PND.
A partir da segunda metade da década de 1980, o BNDES passou a agir de for-
ma diferente em relação ao setor agropecuário, conferindo-lhe maior importância.
De acordo com Grigorovski (2000), os fatores responsáveis por essa mudança fo-
ram, entre outros:
1. Mudança da visão da agropecuária, não mais como símbolo de subdesenvolvi-
mento, mas como parte integrante do complexo agroindustrial (CAI), conceito

2
O BNDES, por apresentar uma estrutura operacional enxuta, em geral realiza diretamente operações de grande porte, hoje
superiores a R$ 10 milhões. Assim, para possibilitar mais capilaridade de sua atuação, adota a forma indireta, em parceria com
agentes financeiros, que repassam as linhas e programas do BNDES para operações de menor porte.
3
Decreto-lei 1.940, de 25 de maio de 1982.
Agroindústria 95

que agrega valor à produção agrícola e define uma visão empresarial/profissio-


nal do agronegócio.
2. Fim da conta-movimento e consequente redução de recursos disponíveis para
o Banco do Brasil no financiamento à agropecuária, abrindo espaço para maior
atuação do BNDES.
3. Vedação legal às agências federais de crédito de financiar entes públicos com
alto índice de endividamento, o que levou o BNDES a direcionar seus recursos
ao setor privado em detrimento do setor público.
Apesar de ainda ser pouco representativa no BNDES, a agroindústria via au-
mentar sua participação nos desembolsos do Banco no decorrer da década de
1980. Mais importante ainda foi o fato de a agropecuária ter sido alvo de apoio
crescente, conforme mostra o Gráfico 1. Entre os anos de 1985 e 1989, o desem-
bolso anual médio para esse setor foi superior em 222% ao observado entre 1980
e 1984, o que lhe conferiu uma participação de 2,7% nos desembolsos contra
0,8% no primeiro período.

Gráfico 1 Desembolsos do BNDES para a agropecuária no período 1980-1989


(em R$ milhões, março de 2012, corrigidos pelo IGP-DI)

1.200

1.000

800
R$ MILHÕES

600

400

200

0
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Grigorovski (2000).


96 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Com a elevação considerável do apoio à agropecuária, a agroindústria teve sua


participação nos desembolsos do BNDES ampliada de cerca de 5% em 1984 para
mais de 10% em 1989.

1990-2000: expansão

Na década de 1990, o BNDES consolidou seu apoio ao complexo agroindustrial.


Considerando todo o período, os desembolsos para a agroindústria apresentaram
trajetória crescente. Foi desembolsado nesse período o maior valor registrado até
então, tanto absoluto – cerca de R$ 56 bilhões – como relativo ao total da institui-
ção – pico de 29% em 1994.
Nota-se o aprofundamento do comportamento iniciado na década anterior,
com maior ênfase no apoio ao setor, principalmente no que tange às operações
agropecuárias, responsáveis por 52% dos desembolsos à agroindústria no período.
Prova disso foram os diversos programas criados especificamente para as diversas
cadeias agroindustriais.4
Já no início da década, em 1990, o BNDES criou o programa Finame Agríco-
la, que concedeu as mesmas condições dos financiamentos que eram adotados às
máquinas industriais – prazos, taxas e rede de agentes financeiros – às máquinas
agrícolas. De acordo com Grigorovski et al. (2001), 78% dos desembolsos do BNDES
ao setor, no período 1990-1994, foram oriundos desse programa, o que o tornou
o maior responsável pelo crescimento de 67% a.a. nos desembolsos ao setor no
mesmo período.
Essa elevação expressiva do financiamento às operações agropecuárias inverteu
o peso dos segmentos no complexo agroindustrial. Naquele momento, as operações
voltadas para a agropecuária passaram a ser mais relevantes que as destinadas ao
segmento industrial da cadeia. O Gráfico 2 mostra essa relação ao longo da década.

4
Dentre os programas criados no período, destacam-se: Finame Agrícola, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf), Programa Nordeste Competitivo, Programa Finame Especial, Programa de Incentivo ao Uso de Corretivos de Solos
(Prosolo), Programa de Apoio à Comercialização do Algodão Brasileiro (Pró-Algodão) e Programa de Incentivo à Mecanização, ao
Resfriamento e ao Transporte Granelizado da Produção de Leite (Proleite).
Agroindústria 97

Gráfico 2 Desembolsos do BNDES para a agroindústria por segmento, no período


1990-1999 (em R$ milhões, março de 2012, corrigidos pelo IGP-DI)

10.000

9.000

8.000

7.000

6.000
R$ MILHÕES

5.000

4.000

3.000

2.000

1.000

0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Industrial Agropecuário

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Faveret Filho, Lima e Paula (2000).
Nota: Modificado e atualizado.

Uma característica importante apontada por Faveret Filho, Lima e Paula (2000)
é que as operações agropecuárias foram, em sua maioria, indiretas, ou seja, realiza-
das por meio de agentes financeiros, e corresponderam, em 1999, a 93% do valor
desembolsado ao setor.
Já em relação ao comportamento da participação da agroindústria no total
desembolsado pelo BNDES, há dois momentos distintos no decorrer dos anos 1990.
Até 1994, houve crescimento expressivo, alcançando o pico de 29% nesse mesmo
ano. A partir de então, ocorreu sua redução, atingindo 15% em 1999. Essa queda é
atribuída, entre outros fatores, ao aumento dos desembolsos para o setor de infra-
estrutura, principalmente em energia elétrica, gás, telecomunicações e transportes.
Além disso, houve uma situação extremamente desfavorável para o setor agro-
pecuário a partir do fim de 1994, caracterizada pela elevação brusca da taxa de
juros concomitante à queda nos preços dos principais produtos agrícolas. Como os
financiamentos eram feitos com taxas pós-fixadas, o endividamento dos produto-
res aumentou ao mesmo tempo em que suas receitas diminuíam. Com isso, o nível
98 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de inadimplência se elevou de forma significativa, o que, somado às condições des-


favoráveis do mercado, resultou na contração dos financiamentos.
O BNDES, visando reverter essa tendência de retração no apoio ao setor, criou
em 1997 um novo programa, o Finame Especial. Por meio desse programa, era
possível ao produtor adquirir financiamentos com taxa de juros pré-fixada, o que
reduzia sua fragilidade diante de inesperadas alterações das condições de merca-
do. Verificou-se, depois de sua criação, um incremento nas operações do Finame
Agrícola, atingindo em 1999 o mesmo valor que atingira em 1993.
Outro programa criado na década de 1990 que merece destaque é o Pronaf –
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Por meio desse pro-
grama, criado em 1995, as famílias de micro e pequenos produtores rurais que
desenvolviam suas atividades mediante emprego direto de sua força de trabalho
e de sua família passaram a ter acesso a crédito com as mais baixas taxas de juros
dos financiamentos rurais. Seu desempenho foi espetacular logo no ano seguinte
ao de sua criação, com desembolsos da ordem de R$ 1.778 milhões, o que represen-
tou cerca de 38% do valor total desembolsado para o setor agropecuário em 1997,
de R$ 4.701 milhões. No entanto, em virtude da redução do aporte de recursos do
Tesouro Nacional, o programa perdeu força logo em seguida, desembolsando em
1999 um valor inferior a 20% do observado dois anos antes.
Dentre as diversas cadeias do complexo agroindustrial, algumas se destacaram
no que diz respeito ao apoio do BNDES durante a década de 1990. Carnes, grãos e
cana-de-açúcar foram responsáveis, em conjunto, por 30% do valor desembolsado
para a agroindústria entre 1990-1999, totalizando R$ 17 bilhões. A Tabela 1 resume
os desembolsos para as cadeias do complexo agroindustrial.

Tabela 1 Desembolsos do BNDES para as principais cadeias do complexo agroindustrial


(em R$ bilhões)

Discriminação Etapa industrial Etapa agrícola Valor total

Carnes 6,0 2,8 8,8

Grãos 3,8 0,7 4,5

Cana-de-açúcar 2,1 1,6 3,7

Fonte: BNDES.
Agroindústria 99

A cadeia de carnes, maior beneficiária, foi o destino de 16% do total desembol-


sado à agroindústria. Destes, 68% foram para a etapa industrial – processamento
de carnes – e 32% à etapa agropecuária. Bovinos, aves e suínos foram, nessa ordem,
as carnes que receberam as maiores parcelas dos desembolsos.
O complexo grãos foi o segundo maior destino dos recursos, representando 8%
do total. Desse montante, 84% foram destinados ao processamento industrial e
16% à produção primária. As principais culturas apoiadas foram soja, arroz e milho,
com 54%, 21% e 19% dos recursos destinados ao cultivo.
A cadeia da cana-de-açúcar, que neste caso não compreende a produção de eta-
nol, foi a terceira maior beneficiária no período, representando quase 7% do total.
A etapa industrial do processo correspondente à fabricação de açúcar e derivados foi
destino de 57% dos recursos, enquanto o cultivo de cana-de-açúcar foi de 35%. O
restante foi aplicado à fabricação de aguardente e refino e moagem de açúcar.
Diversas outras cadeias foram apoiadas pelo BNDES no período, tendo rece-
bido em conjunto 70% dos desembolsos. Não serão abordadas em função de sua
pulverização e pouca importância em relação ao total quando individualizadas.
Por fim, vale destacar o papel assumido pelo BNDES na década de 1990 como a prin-
cipal fonte de recursos aos investimentos do setor agropecuário, passando de 10% no
início do período para 63% em 1998. Nota-se, portanto, uma brusca alteração não só da
participação da instituição no apoio à agroindústria, mas também das diretrizes traçadas
pelo governo federal no decorrer do período [Faveret Filho, Lima e Paula (2000)].

2000 a 2011: Fortalecimento das cooperativas


e internacionalização
Na década de 2000, a economia brasileira vivenciou grande desenvolvimento. A
taxa anual de crescimento do PIB, que era de 1,3% em 2001, atingiu 2,7% em 2011.
É verdade que houve variações no período, como o crescimento negativo de 0,2%
em 2009 (reflexo da crise de 2008) e pico de 7,5%, em 2010 (resultado das políticas
anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro).
O PIB do agronegócio (complexo agroindustrial) no mesmo período não apre-
sentou um crescimento proporcional ao do Brasil. Sofreu redução percentual consi-
100 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

derável em relação ao PIB nacional, passando de 28,8%, em 2003, para 22,3%, em


2010, segundo a Associação Brasileira do Agronegócio [Informativo Abag (2011)].
Entretanto, monetariamente, o comportamento foi mais constante, conforme se
pode notar no Gráfico 3.

Gráfico 3 Evolução do agronegócio no PIB brasileiro de 2002 a 2010 (em R$ bilhões)

4.000

3.500

3.000

2.500

2.000

1.500

822

821
1.000
768

780
743
725

709

712
680

500

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Agronegócio Brasil

Fonte: Ipea apud Informativo Abag (2011).

Se o agronegócio não apresentou participação expressiva no crescimento da


economia brasileira, teve outros importantes méritos. Foi o grande gerador de di-
visas da economia brasileira, tendo sido responsável pelo bom desempenho das
contas externas do país a partir de 2001, quando houve a reversão da sequência
de déficits ocorrida na segunda metade da década de 1990. Em 2011, a balança
comercial do agronegócio foi superavitária em US$ 77,51 bilhões, representando
a principal contribuição pelo resultado positivo da balança comercial brasileira, de
US$ 29,8 bilhões no mesmo ano [Neves (2012)]. Gerou e manteve empregos no
campo, prestando dessa forma relevante contribuição para a sociedade brasileira.
Em 2001, o desembolso total do BNDES foi de R$ 25,5 bilhões, um recorde à
época. Dez anos depois, ao atingir R$ 140 bilhões, mostrou novamente sua capaci-
dade de superar desafios e atingir novo e mais relevante patamar de desembolso.
Agroindústria 101

Em 2001, o complexo agroindustrial (CAI) recebeu recursos do BNDES no mon-


tante de R$ 7,4 bilhões. Desse total, R$ 4,8 bilhões foram destinados à agroindús-
tria em seu conceito restrito, ou seja, considerando apenas a agropecuária e as
indústrias de alimentos, bebidas e fumo. Em 2011, os valores foram, respectivamen-
te, R$ 25,2 bilhões e R$ 16,6 bilhões. Fica patente a importância do BNDES para a
economia nacional e, especialmente, para o agronegócio. A Tabela 2 sintetiza essas
informações.

Tabela 2 Desembolsos do BNDES – 2001 e 2011 (em R$ bilhões)

Discriminação 2001 2011 Var. 2011-2001 (%)

Total 25,5 139,9 449

CAI 7,4 25,2 240

Agroindústria 4,8 16,6 246

Fonte: BNDES.

A partir deste trecho, os dados informados referem-se exclusivamente à agroin-


dústria tomada em sentido restrito.
Os programas do governo federal5 administrados pelo BNDES foram os grandes
responsáveis pela evolução do agronegócio no período, uma vez que incentivaram
a produção primária. Os mais relevantes são mostrados a seguir.
O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) sem-
pre se destacou, tanto em relação aos desembolsos quanto ao número de opera-
ções. Em 2001, concedeu financiamentos que somaram R$ 265 milhões e, em 2011,
tal montante atingiu R$ 1,3 bilhão, beneficiando mais de trinta mil famílias.
O Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos As-
sociados e Colheitadeiras (Moderfrota) foi criado em 1999, para impulsionar o setor
de máquinas e equipamentos que passava por um período de dificuldades. Com a
edição desse programa, o BNDES e o governo federal visavam incentivar a aquisição
pelos produtores de tratores e implementos, colheitadeiras e suas plataformas de

5
Os programas do governo federal administrados pelo BNDES, como Pronaf, Prodecoop e Moderfrota, apresentavam taxas de juros
fixas em 2011, variando entre 6,5% a.a. e 9,75% a.a.
102 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

corte e equipamentos para preparo, secagem e beneficiamento de café. Em 1999, o


Moderfrota contabilizou liberações da ordem de R$ 1 bilhão; em 2001, R$ 1,7 bilhão.
Já em 2008 atingiu a marca recorde de R$ 2,3 bilhões, representando variação de
35% sobre 2001. A partir de 2009, as operações foram direcionadas para o Programa
de Sustentação do Investimento PSI, que apresentava melhores taxas de juros.
Em 2002, para a safra 2002-2003 foi criado o Programa de Desenvolvimento
Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop), cuja
finalidade é incrementar a competitividade do complexo agroindustrial das coope-
rativas brasileiras, por meio da modernização de seus sistemas produtivos e de co-
mercialização. Esse programa possibilitou o crescimento e fortalecimento da maio-
ria das cooperativas, em especial as situadas no oeste paranaense. Em seu primeiro
ano de vigência, o programa desembolsou R$ 899 milhões. As liberações chegaram
a atingir R$ 1,5 bilhão em 2009, ano de sua maior efetividade. Em 2011, os desem-
bolsos foram de aproximadamente R$ 460 milhões. Também visando promover a
recuperação e/ou reestruturação patrimonial das cooperativas e a concessão de re-
cursos para o financiamento de capital de giro para o atendimento de suas necessi-
dades imediatas operacionais, foi criado, em 2009, o Programa de Capitalização de
Cooperativas Agropecuárias (Procap-Agro), o qual liberou, no período 2009-2011,
o montante de R$ 5,3 bilhões. O efeito desses financiamentos pode ser percebi-
do pelo crescimento no faturamento líquido de cooperativas paranaenses, como,
Copacol, Coamo e C.Vale,6 da ordem de 309% no período 2001-2011.
Os produtos listados a seguir foram importantes fontes de financiamento
para o agronegócio no período: BNDES Finame e Finame Agrícola, além do BNDES
Automático. Entre 2001 e 2011, ocorreu variação positiva no desembolso acumu-
lado desses produtos da ordem de 264%. Quanto a valor, no início do período o
desembolso foi de R$ 2,5 bilhões e, em 2011, de R$ 9,3 bilhões.
O Cartão BNDES é outra forma de levar financiamento a pequenos produto-
res. Com excelente aceitação, é hoje ferramenta essencial para dinamização do

6
Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol), Cooperativa Agropecuária Mourãoense (Coamo) e C.Vale – Cooperativa
Agroindustrial, situadas, respectivamente, nos seguintes municípios: Cafelândia, Campo Mourão e Palotina.
Agroindústria 103

crédito para pequenos empreendedores e micro, pequenas e médias empresas do


agronegócio. No início das atividades, em 2003, as operações com o cartão para o
setor foram praticamente inexistentes. No ano seguinte, totalizaram R$ 498 mil;
em 2005, R$ 3,3 milhões. O ano de 2011 terminou com R$ 243 milhões em opera-
ções, o que corresponde a cerca de 3% do total de recursos disponibilizados por
meio desse produto.
As grandes empresas focadas no agronegócio também receberam apoio do
BNDES, na forma de operações diretas (em geral, com financiamento superior a
R$ 10 milhões, sendo também consideradas as operações de renda variável), ou via
intermediação de agentes financeiros.
Entre 2001 e 2011 o apoio do BNDES para a agroindústria, seja na modalidade
de financiamento ou no aporte de capital, foi carreado para o desenvolvimento/ex-
pansão do parque fabril. Nesses anos, destacaram-se financiamentos para empresas
de bebidas, preparação de couro e industrialização de aves e suínos. Os desembol-
sos anuais estão indicados no Gráfico 4.

Gráfico 4 Desembolsos para a agroindústria no período 2001-2011 (em R$ mil, março de


2012, corrigidos pelo IGP-DI)

10.000.000

8.000.000

6.000.000
R$ MIL

4.000.000

2.000.000

-
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: BNDES.
104 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

No início desse período, destacaram-se ainda as operações-programa com fu-


mageiros.7 Essa iniciativa, que visava facilitar o crédito aos pequenos produtores,
tinha a seguinte estrutura: uma empresa fumageira funcionava como âncora, coor-
denando e organizando os produtores que queriam investir com a mesma finalida-
de (reforma de galpões, por exemplo). A empresa procurava o agente financeiro e
apresentava o projeto que congregava os investimentos dos produtores. As garan-
tias eram oferecidas pelas pessoas físicas (produtores), responsabilizadas em caso
de inadimplência. As taxas de juros, prazos e obrigações de cada contrato eram
pactuados entre produtor, empresa e agente financeiro, em cada caso. O fluxo de
caixa do produtor poderia passar pela empresa, que, nesse caso, reteria um percen-
tual dos pagamentos durante o ciclo produtivo para a liquidação do empréstimo,
descontando um valor pré-acordado, o que reduziria o risco do agente financeiro.
A empresa também poderia usar seu poder de negociação para conseguir melhores
condições financeiras com as construtoras e fornecedores de materiais, reduzindo
os custos dos investimentos.
As operações-programa começaram em 1991 e foram relevantes até 2004, ten-
do alcançado liberações acumuladas no período de aproximadamente R$ 175 mi-
lhões, repassados por agentes financeiros, que possibilitaram que milhares de pe-
quenas famílias da Região Sul – notadamente do Rio Grande do Sul – aperfeiçoassem
a cultura do fumo. A produtividade registrou grande incremento, ao mesmo tempo
em que as perdas foram bastante reduzidas. O resultado mais visível foi aumento
da renda dos produtores assistidos pelo programa. Esse modelo, em razão de seu
sucesso, foi depois estendido aos produtores de leite e de cana-de-açúcar e perma-
nece como alternativa para outros segmentos da agroindústria.
Na segunda metade da década de 2000 foi observada uma mudança no perfil
de finalidade do apoio do BNDES. As operações de maior relevância foram as de
participação no capital das empresas, o que possibilitou a algumas delas alcançar,
com sucesso, o mercado mundial. Em cinco anos, o BNDES injetou no capital das
empresas cerca de R$ 14 bilhões. Esse apoio financeiro possibilitou a internacio-

7
Pessoa ou empresa que desenvolve atividades de cultivo e produção de tabaco.
AgroindústriA 105

nalização das principais empresas brasileiras de proteína animal, que se tornaram


líderes mundiais no segmento.
o fim do período analisado foi marcado por uma crise econômica que se espa-
lhou por todo o mundo. o Brasil reagiu e adotou uma política anticíclica, promoven-
do o consumo e o investimento. Assim, em 2008, o BndEs criou o Programa Especial
de Crédito (PEC), voltado para capital de giro, suprindo a lacuna temporária deixada
pelos bancos comerciais. Essa fonte de recursos tinha como clientes pequenas e mé-
dias empresas, que normalmente passam por maior dificuldade no acesso ao crédito
em momentos de crise. os desembolsos associados a esse programa somaram r$ 519
milhões entre 2009 e 2011, sendo integralmente destinados à agroindústria.
o Banco lançou também o Programa BndEs de Crédito Especial rural (Procer),
em abril de 2009, e o Programa BndEs de sustentação do investimento (Psi), em
junho do mesmo ano. Com esses programas, conseguiu impedir a redução do nível
dos investimentos produtivos que também poderia ocorrer como reflexo da crise
econômica mundial. os recursos desses programas possibilitaram o reforço de capi-
tal de giro, além de viabilizarem os investimentos do setor e a aquisição isolada de
máquinas e equipamentos novos de fabricação nacional. no âmbito dos dois pro-
gramas, no período 2009-2011, o BndEs liberou para as empresas da agroindústria
o montante aproximado de r$ 16,3 bilhões.
Exposto o histórico e a relevância do apoio do BndEs ao complexo agroindus-
trial em seus sessenta anos de atuação, seguem as questões que deverão constituir
a agenda futura do setor na visão do BndEs.

3. V i S ÃO DE f U T U R O
DemanDa

A população mundial atual está em torno de sete bilhões de pessoas. Existem di-
versas projeções para seu crescimento até o ano de 2050, oscilando de oito a dez
bilhões de habitantes. o número mais provável e aceito, contudo, é de nove bilhões
de pessoas [Wolfgang e samir (2010)].
106 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Esse crescimento populacional se dará especialmente nos países subdesenvolvi-


dos e em desenvolvimento, com maior concentração na Ásia (destaque para Índia)
e África (destaque para os países subsaarianos). Nos países desenvolvidos, a tendên-
cia é que a população estabilize ou mesmo diminua, salvo efeito imigração.
Mantidos os níveis atuais de consumo, a demanda por alimentos deveria cres-
cer na mesma proporção. De acordo com a Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), contudo, esse crescimento de 30% na população
deve gerar um crescimento de 70% na demanda por alimentos, com o consumo de
cereais crescendo 43% e o de carnes 74% [Barros (2012)].
Essa expectativa de crescimento desproporcional na demanda por alimentos é
função do local onde ocorrerá o crescimento populacional. Podem-se elencar qua-
tro fatores básicos que se verificam nos países responsáveis por esse fenômeno:
1. desenvolvimento econômico;
2. crescimento da renda e melhoria de sua distribuição;
3. ingresso de um enorme contingente populacional que vive abaixo da linha da
pobreza no mercado consumidor; e
4. processo acelerado de urbanização.
Nos países onde ocorrerá esse crescimento populacional observa-se, ainda que
em graus diferenciados, um rápido desenvolvimento econômico. Com isso, além de
o nível de consumo individual dessas pessoas aumentar, um novo contingente será
incorporado ao mercado consumidor. São pessoas que viviam em modelos econô-
micos de subsistência com nível de consumo mínimo.
Cabe esclarecer que quanto menor a renda de um indivíduo, maior o peso dos
alimentos em seus gastos. Sempre que ocorre um aumento de sua renda, o primei-
ro destino desse incremento é a melhoria do padrão alimentar, em quantidade, em
um primeiro momento, e em qualidade, com a continuidade do processo.
O que se observará no mundo é um aumento do consumo per capita de alimen-
tos. Nos países desenvolvidos, onde as necessidades básicas da população já estão
atendidas (em muitos casos sobreatendidas, com problemas de obesidade), não se
espera crescimento do consumo de alimentos, apenas uma mudança qualitativa,
com foco nos produtos mais elaborados e de maior conveniência.
Agroindústria 107

Nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, se observará o duplo efei-


to do crescimento populacional e do consumo per capita. A China constitui impor-
tante exceção, pois lá deverá ser observado apenas o aumento do consumo per
capita, já que a população deve se estabilizar nos níveis atuais ou mesmo sofrer
pequena redução.
Associado a isso, observa-se um processo rápido de urbanização nesses países,
o que também contribui para a mudança dos padrões de consumo, com a substitui-
ção dos cereais pelas proteínas mais estruturadas, como as carnes. Em 1900, pouco
mais de 10% da população habitava as cidades. Atualmente, a população urbana
representa 50% do total e, em 2050, deverá representar cerca de 70% da popula-
ção mundial [Kearney (2010)]. Esse processo deverá continuar a ocorrer em ritmo
muito lento nos países desenvolvidos, mas em ritmo acelerado nos demais. Urbani-
zação implica uma mudança para uma dieta mais rica em energia (mais gorduras,
óleos e proteína animal) com menor consumo de fibras e vegetais.
As principais fontes de alimento são cereais (trigo e milho), proteínas animais
(carnes e laticínios), oleaginosas (soja) e óleos vegetais (soja e óleo de palma), açú-
car, vegetais, raízes, tubérculos, nozes e frutas. Os cereais são e continuarão a ser a
principal fonte, mas perderão importância relativa, principalmente para as carnes.
O peso dos cereais como fonte de kcal da população é estimado em 54% e deverá
declinar para 46% em 2050 [Kearney (2010)].
Nos países desenvolvidos, o peso dos cereais é menor que nos países sub-
desenvolvidos e em desenvolvidos (na Ásia e África, o peso dos cereais chega a
70%). Por isso, o impacto do crescimento populacional e de renda nesses países
provocará um crescimento maior na demanda por carnes que por cereais, já que,
com o incremento da renda e a urbanização, o consumo tende a migrar de cereais
para proteína animal, em um processo de “ocidentalização” de suas dietas. Logo,
o Brasil, como um dos mais importantes players mundiais do setor de carnes, de-
verá ser bastante beneficiado.
Cabe ainda um registro em relação ao processo de globalização, que teve im-
portante impacto no desenvolvimento econômico e na redução da pobreza, com
consequente incremento da demanda por alimentos, notadamente em países sub-
108 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

desenvolvidos e em desenvolvimento. A continuidade desse processo deve reforçar


os efeitos dos quatro fatores8 anteriormente descritos.

Biocombustíveis x alimentos
A partir da década de 1960, os insumos utilizados na produção agrícola passaram
a apresentar uma taxa de crescimento de seus preços sistematicamente superior a
dos preços das commodities agrícolas [Fuglie, MacDonald e Ball (2007)]. As margens
da produção estão cada vez mais apertadas. Isso leva os produtores a redireciona-
rem seus investimentos para o cultivo das espécies mais valorizadas no mercado e
a direcionarem seus produtos aos mercados que são melhores pagadores, como é o
caso da indústria de biocombustíveis.
Com isso, há alguns anos, uma discussão se tornou bastante comum nos principais
órgãos internacionais: a produção de biocombustíveis como substituto aos combus-
tíveis fósseis – principalmente o petróleo – e sua ameaça à produção de alimentos.
A escalada dos preços dos alimentos verificada entre os anos 2003 e 2009 pôs
esse tema ainda mais em evidência. De acordo com Neves et al. (2011), dados da
FAO mostram que os preços dos alimentos subiram, em média, 14,7% entre 2003
e 2005, 34,2% entre 2005 e 2007 e impressionantes 57,1% entre 2007 e 2008. Em
alguns países, os preços em 2009 eram cerca de 80% superiores a 2007.
Diversos estudos e entidades atribuíram à produção de biocombustível a maior
parcela da causa dessa brusca elevação de preços. O argumento parte do princípio
de que a produção de biocombustível afeta direta e indiretamente a produção de
alimentos, o que levaria a sua maior escassez e consequente valorização. Direta-
mente, quando a produção de soja, milho e cana-de-açúcar, em vez de se destinar
à alimentação humana ou ração animal para posterior produção de alimentos, se
volta à produção de etanol – a exemplo do milho e da cana-de-açúcar – e de biodie-
sel – caso da soja; indiretamente, quando os insumos que seriam utilizados para a
produção de diversos alimentos são usados para a produção de culturas destinadas

8
(1) Desenvolvimento econômico; (2) crescimento da renda e melhoria de sua distribuição; (3) ingresso de um enorme contingente
populacional que vive abaixo da linha da pobreza no mercado consumidor; e (4) processo acelerado de urbanização.
Agroindústria 109

ao biocombustível. Entre os insumos, podemos citar fertilizantes, defensivos e má-


quinas agrícolas, mão de obra e, principalmente, terra – área agricultável.
Essa questão se torna mais relevante quando se reconhece que as populações
de baixa renda são as mais afetadas com a alta nos preços dos alimentos, já que
esse componente possui maior peso em seu orçamento. Milhões de pessoas sim-
plesmente deixariam de ter acesso a uma necessidade básica: alimentação.
No entanto, apesar do apelo social que envolve esse tema, há a necessidade
de buscar as verdadeiras causas envolvidas. Neves et al. (2011) elencaram alguns
fatores, além da competição do biocombustível, geralmente citados em estudos
como os responsáveis pelo avanço recente nos preços dos alimentos. Dentre eles,
destacam-se:
1. crescimento da população mundial;
2. desenvolvimento econômico e melhoria na distribuição de renda de países po-
pulosos, tais como Brasil, China, Índia etc;
3. programas governamentais de acesso ao consumo de alimentos;
4. processo de urbanização;
5. elevação nos preços do petróleo;
6. escassez de produção.
Pode-se observar que os quatro primeiros fatores afetam diretamente a de-
manda por alimentos, gerando uma pressão sobre os preços, e não têm relação
alguma com a produção de biocombustíveis.
Os dois últimos estão ligados ao lado da oferta; o primeiro deles é justamen-
te uma das razões para incentivar a produção de biocombustíveis: reduzir a de-
pendência de uma única fonte de energia, cuja produção se concentra em poucos
países e com um histórico memorável de manipulação de preços. O último fator é
característica intrínseca da produção agrícola e se refere às intempéries edafocli-
máticas a que está sujeita.
Cabe, ainda, destacar dois aspectos que reforçam a teoria de que o biocombus-
tível não prejudica a produção de alimentos no Brasil, são eles:
1. Baixa participação no uso do solo: o programa brasileiro de etanol, não obs-
tante seja responsável por quase a metade da oferta de combustíveis no país,
110 BndEs 60 Anos – PErsPECtiVAs sEtoriAis

ocupa cerca de cinco milhões de hectares da lavoura de cana. Considerando-se


que, pelo Censo Agropecuário de 2006, a área ocupada por estabelecimentos
agropecuários era de cerca de 330 milhões de hectares, há oportunidades para
a expansão do cultivo de cana-de-açúcar por meio do aumento de produtivida-
de de outras atividades (especialmente, da pecuária).
2. Aumento de produtividade da cultura de cana-de-açúcar: o desenvolvimento
do etanol celulósico, que conta com significativo apoio do BndEs, também
contribuirá para minimizar esse “dilema”, pois poderá aumentar em até 50%
a produtividade do etanol de cana – de sete mil a dez mil litros por hectare –,
poupando terra e outros insumos agropecuários.
Assim, a condenação sumária da produção de biocombustíveis, com base em al-
gumas pesquisas com metodologias duvidosas e generalizações incoerentes, deve ser
evitada. É necessário ficar atento às fontes financiadoras desses estudos e suas ver-
dadeiras intenções. há, claramente, uma disputa de interesses comerciais em jogo.
o Brasil, atualmente, é um dos mais promissores produtores de alimentos e biocom-
bustíveis. Essas duas atividades deverão andar em sintonia, utilizando a sinergia exis-
tente entre elas e as vantagens competitivas que nosso extenso histórico nos confere.
o BndEs, no decorrer de sua história, vem apoiando esses dois setores da
agroindústria, tendo sido, portanto, coerente com seu papel de indutor de desen-
volvimento e promotor dos interesses nacionais.

4. S US TEnTAB iL iD A D E
o complexo agroindustrial (CAi) produz e emite gases do efeito estufa em todos os
seus elos, desde a produção no campo e seus insumos, passando pelo processamento,
distribuição, refrigeração, preparação para consumo (residências e restaurantes) e
descarte final. Embora não haja estudos que quantifiquem as emissões desses gases
por todo o complexo, o Painel intergovernamental de Mudanças Climáticas (iPCC, em
inglês) estima que os impactos diretos da agricultura respondam por 10%-12% das
emissões globais, excluindo aquelas resultantes do uso de combustível, produção de
fertilizantes e da correção do solo para agricultura [garnett (2010)].
Agroindústria 111

Ainda segundo Garnett (2010), o IPCC aponta cinco alternativas para redução
dessas emissões ao longo do CAI. São elas:
1. Promoção de ações que sequestrem carbono no solo. Devem ser avaliadas com
cautela, uma vez que o balanço líquido de seus efeitos pode ser pouco signifi-
cativo, ou até mesmo, negativo. Isso porque o reflorestamento ou a cobertura
vegetal de uma área agricultável podem levar ao uso de outra terra menos ade-
quada ao cultivo, demandando correção do solo, atividade que gera emissão
de gases do efeito estufa.
2. Otimização do uso de nutrientes. Para isso é necessária melhor precisão na do-
sagem e na frequência de aplicação de fertilizantes, combinada com a incorpo-
ração de culturas fixadoras de nitrogênio nos processos de rotação.
3. Promoção do aumento da produtividade. No aspecto da redução das emissões,
significa maior rendimento por unidade de gases gerados na cadeia, ou seja,
maior produtividade no cultivo (agricultura) e na criação de animais e otimiza-
ção do uso de insumos. Nesse contexto, o termo “intensificação sustentável” é
utilizado para designar aumentos de rendimento que não aumentam os danos
ao ecossistema.
4. Gerenciamento e beneficiamento dos efluentes e resíduos. Inclui os processos
de tratamento de biomassa, compostagem, digestão anaeróbica e sistemas fe-
chados com recirculação de efluentes e aproveitamento de resíduos no próprio
processo produtivo.
5. Redução da intensidade de carbono nos combustíveis consumidos. Trata do uso
eficiente de energia e do uso de combustíveis alternativos de fontes renováveis,
tais como biomassa, biogás, energia eólica e solar.
Além do aquecimento global, a expectativa de escassez de água representa
uma relevante preocupação ambiental. Segundo a FAO (2007), o uso global da
água cresceu a uma taxa maior que o dobro da taxa de crescimento da população
mundial no último século.
A tendência de escassez da água vem sendo agravada pelas mudanças climáti-
cas, principalmente nas regiões mais secas. Para minimizar tal ameaça, são neces-
sárias várias medidas além da redução do impacto da ação humana sobre o meio
112 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

ambiente e o clima. A agropecuária é a principal demandante de água em nível


global. Com a perspectiva do crescimento da população mundial e, consequente-
mente, do consumo de alimentos, é cada vez mais urgente a necessidade de redu-
ção do consumo de água nas cadeias produtivas agropecuárias.
A maioria dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Eco-
nômico (OCDE), tradicionalmente, vem protegendo seus produtores agropecuários
com políticas de apoio à produção doméstica, por meio de tarifas, cotas e subsídios
a exportações. A partir do fim da década de 1980, intensificaram-se os esforços
para disciplinar essas políticas que levam a distorções no comércio internacional,
como é o caso das rodadas do Uruguai e de Doha.
Enquanto a importância das barreiras clássicas diminui gradualmente, aumen-
tam os padrões de qualidade e de segurança, amparados nos acordos: de Aplica-
ção de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio
(OMC); de Barreiras Técnicas ao Comércio; e de Direitos de Propriedade Intelectual.
A tendência é que as barreiras tarifárias sejam substituídas por essas crescentes
barreiras não tarifárias.
Nesse cenário, torna-se cada vez mais relevante a comprovação da qualidade
e segurança dos produtos agropecuários. O Brasil deverá investir ainda mais na
qualidade e segurança e no monitoramento e fiscalização de toda sua produção
agropecuária e de alimentos.
A pesquisa e desenvolvimento (P&D) focada no aumento da produtividade no
campo e no desenvolvimento de tecnologias poupadoras de água, seja no campo
ou na indústria, deve ser priorizada pelas políticas públicas, bem como por todos os
agentes dessa cadeia produtiva.
Além da motivação ambiental, a própria sustentabilidade econômico-financei-
ra da produção de alimentos deverá ser o principal motivador do desenvolvimento
tecnológico em todo o complexo agroindustrial.
Várias ações já vêm sendo conduzidas a fim de garantir a sustentabilidade do
agronegócio brasileiro. Dentre elas, vale destacar o Programa de Agricultura de Baixo
Carbono (ABC), criado em 2010 pelo governo federal para incentivar processos tecno-
lógicos que neutralizem ou minimizem os efeitos dos gases de efeito estufa no campo.
AgroindústriA 113

5. i nO VAÇ ÃO
no campo

Em um cenário de demanda crescente e de restrições nos fatores de produção


(principalmente, terra e mão de obra), o conhecimento e a tecnologia são fatores
fundamentais para o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. A produtividade
precisa ser perseguida, considerando ainda um cenário de escassez de água e de
aquecimento global.
no esforço de atender à crescente demanda por alimentos, as lavouras, em
escala mundial, vão contar apenas com mais 5% de terras aráveis (setenta milhões
de hectares, concentrados na América Latina e África) [Barros (2012)]. Com isso, o
crescimento deverá vir da geração e da difusão de inovações tecnológicas.
o complexo agroindustrial, assim como outros setores da economia, não
poderá crescer e se consolidar sem investir em inovação; e, nele, genética é si-
nônimo de inovação.
A suinocultura depara-se com o seguinte desafio: ao mesmo tempo em que a
seleção genética resulta em mais leitões por matriz, provoca também aumento na
mortalidade em razão do baixo peso dos animais recém-natos. Esse desafio motiva
pesquisadores a identificar características genéticas que combinem a prolificidade
com a sobrevivência dos leitões.
A pecuária bovina nacional ainda está em busca de melhores índices em relação
à produtividade e à precocidade do rebanho. Enquanto nos Estados Unidos e na
Europa o gado de corte está pronto para o abate com menos de dois anos de ida-
de, no Brasil a média ainda é de três anos.9 isso porque 80% do rebanho brasileiro
é composto por animais zebuínos, notavelmente menos precoces que os de origem
europeia. A grande esperança para o melhoramento mais eficaz e mais rápido das
raças zebuínas, em especial a nelore, está aliada aos resultados obtidos com a gené-
tica molecular, a qual vem se estabelecendo cada vez mais nos centros de pesquisa.

9
período necessário para que os animais atinjam o peso vivo ideal para abate.
114 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O setor avícola brasileiro é um dos mais avançados tecnicamente do mundo.


Essa posição foi conquistada por conta de seus custos altamente competitivos, pro-
porcionados, entre outros fatores, por seus excelentes índices zootécnicos e sani-
tários, que começam na definição das linhagens e vão até o integrado – produtor
responsável pela engorda dos pintos de um dia. Toda a tecnificação das estruturas
e os avanços em pesquisa sobre manejo e insumos reverteriam em resultados bem
menos significativos aos que existem hoje, se não estivessem no Brasil as melhores
linhagens do mundo.
No caso das commodities, como a liderança dos mercados depende da redução
dos custos produtivos, a competitividade está atrelada fundamentalmente à busca de
economias de escala, baixa capacidade ociosa, logística eficiente e inovação de pro-
cessos. Com esse arcabouço, as estratégias ligadas ao domínio da (bio)tecnologia vêm
sendo de fundamental importância para se manter de forma competitiva no mercado.
A concentração agroindustrial oferece um ambiente bastante favorável para que esse
processo se intensifique, já que aumenta o poder de negociação, reduz os gastos com
a comercialização e amplia o porte financeiro das empresas [Wesz Junior (2011)].
A agricultura deverá manter sua tendência de incorporação de organismos ge-
neticamente modificados (OGM). No mundo, já são cerca de 160 milhões de hecta-
res cultivados com sementes transgênicas, conforme dados do International Service
for the Acquisition of Agri-biotech Applications (ISAAA).10 Ainda de acordo com
esse órgão, o Brasil é o segundo maior produtor em cultivo com sementes genetica-
mente modificadas, ficando atrás somente dos EUA. Soja, milho, canola11 e algodão
continuarão a liderar as áreas cultivadas com sementes transgênicas que conferem
tolerância a herbicidas ou resistência a insetos.
A competitividade de commodities agrícolas hoje depende da aplicação da frontei-
ra dos conhecimentos de ciência, tecnologia e inovação. O sistema nacional de pesqui-

10
ISAAA é o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas, na sigla em inglês.
11
A canola (ou colza) (Brassica napus L. var. oleífera) é uma espécie oleaginosa, da família das crucíferas, produzida de forma
semelhante a outros grãos do Sul do Brasil. Destaca-se como uma excelente alternativa econômica (não exige ativos específicos,
valendo-se da mesma estrutura de máquinas e equipamentos disponíveis nas propriedades) para uso em esquemas de rotação de
culturas, particularmente com trigo, diminuindo os problemas de doenças que afetam esse cereal. Além de produção de óleo para
consumo humano (indicado como alimento funcional por médicos e nutricionistas), a canola também se presta para a produção de
biodiesel (adaptado de Embrapa Trigo).
Agroindústria 115

sa agrícola coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)


foi imprescindível como fonte de inovação genética para o avanço do agronegócio
brasileiro [Wilkinson et al. (2008-2009)]. Exemplo do impacto dos resultados de sua
ação foi o conjunto de tecnologias para incorporação dos cerrados ao sistema produti-
vo, que tornou a região responsável por cerca de 40% da produção brasileira de grãos,
uma das maiores fronteiras agrícolas do mundo [Dimande e Andrade (2006)].
No entanto, o avanço das empresas globais de genética, exemplificado mais
recentemente pela aquisição das empresas brasileiras de biotecnologia de cana-
-de-açúcar, impõe um desafio à manutenção da relevância do sistema brasileiro de
pesquisa e desenvolvimento do agronegócio. As sinergias, cada vez mais estreitas,
entre as inovações em genética e as em insumos químicos para agricultura, propor-
cionadas pelas novas técnicas biotecnológicas, levaram a um processo de fusão ou
absorção das empresas de sementes pelas grandes empresas agroquímicas. Nesse
processo, a participação nacional no mercado brasileiro de sementes praticamente
desapareceu, bem como a liderança da Embrapa no lançamento e difusão de novas
variedades dos principais cultivos [Wilkinson et al. (2008-2009)].
Segundo Silva e Costa (2012), observadores indicam que as empresas líderes na in-
dústria de agroquímicos despendem entre 25% e 90% de seus orçamentos de P&D com
o desenvolvimento de sementes. O retorno já alcançado justifica tais investimentos.
Segundo a consultoria Céleres [Freitas Júnior (2012)], em 2007, as sementes represen-
tavam apenas 6% dos custos diretos de produção nas plantações de soja e entre 8% e
10% nas lavouras de milho; em 2012, esses percentuais são praticamente o dobro. A
tendência é de que continuem crescendo à medida que seja incorporado às sementes
maior conteúdo tecnológico, aumentando a produtividade, reduzindo o consumo de
agroquímicos e melhorando a resistência das culturas a pragas.
Com o domínio das empresas de agroquímicos sobre o mercado de sementes
geneticamente modificadas, parece ter sido estabelecido um novo paradigma tec-
nológico que associa o desenvolvimento de novas sementes ao uso de agroquími-
cos específicos.
No entanto, não basta o desenvolvimento de novas tecnologias. A difusão da
tecnologia por todo o sistema produtivo brasileiro é um fator determinante para
116 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

que se complete o processo de inovação. O Brasil conta com grande número de ins-
tituições dedicadas à extensão rural e assistência técnica. Essa atividade precisa ser
reforçada tanto em seu alcance, ampliando o número de propriedades rurais aten-
didas, quanto em seu conteúdo, por meio de constante treinamento e atualização
tecnológica das equipes técnicas.

Na indústria

O comportamento do consumidor pode ser influenciado por aspectos socioeconô-


micos, políticos e culturais, tais como: aumento da renda, redução do tamanho das
famílias, processo de urbanização, entrada da mulher no mercado de trabalho,
redução do tempo disponível para preparação e consumo dos alimentos, preocupa-
ção ecológica, aumento do acesso à informação e globalização. Somam-se a eles os
aspectos tecnológicos, tais como: o desenvolvimento de processos da indústria de
alimentos e de novas embalagens, novas matérias-primas, novos usos das matérias-
-primas tradicionais, desenvolvimento do sistema logístico, novos equipamentos
para uso doméstico (freezers, fornos, micro-ondas etc.) [Pereira, Abreu e Bolzan
(2002)]. Com isso, a indústria de alimentos deve estar atenta às tendências nos há-
bitos de consumo e preparar-se para atender a elas em tempo hábil.
Uma das formas de agregar valor aos produtos da indústria de alimentos é seg-
mentá-los de acordo com seu público-alvo. Assim, há produtos voltados para crianças,
idosos, grupos com restrições alimentares, famílias grandes e pequenas, entre outros.
Com a intensificação dos processos socioeconômicos já relatados, há mercado
crescente para produtos semiprontos, porções adequadas às necessidades do con-
sumidor (individual ou família), produtos saudáveis, com baixo teor de gordura,
entre outros. Para que o alimento preserve suas características organolépticas e
atenda aos anseios do consumidor são necessários investimentos constantes em
pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Em aspectos gerais, a inovação na indústria alimentícia é incremental e seu pro-
cesso de desenvolvimento é caracterizado por ampla interface com outros setores. A
indústria de alimentos estimula inovações em todo o complexo agroindustrial: nos
AgroindústriA 117

produtores de matéria-prima (agropecuária); em fornecedores de aditivos; no setor


de embalagens; na distribuição atacadista e varejista; e, em indústrias de bens de ca-
pital. Como uma indústria intermediária, ela não apenas identifica as mudanças nos
perfis de consumo e a elas se adapta, mas também transmite tais mudanças para seus
fornecedores [Cabral (2004)]. Com isso, há uma grande oportunidade a ser explorada
de promover a inovação nos fornecedores por meio de apoio à indústria alimentícia.
outra forma de agregação de valor que vem se consolidando no mercado de ali-
mentos são os certificados de qualidade e selos de denominação de origem. segundo
Coutinho (2003), o processo de diferenciação por meio da denominação de origem
implica a estruturação de redes locais de produção, promovendo o desenvolvimento
local sustentado. Para que uma denominação de origem seja reconhecida, deve ser
registrada na organização Mundial de Propriedade intelectual. no caso de vinhos e
aguardentes, deve ser registrada na oficina internacional da Uva e do Vinho (oiV).
o primeiro produto a receber uma denominação de origem foi o vinho do Porto, em
1756. no Brasil, desde 1996, o café do Cerrado é comercializado utilizando certificado
de denominação de origem com o selo CErtiCAFÉ. Em 1990, a Associação Mineira dos
Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq) mobilizou os produtores para o desen-
volvimento de um programa de qualidade para cachaça artesanal, o que resultou em
um certificado de conformidade e selo de qualidade para suas associadas. o Brasil con-
ta ainda com diversos outros produtos alimentícios regionais com potencial para serem
promovidos no mercado, inclusive internacional, por essa estratégia de diferenciação.

6. EX PO RTAÇ ÕE S
no agronegócio, a porcentagem de valor agregado captada em torno da matéria-
-prima é baixa e geralmente declinante. As estratégias que decorrem dessa óti-
ca enfatizam a necessidade de explorar as opções de avançar ao longo da cadeia
[Wilkinson et al. (2008-2009)]. Além do aspecto financeiro, a entrada das empresas
em novos mercados traz outros importantes benefícios. Empresas exportadoras, em
geral, são levadas a ampliar suas capacitações internas para atingir mercados mais
exigentes, tanto em relação aos custos, quanto à qualidade.
118 BndEs 60 Anos – PErsPECtiVAs sEtoriAis

no Brasil, a Lei Kandir, vigente desde 1996, desonerou o imposto sobre Circu-
lação de Mercadorias e serviços (iCMs) nas exportações de matérias-primas. isso
permitiu, por um lado, maior competitividade nas exportações das commodities
agrícolas brasileiras e, por outro, reduziu sensivelmente a viabilidade da produção
agroindustrializada destinada ao mercado externo [Wesz Júnior (2011)].
segundo a Associação Brasileira das indústrias da Alimentação (Abia), o Brasil é
o sétimo exportador mundial de alimentos processados e, no geral do agronegócio,
incluindo exportação de café em grão, soja em grão e matéria-prima, o Brasil é o
quinto exportador mundial em valor e o segundo em volume (excluindo pescados).
Por outro lado, entre os maiores exportadores de alimentos em valor, estão Alema-
nha e holanda, grandes importadores de matéria-prima, processadores e reexpor-
tadores de alimentos de maior valor agregado.
o Brasil pode evoluir significativamente na agregação de valor dos produtos
agropecuários exportados. Para isso, são necessárias melhorias no sistema brasileiro
de transporte e logística, revisão da política tributária, constante negociação dos
alimentos processados na pauta dos acordos bilaterais e intensificação da prática
da inovação nas empresas brasileiras.

7. C O nC L US Ã O
no decorrer de seus sessenta anos de existência o BndEs esteve ao lado do agrone-
gócio brasileiro, apoiando-o de acordo com as políticas de governo vigentes, em di-
ferentes intensidades e com diversos objetivos. Essa história está longe de seu fim.
Com o Plano Brasil Maior, política industrial atualmente vigente, a inovação
é a grande aposta para o desenvolvimento da diversificada economia brasileira.
nesse contexto, o BndEs volta seus esforços para viabilizar os investimentos de
todo o complexo agroindustrial, apoiando seus diversos elos e, indiretamente,
apoiando a infraestrutura, fator determinante para manutenção e aumento da
competitividade do agronegócio brasileiro.
A sustentabilidade, considerada em suas dimensões econômica, social e am-
biental também, torna-se cada vez mais importante e presente na agenda de
Agroindústria 119

todo o complexo agroindustrial. Afinal, não há como promover desenvolvimento


sem considerá-la.
Com as expectativas de demanda crescente por alimentos e biocombustíveis,
mudança climática, escassez de água e crescentes barreiras não tarifárias, os desa-
fios para o complexo agroindustrial estão delineados.
Entretanto, dadas as condições naturais do Brasil, como água e disponibilidade de
terra associadas à tecnologia nacional já desenvolvida, o agronegócio nacional tem
plenas condições de responder aos desafios apresentados, produzindo e exportando
produtos saudáveis e ambientalmente sustentáveis para grande parte do mundo.
O BNDES está atento e disposto a continuar como uma das bases de sustenta-
ção do sucesso do agronegócio brasileiro.

R e f er ênc i as
Abia – Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação. Sugestões da
Indústria da Alimentação para Alavancagem da Exportação de Alimentos
Processados com Valor Agregado. 2012. Disponível em: <http://abia.org.br/vst/
SugestoesINDALparaAlavancagemExportacaoAlimsProcessados.pdf>. Acesso em:
23 abr. 2012.

Informativo Abag. São Paulo: Associação Brasileira do Agronegócio, n. 77, ano 11,
out.-nov. 2011.

Araújo, N. B.; Wedekin, I.; Pinazza, L. A. Complexo agroindustrial – o “agribusiness


brasileiro”. São Paulo: Agroceres, 1990.

Barros, G. Sem investimento, competitividade do agronegócio pode cair. Folha de


São Paulo, São Paulo, 3 mar. 2012.

Cabral, J. E. O. A inovação tecnológica da indústria de alimentos. Artigo Técnico


da Embrapa, 7 dez. 2004. Disponível em: <http://www.embrapa.br/imprensa/
artigos/2000/artigo.2004-12-07.2406531424/ >. Acesso em: 2 mai. 2012.
120 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Coutinho, E. P. Denominação de origem como ferramenta de qualificação


vinculada ao espaço de produção. In: XXIII Encontro Nacional de Engenharia de
Produção – Ouro Preto (MG), Brasil, 21 a 24 out. 2003.

Dimande, C. D.; Andrade, R. S. Proposição de uma alternativa de gestão de projetos


para uma organização de pesquisa agroindustrial. In: XIII Simpep, Bauru (SP), Brasil,
6 a 8 nov. 2006.

FAO – Food and Agriculture Organization. Interview, Dr. Jacques Diouf, Director-
General of FAO, the coordinating agency within the UN system for World Water
Day Newsroom. Focus on the issues, 2007.

Fajardo, S. Complexo agroindustrial, modernização da agricultura e participação


das cooperativas agropecuárias no Estado do Paraná. Caminhos de Geografia –
Revista Online, v. 9, n. 26, Uberlândia, jun. 2008.

Faveret Filho, P.; Paula, S. R. L. A Agroindústria. BNDES 50 anos: histórias setoriais.


p. 77-99, São Paulo, 2002.

Faveret Filho, P.; Lima, E. T.; Paula, S. R. L. O papel do BNDES no financiamento ao


investimento agropecuário. BNDES Setorial, n. 12, p. 77-92. Rio de Janeiro: BNDES,
set. 2000.

Freitas Júnior, G. Área com transgênicos no país deverá crescer 54% até 2020/21. Valor
Econômico, 12 abr. 2012.

Fuglie, K. O.; MacDonald, J. M.; Ball, E. Productivity Growth in U.S. Agriculture.


Economic Brief, n. 9, United States Department of Agriculture (USDA), set. 2007.

Garnet, T. Where are the best opportunities for reducing greenhouse gas
emissions in the food system (including the food chain)? Food Policy, 2010.
Disponível em: <doi: 10.1016/j.foodpol.2010.10.010>. Acesso em: 23 mai. 2012.

Gonçalves, J. E. Contextualização do complexo agroindustrial brasileiro. In: XLIII


Congresso da Sober, Ribeirão Preto (SP), 2005.
Agroindústria 121

Grigorovski, P.R.E. O BNDES e o financiamento da Agricultura, out. 2000.


Monografia de conclusão do curso de Economia. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.

Grigorovski, P. R. E. et al. O BNDES e a Agroindústria nos anos 90. BNDES Setorial,


n. 13, p. 157-190. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2001.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2006. 2009.

Kearney, J. Food consumption trends and drivers. Londres: The Royal Society
Publishing, 2010.

Neves, M. F. et al. Food and Fuel: The example of Brazil. Holanda: Wageningen
Academic Publishers, 2011.

Neves, M. F. Exportações do Agro a caminho dos US$ 100 bilhões. Folha de São
Paulo, São Paulo, Caderno Mercado, Página B5, em 28 jan. 2012.

Pereira, L. K.; Abreu, A. F.; Bolzan, A. A necessidade de inovar: um estudo na


indústria de alimentos. Revista de Ciências da Administração, Florianópolis, v. 4,
n. 6, jan.-jun. 2002.

Silva, M. F. O; Costa, L. M. A indústria de defensivos agrícolas. BNDES Setorial,


n. 35, Rio de Janeiro: BNDES, 2012.

Wesz Junior, J. V. Dinâmicas e estratégias das agroindústrias de soja no Brasil. Sociedade e


Economia do Agronegócio, n. 4. Rio de Janeiro: E-papers Serviços Editoriais Ltda, 2011.

Wilkinson, J. (Coord.) et al. Perspectivas do investimento na agroindústria.


Perspectivas do Investimento no Brasil, Sistema Produtivo 04, Rio de Janeiro: UFRJ,
306 p., 2008-2009. Disponível em: <http://www.projetopib.org/arquivos/ie_ufrj_
sp04_agronegocio.pdf >. Acesso em: 13 jan. 2012.

Wolfgang, L.; Samir, K. C. Dimensions of global population projections: what do we


know about future population trends and structures. Londres: The Royal Society
Publishing, 2010.
Job Rodrigues Teixeira Junior
Rangel Galinari
Paulo Fernandes montano
Juliana Generoso da silva*

* respectivamente gerente, economistas e estagiária do departamento de Bens de Consumo, Comércio e serviços da área Industrial
do Bndes.
Bens de Consumo 123

R ES UM O
Este artigo expõe um breve histórico dos ramos tradicionais da indústria de bens
de consumo, abrangendo móveis, calçados, têxteis e confecções, bebidas e produ-
tos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, com ênfase no desempenho da
indústria brasileira, na análise da atuação do BNDES e no período 2001-2011. O
texto oferece uma reflexão sobre os desafios, as oportunidades e as estratégias que
definirão a trajetória dos setores estudados no futuro próximo.

AB S TR AC T
This paper presents a brief history of the traditional branches of industry, including
furniture, footwear, textiles and clothing, beverages and personal care products,
perfumes and cosmetics, with emphasis on the performance of Brazilian industry, in
analyzing the performance of BNDES and in the period 2001-2011. The text offers
a reflection on the challenges, opportunities and strategies that will define the
trajectory of the sectors studied in the near future.
Bens de Consumo 125

1. i NTR O DUÇ Ã O
Ao completar sessenta anos de existência, o Bndes dedica o ano de 2012 à refle-
xão, organizando em perspectiva histórica os principais desafios perante os quais a
indústria brasileira se encontra, bem como as oportunidades existentes.
entre 1930 e 1980, o Brasil passou por grandes transformações sociais, apre-
sentou dinamismo econômico e experimentou severas oscilações institucionais.
Trata-se do período central da história republicana brasileira. nos anos que se se-
guiram a 1930, consolidou-se no Brasil o desenvolvimentismo como ideologia, ten-
do a industrialização como meta e a substituição de importações como método.
Como resposta às necessidades reveladas por essa estratégia, em 1952 foi criado
o Banco nacional de desenvolvimento econômico (Bnde),1 que desde então vem
atuando de modo decisivo no apoio ao desenvolvimento do país.
o complexo industrial brasileiro se completa e amadurece ao longo da se-
gunda metade do século XX, passando a contar com setores tradicionais, como o
moveleiro; emblemáticos, como o automobilístico; básicos, como o químico; es-
tratégicos, como o de bens de capital; e avançados, como o aeronáutico. É nesse
período que se incluem as três fases clássicas da história econômica recente do
Brasil: o Plano de metas, o milagre econômico e o II Pnd, assim como algumas das
principais crises enfrentadas pelo país, como o colapso institucional de 1961-1964,
a crise da dívida do início da década de 1980, o regime de alta inflação (1980-
1994) e a crise energética de 2001.
outros fenômenos sociais ocorreram ou se aceleraram depois de 1952 no país,
como a urbanização, o ganho de importância do setor de serviços, a consolidação
democrática, a modernização da agricultura e o surgimento de uma economia do
conhecimento engendrada pela revolução da microeletrônica, da informática e das
comunicações em geral. não obstante a evidente importância do setor terciário, o
valor estratégico de certos ramos e a existência de ilhas de excelência, as indústrias
tradicionais brasileiras chegam à segunda década do século XXI ainda responden-

1
em 1982, o Banco passou a se chamar Banco nacional de desenvolvimento econômico e social (Bndes).
126 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

do por uma expressiva parcela do emprego, da geração de valor e da corrente de


comércio do país.
Neste artigo, uma proxy do amplo segmento das indústrias tradicionais será
definida pelos setores de móveis, de calçados, de têxteis, de confecções, de bebidas
e de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC). Não há nessa es-
colha a ambição de propor uma definição para a noção de “indústria tradicional”,
que aqui surge ligada aos bens-salário, aos típicos setores da primeira Revolução
Industrial ou aos bens de consumo final.
As atividades consideradas compartilham o uso de tecnologias tradicionais, ti-
picamente ligadas a inovações tecnológicas incrementais (em geral oriundas dos
fornecedores), havendo grande importância das inovações de marketing, organi-
zacionais e de processo [Costa, Monteiro Filho e Guidolin (2011)]. Além disso, eco-
nomias de escala e custo do trabalho são variáveis importantes para a maior parte
desses setores, o que os expõe à concorrência asiática, em especial.
Dois grandes fenômenos mundiais se destacaram nos anos 2000, e a análise dos
setores selecionados permite que eles sejam aqui abordados:
• Competição asiática: a ascensão da China como grande player do comércio in-
ternacional e de outros países asiáticos, como Índia, Paquistão, Bangladesh e
Vietnã, como grandes produtores de manufaturados básicos.
• Sociedade pós-industrial: aceleração do declínio da importância das competên-
cias meramente produtivas e manufatureiras, que passam a portar características
típicas do universo das commodities, vis-à-vis competências intangíveis ligadas à
economia do conhecimento, com a geração de valor se concentrando em inova-
ção, marketing, design e controle dos canais de distribuição e comercialização.
No quadro nacional, um terceiro fenômeno se junta aos anteriores, abrindo
boas perspectivas para a indústria brasileira:
• Mercado consumidor doméstico: queda dos índices de desigualdade, cresci-
mento da renda per capita e ampliação do acesso ao crédito, criando uma nova
classe média e constituindo um mercado de consumo de massa.
Além disso, estima-se para os próximos anos melhora nas condições macroeco-
nômicas, que nas três décadas que se seguiram ao segundo choque do petróleo fo-
Bens de Consumo 127

ram quase sempre hostis ao investimento e à economia real, seja pelos momentos
depressivos vividos em 1981-1983, 1990-1992, 1998-1999, 2001, 2003 e 2009, seja
por adversidades cambiais como a de 1994-1998 ou a de 2010-2011, seja pelo nível
da taxa básica de juros, com diversos momentos de aperto monetário entre 1988 e
1992 e situada sempre acima de 15% a.a. entre 1995 e 2005 (sendo ainda hoje uma
das mais altas do mundo), seja, por fim, pela instabilidade gerada pelo regime de
alta inflação que caracteriza todo o período 1980-1994.
A possibilidade de haver, na segunda metade da década de 2010, uma combi-
nação de inflação sob controle (até 5% a.a.), juros reais básicos baixos (inferiores
a 2% a.a., o que reduziria bastante uma das principais pressões sobre a taxa de
câmbio) e crescimento econômico sustentável (da ordem de ao menos 3% a.a.), em
um quadro de estabilidade institucional, além de redução da concentração de ren-
da, diminuição da relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) e
equilíbrio nas contas externas, representaria um contexto macroeconômico inédito
para o país, tomados não somente os sessenta anos de existência do BNDES, mas
também todo o período republicano.
Para examinar os setores selecionados, este artigo se estrutura em dois blocos.
No primeiro, são mostrados indicadores que ilustram a evolução das indústrias tra-
dicionais no mundo e no Brasil, bem como a atuação do BNDES. O segundo bloco
resume desafios, perspectivas e possíveis estratégias compatíveis com o cenário bá-
sico esperado para a década de 2010.
O texto mostra as grandes transformações observadas no comércio internacio-
nal, sobretudo a importância assumida pela produção chinesa. Com presença mun-
dial discreta e com o mercado doméstico absorvendo grande parte da produção
nacional, será visto que o fenômeno asiático vem se mostrando menos perigoso
pelos pequenos prejuízos observados no market share das exportações brasileiras
no comércio mundial do que pelo acirramento da concorrência no próprio solo bra-
sileiro. Ainda assim, os índices aqui apresentados mostram grande controle do mer-
cado doméstico pelos produtores locais, embora o quadro venha se deteriorando.
As estatísticas mostram também a destacada relevância das indústrias tradicionais
para o emprego e o PIB.
128 Bndes 60 Anos – PeRsPeCTIVAs seToRIAIs

em relação às perspectivas de médio e longo prazos, o texto propõe uma di-


visão entre dois grandes grupos, o das empresas que procuram manter vantagens
competitivas de custos e o das que buscam uma competição por diferenciação,
agregação de valor e inovação. o primeiro grupo se mostra mais exposto à con-
corrência asiática e mais dependente da concretização das boas perspectivas ma-
croeconômicas, em meio a um complexo conjunto de fatores que inclui regulação
do comércio exterior e deslocamentos regionais da produção para fronteiras de
menor custo do trabalho. o segundo grupo, embora também possa se beneficiar
de um contexto macroeconômico menos severo, mantém no interior das empresas
a maior parte dos fatores críticos, dependendo de iniciativas gerenciais, dentre as
quais se destacam a maior disposição a assumir riscos calculados e os investimentos
em excelência, inovação, design, moda e marketing.
nos dois grupos, há certo equilíbrio entre ameaças e oportunidades, o que sig-
nifica que os próximos anos serão marcados por grande incerteza. Trata-se de um
desafio para as indústrias tradicionais de bens de consumo do Brasil, que provavel-
mente passarão por um ciclo de muitas transformações.

2 . PANO R AM A D A S iN D Ú S T R iA S
TR ADi C i O N A iS D E B E N S D E C ON S U MO
NO S ANO S 2 0 0 0 E O PA P E L D O B N D ES
As indústriAs trAdicionAis de bens de consumo no mundo

A cadeia produtiva dos ramos tradicionais da indústria de bens de consumo, sobre-


tudo a dos setores têxtil, confecções e calçados, é mundialmente fragmentada no
aspecto territorial, integrando-se sob o comando de grandes players internacionais,
sobretudo administradores de marcas e varejistas. enquanto as atividades de maior
valor agregado e intensivas em conhecimento, como moda, design e desenvolvi-
mento de produtos e marcas, tendem a se localizar em países centrais, as intensivas
em trabalho e matérias-primas buscam constantemente vantagens competitivas de
custos em países periféricos, onde há oferta de mão de obra e insumos baratos.
Bens de Consumo 129

Essas características moldam tanto a localização da produção no globo como o pa-


drão de comércio internacional de bens tradicionais, como será visto nas próximas
subseções, reservadas a um breve panorama internacional dos setores selecionados
em anos recentes.

Têxteis e confecções
Segundo Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI) (2011), os principais paí-
ses produtores de têxteis e confecções no ano de 2009 foram, em ordem decrescen-
te de volume produzido, China, Hong Kong, Estados Unidos (EUA), Índia, Paquistão
e Brasil. Juntos, esses países respondem por aproximadamente 70% da oferta mun-
dial. Já os maiores produtores de artigos de vestuário são China, Hong Kong, Índia,
Paquistão, Brasil e Turquia, responsáveis por 65% da produção mundial.
Ao contrário dos países asiáticos, que se encontram plenamente inseridos na
cadeia produtiva global, a produção brasileira é, em sua maior parte, voltada ao
mercado interno. Desse modo, apesar de figurar entre os maiores produtores mun-
diais, o país não se encontra entre os maiores exportadores – em 2009, o Brasil foi
o 24º maior exportador de têxteis do mundo e o 41º de vestuário.

Calçados
A produção de calçados também se concentra na Ásia. Conforme Associação Portu-
guesa dos Industriais de Calçados, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos
(APICCAPS) (2011), a China foi responsável por 62,4% da quantidade produzida de
calçados no mundo em 2010, seguida da Índia (10,2%), Brasil (4,4%), Vietnã (3,8%)
e Indonésia (3,3%). Por outro lado, o consumo de calçados é geograficamente dis-
perso, acompanhando a distribuição da população e da renda. A Ásia é o principal
mercado consumidor de calçados do globo (49%), seguida de Europa (20%) e Amé-
rica do Norte (17%). O Brasil é o quarto maior país consumidor, detendo 4,5% do
volume mundial, logo atrás de China (15,2%), EUA (13,4%) e Índia (11,7%).
A origem das exportações mundiais se concentra na Ásia (85%), que atua em
segmentos de menor preço e produção em grande escala. Já a Europa se destaca
por atuar em segmentos superiores, em virtude de sua capacitação em desenvolvi-
130 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mento de produtos, design e marcas. A Itália, por exemplo, apesar de ser o nono
maior produtor de pares de calçados do mundo, figura como o quarto maior ex-
portador em volume e o segundo em valor. Em razão da melhor qualidade de seus
produtos e do segmento em que atuam, os países europeus ocupam nove entre as
15 primeiras posições do ranking de valor exportado. O Brasil, apesar de ter perdi-
do participação no mercado internacional nos anos 2000, ainda é um dos grandes
fornecedores de calçados, ocupando a nona posição entre os maiores exportadores
em volume e a 12ª posição em valor.

Móveis
De acordo com Projeto PIB (2009), até meados da década de 1990, os países desen-
volvidos eram os principais produtores e consumidores de móveis. Em busca de van-
tagens competitivas de custo, acesso a matérias-primas e mercados consumidores,
as grandes empresas do setor instalaram fábricas e desenvolveram fornecedores
em países em desenvolvimento, aumentando a participação destes no cenário in-
ternacional. Apesar dessa relocalização da produção, os países de alta renda ainda
contam com ligeira vantagem quanto ao valor produzido.
Dados do Centre for Industrial Studies (CSIL-Milano) evidenciam que, em 2010,
cerca de 52% do valor de produção mundial de móveis estava concentrado em
países desenvolvidos – apesar de a China ser o maior produtor mundial. Destes, me-
rece destaque a produção de EUA (14%), Itália (7%), Alemanha (6%), Japão (3%)
e França (3%). Entre os países de média e baixa renda despontam China (31%),
Vietnã (2%), Polônia (2%) – países cuja produção cresce rapidamente em função de
investimentos em plantas desenhadas para exportação – e Brasil (2%). Os maiores
exportadores de móveis são China, Itália, Alemanha e Polônia, nessa ordem, e os
importadores, EUA, Alemanha, França e Reino Unido.

Higiene pessoal, perfumaria e cosméticos (HPPC)


No setor de HPPC coexistem um grande número de pequenas e médias empresas
voltadas a mercados locais e um grupo reduzido de grandes empresas transnacio-
nais que responde por parte significativa das vendas mundiais. A existência de um
Bens de Consumo 131

contingente significativo de pequenas e médias empresas é explicada pelas baixas


barreiras à entrada que caracterizam o setor, em particular as tecnológicas, no que
tange aos produtos de menor valor agregado. Nesse ramo, as pequenas e médias
empresas, em geral, elegem algum segmento e nele se especializam, principalmen-
te no caso de cosméticos, enquanto as grandes empresas tendem a ser mais diversi-
ficadas, havendo, no entanto, exemplos de empresas especializadas.
Além de influenciado por padrões culturais, o consumo de produtos dessa in-
dústria é altamente correlacionado com a renda per capita, em especial nos seg-
mentos mais sofisticados. Por conseguinte, os países desenvolvidos são os maiores
mercados consumidores. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de
Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), em 2010 o mercado mundial
de HPPC totalizou US$ 374 bilhões em vendas. Os EUA, onde as vendas alcançaram
quase US$ 60 bilhões, ocupam a primeira posição no ranking de mercados consu-
midores, seguidos pelo Japão (US$ 44 bilhões). O Brasil ocupa posição de destaque,
constituindo-se o terceiro maior mercado consumidor de HPPC do mundo (US$ 37
bilhões), à frente de China (US$ 24 bilhões), Alemanha (US$ 18 bilhões) e França
(US$ 16 bilhões).
Os países desenvolvidos são os mais importantes em relação ao comércio in-
ternacional, tanto como exportadores quanto como importadores de produtos de
HPPC. Informações do Comtrade mostram que em 2010 os principais exportadores
foram França (US$ 124,0 bilhões), Alemanha (US$ 7,6 bilhões), EUA (US$ 7,2 bi-
lhões), Reino Unido (US$ 3,9 bilhões) e China (US$ 2,1 bilhões), e os maiores im-
portadores foram EUA (US$ 5,6 bilhões), Alemanha (US$ 4,4 bilhões), Reino Unido
(US$ 4,1 bilhões), França (US$ 2,4 bilhões) e Japão (US$ 2,3 bilhões). Apesar de gran-
de produtor, o Brasil não ocupa posição de destaque no comércio internacional de
HPPC, ocupando a 22ª posição entre os maiores exportadores, atrás de países em
desenvolvimento, como México, Tailândia e Índia, e a 32ª entre os importadores.

Bebidas
O setor de bebidas inclui a fabricação de bebidas alcoólicas – destilados, vinhos e cer-
vejas – e não alcoólicas – águas envasadas, refrigerantes, chás e refrescos. O consumo
132 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

desses produtos também é altamente correlacionado com a renda per capita e, no


caso das bebidas alcoólicas, influenciado por aspectos culturais e legais. A exemplo
dos demais produtos das indústrias tradicionais de bens de consumo, as fracas bar-
reiras à entrada permitem que coexistam no mercado pequenas e grandes empresas.
No entanto, o setor tem especificidades que o distinguem de outros setores tradicio-
nais, como as denominações de origem, que diferenciam produtos segundo regiões
geográficas. Esse fato, ao limitar a oferta a determinada região, gera algum grau de
monopólio sobre o produto, viabilizando sua produção em países onde a mão de
obra é relativamente cara. Além disso, em razão da oferta de insumos e de fatores
históricos e climáticos, alguns países de alta renda são mais competitivos em determi-
nados produtos, como vinho, cerveja e uísque.
Os principais mercados de bebidas são também os mais relevantes em relação
ao comércio internacional. Segundo a United Nations Conference on Trade and
Development (UNCTAD), os maiores exportadores em 2010 foram os países euro-
peus, notadamente França, Reino Unido, Itália, Alemanha e Holanda, que juntos
responderam por 50% do comércio internacional. Nesse ano, os principais países
importadores foram Reino Unido, Alemanha, Canadá, França, Holanda, Bélgica e
Japão. Apesar de ser um grande produtor e consumidor, a participação do Brasil
no comércio internacional de bebidas ainda é modesto. Por outro lado, o país se
insere no mercado internacional por meio de participação de capital em empresas
sediadas no exterior.2

As indústrias tradicionais de bens de consumo no Brasil

Depois de duas décadas de baixo crescimento, a economia brasileira reuniu, nos


anos 2000, condições de crescer de maneira sustentada. O processo de estabilização
econômica iniciado com o Plano Real em 1994 restaurou paulatinamente a confian-
ça e a previsibilidade dos agentes econômicos, permitindo a estes planejar melhor
suas decisões de investimento e consumo.

2
A brasileira Ambev, quarta maior cervejaria do mundo, está presente em 14 países das Américas e, por meio da Anheuser-Busch
InBev (AB InBev), integra a maior plataforma de produção e comercialização de cervejas do mundo.
Bens de Consumo 133

Embora a retomada do crescimento do PIB nos anos 2000 tenha sido influenciada,
no início, pelas exportações, o ciclo de crescimento observado a partir de 2004 se con-
solidou por meio da demanda interna, isto é, pela ampliação do consumo das famílias
e do investimento. Como visto no artigo introdutório do Volume I “A economia bra-
sileira: conquistas dos últimos dez anos e perspectivas para o futuro” , a combinação
de fatores como o aumento da renda média do trabalho, a significativa ampliação das
políticas de transferência de renda, a estabilidade do nível de preços e a expansão do
acesso ao crédito recuperou o poder de compra do brasileiro e contribuiu para a emer-
gência da chamada “nova classe média”. Com esse novo contingente de consumidores,
dotado de poder de compra ampliado e demandas reprimidas, o país assistiu a uma
explosão de consumo, que impactou positivamente a demanda por bens da indústria
em geral, incluindo a dos segmentos tradicionais de bens de consumo, como evidenciam
as informações do Gráfico 1.

Gráfico 1 Consumo final das famílias de bens tradicionais a preços de mercado de 2009 –
Brasil, 2001-2009 (R$ milhões)*

230.000

220.000

210.000

200.000

190.000

180.000

170.000

160.000

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: IBGE/Coordenação de Contas Nacionais.


Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços do consumo final por produto, calculados com base nas Tabelas
de Recursos e Usos das Contas Nacionais.

*Em função das agregações das fontes de dados disponíveis, algumas estatísticas do presente trabalho contam com representações mais
amplas dos setores. Os segmentos de HPPC e de móveis , por exemplo, incluem, respectivamente, a fabricação de produtos de limpeza e
de produtos das indústrias diversas nas estatísticas das Contas Nacionais.
134 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Como será visto nas próximas seções, o bom desempenho das vendas no merca-
do interno de produtos das atividades aqui analisadas não foi plenamente aprovei-
tado pela indústria brasileira, em particular depois da crise financeira internacional,
o que suscitou ações por parte do BNDES como resposta à perda de competitivida-
de dos produtos nacionais ante os importados. Antes de detalhar questões relativas
ao desempenho econômico propriamente dito dos setores em questão no Brasil,
assim como as ações do BNDES, é necessário expor características dessa indústria
que reportam sua importância para a economia do país.

Relevância
Segundo a Pesquisa Industrial Anual (PIA Empresa) do IBGE, o setor de bens de consu-
mo tradicionais foi responsável por cerca de 12% do valor da transformação industrial
e 11% do valor bruto de produção da indústria de transformação brasileira em 2010.
Se essa participação já é relevante, o setor evidencia ainda mais sua importância na
absorção de mão de obra. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que em 2010 o setor ocupou mais
de 1,84 milhão de pessoas, o que representou 24% do emprego formal da indústria de
transformação e 4% do total do emprego formal no Brasil. É importante salientar que
a maior parte da mão de obra ocupada no setor encontra-se em MPMEs (Gráfico 2),
em particular nos segmentos de produção de vestuário e móveis. Se por um lado esse
atributo indica que o setor não se beneficia de economias de escala, por outro expli-
ca a elevada empregabilidade que é capaz de sustentar.
As características desse setor também são importantes do ponto de vista do de-
senvolvimento regional. As indústrias tradicionais de bens de consumo dispõem de
certa facilidade de se realocarem no espaço geográfico em resposta a mudanças nas
condições econômicas. O baixo requerimento de capital e de obras civis, o dispên-
dio relativamente pequeno com treinamento da mão de obra e o baixo custo de
transporte de insumos e produtos favorecem a disseminação e movimentação dessas
atividades no espaço.3 Além disso, há nesses setores um grande número de peque-

3
Na década de 1990, por exemplo, uma das estratégias adotadas pela indústria de calçados brasileira para enfrentar a concorrência
advinda da abertura comercial foi se realocar na Região Nordeste em busca de menores custos de mão de obra, entre outros incentivos.
Bens de Consumo 135

nas e médias empresas dispersas no território voltadas ao atendimento de mercados


locais. Tais atributos permitem que os segmentos aqui analisados ofertem postos de
trabalho tanto em áreas desenvolvidas como naquelas em que a renda é relativa-
mente baixa e a infraestrutura apresenta deficiências, contribuindo para a redução
das desigualdades regionais. O Gráfico 3 corrobora esse argumento ao demonstrar
que a maior parte dos empregos formais dos setores tradicionais de bens de consumo
encontra-se em cidades do interior (65% do total). Os segmentos de HPPC e bebidas
são os mais concentrados nas capitais e regiões metropolitanas de capitais, enquanto
ramos intensivos em trabalho, como vestuário, calçados e móveis, são interiorizados.4
Além disso, o Gráfico 4 evidencia que no intervalo de 15 anos, entre 1995 e 2010, o
processo de desconcentração espacial dos setores tradicionais não cessou. O emprego
formal dessas indústrias cresceu em todas as regiões brasileiras nesse período, com
aumento da participação relativa das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Gráfico 2 Distribuição do emprego nas indústrias tradicionais de bens de consumo por


tamanho das firmas – Brasil, 2010 (%)

100
11 10
90 23
31
33
80 18 40
44
29
70
25
60

33 39 28
50
25
32
40 34
30

30
23
23 24
20
32 29
16
10 22
13 16
11
6
0
Bebidas Têxteis Vestuário Calçados HPPC Móveis Total

Grande Média Pequena Micro

Fonte: MTE/Rais.
Nota: Classificação das empresas por número de empregados: micro – 1 a 19; pequena – 20 a 99; média – 100 a 499; grande – 500 ou mais.

4
Deve-se destacar que as empresas dos setores mais interiorizados, em particular as MPMEs, com frequência se concentram em
sistemas produtivos locais de forma a se beneficiar de economias externas às firmas, mas internas ao sistema local a que pertencem.
136 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 3 Distribuição do emprego nas indústrias tradicionais de bens de consumo entre


as capitais das unidades da federação brasileira, suas regiões metropolitanas (RMs) e
cidades do interior – Brasil, 2010

500.000

450.000

400.000

350.000

300.000

250.000

200.000

150.000

100.000

50.000

-
Bebidas Têxtil Vestuário Calçados HPPC Móveis

Capitais e suas RMs Interior

Fonte: MTE/Rais.

Gráfico 4 Distribuição do emprego nas indústrias tradicionais de bens de consumo por


região natural – Brasil, 1995, 2000, 2005 e 2010 (%)

1 1 1 1
100 2 3 3 4

90 12
16 18
20
80

70 29

32
32
60 31

50

40

30
56
48 46 44
20

10

-
1995 2000 2005 2010

Norte Centro-Oeste Nordeste Sul Sudeste

Fonte: MTE/Rais.
Bens de Consumo 137

Desempenho
Em que pese a patente melhoria dos fundamentos da economia brasileira e o ciclo
de crescimento verificado entre 2004 e a crise financeira internacional de 2008, os
setores tradicionais de bens de consumo não acompanharam de maneira uniforme
a performance da economia brasileira, motivando por parte do BNDES uma ação já
em 2007, com o lançamento do Programa de Revitalização de Empresas (Revitali-
za), cujos desembolsos ultrapassaram os R$ 3,2 bilhões até 2011.
Por meio de informações contidas no Gráfico 5 e na Tabela 1, é possível dis-
tinguir dois grupos de produtos das indústrias tradicionais de bens de consumo
segundo seu desempenho econômico nos anos 2000. O primeiro deles, formado
por produção de bebidas, HPPC e móveis, caracteriza-se por taxas médias de cres-
cimento anual positivas entre 2001 e 2011, enquanto o segundo grupo, compos-
to por têxteis, vestuário e calçados, por taxas negativas no período. No primeiro
grupo, merece destaque o setor de bebidas, cuja produção de R$ 34 bilhões em
2001 passa a R$ 47,9 bilhões em 2011 – elevação média de 3,5% ao ano em termos
reais. Depois de apresentar taxa média de crescimento anual negativa entre 2001
e 2003, o setor registra os melhores resultados entre as atividades analisadas. Tal
fato o conduziu em 2009 à posição de setor mais relevante em relação ao valor de
produção na classe dos bens tradicionais de consumo. Merece destaque também o
setor de HPPC, tanto por ser o único que cresce a taxas médias anuais positivas em
todos os recortes de tempo analisados, como pela variação real de 2,7% ao ano de
sua produção entre 2001 e 2011. Já a produção de móveis apresentou taxa média
anual de crescimento de 2,0%, obtendo em 2011 o maior valor de produção entre
os setores analisados.
Por sua vez, no segundo grupo, destaca-se negativamente o desempenho do
setor de calçados, cujo valor de produção cai de R$ 23 bilhões em 2001 para R$ 16
bilhões em 2011 – variação de cerca de 30% em termos reais. Apesar de os seto-
res de têxteis e vestuário terem alcançado resultados positivos durante o ciclo de
crescimento da economia brasileira entre 2004 e 2008, o desempenho negativo
nos períodos imediatamente anterior (2001 a 2003) e posterior (2009 a 2011) com-
prometeu o resultado global do período analisado. Em termos reais, a produção
138 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de têxteis decresceu, em média, 1,3% ao ano, enquanto a de vestuário caiu 1,7%


ao ano. Por conseguinte, o valor da produção desses setores em 2011 tornou-se,
respectivamente, 6,5% e 9,0% inferior ao observado em 2001.

Gráfico 5 Valor da produção a preços básicos de bens tradicionais (R$ milhões de 2009)

50.000

45.000

40.000

35.000

30.000

25.000

20.000

15.000
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* 2011*

Bebidas Têxteis Vestuário Calçados HPPC Móveis

Fonte: IBGE/ Coordenação de Contas Nacionais.


*Estimativa – corresponde à evolução do valor 2009 por meio de índices de volume (PIM-PF).
Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços por produto, calculados com base nas Tabelas de Recursos
e Usos das Contas Nacionais.

Como consequência do baixo desempenho econômico das indústrias em ques-


tão, cujo valor de produção conjunto a preços de 2009 mostrou certa estagnação
(crescimento médio de apenas 0,36% ao ano entre 2001 e 2011), sua participação
no total do valor de produção da indústria de transformação (que cresceu 2,17% ao
ano no mesmo período) passou de 14% em 2001 para 11,6% em 2011.
Haja vista o crescimento da renda e do consumo verificado no Brasil nos anos 2000,
o baixo dinamismo da produção interna de bens tradicionais de consumo parece um
contrassenso. Uma das maneiras de explicar esse fenômeno consiste em observar a pe-
netração das importações no mercado nacional, isto é, analisar a dinâmica do market
share da indústria nacional na demanda doméstica. Para tanto, o Gráfico 6, exibe o
coeficiente de penetração de importações de bens tradicionais no mercado brasileiro.
Bens de Consumo 139

Tabela 1 Variação média anual do valor da produção de bens tradicionais por período a
preços de 2009 (%)

Produto 2001-2003 2004-2008 2009-2011* 2001-2011*

Bebidas (0,42) 4,49 5,38 3,37

Têxteis (5,40) 4,24 (5,91) (1,28)

Vestuário (5,11) 0,39 (1,83) (1,74)

Calçados (2,43) (3,02) (3,90) (3,10)

HPPC 0,23 3,80 1,72 2,25

Móveis (0,60) 3,78 1,66 1,99

Total (2,70) 2,57 (0,16) 0,36

Indústria de transformação 0,24 4,16 0,85 2,17

Fonte: IBGE/Coordenação de Contas Nacionais.


*Estimativa – corresponde à evolução do valor 2009 por meio de índices de volume (PIM-PF).
Nota: Foram utilizados como deflatores os índices de preços por produto, calculados com base nas Tabelas de Recursos
e Usos das Contas Nacionais.

Gráfico 6 Coeficiente de penetração das importações de bens tradicionais a preços de


2007 – Brasil, 2001-2011 (%)

25

20

15

10

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* 2011**

Indústria de transformação Bebidas Têxteis Vestuário Calçados HPPC Móveis

Fonte: CNI/Funcex – Ipeadata.


*Estimado.
**Até set. 2011.
140 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Em todos os setores analisados, o coeficiente de importação cresceu ao longo


dos anos 2000, mantendo-se, no entanto, abaixo do verificado para a indústria de
transformação – com exceção do setor de têxteis que o ultrapassa em 2010. Para a
maioria dos setores, nota-se uma clara aceleração da participação de importados
na demanda doméstica a partir de 2009, fato que resulta da estratégia de acesso
dos grandes exportadores globais aos mercados emergentes em face da desacelera-
ção da demanda nas economias centrais depois da crise financeira internacional, da
intensificação da presença chinesa no mercado internacional (uma vez que parte
significativa desse processo ocorreu na década de 2000), da apreciação do Real e do
nível das taxas de juros no Brasil, refletido no baixo dinamismo dos investimentos
da indústria brasileira de bens tradicionais em capacidade produtiva.
Dos setores em questão, o de produção de têxteis foi o que sofreu a maior per-
da de participação no mercado doméstico. Seu coeficiente de importação cresceu
16,6 pontos percentuais, passando de 6,0% em 2001 para 22,6% em 2011. Em segui-
da, o setor de vestuário, com uma das menores participações de importados (1,5%
em 2001), obteve crescimento de 8,6 pontos percentuais, chegando a 10,1% em 2011.
A situação descrita anteriormente sugere que parte dos benefícios gerados
pelo aumento da renda e pela melhoria de sua distribuição – obtidos há pouco
tempo no Brasil e consubstanciados como aumento de demanda de bens industriali-
zados – está vazando de forma crescente para o exterior e que a indústria brasileira
vem perdendo competitividade em relação à concorrência estrangeira no próprio
mercado doméstico.
Outro indicador, o coeficiente de exportações, que mede o percentual do valor
de produção destinado à exportação, também evidencia a perda de competitivi-
dade dos produtos brasileiros, haja vista sua crescente dificuldade de inserção no
exterior. O Gráfico 7 revela que o coeficiente de exportação da indústria de trans-
formação brasileira cresceu apenas 2,7 pontos percentuais entre 2001 e 2011, pas-
sando de 12,3% para 15,0%. No caso dos bens de consumo tradicionais, a maioria
de seus coeficientes de exportação se manteve abaixo do já diminuto coeficiente
da indústria de transformação durante todo o período analisado. De fato, a maio-
ria dos setores que compõem esse grupo já se caracterizava por apresentar baixa
Bens de Consumo 141

inserção externa em princípios dos anos 2000. No entanto, dos seis setores analisa-
dos, quatro desempenharam trajetórias declinantes no decorrer da última década,
com destaque para o setor calçadista, cujo coeficiente de exportação caiu de 30,4%
em 2001 para 14,3% em 2011.

Gráfico 7 Coeficiente de exportação de bens tradicionais a preços de 2007 – Brasil, 2001-2011

35

30

25

20

15

10

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010* 2011**

Indústria de transformação Bebidas Têxteis Vestuário Calçados HPPC Móveis

Fonte: CNI/Funcex – Ipeadata.


* Estimado.
** Até set. 2011.

O desempenho do comércio exterior brasileiro reflete de forma direta os resulta-


dos vistos anteriormente. O saldo da balança comercial dos bens tradicionais alcançou
resultado positivo na primeira metade dos anos 2000. No entanto, a partir de 2006 os
saldos comerciais começam a se deteriorar, convertendo-se em déficits em 2009. Os
gráficos 8A, 8B, 8C, 8D, 8E e 8F deixam claro uma mudança no padrão do comércio
exterior dos bens tradicionais analisados neste trabalho ao longo dos anos 2000. A des-
peito do crescimento contínuo do valor das importações em todo o período em questão,
a maioria dos setores aumentou seu saldo comercial na primeira metade da década. Nos
anos subsequentes, por outro lado, o valor das exportações tendeu a declinar, gerando
déficits em quase todas as atividades ao fim do período.
142 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 8 Balança comercial de bens tradicionais – Brasil, 2001-2011 (US$ bilhões)

Gráfico 8a Bebidas

1,20 -

-0,10

1,00
-0,20

0,80 -0,30

-0,40
EXP., IMP.

0,60

SALDO
-0,50

0,40 -0,60

-0,70

0,20
-0,80

- -0,90
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Exportação Importação Saldo

Gráfico 8b Têxteis

6,00 1,00

0,50
5,00

-
4,00

-0,50
EXP., IMP.

SALDO

3,00

-1,00

2,00
-1,50

1,00
-2,00

- -2,50
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Exportação Importação Saldo


Bens de Consumo 143

Gráfico 8c Vestuário
2,00 0,4

1,80 0,2

-
1,60

-0,20
1,40

-0,40
1,20
-0,60
EXP., IMP.

1,00

SALDO
-0,80
0,80
-1,00

0,60
-1,20

0,40
-1,40

0,20 -1,60

- -1,80
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Exportação Importação Saldo

Gráfico 8d Calçados

2,50 2,00

1,80

2,00 1,60

1,40

1,50 1,20
EXP., IMP.

SALDO

1,00

1,00 0,80

0,60

0,50 0,40

0,20

- -
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Exportação Importação Saldo


144 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 8e HPPC

1,20 0,25

0,20

1,00
0,15

0,10
0,80
-
EXP., IMP.

0,60 -0,10

SALDO
-0,15

0,40
-0,20

-0,25
0,20
-0,30

- -0,35
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Exportação Importação Saldo

Gráfico 8f Móveis

1,00 1,00

0,90 0,90

0,80 0,80

0,70 0,70

0,60 0,60
EXP., IMP.

SALDO

0,50 0,50

0,40 0,40

0,30 0,30

0,20 0,20

0,10 0,10

- -
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Exportação Importação Saldo

Fonte: MDIC/AliceWeb.
Bens de Consumo 145

As atividades de produção de calçados e móveis foram as únicas superavitárias


durante os anos 2000. No entanto, o setor de calçados, o mais importante quanto
à geração de superávit da pauta de exportações de bens tradicionais, experimenta
saldos comerciais decrescentes desde 2005. Embora as vendas brasileiras do setor
tenham se elevado na União Europeia e América do Sul, elas vêm decrescendo sis-
tematicamente em seu principal destino: o mercado norte-americano. A situação
desse setor ilustra bem os desafios impostos às indústrias tradicionais. Dados da
UNCTAD mostram que em 2001 o Brasil exportou US$ 1,1 bilhão em calçados para
os EUA, valor que decresceu até chegar a apenas US$ 238 milhões em 2011. No
entanto, as importações americanas de calçados passaram de US$ 16 bilhões para
US$ 22 bilhões no período. A análise das principais origens das importações ameri-
canas deixa claro que os produtos brasileiros perderam competitividade em relação
aos asiáticos, em particular chineses, vietnamitas e indonésios. Chama a atenção o
valor das exportações de calçados do Vietnã aos EUA, que em 2001 foi de apenas
US$ 140 milhões (11% do valor então vendido pelo Brasil aos EUA) e chegou a
US$ 1,72 bilhão em 2011 (quatro vezes superior ao valor das vendas brasileiras aos
EUA). Em que pese o crescimento das exportações brasileiras para outros parceiros
importantes, atributos como as vantagens competitivas de custos (mão de obra,
insumos, economias de escala), câmbio artificialmente desvalorizado e estratégias
comerciais agressivas de países como China, Vietnã, Indonésia, Malásia e Índia vêm
impondo uma perda sistemática de participação do Brasil nesses mercados.
No que tange aos setores de têxteis e vestuário, principais responsáveis pelo
resultado negativo da balança comercial brasileira do setor de bens tradicionais, a
situação é ainda mais severa, uma vez que a competição com os asiáticos, em par-
ticular no mercado interno, está produzindo crescentes déficits. Deve-se destacar
que os produtos com maior participação na pauta brasileira de importações de têx-
teis são fibras e fios sintéticos e artificiais, enquanto os mais importantes da pauta
exportadora são os fios e fibras de algodão.
Segundo Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) (2009), o elo
da indústria química é frequentemente apontado como responsável pela baixa
competitividade brasileira de produtos derivados de fibras sintéticas. De fato, a
146 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

indústria nacional de fibras e filamentos químicos não dispõe de oferta adequada


à cadeia têxtil-vestuário. Dados da Associação Brasileira de Produtores de Fibras
Artificiais e Sintéticas (ABRAFAS) demonstram que as importações respondem por
cerca de 50% do consumo aparente de fibras químicas no Brasil. Uma vez que o
uso de produtos têxteis e confeccionados derivados de fibras químicas revela ten-
dência de crescimento, o bom desempenho das exportações brasileiras de têxteis
derivados do algodão – segmento em que o país é competitivo – não vem sendo
capaz de compensar a importação de fios e fibras artificiais e sintéticas. No entan-
to, a entrada em operação dos investimentos previstos para o complexo industrial
Petroquímica Suape, integrado pela Companhia Petroquímica de Pernambuco e
Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco, deverá mitigar esses resultados, na
medida em que sua produção poderá suprir grande parte da demanda de poliéster
do Brasil. Somam-se a isso outros investimentos anunciados, como os da empresa
Invista, que contribuirão para a melhoria da balança comercial do setor.
Por outro lado, os crescentes déficits do setor de vestuário, advindos de queda
das exportações e aumento das importações, não são explicados por deficiências da
oferta interna de insumos. O país está paulatinamente perdendo competitividade
em custos relativamente aos produtos asiáticos. A aceleração de importações veri-
ficada a partir de 2005 é explicada, sobretudo, pela compra de commodities con-
feccionadas a partir de fibras de algodão, como camisas, camisetas e jeans básicos.
Por fim, vale frisar que os saldos negativos do setor de bebidas têm, em parte,
natureza estrutural. A importação de um dos principais insumos para a produção de
cerveja, o malte de cevada, representa aproximadamente 50% do valor importado
pelo setor. Segundo a Embrapa Trigo, há somente três maltarias instaladas no país,
cuja produção satisfaz apenas 30% da demanda da indústria cervejeira nacional.5
Apesar de o Brasil dominar a tecnologia de produção da cevada, áreas dispo-
níveis e demanda crescente, de acordo com Minella (1999) a oferta nacional não
se expande por diversas razões: preferência da indústria cervejeira por importação
em função da instabilidade das safras brasileiras quanto a rendimento e qualidade,

5
<http://www.cnpt.embrapa.br/culturas/cevada/index.htm>.
Bens de Consumo 147

ausência de mercado alternativo para cevada fora do padrão malte, alto custo de
produção, mão de obra pouco qualificada, infraestrutura de recebimento, secagem
e armazenamento deficientes e baixa competitividade em preço ou qualidade pe-
rante o mercado internacional.

O apoio do BNDES
O BNDES manteve nos últimos dez anos uma política de permanente apoio às in-
dústrias tradicionais. Conforme será visto a seguir, os números do Banco refletem
de modo amortecido a dinâmica macroeconômica do país, bem como as caracterís-
ticas da estrutura produtiva nacional, com grande aumento dos desembolsos aos
setores tradicionais aqui estudados a partir de 2007.
O Gráfico 9 mostra que entre 2001 e 2007 os investimentos da indústria tradicio-
nal oscilaram pouco, sem revelar nenhuma tendência, em torno de um patamar rela-
tivamente baixo, o que se explica pelo comportamento cauteloso da indústria, uma
vez que a sustentabilidade da retomada do crescimento econômico permaneceu in-
certa nesse período: o crescimento econômico de 2004 e de 2005 não foi suficiente
para elevar de forma significativa o grau de confiança dos investidores brasileiros,
tradicionalmente avessos ao risco, depois de três anos consecutivos de conjuntura
econômica ruim, com a crise energética de 2001, o forte repique inflacionário de
2002 – ano em que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 12,53%
de variação anual) – e o ajuste recessivo que orientou a política econômica de 2003.6
Apesar da crise internacional, o período entre 2008 e 2011 mostra certa tendência de
expansão dos desembolsos, sempre situados em um nível mais alto do que a média
da primeira metade da década. Os desembolsos de cada ano refletem projetos con-
cebidos e negociados no biênio anterior, de modo que o salto observado em 2008 já
espelha a persistente melhoria das condições macroeconômicas ocorrida entre 2004
e 2007, bem como iniciativas como o lançamento do Programa Revitaliza (2007).

6
Além disso, ainda em dezembro de 2005 o Banco Central do Brasil apresentava como meta para a taxa Selic (Sistema Especial de
Liquidação e de Custódia) 18% a.a. (valor que foi de 17,75% em dezembro de 2004, de 16,5% em 2003 e de 22% em dezembro
de 2002). Somente em 2006 a taxa desempenharia uma trajetória de forte declínio (caindo para 13,25% em dezembro de 2006 e
para 11,25% em dezembro de 2007).
148 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 9 Desembolsos do BNDES às indústrias tradicionais de bens de consumo, Brasil,


2001-2011 (R$ milhões de 2011)*

6.000

5.000

4.000
R$ MILHÕES

3.000

2.000

1.000

-
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: BNDES.
* Valores deflacionados pelo IGP-M.

O apoio do BNDES mostra grande capilaridade, beneficiando empresas de


todos os portes. Conforme ilustra o Gráfico 10, a participação de micro, peque-
nas e médias empresas (MPMEs) das indústrias tradicionais de bens de consumo
no número de operações e valor desembolsado pelo BNDES cresceu substan-
cialmente no decorrer dos anos 2000. Vale frisar que entre 2001 e 2011 o valor
desembolsado às MPMEs desses ramos quase dobrou em virtude de melhorias
de condições e do desenvolvimento de produtos como o Cartão BNDES, con-
cebidos para facilitar o acesso das empresas de diversos portes aos recursos da
instituição. O Gráfico 11 mostra a grande diversidade de produtos financeiros
que o Banco oferece à indústria, buscando atender às distintas necessidades de
funding com soluções apropriadas.
Bens de Consumo 149

Gráfico 10 Participação de MPMEs no número de operações e no valor desembolsado pelo


BNDES às indústrias tradicionais de bens de consumo – Brasil, 2001-2011 (%)

100

97
90

80

70
65

60

50

40

36
30

20
19
10

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Número de operações Valor dos desembolsos

Fonte: BNDES.
Nota: O BNDES define como MPMEs as empresas cuja Receita Operacional Bruta anual é inferior ou igual a R$ 90 milhões.

Gráfico 11 Desembolsos do BNDES às indústrias tradicionais de bens de consumo por


grupo de produtos, Brasil – 2001-2011 (%)

100 1 3
6 4
11 2 11 8 11
90 17
27 14 3
7
24 39 36
80 18 24
22
57 18
70 19

18 19
60
34 43
29
23 28
50 25 29
11

40 42
18 14
16 16
30 13
52 21
20 41
13 36 35
23 24 26 23
10 19
12 15

-
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Outros Cartão BNDES BNDES Exim BNDES Finame BNDES Automático BNDES Finem

Fonte: BNDES.
150 Bndes 60 Anos – PeRsPeCTIVAs seToRIAIs

os dados do Gráfico 12 mostram que a atuação do Bndes também reflete a


relevância das indústrias tradicionais na economia brasileira. Além de responder
por uma fatia relevante dos desembolsos à indústria de transformação, o peso des-
ses setores apresenta duas fases recentes de crescimento: a primeira, entre 2006 e
2008, foi interrompida pela crise internacional, sendo imediatamente seguida por
novo triênio de crescimento, ainda mais expressivo, entre 2009 e 2011.

Gráfico 12 pArtICIpAção dAs IndústrIAs trAdICIonAIs de Bens de Consumo nos desemBolsos


do Bndes à IndústrIA de trAnsformAção e nos desemBolsos totAIs, BrAsIl – 2001-2011 (%)

16

14

12

10

0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Em relação à indústria de transformação Em relação ao total

Fonte: Bndes.

3. A DÉC ADA D E 2 0 1 0 : D E S A f iOS


E PER S PEC T iVA S
PersPectiVAs e oPortunidAdes

o decênio iniciado em 2011 caracteriza-se por certo antagonismo entre o cenário


internacional, com grande incerteza (ainda relativa à crise iniciada no já longínquo
Bens de Consumo 151

ano de 2008), e o quadro doméstico, no qual a manutenção de taxas de crescimen-


to de cerca de 4% ao ano é esperada pela maior parte dos analistas.7
As linhas gerais do atual modelo econômico brasileiro demonstram certa ro-
bustez. Aqui, o cenário considerado mais provável é o de poucas alterações nas po-
líticas relativas à recuperação do poder de compra do salário mínimo, à paulatina
expansão dos programas de garantia de renda mínima, como o Bolsa Família e o
Plano Brasil Sem Miséria, e à construção de moradias populares, como o Programa
Minha Casa, Minha Vida. Em um contexto de estabilidade das taxas de inflação,
equilíbrio das contas externas e melhoria dos indicadores da dívida pública, tal
modelo econômico pode tornar os anos 2010 a segunda década consecutiva de
crescimento econômico com distribuição de renda no Brasil, o que aprofundaria o
processo de constituição de um amplo mercado consumidor doméstico.
Mesmo para atender apenas a uma parte da expansão da demanda interna
brasileira, as empresas nacionais precisarão cumprir uma intensa agenda de investi-
mentos. Nesse aspecto, uma política monetária que conduza a taxa de juros básica
da economia a uma queda sustentável (ou seja, sem gerar aceleração inflacionária)8
poderá criar condições financeiras favoráveis aos negócios, permitindo que os in-
vestimentos necessários sejam realizados.
De fato, boas condições macroeconômicas podem permitir investimentos vol-
tados para o mercado interno. É preciso, contudo, citar ao menos dois aspectos
importantes que ultrapassam essa visão excessivamente simplificada: mudanças no
padrão de qualidade da produção nacional e prospecção de oportunidades tam-
bém no front externo, apesar do quadro de incerteza da economia internacional.
A evolução recente da renda no Brasil caracteriza-se por crescimento e distri-
buição, como visto na seção “A economia brasileira: conquistas dos últimos dez
anos e perspectivas para o futuro”. Tal quadro vem gerando mais do que um

7
No caso do Relatório de Mercado Focus, organizado pelo Banco Central do Brasil (de 29.6.2012), por exemplo, as expectativas
dos agentes consultados mostram mediana de 2,05% e 4,2% de crescimento do PIB em 2012 e em 2013, respectivamente, com
variação do IPCA de 4,9% e 5,5%.
8
Durante a década de 2000, foi constatada a possibilidade de reduzir a taxa básica de juros sem causar descontrole inflacionário no
longo prazo: embora a taxa Selic tenha caído de 19,00% a.a. para 10,75% a.a. entre 1999 e 2010, a inflação medida pelo IPCA
também caiu no período, passando de 8,94% para 5,91% (fonte: Ipeadata).
152 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

simples aumento da demanda doméstica: o perfil do consumo vem se sofisticando,


reposicionando o consumidor brasileiro em faixas crescentes de qualidade, preço e
segmentação, o que abre espaço para empresas dispostas a explorar as novas exi-
gências do mercado doméstico. Em um cenário em que a renda brasileira continue
aumentando e sendo mais bem distribuída ao longo de toda a década de 2010,
o espaço para produtos baratos, padronizados e de baixa qualidade, ao fim do pe-
ríodo, terá se reduzido significativamente no país.
No que se refere ao mercado internacional, o cenário de crise e incerteza não
impede que oportunidades pontuais sejam perseguidas e aproveitadas. Embora
a política econômica de alguns dos principais parceiros da América Latina inclua
diversas práticas de cunho protecionista, também nelas se observam, em maior ou
menor grau, recuperação econômica e distribuição de renda. Além disso, enquan-
to a possibilidade de comércio se restringe, as estratégias de internacionalização
continuam recebendo boa acolhida nesses países. Ainda em relação aos parceiros
históricos da indústria brasileira de bens tradicionais de consumo, há que se des-
tacar que a crise internacional se deslocou de seu epicentro original, sendo hoje
menos aguda nos EUA do que na Europa. No que se refere a novas fronteiras para o
comércio exterior brasileiro, destinos como o Oriente Médio e a África não podem
ser ignorados.

Estratégias e condicionantes

A complexidade que marca a conjuntura atual abre espaço para inúmeras estraté-
gias, cabendo às empresas, guiadas por aspectos microeconômicos e por distintos
níveis de excelência gerencial, o papel de tomar decisões, realizar escolhas, imple-
mentar projetos e correr riscos. Como forma de organizar a análise prospectiva
aqui proposta, dois modelos estilizados serão comentados, embora se enfatize o
reconhecimento de que há outras possibilidades, até mesmo de formas híbridas.
A primeira estratégia a ser exposta, destacada como mais promissora e me-
recedora de atenções crescentes por parte do BNDES, é baseada em competição
por diferenciação, com investimentos associados sobretudo a marketing, design,
Bens de Consumo 153

qualidade e inovação [Teixeira Junior et al. (2012)], enquanto a segunda é focada


em redução de custos, tendo por base investimentos em inovação, minimização do
custo do trabalho, otimização de processos, excelência em logística, ganhos de es-
cala, planejamento tributário, modernização de instalações e eficiência gerencial.
Ao buscar graus crescentes de diferenciação, consolidando marcas, aprimoran-
do a qualidade e projetando minuciosamente seus produtos, as empresas que ado-
tarem o primeiro tipo de estratégia estarão mais ligadas às tendências que vêm
sendo observadas na sociedade brasileira. Trata-se de um caminho em que a maior
parte do esforço é interna à empresa, havendo, portanto, menor dependência em
relação às iniciativas governamentais, concentradas em itens como o aprimoramen-
to dos instrumentos de proteção à propriedade industrial e a própria manutenção
da conjuntura macroeconômica favorável. Ainda em relação ao papel do setor pú-
blico, destaque-se o apoio aos investimentos em inovação, aqui entendida em seu
significado mais amplo. Nesse aspecto, ressalte-se a agressiva agenda de aprimora-
mento de instrumentos de apoio financeiro a investimentos em inovação e design
que o BNDES vem cumprindo desde 2011.
Produzir segundo altos padrões de qualidade, pesquisar tendo em vista a cor-
reta segmentação de mercado e gerenciar marcas são tarefas que envolvem com-
plexos desafios gerenciais, como: seleção, treinamento e gestão de mão de obra
especializada, para a qual restrições salariais são prejudiciais e devem dar lugar
a sofisticados mecanismos de incentivo; profissionalização do design, com inves-
timentos em pesquisa e prototipagem; domínio das ferramentas da economia do
conhecimento, do gerenciamento de ativos intangíveis e dos esforços ligados a
marketing; e controle dos canais de distribuição e de comercialização [Costa e Ro-
cha (2009); Guidolin, Costa e Rocha (2010)].
Às competências peculiares às atividades de maior valor agregado juntam-se
todos os condicionantes convencionais típicos das empresas que competem via cus-
tos. Trata-se, portanto, de uma estratégia que requer fôlego, envolve riscos e exige
planos de investimento complexos e multifacetados. Como prêmio, tal estratégia
tem a oferecer as vantagens seguintes:
1. posicionamento alinhado às tendências da demanda brasileira;
154 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

2. possibilidade de conquistar nichos do mercado internacional;


3. menor exposição às ameaças asiáticas, mais ligadas a custos.
A segunda estratégia, por sua vez, mostra maior equilíbrio entre a importância
das ações internas às empresas e a das iniciativas governamentais. Em relação às
empresas, esforços ligados à otimização de processos, ganhos de eficiência e pro-
fissionalização gerencial, que via de regra a indústria brasileira vem perseguindo
infatigavelmente desde a abertura comercial de 1990, juntam-se a tarefas mais
desafiadoras, como a conquista de mercados que viabilizem escalas competitivas, a
inserção em cadeias produtivas globais, o deslocamento da produção para regiões
de menor custo do trabalho e a negociação com fornecedores em bases vantajosas.
Uma queda significativa de custos passa ainda por temas complexos, como a agen-
da tributária, os gargalos que constituem o chamado “custo Brasil” e a equiparação
das taxas de juros reais praticadas no mercado financeiro nacional às observadas na
esfera internacional (que, em vários países, atualmente é negativa).
As empresas que optarem por enfatizar esforços ligados a reduções de custos,
mantendo-se no segmento de produtos de menor valor agregado e de baixo ou médio
grau de qualidade, terão pela frente a competição direta com produtores asiáticos,
como China, Índia, Indonésia, Paquistão, Bangladesh e Vietnã. Embora tais países ve-
nham revelando grande dinamismo social, conforme ilustra a evolução da renda per
capita chinesa (que decuplicou nos últimos vinte anos), parte de sua competitividade
ainda se mostra ligada a condições trabalhistas e ambientais cuja replicação no país
representaria um retrocesso que não seria tolerado pela sociedade brasileira. Além
disso, a competitividade de tais países beneficia-se de práticas comerciais e de políticas
cambiais, monetárias e fiscais que não encontram eco no Brasil. De fato, a renda per
capita dos países asiáticos acima citados raramente alcança a metade da cifra brasileira,
o que indica os distintos estágios em que as nações em questão se encontram.
Há, entretanto, vantagens locais que dão fôlego ao produtor brasileiro. O me-
lhor conhecimento da complexa malha cartorial, jurídica e tributária do país, a pro-
ximidade com varejistas e fornecedores [Guidolin, Costa e Nunes (2009)], a perda de
agilidade dos competidores asiáticos causada pela distância intercontinental que se-
para o Brasil da Ásia e a necessidade de pagar impostos alfandegários são exemplos
Bens de Consumo 155

de fatores que oferecem ao produtor nacional certa margem de vantagem. Além


disso, é possível que em 2020, depois de dez anos de avanços sociais, encontre-se
reduzido também nos países asiáticos o espaço para certas práticas. Ademais, se o
ativismo macroeconômico se mostrar de fato insustentável por grandes períodos, a
partir de 2020 os diferenciais asiáticos de competitividade talvez se restrinjam a ele-
mentos estruturais, como as economias de escala proporcionadas pela atuação em
nível mundial e a ampla diversidade de sua rede local de fornecedores.

Ameaças e desafios

A apresentação de diversas ameaças à indústria nacional de bens tradicionais de


consumo permeia este texto. Além das incertezas econômicas próprias ao capita-
lismo, da firme ascensão dos competidores asiáticos, da adoção de práticas prote-
cionistas por parte de parceiros comerciais importantes e da crise internacional, há
os desafios de natureza operacional e gerencial, que estão presentes em qualquer
implementação de projeto.
Há, ainda, outros desafios a serem considerados. Submetida a uma série de
transformações simultâneas, a economia brasileira passará por um duro teste. Caso
parte da produção industrial se torne menos intensiva em trabalho e demandante
de mão de obra especializada, tal mutação afetará setores que respondem pelas
maiores parcelas do emprego industrial no Brasil, exigindo das empresas a introdu-
ção de novos métodos de gerenciamento de recursos humanos, dos trabalhadores,
pesado esforço em treinamento e capacitação e do governo, políticas públicas que
mitiguem os custos sociais de tais mudanças.
Mais amplamente, se a transição de uma economia agrário-exportadora para
uma sociedade urbana e industrial deixou profundas marcas na história do país en-
tre 1930 e 1980, fazendo das quatro últimas décadas do século XX, em um primeiro
momento, décadas de crise política e institucional (1960-1980) e, a seguir, de crise
econômica e social (1980-2000), cabe indagar sobre os custos envolvidos na transi-
ção para uma economia do conhecimento ora em curso, baseada em serviços, ativos
intangíveis e inovação.
156 Bndes 60 Anos – PeRsPeCTIVAs seToRIAIs

o PAPel do bndes

em meio às várias oportunidades que se abrem, aos grandes desafios que surgem
e à multiplicidade de possíveis estratégias, o Bndes vê sua atuação como decisiva.
o período 2000-2020 poderá marcar dois grandes ajustes na trajetória do Ban-
co: relativo à primeira década do século, um dos ajustes levou a um redimensio-
namento que o tornou novamente compatível com as necessidades da economia
brasileira; para a segunda década, o outro ajuste passará menos pelo tamanho do
que pela forma de atuação, cada vez mais associada a inovação, design e investi-
mentos em intangíveis.
em razão da complexidade da conjuntura que se apresenta, o Bndes vem se
preparando para ser tanto um banco quanto um think tanker, analisando projetos
e formulando políticas de apoio ao desenvolvimento econômico brasileiro. A sua
reconhecida expertise em análise de projetos deverá ser acrescentado um grande
esforço de divulgação e interlocução com empresas e associações. os produtos, as
linhas e os programas do Banco precisarão refletir a complexidade do desafio.
Por ser necessário oferecer soluções de crédito a empresas de diversos portes,
será crescente a importância do Cartão Bndes e das operações do Finame e do
Bndes Automático; pela necessidade de contemplar as distintas realidades seto-
riais e temáticas, também serão de especial valor os programas especiais do Bndes,
como o Revitaliza ou novos programas voltados especificamente aos investimentos
em design e moda; por várias estratégias serem válidas, as linhas de crédito tradi-
cionais terão uma função horizontal a cumprir; e pelas dificuldades que cercam os
investimentos em inovação, design, moda e marketing, os ativos intangíveis tende-
rão a ocupar uma natural posição de destaque no âmbito do Bndes.

4. C O NC L US Ã O
este artigo procurou evidenciar a natureza dual e complexa que caracteriza tanto
o histórico da última década quanto as perspectivas da próxima, ao menos no que
se refere à indústria brasileira de bens tradicionais de consumo.
Bens de Consumo 157

Os setores aqui estudados respondem por parcelas muito significativas do em-


prego industrial e do PIB, sendo, portanto, de grande importância para o bom
funcionamento da economia brasileira. No entanto, seu crescimento recente vem
sendo inferior à expansão da demanda interna, abrindo espaço para importados e
perdendo market share no mercado doméstico. Embora ainda ostente grande do-
mínio do mercado brasileiro, tais indústrias vêm perdendo competitividade no âm-
bito interno (sem apresentar ganhos significativos em parâmetros internacionais).
O bom momento da economia brasileira, com crescimento econômico, distri-
buição de renda e equilíbrio macroeconômico, abre excelentes perspectivas para
os produtores nacionais. Contudo, o recrudescimento da concorrência estrangeira
(sobretudo asiática) é uma ameaça, até mesmo no próprio mercado doméstico.
Parte da indústria tende a aprofundar suas apostas em produtos diferenciados,
de melhor qualidade e maior valor agregado, o que implicará a criação de vagas
de trabalho de maior remuneração e investimentos em inovação, traços inegavel-
mente positivos. No entanto, a rapidez com que grandes contingentes de trabalha-
dores de menor qualificação serão treinados para as novas tarefas ou empregados
em outros setores determinará o nível de estresse social causado por esse tipo de
mudança. Além disso, investimentos em inovação envolvem dificuldades que parte
do meio empresarial ainda não se mostra apta a enfrentar.
Quanto às empresas que optarem por estratégias baseadas em otimização de pro-
cessos e liderança em custos, mantendo-se na produção de bens de baixo valor, há um
leque de iniciativas empresariais, políticas públicas e vantagens locais que lhes dão cer-
to fôlego na luta direta que travam contra os concorrentes estrangeiros. No entanto,
há limites que as impedem de lançar mão de elementos trabalhistas, ambientais ou
concernentes à política econômica que beneficiam seus competidores largamente.
A América Latina é um campo propício para que as grandes empresas brasilei-
ras se internacionalizem, ganhando escala, aumentando sua capacidade financeira
e adensando suas redes de parceiros. Por outro lado, as exportações brasileiras es-
barram em um protecionismo crescente, tarifário ou não tarifário.
Tal dualidade confere ao futuro próximo da indústria brasileira de bens tradi-
cionais de consumo a marca da incerteza. Se a última década foi de avanços modes-
158 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

tos, estagnação ou retrocessos, a próxima será de grande movimentação, apostas


empresariais e busca por inovações e mudanças. Trata-se de uma época que combi-
na, em doses semelhantes, ameaças e oportunidades.

R e f er ênc i as
ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Estudos Setoriais de Inovação:
Indústria Têxtil e de Vestuário. Belo Horizonte, 2009.

Apiccaps – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçados, Componentes, Artigos de


Pele e seus Sucedâneos. World Footwear Yearbook, Porto, 2011.

Costa, A. C. R.; Rocha, E. R. P. Panorama da cadeia produtiva têxtil e de confecções e


a questão da inovação. BNDES Setorial, 29. Rio de Janeiro: BNDES, 2009, p. 159-202.

Costa, A. C. R.; Monteiro Filha, D. C.; Guidolin, S. M. Inovação nos setores de baixa e
média tecnologia. BNDES Setorial, 33. Rio de Janeiro: BNDES, 2011, p. 379-420.

CSIL-Milano – Centre for Industrial Studies. World furniture outlook 2011/2012.


Milano, 2011.

Guidolin, S. M.; Costa, A. C. R.; Nunes, B. F. Conectando indústria e consumidor:


desafios do varejo brasileiro no mercado global. BNDES Setorial, 30. Rio de
Janeiro: BNDES, 2009, p. 3-61.

Guidolin, S. M.; Costa, A. C. R.; Rocha, E. R. P. Indústria calçadista e estratégias de


fortalecimento da competitividade. BNDES Setorial, 31. Rio de Janeiro: BNDES,
2010, p. 147-184.

IEMI – Instituto de Estudos e Marketing Industrial. Brasil Têxtil – Relatório setorial


da indústria têxtil brasileira. São Paulo, 2011.

Minella, E. Cevada brasileira: situação & perspectivas. Embrapa Trigo: Comunicado


Técnico online, n. 23, 1999. Disponível em: <http://www.cnpt.embrapa.br/biblio/p_
co23.htm>.
Bens de Consumo 159

Projeto PIB. Sistema Produtivo Bens Salários. Móveis e artefatos plásticos. Coord.
Renato Garcia. Relatório de Pesquisa. Convênio IE-UFRJ/IE-Unicamp/BNDES, 2009.

Teixeira Junior, J. R. et al. Design estratégico: inovação, diferenciação, agregação de


valor e competitividade. BNDES Setorial, 35. Rio de Janeiro, BNDES, 2012, p. 333-368.
Marina Moreira da Gama*

* Economista do Departamento de Cultura, Entretenimento e Turismo da Área Industrial do BNDES. A autora agradece
as importantes contribuições de gustavo Mello, Marcelo goldenstein e luciane gorgulho, do Departamento de Cultura,
Entretenimento e Turismo da Área Industrial, e de Patrícia Zendron, da Superintendência da Área Industrial BNDES.
ECONOMIA CRIATIVA 161

R ES UM O
O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos
e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se por perda relativa
da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor
de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufa-
tura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada
por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras
e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a
indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a ino-
vação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para
que ele cresça equilibradamente. O importante a se notar é a pouca ou nenhuma
atenção dada ao conteúdo criativo comparativamente à inovação. É preciso en-
tender que a produção de conteúdo criativo gera emprego, renda e, além de criar
propriedade intelectual própria, cria também propriedade industrial derivada da
inovação nele embarcada. O objetivo do artigo é, então, evidenciar a importância
das atividades criativas para o desenvolvimento, destacando tanto sua capacidade
de geração de riqueza quanto a oportunidade aberta para os países em desenvol-
vimento que desejam aumento de competitividade.

AB S TR AC T
The post-industrialization process that began in the 1980s in developed countries
and in the 1990s in the developing countries was characterized by a relative drop
in industrial participation in national product and an increase in the services sector.
As the services sector is less dynamic than the manufacturing sector, what can be
done to ensure sustained growth? The alternative, adopted by many developed
countries, has been to invest in innovative activities and industrial service sectors
of high added value. Among these, we can highlight the knowledge and creativity
industry. In the post-industrial world, innovation and creativity give companies a
competitive edge to help the country grow in a balanced fashion. The important
162 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

thing to note is that little or no attention is given to creative content when


compared to innovation. It must be understood that the production of creative
content generates employment, income, and, besides creating intellectual property,
it also creates industrial property deriving from inherent innovation. The aim of
this paper is to highlight the importance of creative activities for development,
highlighting both its ability to generate wealth and the opportunity open to
developing countries wishing to increase their competitiveness.
ECONOMIA CRIATIVA 163

1. i nTR O DUÇ Ã O
O processo de pós-industrialização, iniciado nos anos 1980 nos países desenvolvidos
e nos anos 1990 naqueles em desenvolvimento, caracterizou-se pela perda relativa
da participação industrial no produto nacional e aumento da participação do setor
de serviços. Como o dinamismo dos serviços é menor do que o baseado na manufa-
tura, o que fazer para garantir um crescimento sustentado? A alternativa adotada
por muitos países desenvolvidos foi investir nas atividades industriais inovadoras
e nos setores de serviços de alto valor adicionado. Entre esses, ganha destaque a
indústria do conhecimento e da criatividade. No mundo pós-industrial, são a ino-
vação e a criatividade que conferem competitividade às empresas de um país para
que ele cresça equilibradamente.
O objetivo deste artigo é evidenciar a importância das atividades criativas
para o desenvolvimento, destacando-se por um lado sua capacidade de geração
de riqueza e por outro a oportunidade aberta para os países em desenvolvimento
que desejam aumento de competitividade. No caso brasileiro, essa oportunidade
é latente, mas só recentemente o país vem construindo políticas públicas para
incentivar tais atividades. Em seus sessenta anos de existência, o BNDES sempre
se preocupou em ser vanguardista em sua política industrial. Foi assim com os
primeiros investimentos na indústria de bens manufaturados, de insumos básicos,
de capital e de infraestrutura. A aposta agora é o mundo intangível da inovação
e do conteúdo criativo.
Dessa forma, o trabalho se divide em três partes, além desta introdução e das
considerações finais. Na primeira parte, é realizada uma revisão teórica sobre o
processo de desindustrialização que vem ocorrendo em alguns países e seus im-
pactos sobre o crescimento daqueles que ainda não atingiram um nível de renda
adequado. Evidencia-se a importância da inovação e da produção de conteúdo
criativo para o desenvolvimento em tempos modernos. Na segunda parte, são
levantados os números relativos à geração de renda e emprego para as atividades
criativas em alguns países selecionados, como o Reino Unido e o Brasil. No caso
brasileiro, este trabalho levantou os dados de emprego formal para o núcleo da
164 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

atividade criativa, segundo a Rais, chegando a uma proxy de sua contribuição


para o PIB do país. Por fim, na terceira e última parte, são descritas as ações do
Banco em relação à indústria criativa.

2. AS ETAPAS D O D E S E n VOLViM E n T O
Atualmente, existe um debate sobre quais atividades econômicas são as mais aptas
para impulsionar o crescimento dos países, uma vez que o mundo entrou na era de
pós-industrialização e algumas das atividades de produção manufatureira em mas-
sa foram substituídas por outras ou passaram a ser produzidas em outras regiões
[Bell (1999)].
Até os anos 1980, esse debate não existia, já que o crescimento dos países era
impulsionado pela manufatura tradicional. A industrialização é um fator indutor
do crescimento econômico [Kaldor (1960)], já que é o setor mais dinâmico e difusor
de inovações, no qual as inter-relações da indústria manufatureira com os outros
setores induzem a um aumento de produtividade dentro e fora dela em virtude
de seus rendimentos crescentes. Assim, a indústria tende a gerar crescimento pois:
(i) seus efeitos de encadeamento para frente e para trás na cadeia produtiva são
mais fortes; (ii) tem rendimentos crescentes: a produtividade na indústria é uma
função crescente da produção industrial – “lei de Kaldor-Verdoorn”; (iii) produz
mudança: o progresso tecnológico é difundido por meio do setor manufatureiro;
(iv) a elasticidade-renda dos bens manufaturados é maior do que a elasticidade-
-renda de commodities e produtos primários, tornando a industrialização neces-
sária até mesmo, e sobretudo, para aliviar o balanço de pagamentos [McCombie e
Thirlwall (1994); Thirlwall (2005)].1
O problema que gerou o atual debate derivou do fato de essa industrialização,
considerada indutora do crescimento econômico, ter caminhado para um estágio
de estagnação ou até mesmo de redução de participação no Produto Interno Bruto

1
Em resumo, é a indústria que serve como propulsora do desenvolvimento econômico não apenas porque é ela quem oferece
os maiores ganhos de produtividade para si mesma, mas também porque cria os meios para que as demais atividades, em graus
variados, se mecanizem.
ECONOMIA CRIATIVA 165

(PIB). A evolução do PIB, considerando-se os setores, tende, nos países que passam
por processos de crescimento econômico, a atravessar uma sequência típica de três
fases [Rowthorn e Ramaswany (1999); Tregenna (2009)].
Na primeira fase, há uma queda na participação do setor primário (agrope-
cuária) no produto total, resultante do aumento da produtividade no campo
(derivado da mecanização e da fertilização), gerando alocação da mão de obra
para as cidades (setores secundário e terciário). A segunda fase é caracteriza-
da pela industrialização propriamente dita: a redução da participação do setor
primário é compensada inicialmente por grande expansão da indústria e, em
menor medida, pelo aumento dos serviços. Conforme a produtividade industrial
cresce e o aumento da demanda por seus produtos começa a desacelerar, esse
setor começa a liberar a mão de obra para o setor de serviços. Posteriormente,
na terceira fase, o setor de serviços apresenta crescimento lento, mas contínuo,
no produto agregado.
Essa fase mais tardia é comumente chamada de fase de “pós-industrialização”,
ou até mesmo de “desindustrialização” no caso de haver queda relativa da pro-
dução da indústria em relação à produção total [Palma (2005)]. Assim, conforme a
produtividade industrial cresce e o aumento da demanda por seus produtos come-
ça a desacelerar, esse setor libera mão de obra para o setor de serviços e, em alguns
casos, também aloca mão de obra para atividades produtivas “novas” [Tregenna
(2009); Oureiro e Feijó (2010)]. É muito mais do que uma transição de manufatura
para serviços: é o aumento relativo do investimento em serviços e intangível em
relação ao investimento industrial [Work Foundation (2009)].
Essa última fase da sequência, de queda no emprego industrial, mesmo que
relativa, vem gerando temor em diversos países, como aqueles da OCDE, onde o
emprego na indústria respondia, até recentemente, por elevadas parcelas do em-
prego total.2 Por exemplo, a percentagem do emprego industrial no emprego total
na Grã-Bretanha caiu de 35% em 1970 para 14% nos anos 1990; nos EUA, de cerca

2
Estudos indicam que esse processo de desindustrialização ocorreu em alguns países desenvolvidos quando o PIB per capita nacional
passou a atingir a faixa de US$ 10 mil a US$ 12 mil nos anos 1980 [Palma (2005)]; Rowthorn e Ramaswamy (1999)].
166 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de 25% para 10%; na Alemanha, de 40% para 23% [Bonelli (2008)]. Apesar da per-
da relativa da participação da indústria no PIB, a produção manufatureira cresceu,
especialmente nos EUA – pelo menos até recentemente (2007).
A “desindustrialização” acabaria ocorrendo por alguns motivos, mais ou me-
nos influentes, dependendo de cada país, de sua estrutura produtiva e da inser-
ção no comércio internacional. O primeiro motivo é uma significativa redução
na elasticidade-renda da demanda por produtos industriais, que ocorre quando
o país alcança certo patamar de renda e sua população já realizou o consumo
de massa “básico”. O segundo é o rápido aumento de produtividade na indús-
tria manufatureira (pelo menos em alguns setores), especialmente relacionado
à introdução de novas tecnologias, economias de escala e especialização. Outro
motivo é a terceirização de atividades antes executadas no interior das fábricas,
que resulta na diminuição do uso de mão de obra direta por unidade de produção
industrial. Por fim, o último é a nova divisão internacional do trabalho, que aloca
as atividades que empregam mão de obra industrial menos qualificada para os
países em desenvolvimento [Tregenna (2009)].
De qualquer forma, na pós-industrialização, haveria uma migração de mão
de obra para atividades tanto relacionadas ao setor de serviços quanto ao setor
industrial mais “novo”, inovador. O problema, então, derivaria do fato de essas
atividades, especialmente as relacionadas a serviços, não disporem do dinamismo
esperado para impulsionarem o crescimento econômico tal qual a manufatura tra-
dicional, sobretudo em países de renda média que ainda não convergiram para os
níveis de renda dos países altamente industrializados, de alta renda [Palma (2005)].3
Os fatores-chaves para que essas atividades tenham dinamismo são a produ-
ção relacionada a bens com alta elasticidade-renda da demanda e a habilidade
para a criação de novos produtos, processos e mercados. Assim, na “nova econo-
mia”, seria necessário induzir a participação das atividades inovadoras e de alto

3
A Fiesp (2008) estimou, com dados do Banco Mundial para 26 países de 1975 a 2005, a contribuição do crescimento médio do
setor de serviços e da indústria para o crescimento médio do PIB: é necessário um crescimento de serviços de 1,14% para se obter
um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem do setor de serviços para o PIB é de 0,87; e basta um crescimento industrial
de 0,89% para se obter um crescimento de 1% no PIB, ou seja, a alavancagem é de 1,12.
ECONOMIA CRIATIVA 167

conteúdo de informação, conhecimento e criatividade [Bell (1999)]. Dessa forma,


para sustentar o dinamismo da economia, seria necessário manter os investimen-
tos nas atividades mais dinâmicas (como as de alta tecnologia, com capacidade de
produzir e difundir inovações e externalidades intrassetoriais) [Thirlwall (2005)] e
nos setores que geram alto valor adicionado, como os serviços complexos e as ativi-
dades do conhecimento e da criatividade [Bell (1999); Kon (2004); Kon apud Ferraz,
Crocco e Elias (2003); Florida (2002)]. Como ressalta Evans: “As the economy churns
(thanks to that global marketplace), it puts a higher premium on creativity and
innovation” [Evans (2008)].
No caso específico dos países de renda média ou média-alta, como o Brasil, em
que a transição para o estágio de pós-industrialização é muito sensível, visto que
ainda não se atingiu o patamar de renda adequado, retornando à questão do de-
senvolvimento, a manufatura ainda desempenharia um papel fundamental para o
dinamismo do PIB [Palma (2005)]. Assim, o ideal seria a combinação de atividades
manufatureiras tradicionais com atividades inovadoras e serviços dinâmicos. Obvia-
mente, a manufatura tradicional precisa ser competitiva.
Nesse caso, as atividades inovadoras e as que produzem conteúdo criativo são
ainda mais relevantes, pois passam a ser fundamentais para a criação de vantagens
comparativas: o sucesso econômico de cada país, região ou localidade depende da
capacidade de se especializar naquilo que consiga estabelecer vantagens compara-
tivas estáticas e dinâmicas, decorrentes de seu estoque de atributos e da capacida-
de local de promoção continuada de sua inovação. A luta competitiva e o processo
de inovação decorrente abrem “janelas de oportunidade” para os países [Perez e
Soete apud Dosi (1988)].4
Inovação e atividade criativa, por assim dizer, passam a ser fundamentais na
construção de vantagens comparativas dos países em desenvolvimento.5 O catching
up só ocorrerá quando a especialização da indústria se voltar para uma produção
com maior valor adicionado, mais dinâmico em relação ao transbordamento –

4
Entre as janelas de oportunidade mais expressivas encontra-se a possibilidade de aumento da exportação. Esse aumento mitiga o
chamado limite do balanço de pagamentos ao crescimento impulsionado pela demanda [Thirlwall (2005)].
5
As vantagens comparativas deixam de ser “dadas” pela dotação de fatores e passavam a ser “construídas”.
168 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

spillover – de seus efeitos para outros setores da economia, e com maior conteúdo
tecnológico e criativo.
O dinamismo econômico trazido pelas inovações é conhecido desde Schumpeter
[Schumpeter (1984)], que chama de inovação tanto a transformação dos proces-
sos produtivos quanto a introdução de bens e serviços finais novos. O dinamismo
induzido pelas atividades criativas, porém, é menos discutido, mas igualmente re-
levante [Cunningham (2002)]. Este artigo equipara inovação ao conteúdo criativo,
produto das atividades criativas, já que ambos dispõem da capacidade de gerar
dinamismo em uma economia do século XXI. De certa forma, para a geração de
riqueza, a propriedade típica industrial – como a patente – tem a mesma relevância
da propriedade típica criativa – o copyright.6
O interessante é que “inovação” vem sendo objeto de pesquisa acadêmica e
de políticas públicas, sobretudo as industriais, há muitas décadas, ao contrário do
conteúdo criativo, que começou a ser estudado há pouco e ainda padece, de certa
forma, de uma metodologia consistente para sua identificação e valoração para
além do copyright.
Muitas das atividades criativas estão relacionadas ao segmento de serviços, de
mensuração própria e desde os anos 1980 também muito estudado, até mesmo so-
bre seu potencial inovativo [Metcalfe e Miles (2000); Andreassi e Bernardes (2007)].
Entretanto, a mensuração monetária dos bens criativos ainda é pouco estudada.
Uma das exceções é o estudo sobre a inovação “embarcada” [Hippel (2005)] nos
segmentos criativos de games, design e produção audiovisual independente, da
Fundação para Inovação do Reino Unido (NESTA), que concluiu que essas atividades
contêm grande quantidade de inovação [NESTA (2007; 2008)].
A conclusão é que, como a inovação está “escondida” na atividade criativa, isso
leva a sua subestimação nas estatísticas e a prejuízo na tomada de decisão pelos
policy makers. Literalmente, segundo os autores do estudo:

6
Embora o direito autoral recaia sobre conteúdo criativo, se restringe às obras literárias e artísticas e aos programas de computador e
games; diferentemente da propriedade industrial, que tem um caráter visivelmente mais utilitário, abarcando as patentes, as marcas,
as indicações geográficas e os nomes de domínio, para citar os principais.
ECONOMIA CRIATIVA 169

(1) there is a great deal of hidden innovation, and this takes numerous

forms; (2) many of these forms of hidden innovation are quite perva-

sive across the economy; (3) some of these forms of hidden innovation

are more characteristic of creative sectors, and some are especially cha-

racteristic of particular creative sectors and of firms at specific points in

creative value chains; (4) in these firms and sectors there is also liable

to be a substantial level of more conventional innovation that is hid-

den by virtue of current measurement practices. These conclusions are

likely to have implications for measurement and for innovation policy

more generally [NESTA, p. 19 (2007)].

Na verdade, as fronteiras convencionais entre inovação e conteúdo criativo es-


tão “esfumaçando”, na medida em que tanto as manufaturas estão incorporando
conteúdos de alto valor agregado nos processos produtivos, quanto os conteúdos,
a tecnologia em sua produção [Goldenstein (2010)]. O importante a se notar é a
pouca ou nenhuma atenção dispensada ao conteúdo criativo comparativamente à
inovação. É preciso entender que a produção de conteúdo criativo gera emprego,
renda e, além de criar propriedade intelectual, cria também propriedade industrial
derivada da inovação nele embarcada.

Criatividade e desenvolvimento

As mudanças econômicas e sociais dos anos 1990 impulsionaram o deslocamento do


foco das atividades industriais tradicionais para as atividades intensivas em conheci-
mento, localizadas no setor de serviços dinâmicos e, por isso, com maior capacidade
de geração de trabalho e, muitas vezes, maior capacidade de geração de valor agre-
gado e apropriação (direito de propriedade) [Florida (2002)]. O investimento delibe-
rado na indústria criativa estaria, então, relacionado com o fenômeno da pós-indus-
trialização que vinha ocorrendo nos países desenvolvidos de alta renda per capita.
O conteúdo criativo, produto da atividade criativa, envolve três característi-
cas econômicas essenciais: (i) variedade infinita: não há limite para a produção de
conteúdo, na medida em que utiliza recursos não escassos – insumos criativos e
170 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

recursos técnicos; (ii) diferenciação vertical: o aumento de um atributo do produto


aumenta a utilidade de todos os consumidores; (iii) perenidade: não exaure em seu
consumo (os benefícios criados por um conteúdo criativo podem ser usufruídos du-
rante um longo período de tempo, podendo ser gerenciados por regras específicas
de direitos de propriedade) [Caves (2000)].     
O interessante das atividades criativas, então, é a possibilidade de geração de
valor e riqueza com o uso de menor quantidade de insumos (recursos) por causa da
intangibilidade de seus produtos em um mundo pós-industrialização. Para John
Howkins, pesquisador pioneiro nessa área, o termo “economia criativa” é extenso e
cobre atividades que perpassam o campo das artes até ciência básica e alta tecnologia
[Howkins (2001)]. Para esse autor, existem dois tipos de criatividade: a que satisfaz o
ser humano como indivíduo e aquela que gera um produto. A primeira é uma carac-
terística universal dos homens e é encontrada em toda sociedade. A segunda é mais
forte em sociedades industriais, que valoram mais a novidade, a ciência e a tecnolo-
gia e, consequentemente, os direitos de propriedade intelectual [Howkins (2001)].
O que esse pesquisador argumenta é que as indústrias criativas geram produ-
tos com maior valor agregado porque, por um lado, são constituídos de recursos
intangíveis baseados na qualidade e não no custo e, por outro, são passíveis de
propriedade intelectual (de perpetuação do ganho) [Hartley (2005)]. Dessa forma,
as atividades criativas são responsáveis por parte significativa da geração de renda
e emprego de um país que caminha para a pós-industrialização.
No mundo contemporâneo, o desenvolvimento econômico baseia-se, funda-
mentalmente, na capacidade de os países gerarem, apropriarem-se e aplicarem o
conhecimento formal e tácito na geração e distribuição de riquezas principalmente
por meio da produção dos bens intangíveis. A própria riqueza vem assumindo, cada
vez mais, formas intangíveis. O sucesso no processo de desenvolvimento (para a
sociedade) e no processo competitivo (para as empresas) está relacionado à capa-
cidade de identificar, cultivar e explorar esses ativos intangíveis, que conformam a
competência essencial das corporações e das sociedades para enfrentar e resolver
problemas específicos e aproveitar as oportunidades de negócios e desenvolvimen-
to [Rath Fingerl e Garcez (2002)].
ECONOMIA CRIATIVA 171

No processo de concorrência, as inovações se traduzem na invenção de novos


bens e serviços e na contínua reinvenção das coisas. Intangíveis são fatores não
físicos utilizados na produção de bens ou serviços que vão gerar benefícios futuros
para seus proprietários ou controladores, o que inclui direito de propriedade espe-
cífico: marcas (derivada do marketing e da comercialização); patentes (das tecnolo-
gias); e copyright (das artes e da cultura).

3. S ETO R ES C R iAT iVOS E A G E R A Ç Ã O


DE R EnDA
A ideia de focar o processo de pós-industrialização no incentivo à atividade criativa
foi utilizada pela primeira vez na Austrália, em 1994, com o lançamento do relatório
“Nação Criativa”. Foi, porém, no Reino Unido, em 1997, que ela ganhou maior noto-
riedade [Blythe (2000)], com a criação de uma força-tarefa, do Ministério de Cultura,
Mídia e Esporte, para incentivar o setor. Desde então, o escopo da indústria cultural
aumentou para além das artes e criou-se um mercado para as atividades comerciais
criativas, que até então eram consideradas não econômicas [Cunningham (2002)].
A indústria criativa foi definida formalmente pela primeira vez em um mapea-
mento do segmento feito pelo Ministério de Cultura, Mídia e Esportes do Reino
Unido, em 1998 e 2005, como aquela que compreende

os setores que têm sua origem na criatividade, na perícia e no talento

individuais e que possuam um potencial para criação de riqueza e em-

pregos através da geração e da exploração dos direitos de propriedade

[DCMS (1998; 2005)].

Hoje essa definição abrange 13 setores: publicidade, arquitetura, mercado


de artes e antiguidades, artesanato, design, moda, filmagem, softwares intera-
tivos de lazer, música, artes performáticas, editoração, serviços de computação
e rádio e televisão. Essencialmente, estão englobadas atividades de serviços e
comércio, incluindo ainda áreas correlatas no setor industrial, por seu impacto
sobre toda a estrutura produtiva da economia [DCMS (1998; 2005)]. São bens
172 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

intangíveis, com maior ou menor grau de produtividade, dinâmica e capacidade


de apropriação.7
Já a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD), em seu relatório sobre economia criativa, sugeriu uma definição de in-
dústria criativa adotando uma visão de cadeia, já que ela envolveria “os ciclos de
criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital
intelectual como insumos primários” [UNCTAD (2010)].
Assim, é proposta uma definição para a cadeia da indústria criativa, composta
de três grandes áreas. Primeiramente, verifica-se o que se denominou núcleo da
indústria criativa, que é basicamente uma adaptação dos 13 segmentos do estudo
britânico, referendados pelo documento da UNCTAD. A definição do núcleo da
indústria criativa adotada neste estudo inclui os segmentos: expressões culturais,
artes cênicas, artes visuais, música, filme & vídeo, TV & rádio, mercado editorial,
software & computação, games, arquitetura, design, moda e publicidade. Depre-
ende-se, assim, que o núcleo é composto essencialmente de serviços, cuja parte
principal do processo produtivo é a atividade criativa.
Em seguida, encontram-se as áreas relacionadas, envolvendo segmentos de
provisão direta de bens e serviços ao núcleo e compostos em grande parte por in-
dústrias e empresas de serviços fornecedoras de materiais e elementos fundamen-
tais para o funcionamento do núcleo, como as indústrias produtoras de câmeras
de filmagem, no caso da produção audiovisual. Ainda observou-se que a cadeia é
composta de um terceiro grupo de atividades, de provisão de bens e serviços de for-
ma mais indireta, como as indústrias de eletroeletrônicos, que produzem televisões
que transmitem o conteúdo audiovisual [UNCTAD (2010)].
No Brasil, o Ministério da Cultura (MinC) divide as atividades criativas em cinco
grupos: (i) Patrimônio, que inclui patrimônio material, imaterial, arquivos e mu-
seus; (ii) Expressões Culturais, entre as quais, artesanato, culturas populares, cul-
turas indígenas, culturas afro-brasileiras e artes visuais; (iii) Artes de Espetáculo,
isto é, dança, música, circo e teatro; (iv) Audiovisual, Livro e Leitura, incorporando

7
O intangível da criatividade gera valor adicional quando incorpora características culturais, inimitáveis por excelência [Reis (2006)].
ECONOMIA CRIATIVA 173

cinema e vídeo, publicações e mídias impressas; e (v) Criações Funcionais, que são
moda, design, arquitetura e arte digital [MinC (2011)].
No presente artigo, utilizamos a definição de economia criativa com base em
seu núcleo8 segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas, do IBGE
(CNAE 2.0): audiovisual (produção e comercialização de cinema e TV), inclusive fo-
tografia; música (instrumentos musicais, produção musical, música ao vivo e distri-
buição da música, inclusive rádio); impressão, edição e publicação (livros, jornais e
revistas); arquitetura (e paisagismo); propaganda e marketing; design; softwares
em geral, inclusive games (produção e serviços associados); artes em geral, inclusive
performáticas (cênicas, espetáculos); patrimônio cultural; e parques temáticos.

Criatividade e geração de riqueza no mundo

Em termos contábeis, a indústria criativa é um dos setores de maior crescimento na


economia mundial e com boa contribuição para o PIB nacional. As estimativas, que
variam de acordo com a metodologia utilizada em cada país (escolha das atividades
produtivas englobadas como criativas), avaliam o setor respondendo por 2% a 4%
do PIB, com crescimento anual entre 5% e 10% [UNCTAD (2010)]. A Tabela 1 mostra
o desempenho da economia criativa, ou a proporção da produção criativa no PIB
nacional em confronto a outras atividades industriais tradicionais, como a indústria
de alimentos e bebidas.
O Relatório de Economia Criativa [UNCTAD (2010)]9 fornece a evidência empíri-
ca de que as indústrias criativas estão entre os mais dinâmicos setores emergentes
do comércio mundial. No período 2002-2008, o comércio de bens e serviços criativos
aumentou a uma taxa média anual sem precedentes, de 14%. Exportações mun-
diais de produtos criativos foram avaliadas em US$ 592,1 bilhões em 2008, ante
US$ 267,2 bilhões em 2002. Essa tendência positiva ocorreu em todas as regiões e

8
Este trabalho delimitou como escopo o núcleo da economia criativa, composto essencialmente de serviços que têm a cultura como
parte principal do processo produtivo, tal qual definição da UNCTAD. O uso dessa delimitação recai na necessidade de mapear o
core da economia criativa, pois é ele que impulsiona as demais atividades relacionadas e de apoio, sendo sua mensuração menos
suscetível a erros, se comparada à mensuração de toda a cadeia produtiva.
9
Relatório bi-anual. O de 2012, com dados mais recentes, referentes a 2010, será publicado apenas em 2013. Os dados para a
economia criativa são mais escassos do que o convencional.
174 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

grupos de países e espera-se que continue na próxima década, assumindo que a


procura global de bens e serviços criativos continue a crescer.

Tabela 1 Proporção da produção em diversos setores no PIB para oito


economias europeias (em %)

País Indústria criativa Indústria alimentos, Atividade estatal Computador e atividades


bebidas e fumo relacionadas

Dinamarca 2,6 2,1 1,0 1,2

Finlândia 3,1 2,6 5,1 1,5

Letônia 3,1 1,5 1,8 1,5

Lituânia 3,4 1,9 1,8 1,3

Holanda 2,5 1,6 2,6 1,4

Polônia 2,7 2,2 2,3 1,4

Suécia 3,2 1,7 2,7 1,3

Reino Unido 3,0 1,9 2,1 2,7

Fonte: UNCTAD (2010).

A consultoria estadunidense Price Waterhouse Coopers publica bianualmente o re-


latório “Global Entertainment and Media Outlook”, no qual analisa o comportamento e
realiza previsões de crescimento dos principais setores da economia criativa.10 De acordo
com o relatório publicado em 2011, os setores pesquisados geram receitas da ordem de
US$ 1,5 trilhão por ano. O que mais se destaca é a expectativa de crescimento apontada
para os próximos anos, de 5,7% ao ano, bem superior à da economia mundial. O estudo
aponta ainda que o Brasil é o décimo maior mercado do mundo, da ordem de R$ 33 bi-
lhões, e tem, com China, a maior perspectiva de crescimento, de cerca de 11,5% ao ano
até 2015, quando deverá se tornar o sétimo maior mercado do mundo.
A receita associada a direitos de propriedade intelectual da economia criati-
va mais que dobrou entre 2002 e 2008. Por exemplo, as receitas de seus royalties
aumentaram de US$ 83 bilhões para US$ 182 bilhões [Wipo (2011)]. Mas o des-
taque é para a propriedade intelectual da indústria criativa – o copyright –, que,
para alguns países, como EUA, Austrália e Reino Unido, passa dos 10% do PIB
[Wipo (2011)]. Segundo Ana Carla Reis, entre 2000 e 2005 os produtos e serviços

O referido relatório considera os seguintes setores: audiovisual, música, rádio, internet, jogos eletrônicos, informações gerencias,
10

publicações de livros, jornais e revistas, parques de diversão, cassinos e esportes.


ECONOMIA CRIATIVA 175

criativos cresceram a uma taxa média anual de 8,7%, e a maior parte dos rendi-
mentos criativos originou-se de direitos autorais, licenças e marketing e distribuição
[Reis (2006)].
Assim, para a economia criativa, a geração de riqueza depende da capacidade
do país de também criar conteúdo criativo, transformá-lo em bens ou serviços co-
mercializáveis e encontrar formas de distribuí-los, no mercado local e no exterior,
ganhando escala e divulgando seu conhecimento [Kuhn (1993)].
O caso do Reino Unido é comumente usado como referência para o uso da
política industrial com base no incentivo de indústrias criativas, em virtude de seu
pioneirismo com a criação de uma agenda política e econômica para o tema. O go-
verno inglês apostou na economia criativa como fonte de recuperação econômica
e, no mapeamento das atividades criativas no país realizado em 1997, que conta-
bilizou a geração total de emprego nas empresas criativas e de atividades criativas
nas empresas não criativas, chegou ao resultado de 5% da população economica-
mente ativa empregada em atividades criativas. Nesse contexto, o então ministro
da cultura inglês, Chris Smith, observou que:

The role of creative enterprise and cultural contribution ... is a key

economic issue … The value stemming from the creation of intellectual

capital is becoming increasingly important as an economic component of

national wealth ... Industries, many of them new, that rely on creativity and

imaginative intellectual property, are becoming the most rapidly growing

and important part of our national economy. They are where the jobs and

the wealth of the future are going to be generated [DCMS (1998)].

A estratégia inglesa de incentivo à indústria criativa como parte do processo de


pós-industrialização foi bem-sucedida e, depois de dez anos de fomento, em 2007,
a indústria criativa já contribuía para a economia com 6,2% do produto, medida
em valor adicionado, e as exportações do setor, com 4,5% de todos os bens e servi-
ços exportados no país. Mesmo com a crise financeira, ocorrida no fim de 2008, os
números da indústria criativa para o Reino Unido continuaram significativos: 5,6%
do produto medido em valor adicionado e 4,1% das exportações [DCMS (2009)].
176 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Durante os anos de 1997 a 2007, o produto criativo do Reino Unido cresceu 5%


anualmente, valor elevado se comparado com os 3% de crescimento anual do resto
da economia. O emprego também se elevou significativamente: os empregados no
setor passaram de 1,6 milhão em 1997 para 2 milhões em 2008, com incremento
anual de 2%, também considerado alto, se comparado com o de 1% da economia.
Só em Londres, a economia criativa passou a ser responsável por 25% dos empre-
gos no período citado [UNCTAD (2010)]. Em 2008, existiam 157.400 empresas no
setor criativo no Reino Unido, com estimativa de aumentar para 182.100 em 2010,
o que representaria 8,7% de todas as organizações produtivas registradas no Inter-
-Departmental Business Register [DCMS (2009)].

A indústria criativa no Brasil

No Brasil, a economia criativa vem ganhando relevância política apenas nos últimos
anos. Em 2004, depois da assinatura pelo Ministério da Cultura da Convenção da
Diversidade Cultural, o termo “economia da cultura” começou a ganhar espaço na
política governamental, inspirando até a inserção do BNDES no tema. A partir de
2011, a criação da Secretaria de Economia Criativa no “novo” Ministério da Cultura
pretende inserir o tema na agenda de desenvolvimento do Brasil. Essa secretaria
liderou a elaboração do Plano Brasil Criativo, que propõe uma política transversal
de desenvolvimento para o país, baseada na economia criativa.
A despeito de a oferta de estatísticas ser ainda incipiente, percebe-se que a
representatividade da economia criativa é significativa. Utilizando os números da
Rais11 para 2010 [Rais (2011)] referentes às atividades aqui consideradas núcleo da
economia criativa,12 este trabalho apurou que 1,96% dos empregados formais esta-
vam alocados em atividades criativas no Brasil. Isto é, dos 44.068.355 empregados
formais, 865.881 eram de atividades criativas. Nos últimos cinco anos, o número de

11
A Rais 2011 – Relação Anual de Informações Sociais dos Registros Administrativos do Ministério do Trabalho e Emprego – utiliza
dados coletados em 2010 e, apesar de ser confiável, apresenta o problema de tratar apenas dos empregos formais. A economia
criativa é uma área com possivelmente grande percentagem de emprego informal. Isso leva à conclusão de que os resultados aqui
gerados são apenas uma proxy da realidade, já que o setor estará sendo subdimensionado. Em junho de 2012, a Rais 2012, com
dados de 2011, ainda não estava disponível para análise.
12
Como visto anteriormente: audiovisual; música; impressão, edição e publicação; arquitetura; propaganda e marketing; design;
softwares em geral e games; artes em geral e performáticas; patrimônio cultural; e parques temáticos.
ECONOMIA CRIATIVA 177

empregados nas atividades criativas brasileiras cresceu 35%, número superior ao


crescimento médio da economia, que foi de 25% [Rais (2011)].
Os trabalhadores das atividades criativas em 2010 concentram-se no Sul e no
Sudeste, com destaque para o Rio de Janeiro e para São Paulo, mas também Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. As atividades criativas estão concentradas em micro e
pequenas empresas, ambas cumulativamente com 98% dos empregados criativos.
A porcentagem segundo o número de empregados das empresas das atividades
criativas são diferentes daquela para as empresas de todas as atividades produtivas
nacionais, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2 Número de empregados por tamanho de empresa – todas AS atividades e


atividades criativas

Tamanho da empresa Todas as atividades % Atividades criativas %

Menos de 20 empregados 11.238.941 25,5 57.127 90,1

Entre 20 e 99 empregados 8.827.661 20,0 5.110 8,1

Entre 100 e 499 empregados 8.492.190 19,0 940 1,5

Mais de 499 empregados 15.509.563 35,5 196 0,3

Fonte: Rais (2011).

A grande concentração em microempresas sugere dois pontos de análise: que


as atividades criativas são, por natureza, de baixa escala; e que existe grande pro-
babilidade de o emprego informal, não captado na Rais, ser mais do que a média
das atividades produtivas brasileiras.
Em 2010, a remuneração média mensal do trabalhador criativo era de
R$ 2.294 ou 30% maior do que a média nacional, que é de R$ 1.742. Em termos com-
parativos, as atividades criativas pagam tão bem quanto a indústria mecânica, que
inclui a automobilística (R$ 2.344), foco de políticas industriais anticíclicas por grande
empregabilidade, salários altos e geração de externalidades. Quanto à escolaridade,
30% dos empregados em atividades criativas têm nível superior, número muito maior
do que os 16,5% da média das atividades produtivas nacionais [Rais (2011)].
Em resumo, a análise de dados primários indica que a indústria criativa brasileira
emprega em micro e pequenas empresas um número significativo de trabalhadores, em
grande parte qualificados, e paga salários mais altos do que a média dos outros setores.
178 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Nos últimos anos, foram realizados alguns levantamentos visando dimensionar


a indústria criativa no Brasil. Em 2004, o Ministério da Cultura assinou um acordo
de cooperação com o IBGE para compilação de dados sobre a indústria criativa em
todo o país, intitulado Sistema de Informações e Indicadores Culturais. Segundo
esse sistema, em 2005, as 320 mil empresas mapeadas do setor geraram 1,6 milhão
de empregos formais e representaram 5,7% das empresas do país, com média sa-
larial 47% superior à nacional. Sua participação no valor adicionado (tamanho da
economia “formal”, exclusive agricultura) atingiu 11,1%. Considerando os dados
da PNAD, pesquisa amostral do IBGE, em 2006 havia 4,2 milhões de trabalhadores
(formais e informais) na área cultural (4,7% do total), grupo cujo crescimento foi
superior à média da economia – 5,4% contra 2,4% em relação a 2005. Além disso,
a área cultural apresentaria maior proporção de trabalhadores por conta própria:
um terço do total contra apenas 20% para a economia [IBGE (2007)].
O outro trabalho brasileiro que analisa a indústria criativa é o da Firjan, que,
também com base nos dados da Rais de 2006 e 2010, mapeou a cadeia produtiva da
economia criativa, tal qual a definição de atividades elaborada pela UNCTAD.13 Os
resultados reforçam a relevância da economia criativa: considerando toda a cadeia
da indústria criativa (núcleo, atividades relacionadas e de apoio),14 sua participação
no PIB em 2010 chegou a 18,2%, equivalente a R$ 667 bilhões, o que a título de
comparação é uma participação maior do que toda a economia da Região Sul, cor-
respondente a 16,6% do PIB [Firjan (2011)].

4. O B nDES E A S AT iViD A D E S C R iAT iVAS


Desde seu início como financiador do mundo concreto e tangível das indústrias
tradicional, pesada, de insumos básicos, de bens de consumo e de infraestrutura,
necessárias para promoção do desenvolvimento, o BNDES vem buscando abranger

13
“Ciclos de criação, produção e distribuição de bens e serviços que usam criatividade e capital intelectual como insumos primários”
[UNCTAD (2010)].
14
Metodologia parecida com a utilizada neste trabalho. O núcleo se refere a atividades criativas; as atividades relacionadas envolvem
segmentos de provisão direta de bens e serviços ao núcleo e compostos em grande parte por indústrias e empresas de serviços
fornecedoras de materiais e elementos fundamentais para o funcionamento do núcleo; e as atividades de apoio englobam provisão
de bens e serviços de forma indireta.
ECONOMIA CRIATIVA 179

o universo intangível da inovação. Nesse aspecto, a inovação é considerada priori-


dade na atuação do Banco, seja de forma direta ou transversal.
A criatividade ou criação, tal qual a inovação, como também é um fator de-
cisivo para dar competitividade às empresas brasileiras e fundamental para
o desenvolvimento do país, vem ganhando paulatinamente mais espaço no
BNDES. O design, a arte, os elementos simbólicos e culturais intangíveis “embarca-
dos” nos bens e serviços tradicionais aumentam o valor agregado da produção e a
competitividade dos produtos, sobretudo os destinados à exportação. Em uma eco-
nomia baseada no conhecimento, o papel da inovação não tecnológica é também
importante, especialmente nas indústrias que não são tipicamente investidoras em
P&D, mas que investem em outros intangíveis. Gastos em ativos de conhecimentos
não científicos passaram a ser tão críticos quanto gastos em P&D [Goldenstein (2010)].
A equiparação entre criação e inovação é evidente. Além de o desenvolvimen-
to de conteúdo das indústrias criativas se identificar, em diversos aspectos, com o
desenvolvimento de P&D das indústrias intensivas em tecnologia, ele, seja no setor
audiovisual, editorial ou musical: (i) envolve alto grau de conhecimento técnico
específico (linguagem artística); (ii) se organiza na forma de equipes estáveis de de-
senvolvimento (núcleos criativos de estúdios etc.); (iii) demanda investimentos com
alto grau de risco de performance comercial (lançamento de filmes, livros, novos
personagens); (iv) gera direitos de propriedade intelectual (direito autoral, direitos
conexos, registro de marcas e patentes referentes a novos personagens, formatos
etc.); e, por fim, (v) constrói um ativo de longo prazo para as empresas criativas
com grande potencial de geração de receitas futuras (catálogos de filmes, séries,
fonogramas e títulos editoriais; licenciamento da imagem de personagens, marcas
das empresas e seus produtos etc.).
O BNDES iniciou seu apoio às atividades culturais e criativas15 em 1995, por meio
de investimentos em restauro do patrimônio cultural e na produção cinematográfi-

15
É possível separar as atividades culturais das criativas: enquanto as atividades culturais são entendidas como aquelas que geram
bens e serviços em cujo cerne se encontra a produção artística, como as artes visuais e performáticas, o patrimônio cultural e
as produções culturais (cinema e vídeo, TV e rádio, games, música gravada e ao vivo, livros e imprensa), as atividades criativas
(software, arquitetura, design e propaganda) são consideradas aquelas que têm a cultura como um insumo para a produção de bens
funcionais, não culturais [Gorgulho et al. (2009)].
180 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

ca, em uma abordagem inicial de patrocínio, dada a possibilidade de dedução


fiscal para esses setores (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual). A partir de 2006, o
Banco tomou como decisão estratégica incorporar a economia da cultura a sua
estrutura operacional, equiparando o setor aos outros já apoiados por sua Área
Industrial e criando outros instrumentos financeiros que dessem conta de suas
necessidades específicas [Gorgulho et al. (2009)]. Os setores abrangidos foram,
inicialmente, o audiovisual e, a partir de 2009, com o lançamento do Programa
BNDES para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (Procult), o editorial,
o de música, o dos jogos eletrônicos e o dos espetáculos ao vivo, além do de
patrimônio cultural.
A estratégia adotada no campo da economia da cultura pressupõe que inte-
gra a missão do BNDES ajudar a criar um ambiente favorável ao desenvolvimento
das empresas, para que elas possam se ampliar, ganhar eficiência, se profissiona-
lizar e realizar seu potencial, de maneira sustentável, com ganhos sociais para o
mercado em relação à geração de emprego, renda e inclusão da população ao
consumo de bens culturais. Para isso, foi criado, no âmbito do Procult, um leque
diversificado de mecanismos financeiros, que incluem não apenas os financiamen-
tos, mas também a aplicação de instrumentos de renda variável e de recursos não
reembolsáveis. Esses mecanismos se complementam, possibilitando uma atuação
mais abrangente e eficiente do Banco no setor cultural. O desafio foi enorme, por
se tratar de segmentos pouco estruturados do ponto de vista empresarial e com
pouca tradição de relacionamento bancário. Passo a passo, o BNDES em poucos
anos transformou-se em um agente econômico reconhecido pelas cadeias da eco-
nomia da cultura. Filmes, séries de TV, desenhos animados, livros, livrarias, salas
de cinema, estúdios são alguns dos exemplos de projetos apoiados.
O Procult foi muito bem-recebido pelo setor e é considerado uma das prin-
cipais ações desenvolvidas recentemente para estímulo aos setores culturais no
Brasil. De fato, nos setores culturais do governo, e mesmo em fóruns internacio-
nais, como o Creative Industries Committee, da Organização dos Estados Ame-
ricanos, a experiência inovadora do BNDES no financiamento à economia da
cultura vem sendo celebrada como exemplo a ser seguido por outros países. Isso
ECONOMIA CRIATIVA 181

porque todos os demais instrumentos de fomento ao setor até então existentes


no país baseavam-se na concessão de recursos não reembolsáveis, seja por meio
de incentivos fiscais, seja por meio de recursos orçamentários do Ministério
da Cultura.
O desempenho do Banco no setor se traduziu nos desembolsos dispensados
tanto a operações diretas, realizadas entre o BNDES e o proponente do projeto,
quanto a operações indiretas, realizadas com a intermediação de outros agentes
financeiros, como os Bancos Comerciais, e que incluem o Cartão BNDES, destinado
a micro, pequenas e médias empresas e usado para a aquisição de bens e insu-
mos. No período entre 2006 e 2011, os desembolsos do BNDES aos mais diversos
projetos ligados à cultura somaram quase R$ 1,5 bilhão, em uma curva continu-
amente ascendente. A Tabela 3 exibe a evolução dos desembolsos do BNDES no
período mencionado.

Tabela 3 Desembolsos do Sistema BNDES ao setor de Cultura – valores constantes de 2012


(em R$ mil)

Ano Patrimônio Audiovisual Indústria Editoras Rádio e TV Artes e Outros Total


cultural fonográfica e livrarias espetáculos

1997 a 2004 69.500 165.248 28.052 177.555 10.937 19.100 19.976 490.367

2005 18.495 22.021 153 16.305 600 2.063 917 60.554

2006 15.023 7.095 0 44.400 391 655 9.397 76.960

2007 15.798 37.896 1.287 11.796 3.158 3.052 3.079 76.066

2008 22.500 44.555 1.647 72.311 30.852 1.535 10.788 184.187

2009 38.606 36.827 4.203 135.758 71.306 15.600 3.814 306.115

2010 48.144 54.422 6.964 97.650 46.336 31.305 9.972 294.793

2011 47.815 29.881 10.774 175.421 32.851 27.565 30.996 355.303

Total 275.881 397.944 53.079 731.198 196.430 100.875 88.939 1.844.346

Fontes: BO, BNDES (2012) e Ipeadata.

A ampliação do patamar de desembolsos do BNDES para os setores culturais se


deve basicamente ao maior acesso a recursos propiciado pelo Procult, no caso das
operações diretas, e pela ampliação da utilização do Cartão BNDES, no caso das
operações indiretas, como mostra o Gráfico 1.
182 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 1 Evolução dos desembolsos por produtos* (em R$ mil)

180.000

160.000

140.000

120.000

100.000

80.000

60.000

40.000

20.000

0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

BNDES Automático Cartão BNDES Finem Direto

Fonte: Elaboração própria, com base em dados de BO.

* BNDES Automático e Cartão BNDES são dois dos produtos do Banco utilizados para operações indiretas, e o Finem Direto é um dos
produtos do Banco utilizados para as operações diretas, como as realizadas no âmbito do Procult.

O BNDES deu um importante passo para a valorização dos setores ligados aos
conteúdos criativos ao criar um programa específico de financiamento voltado à
economia da cultura, o Procult. Assim como foi feito no lançamento das linhas de
inovação, o Banco assumiu seu papel de indução ao desenvolvimento ao promover
a cultura, não apenas do ponto de vista de patrocínio institucional, mas principal-
mente sob seu viés econômico. Com isso, as empresas do setor cultural passaram a
ser vistas como agentes econômicos, geradores de emprego e renda. Filmes, músi-
cas e livros passaram a ser apoiados como produtos dinamizadores de suas cadeias
produtivas. Sob o novo contexto pós-industrial, os serviços culturais passaram a ser
tratados como serviços complexos, com capacidade de gerar efeitos multiplicadores
na economia, assim como fazem as indústrias inovadoras.
ECONOMIA CRIATIVA 183

5. PER S PEC Ti VA S f U T U R A S
E C O nS i DE R A Ç ÕE S f in A iS
As perspectivas futuras para a economia são promissoras. No relatório produzido em
2011 pela consultoria Price Waterhouse Coopers sobre as perspectivas econômicas para
o período de 2011 a 2015, há uma aposta no crescimento do PIB médio nominal anual
de 6,5%, apesar do crescimento mais lento dos países desenvolvidos em crise, compen-
sado pelo destaque econômico dos países em desenvolvimento não afetados pela crise
internacional, como China, Rússia, Brasil e índia. No caso específico das atividades de
entretenimento e mídia,16 core das atividades criativas para a Price, o crescimento mé-
dio anual do PIB projetado para o mesmo período é menor, de 5,7%, mas com alguns
destaques importantes, como o de crescimento absoluto para China, índia e Rússia e
o de crescimento relativo para a América Latina e a área chamada de Oriente Médio
e Norte da África (OMNA) [Price Waterhouse Coopers (2011)]. O crescimento acima da
média mundial para alguns países em desenvolvimento estaria ligado, sobretudo, ao
processo de digitalização, de inclusão digital, que estão atravessando.

tabela 4 MERCADO DE MíDIA E ENTRETENIMENTO glOBAl POR REgIãO: DISPêNDIO TOTAl E


CRESCIMENTO – % (EM US$ MIlhõES)

região 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2011-
2015
amériCa
do norte 488.572 504.934 498.639 466.333 481.299 498.949 527.500 549.353 580.377 606.677
% 4,9 3,3 (1,2) (6,5) 3,2 3,7 5,7 4,1 5,6 4,5 4,7
omna 422.303 454.104 470.444 460.569 477.141 497.445 524.006 553.880 584.149 613.943
% 6,6 7,5 3,6 (2,1) 3,6 4,3 5,3 5,7 5,5 5,1 5,2
ásia/
PaCÍFiCo 310.086 341.076 364.832 371.256 394.777 410.653 442.679 476.128 508.981 540.716
% 10,5 10,0 7,0 1,8 6,3 4,0 7,8 7,6 6,9 6,2 6,5
amériCa
latina 45.165 51.535 57.145 59.093 66.309 73.754 82.005 90.435 102.162 109.139

% 13,9 14,1 10,9 3,4 12,2 11,2 11,2 10,3 13,0 6,8 10,5
total 1.266.126 1.351.649 1.391.060 1.357.251 1.419.526 1.480.801 1.576.190 1.669.796 1.775.669 1.870.475
% 7,1 6,8 2,9 (2,4) 4,6 4,3 6,4 5,9 6,3 5,3 5,7

Fontes: Price Waterhouse Coopers LLP e Wilkofsky Gruen Associates.

16
O setor de entretenimento e mídia para a Price engloba a produção audiovisual para internet, Tv e cinema, produção musical e
sua distribuição, produção de videogames, editoração e propaganda relacionada [Price Waterhouse Coopers (2011)].
184 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A América Latina recebeu destaque nas projeções. Assim, espera-se que haja
mudança da participação da indústria criativa no PIB de alguns países, como o Brasil.
Para a consultoria, esse movimento ascendente das indústrias criativas decorre da
oportunidade que se abrirá em função da crescente digitalização em andamento
nos países em desenvolvimento, que cria serviços complexos, modelos de negócios,
sinergias colaborativas e relações de consumo. Avanços na área digital encorajam
e possibilitam inovações em equipamentos e dispositivos, que requerem e deman-
dam, de forma crescente, conteúdo criativo [Price Waterhouse Coopers (2011)].
O Brasil ocupa hoje o décimo lugar do ranking mundial em relação ao dispên-
dio com entretenimento e mídia, mas com a projeção de crescimento médio anual
para os próximos anos de 11,4%, uma das mais altas dos países analisados, alcança-
ria o sétimo lugar em 2015.

Tabela 5 Mercado de mídia e entretenimento por país: dispêndio e crescimento previsto


(em US$ milhões)

País 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2011-
2015
(%)
Argentina 4.614 5.411 6.154 6.602 7.512 8.397 9.250 10.073 11.081 11.927 9,7
Brasil 21.192 24.829 27.756 28.718 33.104 37.478 42.239 46.869 53.860 56.731 11,4
Chile 2.175 2.415 2.497 2.523 2.754 2.994 3.227 3.486 3.792 4.031 7,9
Colômbia 5.566 6.328 7.138 7.243 7.811 8.495 9.416 10.539 11.902 13.291 11,2
México 10.913 11.787 12.728 13.051 14.075 15.216 16.556 18.006 19.890 21.384 8,7
Venezuela 705 765 872 956 1.053 1.174 1.317 1.462 1.637 1.775 11,0
Total 45.165 51.535 57.145 59.093 66.309 73.754 82.005 90.435 102.162 109.139 10,5

Fontes: Price Waterhouse Coopers LLP e Wilkofsky Gruen Associates.

Atualmente, a oferta de conteúdo criativo no Brasil só não é maior pelo tama-


nho reduzido das empresas, que muitas vezes se relaciona com baixa governança
operacional. O baixo porte das empresas aliado à impossibilidade de concessão de
garantias pela intangibilidade da produção ocasiona uma restrição de crédito ge-
neralizada ao setor. Nesse cenário, o papel do BNDES é estratégico: compreender as
necessidades do setor e construir mecanismos de financiamento que sejam capazes
de fomentar ainda mais as empresas produtoras de conteúdo criativo.
A prioridade hoje perseguida pelo BNDES, de investimentos em inovação, e a
diferenciação das condições de crédito às cadeias produtivas da economia da cul-
ECONOMIA CRIATIVA 185

tura se alinham a essa trajetória. A maior agregação de valor, geração de renda


e construção de vantagens comparativas promovida pelas atividades inovadoras
e criativas é imprescindível no processo de pós-industrialização. Embora a etapa
de pós-industrialização se encontre em uma perspectiva futura, a organização, a
estruturação e o fortalecimento da capacidade de inovação e criação no país faz
em parte da agenda presente. A ação do BNDES busca tanto os benefícios de cur-
to prazo na geração de renda e emprego quanto os de competitividade de nossa
economia como sua preparação para as necessidades futuras, quando as atividades
criativas, entre elas seu núcleo formado pela economia da cultura, vão desempe-
nhar importante papel na sustentação do crescimento.
O fortalecimento do poder de compra das classes C e D no Brasil, fruto da
significativa redistribuição de renda em curso no país, será um importante pilar
de sustentação do crescimento da produção de bens de consumo industriais e de
serviços vinculados ao entretenimento, entre os quais aqueles ofertados pelas ati-
vidades criativas. A demanda por conteúdo vem sendo, e será ainda, impulsionada
pela elevação do nível de escolaridade da população, resultante dos esforços das
políticas educacionais.
Acrescente-se que a etapa de pós-industrialização já em curso em economias do
hemisfério norte, por si só, dinamiza segmentos de mercado de bens e serviços cria-
tivos e abre janelas de oportunidade para os países em desenvolvimento, em parti-
cular para aqueles com maior capacidade para a criação de conteúdos. As cifras de
comércio internacional expostas nas seções anteriores evidenciam as proporções de
tais oportunidades. Contudo, deter o trunfo de valores intangíveis com marcas e
conteúdo cultural é decisivo para a competição.
A agenda do BNDES deverá ainda contemplar alguns outros desafios, entre eles
o financiamento à exportação do conteúdo cultural brasileiro e o tratamento de
atividades transversais, como o design, que ao inovar conferem diferenciais compe-
titivos decisivos. Essas atividades adicionam aos processos produtivos conhecimen-
tos sobre as necessidades do consumidor (mercado), sobre materiais, tecnologias,
funcionalidade, imagem etc., e assim agregam valor à produção de bens e serviços
e os tornam mais competitivos.
186 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Para que a atividade criativa se transforme em uma “locomotiva do desenvol-


vimento” [Goldenstein (2010)], é preciso, além de explorar a transversalidade do
tema, buscando empreender as conexões, sinergias e os efeitos intersetoriais que
possa alcançar, tratá-la como alicerce da política industrial nacional e não apenas
como instrumento de política de inclusão social ou de política cultural.

R e f er ênc i as
Andreassi, T.; Bernardes, R. C. (Eds.) Inovação em serviços. São Paulo, Brasil:
Saraiva, 2007.

Bell, D. The coming of post-industrial society: a venture in social forecasting. 2.ed.


Nova York: Basic Books, 1999.

Blythe, M. Creative Learning Futures: Literature Review of Training & Development


Needs in the Creative Industries. Farnham: Cadise, 2000.

Bonelli, R. Industrialização e Desenvolvimento: notas e conjecturas com


foco na experiência do Brasil. In: Seminário Internacional de Industrialização,
Desindustrialização e Desenvolvimento. Anais... São Paulo: Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo, ago. 2008.

Brasil. Ministério da Cultura (MinC). Plano da Secretaria de Economia Criativa.


2011. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2012/04/
livro-portuguesweb.pdf>. Acesso em: out. 2012.

Caves, R. Creative Industries. Harvard: Harvard University Press, 2000.

Cunningham, S. From Cultural to Creative Industries: Theory, Industry and Policy


Implication. Media International Australia, Incorporating Culture and Policy, 2002,
n. 102, p. 54-65.

DCMS – Department of Culture, Media and Sport. Mapping the Creative Industries,
1998. Disponível em: <http://webarchive.nationalarchives.gov.uk/+/http://www.
culture.gov.uk/reference_library/publications/4740.aspx>. Acesso em: mar. 2012.
ECONOMIA CRIATIVA 187

______. Mapping the Creative Industries, 2001. Disponível em: <http://webarchive.


nationalarchives.gov.uk/+/http://www.culture.gov.uk/reference_library/
publications/4632.aspx>. Acesso em: mar. 2012.

______. Creative industries facts and figures, 2009. Disponível em: <http://www.
culture.gov.uk/what_we_do/creative_industries/default.aspx>. Acesso em: fev. 2012.

Evans, P. B. In search of the 21st Century Development State. The Centre for Global
Political Economy. Working Paper, n. 4. Brighton, Reino Unido, University of
Sussex, dez. 2008.

Fiesp – Federação da Indústrias do Estado de São Paulo. Indústria e Crescimento


Econômico. Estudos Econômicos. 2008.

Fingerl, E. R.; Garcez, C. M. D. Á. Economia do conhecimento e a atuação do


BNDES: considerando os intangíveis. Trabalho e Sociedade, ano 2, número
especial, Rio de Janeiro, Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, dez.
2002. Disponível em: <http://www.iets.org.br/biblioteca/Economia_do_
Conhecimento_e_a_atuacao_do_BNDES.pdf>. Acesso em: mar. 2012.

Firjan – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. A Cadeia da Indústria


Criativa no Brasil, 2011. Nota Técnica. Rio de Janeiro, out. 2011.

Florida, R. The Rise of the Creative Class. Nova York: Basic Books, 2002.

Goldenstein, L. O Desafio da Economia Criativa. Digesto Econômico, mai. 2010.

Gorgulho, L. et al. A economia da cultura, o BNDES e o desenvolvimento


sustentável. BNDES Setorial, n. 30, p. 299-355. Rio de Janeiro: BNDES, 2009.

Hartley, J. Creative Industries. Blackwell Publishing, 2005.

Hippel, E. V. Democratizing innovation. Cambridge: MIT Press, 2005.

Howkins, J. The creative economy: how people make money from ideas. Londres:
Allen Lane, 2001.
188 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema de informações e


indicadores culturais 2003-2005. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.

Kaldor, N. Essays on economis stability and growth. Londres: Duckworth, 1960.

Kon, A. Economia de serviços. Rio de Janeiro: Campus-Elseviere, 2004.

______. Atividades terciárias: induzidas ou indutoras do desenvolvimento


econômico? In: Ferraz, J. C.; Crocco, M.; Elias, L. A. Liberalização econômica e
desenvolvimento. São Paulo: Futura, 2003.

Kuhn, R. Generating creative and innovation in large bureaucracies. Londres:


Quorum Books, 1993.

Metcalfe, J. S.; Miles, I. Introduction, Overview and Reprise. In: ______. (Ed.).
Innovation systems in the service economy. Holanda: Kluwwer Academic
Publishers, 2000.

NESTA – Fundação para Inovação do Reino Unido. Hidden innovation in the creative
sectors. Londres: NESTA, 2007.

______. Hidden innovation in the creative industries. Londres: NESTA, 2008.

Oreiro, J. L.; Feijó, C. Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso


brasileiro. Revista de Economia Política, 2010, v. 30, n. 2.

Palma, G. Quatro fontes de desindustrialização e um novo conceito de doença holandesa.


In: Seminário Internacional de Industrialização, Desindustrialização e Desenvolvimento. Anais...
São Paulo, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, ago. 2005.

Perez, C.; Soete, L. Catching up in technology: entry barriers and windows of


opportunity. In: Dosi, G. et al. (Eds.). Technical change and economic theory.
Londres: Pinter Publishers, 1988.

Price Waterhouse Coopers. Global Entertainment and Media Outlook: 2011-2015.


Londres, 2011.
ECONOMIA CRIATIVA 189

Reis, A. Economia da cultura e desenvolvimento sustentável – o caleidoscópio a


cultura. São Paulo: Manole, 2006.

Rowthorn, R.; Ramaswany, R. Growth, Trade and Deindustrialization. IMF Staff


Papers, 1999, v. 46, n. 1.

Schumpeter, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.

Thirlwall, A. P. A natureza do crescimento econômico: um referencial alternativo


para compreender o desempenho das nações. Brasília: Ipea, 2005.

Thirlwall, A. P.; McCombie, J. S. L. Economic Growth and the Balance-of-Payments


Constraint. Grã-Bretanha: Macmillan Press LTD, 1994

Tregenna, F. Characterizing deindustrialization: an analysis of changes in


manufacturing employment and output internationally. Cambridge Journal of
Economics, 2009, v. 33 (3), p. 433-466.

Unctad – Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento. Creative


Economy Report 2008. Genebra, 2010.

Wipo – World Intellectual Property Organization. IP Report. 2011.

Work Foundation. Manufacturing and the Knowledge Economy. A knowledge


economy programme report. Prepared by Ian Brinkley. Work Foundation, jan. 2009.

Sites consultados

Rais – Relação Anual de Informações Sociais 2011 – <http://www.rais.gov.br/>.


alexandre Siciliano Esposito*

* gerente do departamento de energia elétrica da área de infraestrutura do Bndes e mestre em economia pelo instituto
de economia da Universidade Federal do rio de Janeiro. o autor agradece os comentários de nelson Fontes siffert Filho,
superintendente da área de infraestrutura, e de Filipe lage de sousa, economista do departamento de acompanhamento
econômico e operações da área de Pesquisa e acompanhamento econômico, do Bndes, bem como o auxílio de Frida Koiffman,
do gabinete da Presidência do Bndes, para a obtenção de dados e referências do Programa nacional de desestatização (Pnd).
eventuais erros e omissões são de absoluta responsabilidade do autor.
Energia Elétrica 191

R ES UM O
O setor elétrico brasileiro, para o BNDES, desde sua fundação em 1952, era uma
das principais prioridades para a concessão de crédito. Com as mudanças institu-
cionais e estruturais do setor, o papel do Banco foi adaptado às necessidades de
cada fase de seu desenvolvimento. Em boa parte da segunda metade do século XX,
as próprias estatais do setor, notadamente a Eletrobras, detinham o papel tanto
de operadores quanto de financiadores, por meio de recursos internos, setoriais e
endividamento a sua disposição. A partir dos anos 1990, com o processo de intro-
dução da iniciativa privada, o papel do BNDES retomou sua importância originária,
seja como gestor da privatização, em um momento inicial, seja como promotor dos
investimentos para expansão setorial. Este artigo retrata justamente essa trajetória
do papel do BNDES ao longo do processo de transformações do setor elétrico.

AB S TR AC T
The Brazilian electric energy sector, since the BNDES was founded in 1952, has
been one of the Bank’s main credit priorities. As a result of institutional and
structural changes in the sector, the Bank’s role was adapted according to each
stage of development. For most of the second half of the 20th century, the
State-owned utilities, especially Eletrobras, played both operational and financing
roles, employing internal, sectorial, debt resources that were at their disposal.
Since the 1990s, with the arrival of the private sector, the role of the BNDES has
regained its original importance, be it as a manager of privatization, initially, or
as a promoter of investment aimed at expanding the sector. This paper precisely
presents the path that the BNDES’ role has taken throughout the transformation
of the electric energy sector.
EnErgia Elétrica 193

1. I NTR O DUç ã O
Este artigo objetiva traçar um panorama da condução dos investimentos do setor
elétrico brasileiro (SEB). nele se expõem as formas de mobilização de recursos fi-
nanceiros para coordenar a expansão setorial.
Dessa perspectiva, avalia-se o papel do BnDES, desde sua criação em 1952 até a
atual conjuntura, com relação à evolução das formas de financiamento do SEB e às
mudanças estruturais do setor.
inicia-se o artigo com uma síntese da trajetória de conformação da organização
setorial (de controle e comando estatal) que predominou entre meados do século XX
e a década de 1990. Esse corte histórico inicial foi escolhido por ser contemporâneo
à criação do BnDES.
Depois, são expostas as modificações estruturais do setor, desde as privatiza-
ções dos anos 1990 até a conclusão do marco regulatório do setor elétrico nos anos
2000. nessa seção, destaca-se o crescimento da importância do BnDES na deter-
minação da estrutura do setor e na mobilização de recursos financeiros para sua
operacionalização e expansão.
Em seguida, é retratada a atual conjuntura do SEB, com a consolidação do papel
do BnDES como seu principal financiador, e mostram-se as perspectivas e desafios
a serem enfrentados. Por fim, são reunidas as principais conclusões deste artigo.

2. ASCENSãO E QUEDA DO MODElO ESTATAl


Entre meados do século passado e a década de 1990, o setor elétrico brasileiro foi
planejado e operado por empresas estatais. a propriedade estatal dos ativos seguia
um modelo híbrido, que combinava aspectos de descentralização e centralização.
De um lado, era descentralizado porque vários estados da federação detinham
as concessões locais de distribuição e também investiam nos segmentos de geração
e transmissão de eletricidade. De outro lado, na esfera federal, a Eletrobras e suas
empresas controladas detinham a maior parte dos ativos de geração e transmis-
são de eletricidade, bem como participações societárias nas concessões locais es-
194 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

taduais. O Gráfico 1 retrata a composição da propriedade dos ativos até a véspera


das privatizações dos anos 1990.

Gráfico 1 Propriedade dos ativos em 1993

Autoprodutores
Itaipu (50%)

6%
12%

49%
33% Eletrobras

Estados

Fonte: Araújo e Oliveira (2005).

A Eletrobras era o principal agente do SEB, e seu controle sobre o setor ocorria
da seguinte forma:
• coordenava a operação dos sistemas de transmissão e geração, em função da
necessidade de otimização do parque gerador hidrotérmico;
• planejava a expansão do setor, por meio dos chamados planos decenais e pla-
nos de longo prazo (vinte a trinta anos); e
• controlava os recursos (externos e internos) para o financiamento setorial.
Essa estrutura de mercado foi conformada durante décadas, por meio de um
processo crescente de centralização estatal tanto da operação do setor quanto de
sua expansão, conforme descrito no Quadro 1.
O SEB nasceu de uma estrutura descentralizada, na qual vários sistemas regio-
nais foram sendo construídos em cada estado da federação. Em seus primórdios,
no fim do século XIX, empresas privadas investiram na autogeração de energia, en-
quanto empresas de transportes públicos (bondes) e iluminação pública instalaram
geradores para alimentar suas redes.
Energia Elétrica 195

Quadro 1 Cronologia da estatização do SEB

1945 Criação da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), estatal federal responsável inicialmente pelos investimentos em
geração de energia na bacia do rio São Francisco.
1952 Fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com a atribuição de fornecer recursos para projetos que
demandavam financiamentos a longo prazo. A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), grupo de trabalho que originou
a criação do BNDE, elegeu como prioridade o equacionamento das deficiências de transporte e energia, que eram os dois
maiores gargalos para o crescimento econômico.
1952 Fundação da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), estatal estadual de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
1954 Instituição do Fundo Federal de Eletrificação (FFE), destinado a prover e financiar instalações de produção, transmissão e
distribuição de energia elétrica. Sua gestão foi delegada ao BNDE, e uma parcela do fundo foi repartida entre os estados da
federação. Esse fundo tinha como origem de recursos o Imposto Único de Energia Elétrica (IUEE).
1954 Criação da Companhia Paranaense de Energia (Copel), estatal estadual de geração, transmissão e distribuição de eletricidade.
1957 Criação de Furnas Centrais Elétricas, estatal federal responsável por investimentos de geração e transmissão de eletricidade no
Sudeste do país.
1961 Criação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), como empresa holding dos ativos federais, agregando o controle
de Furnas e Chesf. Além disso, no bojo de sua criação estava a questão do financiamento setorial. Exemplo desse fato foi a
transferência da carteira de aplicações e a administração do Fundo Federal de Eletrificação do BNDE para a empresa.
1962-1966 Encampação e posterior compra dos ativos da American & Foreign Power Company (AMFORP) pelo governo federal. Foram
cerca de dez concessionárias regionais, que em sua maioria foram transferidas para os estados da federação, ou, em poucos
casos, para a Eletrobras.
1966 Criação das Centrais Elétricas de São Paulo S.A. (Cesp), com a fusão de 11 empresas estatais estaduais (alguns ativos antigos da
AMFORP).
1968 Criação da terceira subsidiária da Eletrobras, a Eletrosul Centrais Elétricas S.A., estatal federal responsável pelos investimentos
de geração e transmissão de eletricidade no Sul do país.
1973 Nascimento da quarta subsidiária regional da Eletrobras, a Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte), responsável pela
construção da usina de Tucuruí, no rio Tocantins. A empresa deu início à produção de eletricidade em grande escala na região
Norte do país.
1978 Aquisição pelo governo federal da Light, então concessionária de cidades dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo,
inclusive as capitais. Em 1981, a parcela paulista da empresa passou ao governo do Estado de São Paulo, que alterou o nome da
companhia para Eletropaulo – Eletricidade de São Paulo S.A.

Fonte: Elaboração própria.

Posteriormente, com a aceleração da urbanização nas cidades brasileiras, capi-


tais estrangeiros investiram na distribuição de eletricidade para os serviços públicos
das cidades. As empresas eram responsáveis por diversos serviços de utilidade públi-
ca, como transportes (bondes e ônibus), iluminação pública, produção e distribui-
ção de eletricidade, distribuição de gás canalizado e telefonia. Assim, o SEB chegou
aos anos 1930 com uma estrutura de capital predominantemente estrangeira e
descentralizada (cerca de 90% do setor).
Nos anos 1930, a canadense Light consolidou os dois principais mercados de dis-
tribuição do país, Rio de Janeiro e São Paulo, e chegou a deter 40% da capacidade
instalada nacional de geração de energia.
A norte-americana AMFORP, por sua vez, consolidou na mesma época as redes
de distribuição do interior de São Paulo e das cidades de Recife, Salvador, Natal,
196 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Maceió, Vitória, Niterói, Petrópolis, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Pelotas
[Pinto Jr. et al. (2007)].
Nesse momento, o Brasil tinha algumas ilhas elétricas, mas o mercado concen-
trava-se nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo e nas suas imediações. O
Sudeste concentrava 80% da geração de energia e o Nordeste, apenas 10% [Pinto
Jr. et al. (2007)].
Em resumo, esse quadro ilustra uma conformação setorial desarticulada, con-
centrada nos dois principais centros urbanos (RJ e SP). Isso demonstra que o surgi-
mento do SEB advém do processo de urbanização das capitais do país. Porém, à me-
dida que o processo de industrialização do país avançava, o setor elétrico deixava
de ser apenas um bem de utilidade pública das cidades para se tornar também um
insumo essencial para as indústrias.
Com o crescimento do setor em essencialidade e escala (sobretudo graças à
demanda industrial), foi inevitável a necessidade crescente de articulação entre os
investimentos na expansão da geração e da distribuição de energia, com o objetivo
de aceleração do processo de industrialização.1
Consequentemente, o controle estatal de insumos básicos e da infraestrutura, em
geral, passou a ser visto como condição de existência do processo de industrialização.
Esse controle iniciou-se com um processo de intensificação da regulação seto-
rial (antes esparsa em instrumentos legais), com a criação do Código das Águas, em
1934 (Decreto 24.643/34), que centralizou em um instrumento legal as regras gerais
das atividades de concessão nacionais e estrangeiras do SEB. Contudo, o que come-
çou com maior controle institucional tornou-se, nas décadas seguintes, um controle
de fato por meio da propriedade estatal dos ativos setoriais.
O setor elétrico brasileiro, assim como os demais setores de infraestrutura (te-
lecomunicações, por exemplo), percorreu uma trajetória de crescente controle es-

1
O setor elétrico ganhou grande destaque no Plano de Metas do governo JK (1957-1961), com meta de expansão de 2 GW e
realização de 1,65 GW (a capacidade instalada brasileira em 1950 era de 1,9 GW). Já no período militar, diversos planos, como
o Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), de 1967, o Plano de Metas e Bases para a Ação de Governo, de 1970, o I Plano
Nacional de Desenvolvimento (I PND), de 1970-1974, e o II PND, de 1975-1979, adotaram como um dos pilares do desenvolvimento
industrial a expansão da oferta de eletricidade [Abreu (1999)]. Com efeito, entre 1960 e 1980, o SEB vivenciou expressiva expansão
da capacidade instalada de geração de energia, com um crescimento médio anual de 10,2% (ver Apêndice 1); isto é, de 4,8 GW, em
1960, o país passou a deter 33,5 GW em 1980.
Energia Elétrica 197

tatal como reflexo natural do processo político de indução ao crescimento econô-


mico, executado tanto pelo poder federal quanto pelos estados. Nesse sentido,
coube ao Estado direcionar os investimentos do setor por meio do controle de dois
fatores-chave:
1. a origem dos recursos (financiamento da expansão setorial), e
2. a responsabilidade pela tomada de decisão (determinação de quando, onde,
como e quais investimentos seriam realizados).
Cabe destacar alguns marcos que evidenciam o crescimento do papel do Estado
no comando dos investimentos, como ilustrado no Quadro 1.
O papel do BNDE2 no setor elétrico, como um dos financiadores de longo prazo,
foi um dos fundamentos para sua criação em 1952. O gerenciamento dos recursos
do Fundo Federal de Eletrificação (FFE) era uma de suas principais atribuições. O
FFE era lastreado pelo Imposto Único de Energia Elétrica (IUEE), que incidia sobre
o consumo de energia. Por meio desse fundo, o Banco financiou inicialmente 6,3%
da expansão do parque gerador (21,6 MW), em 1955, e 95,9% da sua expansão
(502 MW), em 1962, ano de criação da Eletrobras [Gomes et al. (2002)].
Com a crescente centralização da gestão da operação e dos investimentos do
setor nas mãos da Eletrobras, o BNDE perdeu a atribuição de gestor daquele fundo
para a empresa holding do SEB. Com isso, a Eletrobras tornou-se, simultaneamente,
gestora, maior proprietária (concessionária), planejadora (papel usualmente exer-
cido pelo poder concedente) e financiadora do setor. A partir desse momento, o
BNDE passou a ter papel marginal na expansão do setor elétrico.
A atuação do BNDE voltou-se para as indústrias de transformação e de bens
de capital. Assim, no que toca ao setor elétrico, o financiamento à produção e
à aquisição de máquinas e equipamentos elétricos passou a ser o nicho de fo-
mento do Banco. Seu papel como financiador de projetos foi retomado apenas
no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, já em uma conjuntura de crise do
modelo estatal.

2
Então ainda sem sua vertente social, explicitada em sua razão social apenas em 1982, quando se tornou o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
198 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Com efeito, a partir dos anos 1960, o papel da Eletrobras como financiadora
setorial foi desempenhado por meio dos seguintes esquemas de obtenção de recur-
sos: Fundo Federal de Eletrificação,3 Empréstimos Compulsórios aos Consumidores,4
Reserva Global de Reversão (RGR),5 e Empréstimos Externos.
Além dessas fontes de recursos, havia outras duas fontes complementares, ope-
radas de forma descentralizada, sem o pleno controle da Eletrobras:
• os orçamentos dos estados e da União, importantes para custear os investi-
mentos, sobretudo durante o processo de estatização do setor (descrito no
Quadro 1); e
• a aplicação de uma política de realismo tarifário no suprimento de eletricidade,
que permitia que cada concessionária custeasse os investimentos com as pró-
prias receitas.
Esse modelo de propriedade e financiamento setorial com base nas empresas
estatais permitiu a aceleração dos investimentos na expansão do SEB (ver Apêndice 1)
e explica, em grande medida, a atual estrutura física e produtiva do setor. Essa es-
trutura caracteriza-se por um parque gerador de base hidrotérmica, integrado por
extensa rede de transmissão e distribuição de eletricidade, que interliga boa parte
do território nacional.
Contudo, fatores exógenos ao setor elétrico minaram o esquema de financia-
mento dos investimentos, já a partir dos anos 1970 e, sobretudo, nos anos 1980. A
seguir, uma breve descrição desses fatores.
a. Política de contenção tarifária
A economia brasileira, assim como diversas outras mundo afora, foi severamen-
te impactada pelo choque do petróleo de 1973, reprisado em 1979. A elevação
do preço desse insumo básico fez com que o governo brasileiro adotasse uma

3
O FFE detinha expressiva base de arrecadação, pois o IUEE aplicado sobre os consumidores de energia era de 10%, para a atividade
rural, 35%, para os consumidores residenciais e industriais, e 40%, para os consumidores comerciais e outros.
4
O empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica, instituído em 1962, era um adicional cobrado nas contas de
energia elétrica para financiar a expansão do setor elétrico. A contrapartida dos consumidores era o direito a receber da Eletrobras
resgatável em dez anos, com juros de 12% ao ano. O empréstimo compulsório foi fixado em 15% do valor da conta de energia, no
primeiro ano de sua aplicação, e em 20% nos anos seguintes. Em 1993, foi encerrada sua cobrança.
5
A RGR foi criada em 1957 com a finalidade de constituir um fundo para garantir ao poder concedente os recursos a serem
aplicados nos casos de indenização ao concessionário nos momentos de reversão dos ativos ao Estado ao fim do prazo de
concessão. A partir de 1971, a legislação conferiu à Eletrobras a administração desse fundo, cujo emprego se daria na forma de
empréstimos a concessionários de serviços públicos de energia elétrica, para expandir e melhorar os serviços.
Energia Elétrica 199

política de substituição energética, a fim de minimizar a dependência externa


do petróleo.
Essa política tinha duas bases: uma, de longo prazo, que visava à massificação do
etanol de cana-de-açúcar como insumo para modais de transporte; e outra, de curto
prazo, que visava prover à indústria, de forma geral, eletricidade (proveniente de
hidrelétricas, sobretudo) a preços módicos. Nesse sentido, a tarifa de eletricidade tor-
nou-se um meio de indução de política industrial e de contenção do déficit comercial.
Em parte também originado pelos choques do petróleo, a inflação brasileira
registrou aceleração de seus índices a partir dos anos 1970 e notadamente nos anos
1980. Com efeito, os reajustes das tarifas de eletricidade foram contidos também
como forma de controle inflacionário, a fim de compensar choques exógenos e a
crescente indexação da economia brasileira. É inegável que a implicação imediata
dessa política foi a deterioração dos balanços das concessionárias e de sua capaci-
dade de autofinanciamento.6
b. Uso do regime de tarifação uniforme
Em 1974, o governo instituiu a equalização tarifária entre as concessionarias. O
objetivo era estabelecer tarifas iguais em todo o território nacional, ajustando a
remuneração das empresas por meio da transferência de recursos excedentes das
empresas superavitárias para as deficitárias. Essas transferências eram reguladas
por uma conta, denominada Reserva Global de Garantia (RGG), que em 1988 foi
renomeada Reserva Nacional de Compensação de Remuneração (Rencor). A inten-
ção implícita dessa política foi reduzir as desigualdades entre as regiões do país,
sobretudo entre Sudeste e Sul e Nordeste e Norte.
Até 1981, esse esquema de subsídio cruzado não afetou o mínimo legal de re-
muneração das empresas. Naquele ano, porém, a remuneração de referência para

6
Nesse momento, as concessionárias de energia elétrica passaram a adotar uma prática defensiva em relação à política de
contenção tarifária. Como seus contratos de concessão lhes concediam direito à remuneração garantida do capital, as empresas
abriram em seus balanços direitos a receber, denominados Conta de Resultados a Compensar (CRC). Basicamente, a CRC
acumulava o diferencial tarifário entre a tarifa vigente a aquela que seria necessária para garantir sua remuneração legal entre
10% e 12% ao ano. Assim nasceu um dos grandes passivos financeiros, que só foram eliminados do SEB nos anos 1990, como
condição necessária para as privatizações. Com a extinção da remuneração legal das concessionárias, em 1993, coube ao Tesouro
Nacional ressarcir as empresas em um total de US$ 23 bilhões, em valores da época [Oliveira e Pinto Jr. (1998), Gomes et al. (2002) e
Araújo e Oliveira (2005)].
200 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

a transferência de recursos entre empresas superavitárias e deficitárias passou a ser


a média das empresas com base nas tarifas autorizadas pelo governo federal, que,
por sua vez, já sofriam com a política de contenção tarifária.
As implicações dessa política de subsídios cruzados foram: de um lado, de for-
ma imediata, a perda de receita das empresas superavitárias, que passaram a custear
concessionárias deficitárias; e, de outro lado, de forma estrutural, o desincentivo das
empresas para controlar seus custos, já que as empresas mais eficientes não seriam
premiadas, mas seriam fontes de recursos para as empresas menos eficientes.
c. Deterioração das condições de financiamento externo
Tanto as empresas estatais quanto o Estado brasileiro contraíram dívida com ins-
tituições multilaterais de crédito e no mercado de capitais internacional em um
contexto de alta liquidez e baixos juros, que perdurou até os anos 1970.
Com a crise nas economias centrais, que passavam por uma conjuntura de
estagnação econômica e alta inflação, explicada em grande medida pelos cho-
ques do petróleo, o quadro de liquidez internacional inverteu-se. Os principais
marcos de inflexão da liquidez internacional para o Brasil foram a elevação da
taxa básica de juros norte-americana em 1979 e, em consequência disso, a mo-
ratória mexicana de 1982.
Nesse período, o Brasil praticava uma política anticíclica de manutenção do
crescimento econômico em uma conjuntura de crise internacional.7 Essa política
foi exitosa para promoção de diversos investimentos que solidificaram a base in-
dustrial brasileira. A conta financeira, porém, severamente afetada pela política
monetária americana, foi alta, o que levou não só o Brasil, mas boa parte dos paí-
ses dependentes de recursos externos, a declarar default e renegociar seus créditos
para retomar seu crescimento.
Para agravar o quadro de crise, não houve sincronia entre as políticas de in-
vestimento das empresas estatais federais e estaduais, a partir dos anos 1970 e,

7
Esse era o momento do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), lançado em 1974 como resposta ao primeiro choque do
petróleo. O II PND, apesar de abranger o período de 1975 a 1979, resultou na maturação de investimentos em grande medida nos
anos 1980, sendo o serviço da dívida associada também referente a esse período. Inevitavelmente, o sucesso do II PND dependia de
grande volume de recursos e de financiamento de longo prazo, que, apesar da participação do BNDE, foi majoritariamente obtido
por meio de dívida externa a juros pós-fixados.
Energia Elétrica 201

sobretudo, nos anos 1980. Grandes hidrelétricas começaram a ser construídas, tan-
to pelas empresas do grupo Eletrobras quanto por estatais estaduais, como Cesp,
sem que o consumo de energia crescesse em um ritmo que justificasse e viabilizasse
esses investimentos.
Para ilustrar, esse foi o momento em que se iniciaram os projetos de usinas
como Paulo Afonso IV (1979), Itumbiara (1980), Porto Primavera (1980), Tucuruí
(1984) e Itaipu (1984).8 Os projetos sofreram sistemáticos atrasos, em parte por
causa da falta de recursos para seu financiamento, e em parte por causa do bai-
xo crescimento da demanda por energia.9 Nesse momento, o BNDES retomou sua
participação como financiador relevante do setor, com financiamento de mais de
20 GW de usinas hidrelétricas.10
Em resumo, nos anos 1980, o SEB recaiu na chamada armadilha das economias
de escala, pois grandes projetos com atrasos sistemáticos implicaram crescimento
dos custos de financiamento durante sua construção e a postergação das receitas
oriundas da operação [Oliveira e Pinto Jr. (1998)]. Com efeito, o que seria uma vir-
tude para os projetos (economias de escala) tornou-se um vício.
Para sintetizar a reversão do quadro de financiamento setorial, de superavi-
tário para deficitário, entre os anos 1970 e 1980, basta verificar a relação entre a
capacidade de autofinanciamento e investimentos ilustrada no Gráfico 2.
Esse foi o contexto em que o SEB ingressou nos anos 1990 e, em grande
medida, fundamenta a proposição de mudança estrutural. Essa mudança tinha
dois pilares básicos: o ingresso da iniciativa privada, em função da incapacidade
do Estado e das estatais de, sozinhos, viabilizar os investimentos, e a introdução
da competição e da regulação por incentivos com vistas a aumentar a eficiência
econômica do setor.

8
A capacidade instalada das usinas é, atualmente, a seguinte: Paulo Afonso IV, 2,4 GW; Itumbiara, 2 GW; Tucuruí, 8,3 GW; Itaipu,
14 GW; e Porto Primavera, 1,8 GW.
9
O caso de Porto Primavera é o mais emblemático, pois as obras, previstas para serem concluídas em 1988, acabaram apenas
em 2003.
10
No início dos anos 1990, 20 GW representavam mais de 37% do Sistema Interligado Nacional.
202 BnDES 60 anOS – PErSPEctiVaS SEtOriaiS

Gráfico 2 CaPaCidade de aUtoFinanCiamento (reCUrsos setoriais – serviço da


dívida/investimentos)

80

40

1984 1985 1986 1987 1988


0
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983

-40

-80

Fonte: araújo e Oliveira (2005).

3. v I AB I l I zAç ã O D A IN S E R ç ã O
DA I NI C I AT IvA P R IvA D A :
A TR ANS I ç ã O IN C OM P l E TA
O SEB chegou à última década do século XX sobrecarregado de dívidas financei-
ras e passivos cruzados setoriais acumulados nos balanços das concessionárias
desde meados dos anos 1970. O gráfico 3 evidencia, por meio do indicador
dívida líquida/EBitDa, a situação drástica de incapacidade de pagamento das
dívidas em 1993.
Para ilustrar essa conjuntura adversa, basta dizer que a geração de caixa opera-
cional anual das principais distribuidoras11 seria suficiente para pagar suas dívidas
líquidas apenas após 25 anos. Usualmente, o mercado considera como limite de so-
lidez financeira que uma empresa tenha dívida líquida a ser paga por sua geração

11
empresas listadas em bolsa na época: light, escelsa, eletropaulo, CPFl, Coelce, Coelba, Cerj, Celpe, Celg e Celesc.
Energia Elétrica 203

de caixa operacional (representada pelo EBITDA) em até 2,5 anos. Isto é, as empre-
sas estavam endividadas em até dez vezes o que seria recomendável.
Em 1995, as dívidas financeiras totalizavam cerca de US$ 25 bilhões, os direitos
a receber das concessionárias oriundos da CRC, outros US$ 25 bilhões, e a Eletrobras
detinha créditos a receber oriundos da comercialização de energia com distribuido-
ras de US$ 5 bilhões [Ferreira (1999)].

Gráfico 3 Endividamento setorial (dívida líquida/EBITDA)

30
25,71

20
13,34
12,43

10
3,96
3,58

3,21

1,71
1,93

1,32

0
1993 2001 2011
Sistema Eletrobras Mistas (GTD) Distribuidoras

Fonte: Elaboração própria, com base em Cadernos de Infraestrutura do BNDES (1996), Brito (2003), balanços das empresas e CVM.
Nota: O Sistema Eletrobras, neste gráfico, é composto apenas de suas quatro subsidiárias (Eletronorte, Chesf, Furnas e Eletrosul),
sem Itaipu e as contas financeiras setoriais. As empresas mistas variam conforme o ano, pois foram incorporadas mudanças estruturais
ao longo do tempo, como Neoenergia e CPFL, que começaram com distribuição e passaram a atuar em geração.

Além da vulnerabilidade financeira, a Constituição de 1988 provocou alguns


reveses para o setor [Gomes et al. (2002) e Ferreira (1999)]:
• extinguiu o IUEE, que chegou a representar 8% das fontes de recursos do setor;
• elevou de 6% para 40% a alíquota do Imposto de Renda (IR) das empresas de
energia elétrica; e
• possibilitou a cobrança de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) sobre o suprimento de energia elétrica.
204 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Essas medidas fizeram com que parte da renda obtida pelas concessionárias de
energia, que poderia ser reinvestida, fosse apropriada pela União, por meio do IR,
e pelos estados, por meio do ICMS.
Com efeito, o SEB necessitava de readequação de suas finanças para, em segui-
da, ser reestruturado. Em outras palavras, os passivos setoriais deveriam ser expur-
gados a fim de viabilizar a inserção da iniciativa privada.
Após debates sobre como superar a crise e garantir a retomada dos investi-
mentos e da eficiência do setor, foi aprovada em março de 1993 a Lei 8.631, que
estabeleceu profundas modificações nas regras de funcionamento do SEB [Gomes
et al. (2002) e Ferreira (1999)]. Em síntese, a lei promoveu:
• o fim da regra de equalização tarifária, o que acabou com acúmulos de passivos
na conta CRC;
• a extinção da remuneração garantida das concessionárias, o que abriu espaço
para outras formas de regulação tarifária;
• o encontro de contas entre concessionárias e União: os direitos a receber das
distribuidoras, acumulados na conta CRC, foram empregados para quitar dí-
vidas com a Eletrobras referentes ao pagamento de suprimento de energia, à
aquisição de combustíveis, à RGR e à Rencor;
• o uso da CRC para pagamento de impostos federais (cerca de US$ 20 bilhões
dessa conta foram usados dessa forma);
• a recomposição tarifária: apenas em 1993, da edição da lei (março) até de-
zembro, a tarifa média de fornecimento das distribuidoras foi reajustada de
37,6 R$/MWh para 60,0 R$/MWh. Essa medida significou a retomada da polí-
tica de realismo tarifário, depois mantida no regime tarifário das concessio-
nárias (ver Gráfico 4).
O advento do Plano Real, em 1994, foi fundamental para dar estabilidade ma-
croeconômica, recuperando a capacidade dos agentes econômicos de vislumbrar
negócios de longo prazo. A estabilidade dos preços deu efetividade ao processo de
recomposição tarifária.
Depois de iniciada a recomposição tarifária e o equilíbrio de contas, foi promul-
gada a Lei Geral de Concessões 8.987, em 1995. Essa lei trouxe especificações ao que
Energia Elétrica 205

já previa, de forma genérica, a Constituição de 1988. Entre suas principais mudan-


ças, ressaltam-se a exigência de licitações para distribuição de novas concessões e
o reconhecimento do direito ao equilíbrio econômico-financeiro, com especificida-
des, conforme segmento.12

Gráfico 4 Reposicionamento tarifário

120

100

80
R$/MWH

60

40

20

0
1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Tarifa média distribuidoras Tarifa média geradoras

Fonte: Informe Infraestrutura BNDES 53 (2000).

A Lei 9.074, também promulgada em 1995, complementou a Lei Geral de Con-


cessões, com as seguintes regulamentações:
• definição de regra de transição para concessões antigas, inclusive para aquelas
ainda em fase não operacional (investimentos paralisados ou atrasados), espe-
cificando direitos e prazos;
• definição dos prazos e direitos para concessões novas;
• especificação das atividades que não são concessões;13

12
O segmento de distribuição, por ser uma atividade de monopólio natural, com tarifas reguladas, tem direitos de equilíbrio
econômico-financeiro mais fortes do que aqueles concedidos para geração. Geração, por ser um segmento em que se buscava
introduzir a competição, está sujeito aos riscos de mercado, e seus preços e sua rentabilidade são condicionados pelo mercado.
13
Os segmentos de monopólio natural (transmissão e distribuição de energia) e geração hidrelétrica de grande porte (acima de
30 MW) foram mantidos como concessões. Os demais se tornaram autorizações e, em casos específicos, permissões.
206 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

• separação contábil dos ativos, por meio da segregação dos custos das tarifas
por segmento do setor elétrico (geração, transmissão e distribuição), a fim de
separar os segmentos de monopólio natural (transmissão e distribuição) e per-
mitir o livre acesso ao uso pelos segmentos competitivos (geração e consumido-
res livres, ou agentes comercializadores que o representem);
• estabelecimento das regras gerais para privatização dos ativos; e
• criação do embrião do mercado livre de energia, ao definir a figura do pro-
dutor independente de energia, que poderia vender energia diretamente ao
consumidor livre (inicialmente definido com carga acima de 10 MW).
Esses foram, e são até hoje, os pilares da nova institucionalidade do setor
elétrico brasileiro. No entanto, para a introdução da competição nos segmen-
tos desregulamentados (geração de energia e um novo segmento, denominado
comercialização de energia), há necessidade de conformação de normativos e
instituições específicas, que foram sendo criados na segunda metade da década
de 1990. O Quadro 2 exibe uma síntese da cronologia de implantação dessa nova
organização institucional do SEB.
Contudo, por causa da vulnerabilidade financeira das empresas do SEB para sus-
tentar os investimentos requeridos, sobretudo após o Plano Real, quando o crescimen-
to do consumo de energia voltou a crescer a taxas expressivas, a necessidade da in-
trodução da iniciativa privada tornou-se premente. Aliado a esse fato, está a própria
necessidade da União e dos estados de recuperar suas contas públicas. Nesse sentido,
os ativos do SEB nas mãos da administração pública passaram a ser vistos como fontes
de recursos para sua recuperação financeira, e não mais como fontes de despesas.
Nesse âmbito, o processo de privatização iniciou-se em 1995, com a venda da
distribuidora do Espírito Santo, Escelsa, de forma desarticulada com a transforma-
ção institucional setorial.
A privatização do setor começou com os ativos em poder da União, que foram
incluídos no Programa Nacional de Desestatização (PND).14 Coube ao BNDES a res-

14
O PND foi criado pela MP 155/90 (convertida na Lei 8.031/90) e, após inúmeras MPs, foi consolidado pela Lei 9.491/97. No que
toca aos ativos federais, as empresas Light e Escelsa foram incluídas no PND em 1992 e o Sistema Eletrobras, em 1995.
Energia Elétrica 207

ponsabilidade por sua gestão. Depois, os estados aderiam à iniciativa ao instituírem


programas de reestruturação e ajuste fiscal, em convênio com a União, regidos pela
Lei 9.496/97 (conversão da MP 1.560/1996), que, por sua vez estabeleceu critérios
de assunção e renegociação de dívidas entre estados e a União. No âmbito dessa
lei, durante os anos de 1996 e 1998 vários estados transferiram para a União suas
dívidas, cujas amortizações deveriam ser realizadas por meio das receitas de priva-
tizações [Velasco Jr. (2010)].

Quadro 2 Cronologia da transformação institucional

1996 Instituição, pela Lei 9.427/96, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela supervisão setorial.
Regulamentação específica das atividades de autoprodução de energia e do produtor independente de energia (por meio do
Decreto 2.003/96).
1997 Constituição da Aneel e de seu regimento interno (Decreto 2.335/97).
Definição da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97).
Criação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), por meio da Lei 9.478/97.
1998 Criação do Mercado Atacadista de Energia (MAE) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), pela Lei 9.648/98.
2000 Instituição, pela Lei 9.984/2000, da Agência Nacional de Água (ANA), entidade federal responsável pela implementação da
Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Fonte: Elaboração própria, com base em dados dos normativos citados.

Com efeito, no âmbito do PND e do Programa de Restruturação e Ajuste Fiscal


de cada estado, o BNDES atuou como financiador nas seguintes modalidades:
• adiantamento de recursos aos estados da federação, que entre 1996 e 1998
representaram apoio de R$ 898,4 milhões, valor que deveria ser pago com as
receitas das privatizações; e
• financiamento aos adquirentes nos leilões de privatização, que totalizam um
apoio financeiro de R$ 5,7 bilhões, a serem pagos pelos acionistas das conces-
sionárias privatizadas ou pelos funcionários das estatais que participaram do
leilão de privatização.
Com as privatizações, União e estados auferiram R$ 3,8 bilhões e R$ 19,6 bi-
lhões, respectivamente, que contribuíram para suas políticas de ajuste fiscal, já de-
duzidas as chamadas moedas de privatização aceitas à época.15

15
Dívidas securitizadas do Tesouro Nacional e Certificados de Privatização, emitidos no mercado financeiro, foram usados como meio
de pagamento [Velasco Jr. (2010)].
208 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Além disso, as privatizações contribuíram para a queda do endividamento pú-


blico, pois os passivos das empresas deixaram de ser contabilizados nos déficits
públicos estaduais e federal. Assim, União e estados transferiram dívidas para o
setor privado de R$ 2,2 bilhões e R$ 7,3 bilhões, respectivamente.
O Gráfico 5 sintetiza o resultado das privatizações do SEB. O Apêndice 2 expõe
quais foram as principais concessões objeto de leilão de venda de controle e parti-
cipação minoritária.

Gráfico 5 Resultado das privatizações 1995-2000 (R$ bilhões correntes)*

25

20

15

10

0
Receitas moeda corrente Receitas moeda Transferência de dívidas BNDES: ajuste fiscal BNDES: financiamento
privatização ao setor privado estados acionistas
Estados União

Fonte: BNDES.
*Os valores monetários expostos neste artigo são apresentados em reais correntes por causa da heterogeneidade dos diversos índices de
preços que deveriam ser utilizados conforme segmento de mercado e natureza de gasto para a supressão da inflação intrínseca de cada
um. Índices de preço gerais, como IGP ou IPCA, não são ideais porque têm comportamentos diferentes e, em alguns momentos, opostos à
inflação percebida por segmentos do setor.

Foi a partir das privatizações que o BNDES cresceu em importância como finan-
ciador do setor elétrico brasileiro. Cabe ressaltar que nesse primeiro momento o
crescimento absoluto dos créditos concedidos pelo BNDES não ocorreu em detri-
mento do papel financeiro da Eletrobras.
A intenção era de que a holding atuasse também como financiadora setorial,
embora as subsidiárias do Sistema Eletrobras estivessem incluídas no PND e embora
Energia Elétrica 209

houvesse transferência de funções setoriais da holding do grupo para novas enti-


dades, a exemplo da criação do Operador Nacional do Sistema Elétrico e do fim do
planejamento centralizado da expansão, que seria direcionado pelo mercado (por
meio da sinalização de preços).
Não foi por acaso que a Eletrobras permaneceu como gestora de alguns re-
cursos setoriais, como a RGR, e assumiu outras atribuições de fomento financei-
ro subvencionado. Exemplos complementares dessa atribuição financeira são dois
programas, originados na Lei 10.438/2002:
• o Programa de Universalização do Acesso, depois redefinido como Programa
Luz Para Todos (Decreto 4.873/2003), com recursos subvencionados da Conta
de Desenvolvimento Energético (CDE), instituída pela mesma lei e pela RGR; e
• o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa),
que previa que a Eletrobras garantisse a comercialização da energia de fontes
de geração à biomassa, energia eólica e pequenas centrais hidrelétricas. O cus-
teio dessa comercialização foi instituído por meio da conta Proinfa, também
administrada pela Eletrobras.
Nesse momento, o BNDES foi parceiro da Eletrobras na promoção do Proinfa,
pois estipulou, em março de 2004, condições diferenciadas de apoio financeiro aos
investimentos em energia alternativa.
Com efeito, depreende-se que a Eletrobras e o BNDES seriam agentes de fo-
mento à expansão setorial por meio de financiamentos – a Eletrobras se con-
centraria em recursos subvencionados, enquanto o BNDES se dedicaria ao finan-
ciamento de longo prazo a projetos de geração e transmissão de energia, ou a
planos de investimento de distribuidoras. Na prática, porém, observou-se que o
papel puramente financeiro assumido pela Eletrobras não perdurou muito tempo.
O racionamento de energia de 2001 eliminou essa percepção, pois aos poucos o
Sistema Eletrobras recuperou seu papel de investidor, embora em outros moldes
(detalhado a seguir).
210 BnDES 60 anOS – PErSPEctiVaS SEtOriaiS

4. S UR gI M ENT O E C ON S E QU Ê N C IA S
DO R AC I O N A ME N T O D E E N E R g IA :
S ANEAM EN T O f IN A N C E IR O
E M UDANç A S IN S T IT U C ION A IS
O SEB iniciou o século XXi com a necessidade de imposição à sociedade de uma
economia de energia de 20%. Obviamente, o diagnóstico desse fato é a falta de
investimentos na expansão setorial, sobretudo no que toca ao parque gerador e ao
sistema de transmissão nacional.
as reformas dos anos 1990 não foram capazes de suprir, por meio da inserção
da iniciativa privada, a lacuna deixada pelas estatais no processo de condução dos
investimentos.
assim, cabe explicitar quais foram as principais causas do modesto nível de in-
vestimentos. após duas décadas de reformas em setores de infraestrutura ocorridas
no Brasil e no mundo, pode-se observar que o êxito das reformas depende estri-
tamente de um processo de transformação de organização industrial que siga os
seguintes passos [Pinto Jr. et al. (2007)]:
1. definição da nova estrutura de mercado, com a separação contábil de ativos e
limites de integração vertical;
2. definição do novo arcabouço regulatório;
3. criação e operacionalização dos entes responsáveis pela regulação setorial; e
4. reformas patrimoniais, por meio de privatizações de estatais.
Pelo exposto na seção anterior, percebe-se que o Brasil adotou sequência
inversa em seu processo inicial de reformas. as privatizações do SEB começaram
em 1995 e atingiram seu auge em 1997 e 1998. a transformação institucional
(ver Quadro 2), porém, foi iniciada em 1996, a criação das principais instituições
foi concluída em 2000 e apenas em 2004 foi delineado o arcabouço regulatório
vigente hoje.
é importante destacar que não foi apenas a sequência inversa de reformas que
inibiu os investimentos setoriais. Outro fator agravante foi a desarticulação do pro-
cesso de reformas, que abriu lacunas institucionais.
EnErgia Elétrica 211

Uma lacuna institucional relevante foi a paralisia das empresas estatais durante
o processo de privatização. caso exemplar disso foi a situação do Sistema Eletro-
bras, que foi incluído no PnD em 1995 e retirado uma década depois (em 2004).
Entre as empresas do grupo, apenas a divisão de geração da Eletrosul (gerasul, hoje
pertencente ao grupo gDF Suez) foi privatizada em 1998. as demais divisões da Ele-
trobras ficaram em compasso de espera para serem vendidas, enquanto a holding
exercia apenas seu papel financeiro.
contribuiu para essa paralisia estatal a vulnerabilidade financeira de seus
balanços, que se recuperaram ao longo dos anos 1990, por conta do reposicio-
namento tarifário, que elevou receitas, e do contingenciamento do setor públi-
co, que inibiu a contração de dívidas pelas estatais. O contingenciamento das
estatais se deu no âmbito do controle do déficit público, pois as estatais contri-
buíam para o atingimento das metas de redução do déficit, de forma direta, ao
distribuírem lucros, e de forma indireta, quando incorporadas no cálculo global
das contas públicas.16
a paralisia dos investimentos da Eletrobras e das demais estatais não foi su-
prida rapidamente pela iniciativa privada, pois havia a expectativa de compra dos
ativos existentes, em vez de investimento em novos, de maior risco associado ao
processo de implantação.
Em relação aos riscos associados a investimentos em novos ativos, é importante
ressaltar que no Brasil, no que toca especificamente à principal fonte de energia
(hidreletricidade), vários leilões de novas outorgas de concessão ocorreram, porém
sem êxito no que se refere à implantação de quase sua totalidade.
Esse fato advém da desarticulação entre os marcos institucionais do setor elétri-
co e os marcos socioambientais associados ao licenciamento dos empreendimentos.
Usinas hidrelétricas foram licitadas sem ao menos terem licenciamento prévio, o
que inviabilizou sua execução.

16
o controle dos gastos das estatais culminou com a emissão da resolução 2.827, de 30 de março de 2001, do Conselho monetário
nacional, que limitou o sistema Financeiro nacional a conceder empréstimos a empresas estatais. após o racionamento, essa
limitação sofreu progressiva flexibilização. no que toca ao seB, as flexibilizações foram vinculadas diretamente à realização de
investimentos para a expansão de acordo com o planejamento setorial.
212 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Explicitadas as causas do racionamento, devem ser expostas suas consequên-


cias. De imediato, destaca-se que, além do evidente efeito adverso sobre a socieda-
de brasileira, no que toca ao setor, três foram os grupos de agentes que sofreram
os maiores reveses: distribuidoras, geradoras de energia e consumidores.
Distribuidoras e geradoras se depararam abruptamente com posições de so-
brecontratação, implicando ônus financeiro, enquanto os consumidores viven-
ciaram o desconforto da redução compulsória do consumo e a posterior eleva-
ção tarifária.
No que se refere às distribuidoras, o impacto imediato foi a perda de 20% de
seu faturamento, em função da imposição de redução de consumo. Como esse fato
foi consequência de imposição do Estado e as concessões de distribuição têm direi-
to de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, cabia ao regulador realizar
recomposição tarifária extraordinária (RTE).
Quanto às geradoras, mais especificamente para as hidrelétricas, a consequên-
cia do racionamento foi a perda de disponibilidade de recursos hídricos em seus
reservatórios para que honrassem seus contratos de suprimento de energia aos
consumidores e distribuidoras. Isso ocorreu porque as hidrelétricas foram sistema-
ticamente acionadas para o atendimento do mercado, já que havia a presunção
de que o cenário de expansão do parque gerador seria efetivamente realizado.17
Como os investimentos efetivados na expansão do parque gerador não foram
realizados na proporção requerida, o deplecionamento dos reservatórios das hidre-
létricas foi inevitável.
Nesse momento, o preço da energia no mercado de curto prazo (MAE), fortemen-
te dependente do volume de água dos reservatórios, atingiu seu teto (684 R$/MWh,
na época especificado como o custo de déficit de energia). Várias concessões hidre-
létricas, sobretudo as empresas do Sistema Eletrobras, ficaram expostas aos preços

17
O SEB tem uma especificidade que é a operacionalização das usinas comandada pelo operador nacional do sistema (ONS),
diferentemente dos demais países cuja operacionalização é decidida por meio da efetiva comercialização da energia realizada
pelo gerador. Em poucas palavras, no mundo, em geral, a dinâmica de mercado e a decisão dos agentes determinam a geração
das usinas, enquanto no Brasil, por causa da necessidade de otimização intertemporal dos recursos hídricos e das fontes
complementares, é o operador do sistema que determina a geração das usinas. Como a decisão de geração envolve um processo de
escolha intertemporal, a otimização é realizada por meio de modelagem computacional que leva em conta cenários de expansão de
oferta e de demanda por eletricidade.
Energia Elétrica 213

máximos do mercado atacadista de energia, pois, para honrar seus contratos, ti-
nham de comprar energia (mais cara) no MAE oriunda de termelétricas.18
No que toca aos consumidores, o impacto evidente foi a elevação tarifária que
ocorreria por conta da RTE das distribuidoras. Para agravar o quadro, nos anos de
2002 e 2003 o Brasil passou por um processo de desvalorização cambial que reper-
cutiu na estrutura de custos das empresas19 e, consequentemente, nas tarifas finais.
Para minimizar os efeitos adversos do racionamento sobre distribuidoras, ge-
radoras e consumidores, foi instituído o Acordo Geral do Setor Elétrico (MP 14/01,
convertida na Lei 10.438/02, a mesma que instituiu o Proinfa). O acordo estabele-
ceu o seguinte:
• redução da sobrecontratação de energia, a fim de minimizar ônus financeiro na
proporção da redução do consumo (20%);
• renúncia por parte das empresas a qualquer pretenso direito oriundo das me-
didas do racionamento;
• recomposição tarifária extraordinária (RTE),20 a fim de cobrir as perdas financei-
ras por conta da redução de receitas das distribuidoras e a aquisição de energia
mais cara no mercado de curto prazo (MAE); e
• constituição de programas de financiamento do BNDES, em caráter emergen-
cial e excepcional, de até 90% das perdas e custos oriundos do racionamento.
Os programas emergenciais de financiamento do BNDES (Gráfico 6) possibi-
litaram a diluição no tempo dos efeitos do racionamento, evitando a quebra de
empresas e a elevação ainda maior das tarifas.
Para as distribuidoras, o BNDES estruturou dois programas emergenciais. O primei-
ro foi logo após o racionamento e objetivou a compensação pela perda das receitas
previamente à RTE. Esse programa foi denominado Programa Emergencial RTE, que
totalizou os maiores desembolsos entre os três programas estruturados (R$ 5,4 bilhões).

18
As despesas com aquisição de energia no MAE explodiriam e as geradoras hidrelétricas não poderiam honrar seus compromissos
no mercado de curto prazo.
19
O indexador principal dos contratos das empresas era o IGP-M, muito dependente da variação cambial. Adicionalmente, é
importante destacar que a energia comprada de Itaipu e das usinas nucleares de Angra I e II é paga em dólares.
20
Os reajustes estabelecidos foram de 2,9% para consumidores rurais e residenciais, com exceção dos consumidores de baixa renda,
e de 7,9% para consumidores industriais e comerciais, entre outros.
214 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O segundo programa emergencial para as distribuidoras objetivou compensá-las


pela variação dos chamados custos não controláveis, denominados de Parcela A.

Gráfico 6 Programas emergenciais do BNDES (R$ bilhões correntes)*

Geradoras (MAE)

2,2

9,27

5,38
Distribuidoras (RTE)
1,69
Distribuidoras (CVA)

Fonte: BNDES.
* Liberações totais de recursos agregadas até 30 de dezembro de 2004 para distribuidoras e até 30 de novembro de 2005 para geradoras.
As datas diferem em cerca de um ano, pois os programas tiveram prazos de utilização distintos e foram utilizados conforme a realização
dos contratos de financiamento.

Como o regime tarifário das distribuidoras prevê reajustes em periodicidade


anual, com repasse integral dos custos não controláveis, as empresas, no curto prazo,
ficam sujeitas a elevações do custo de aquisição da energia das geradoras. No racio-
namento, o descasamento entre os reajustes anuais e as variações da Parcela A po-
deria comprometer a liquidez das empresas, por causa da magnitude e da elevação
brusca do preço da energia das geradoras no mercado de curto prazo (MAE).
Para agravar o quadro, a conjuntura macroeconômica era de forte desvaloriza-
ção cambial, que implicou aumento de custos de energia oriundos dos suprimentos
de Itaipu e das usinas nucleares de Angra I e II, contratados em dólar.
Assim, para resolver mais esse revés no setor, foi criada uma conta gráfica para
registro das variações dos custos da Parcela A, denominada Conta de Compensação
de Variação dos Itens da Parcela A (CVA). Essa conta acumulava os descasamentos
de custos ainda não repassados às tarifas.
EnErgia Elétrica 215

a fim de diluir o impacto tarifário, foi criado o Programa Emergencial cVa, que
antecipou recursos para as distribuidoras e, em certa medida, as compensou pelo
descasamento entre os reajustes tarifários, ocorridos anualmente, acumulados na
conta cVa.
Estima-se que, por meio do Programa Emergencial cVa, se evitou uma eleva-
ção tarifária média, para o conjunto das distribuidoras, de oito pontos percentuais
[Siffert et al. (2005)].
Para as geradoras, o BnDES estruturou apoio emergencial, aqui intitulado Pro-
grama Emergencial MaE, que objetivou cobrir a insuficiência de recursos das em-
presas para a aquisição de energia no mercado de curto prazo (MaE), a fim de
cumprir seus compromissos contratuais de suprimento às distribuidoras, haja vista
a perda de lastro físico com o deplecionamento dos reservatórios.
Em resumo, o apoio financeiro do BnDES foi fundamental para: (i) preservar a
solvência das empresas do setor e, consequentemente, sua capacidade de investi-
mentos; e (ii) conter a elevação tarifária extraordinária.
Uma vez promovidos os ajustes pós-racionamento, deu-se prosseguimento às
transformações institucionais e regulatórias do SEB, a fim de equacionar a causa
do problema, qual seja, a ineficiência do arcabouço institucional vigente para a
promoção dos investimentos setoriais.

5. R Ef O R M AS D E 2 0 0 4 : A C ON C l U S ã O
DO M AR C O R E g U l AT ÓR IO E A
C O NS O l I DA ç ã O D O PA P E l D O B N D ES
O racionamento de energia, ocorrido entre os anos de 2001 e 2002, além de suas
implicações imediatas já detalhadas, impôs à sociedade readequação nos padrões
de consumo, que foram incorporados, em grande medida, após o fim da redução
compulsória. com isso, o SEB passou de um contexto de déficit de oferta para outro
de sobreoferta, que concedeu tempo para os formuladores de política elaborarem
proposições de reforma no arcabouço institucional vigente.
216 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Assim, em 2004, por meio das leis 10.847 e 10.848 e do Decreto 5.163, foi ins-
tituído o novo marco regulatório do SEB. Nele, as modificações mais relevantes
foram as seguintes:
• retirada do Sistema Eletrobras do PND;
• sucessão do Mercado Atacadista de Energia (MAE), que foi liquidado, pela Câ-
mara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE);
• retomada do planejamento da expansão, com a criação de uma empresa es-
tatal, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), subordinada ao Ministério de
Minas e Energia (MME);
• criação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE);21 e
• modificação do mercado relevante para o setor elétrico brasileiro.
Em relação ao mercado atacadista, o novo marco regulatório segmentou-o em
dois ambientes: o Ambiente de Contratação Regulado (ACR) e o Ambiente de Con-
tratação Livre (ACL).
O foco das mudanças do marco regulatório em 2004 foi orientado para o ACR.
Nele, buscou-se conciliar dois objetivos de interesse público: promoção da modi-
cidade tarifária e estímulo aos investimentos para a preservação da garantia de
suprimento ao mercado cativo. Para tanto, no âmbito do ACR, houve modificações
significativas do lado da oferta e do lado da demanda.
Do lado da demanda, as distribuidoras, que fornecem energia aos chamados con-
sumidores cativos, foram obrigadas a centralizar a contratação da energia em um
pool. Antes, as distribuidoras eram livres para realizar contratos bilaterais, de forma
autônoma e sem a imposição de regras sobre prazos e preços da energia contratada.
Do lado da oferta, as principais modificações atingiram os novos empreendi-
mentos, sobretudo hidrelétricas, em função da orientação de promoção de investi-
mentos com modicidade tarifária. São elas:
• em vez de serem realizados pela maior oferta de pagamento do uso do
bem público (UBP), os leilões de concessão de hidrelétricas passaram a ser

21
Entidade técnica de avaliação e recomendação de políticas setoriais ao CNPE. Sua função básica é o acompanhamento setorial
com foco na preservação da garantia de suprimento e na minimização de risco de déficit.
Energia Elétrica 217

executados no esquema de leilão reverso (holandês), no qual obtém a con-


cessão o empreendedor que oferece a menor tarifa de eletricidade a ser
contratada por um período de trinta anos por todas as distribuidoras inte-
grantes do pool;22 e
• as usinas somente seriam licitadas após a obtenção da licença prévia ambiental
pelo órgão competente.
Essa última modificação foi fundamental para a retomada dos investimentos
em geração hidrelétrica, pois obriga que um empreendimento hidrelétrico seja co-
mercializado apenas após a superação de boa parte dos ritos do marco regulatório
socioambiental.
Para entender esse fato, deve-se ilustrar quais são os principais ritos associados
à avaliação, à mitigação e à compensação de impactos socioambientais ocasiona-
dos pelos projetos. São eles:
1. realização do estudo de impacto socioambiental (EIA/Rima), integrado à avalia-
ção econômico-financeira do projeto e à definição dos projetos básico e execu-
tivo do empreendimento;
2. obtenção do licenciamento prévio, com as principais medidas condicionantes a
fim de preparar o entorno do projeto para sua posterior implantação;
3. obtenção da licença de instalação do empreendimento, que detalhará um con-
junto de medidas de compensação e mitigação de impactos a serem cumpridas
pelo empreendedor; e
4. obtenção da licença de operação, concedida após o cumprimento dos condicio-
nantes da licença de instalação.
Como consequência dessas modificações, os projetos de geração passaram a ser
incorporados no planejamento da expansão em conformidade com a previsão de
superação dos marcos socioambientais.
Além disso, deve-se destacar a retomada da participação das estatais na ex-
pansão setorial. As empresas estatais, sobretudo o Sistema Eletrobras, vivenciaram

22
Para as demais formas de geração (térmica, eólica, PCH, entre outras), diferentemente das hidrelétricas, não há disputa pelo
projeto, mas sim apenas pela comercialização da energia no ACR. O empreendedor deve estruturar seu próprio projeto, obter a
licença prévia e a autorização da Aneel para depois disputar a comercialização da energia no ACR.
218 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

descontigenciamento crescente, na medida da necessidade verificada pelo planeja-


mento da expansão do SEB.23
Com efeito, os investimentos do SEB recrudesceram e o papel do BNDES como
financiador da expansão acompanhou tal ritmo de aceleração, conforme eviden-
ciado pelo Gráfico 7.

Gráfico 7 Financiamento do BNDES para geração, transmissão e distribuição (aprovações


de crédito em R$ bilhões correntes)

18

16

14

12

10

0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Distribuição Transmissão Geração

Fonte: BNDES.
Nota: Consolidação até 31.12.2011.

Para o BNDES, as modificações no marco regulatório foram fundamentais para


a mitigação de riscos associados a projetos estruturados na modalidade project
finance. Essa modalidade de financiamento consiste na definição de apoio finan-
ceiro com base em uma estrutura contratual que permita:
• segregação do fluxo de caixa e ativos em veículo específico (SPE); e
• especificação de riscos e arranjos contratuais que o mitiguem.

23
Diversas resoluções do Conselho Monetário Nacional criaram exceções para o contingenciamento da contração de dívidas
das estatais no Sistema Financeiro Nacional de acordo com os projetos e planos de expansão para os segmentos de geração e
transmissão definidos pelo MME/EPE.
Energia Elétrica 219

O Quadro 3 ilustra como é feita a especificação dos riscos e os arranjos contra-


tuais necessários para sua mitigação. Com base nisso, destaca-se como a conclusão
das reformas do SEB contribuiu para a aceleração dos investimentos e dos financia-
mentos do BNDES.

Quadro 3 Tipologia de risco em project finance

Tipos de riscos Fatos associados


Suprimento Segurança no suprimento (preço e quantidade) de combustíveis, equipamentos etc.
Demanda Estabilidade do fluxo de caixa e riscos de inadimplemento (no jargão financeiro, risco de mercado e risco de crédito)
Operacional Gerenciamento financeiro
Desempenho técnico
Implantação Concepção da engenharia dos projetos
Definição da repartição de riscos no contrato EPC (entre construtor, empresa e seguradoras)
Custos financeiros Descasamentos associados a (ou entre) taxa de câmbio, indexadores de inflação, taxas de juros (TJLP) etc.
Institucional Estabilidade do marco regulatório
Fatos do príncipe
Recorrência de litígios etc.
Social Impactos negativos da mobilização de mão de obra
Relacionamento com órgãos de classe
Trato com entidades e representações locais, povos indígenas etc.
Natureza Geologia, hidrologia, impactos em áreas de preservação etc.
Patrocinadores Compromissos dos acionistas
Nível de segregação da sociedade de propósito específico (SPE)

Fonte: Elaboração própria.

Dentro do mapa de riscos exposto para os novos empreendimentos de geração de


energia no ACR, as inovações, destacadas por Siffert et al. (2005), foram as seguintes:
1. Exposição ao risco de mercado: Os projetos teriam garantia de fluxo de caixa ao
assinar contratos de compra e venda de energia (CCVEs) de longo prazo, com o
conjunto das distribuidoras do pool, sem sujeitar-se a variações de mercado. Essa
modificação aproxima o segmento de geração do de transmissão, que já tinha
receita fixa e garantida por contratos de concessão, repartida por todos os usuários
do sistema interligado por meio da cobrança dos encargos de transmissão.
2. Exposição ao risco de crédito: No ACR, os projetos de geração não se sujeitam
ao risco de uma única distribuidora, mas sim ao pool de distribuidoras que de-
claram necessidade de energia para contratação futura. Ou seja, a origem dos
pagamentos é pulverizada pelo conjunto das distribuidoras, o que minimiza o
risco de inadimplemento. Adicionalmente, no âmbito da CCEE (responsável le-
220 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

gal pela liquidação financeira dos CCVEs), há, além das penalidades contratuais
usualmente empregadas, um conjunto de garantias, depositadas pelas distri-
buidoras em banco custodiante contratado por estas, que podem ser utilizadas
e são acionadas na ocorrência de inadimplemento.
3. Exposição aos riscos institucionais: Licitação de empreendimentos somente
após a concessão da licença prévia por órgão ambiental competente. Com
isso, boa parte do risco de insucesso no licenciamento é transferido dos em-
preendedores para o poder concedente, que se tornou o responsável por
apresentar somente projetos a serem leiloados com viabilidade socioam-
biental. Ao empreendedor, permanece o risco de insucesso nas fases de li-
cenciamento de instalação e operação da usina, que é bem inferior ao risco
de licenciamento prévio.
À primeira vista, dada a complexidade do mapa de risco que envolve os proje-
tos de geração de eletricidade, as mudanças institucionais foram poucas. Seu im-
pacto, porém, foi fundamental, pois equacionaram os principais riscos ainda pouco
mitigados pelo marco regulatório pré-2004. O grande exemplo do efeito da mi-
tigação dos riscos é a retomada por parte dos empreendedores de várias usinas
hidrelétricas licitadas antes de 2004 pelo critério de maior pagamento pelo uso do
bem público (UBP).24
A menor percepção de risco também possibilitou que o BNDES contribuísse com
a expansão dos investimentos ao modificar, desde 2004, suas linhas de crédito para
o SEB de modo a reduzir os custos financeiros (inclusive o gradiente de taxas de
risco), bem como alongar prazos, conforme pode ser visto na Tabela 1, para o seg-
mento de geração hidrelétrica.
É importante ressaltar que o BNDES não se limitou aos empreendimentos hi-
drelétricos, mas também aprimorou sua política de apoio a PCHs, usinas eólicas e
térmicas biocombustíveis (um sinal claro de fomento à energia renovável), para
promover os investimentos com a menor tarifa possível.

24
Os leilões de concessões de empreendimentos hidrelétricos realizavam-se pelas propostas de pagamento à União pelo UBP. Vencia
quem aceitava pagar o maior valor, mecanismo que onerava os projetos e desestimulava a modicidade tarifária.
Energia Elétrica 221

Tabela 1 Evolução das políticas operacionais do BNDES

Descrição 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2011 2012


Prazo de Até 12 Até 12 Até 12 Até 14 Até 16 Até 16 ou Até 16 ou Até 16 ou
amortização anos anos anos anos anos 20 anos 20 anos 20 anos
Custo financeiro 80% TJLP/ 80% TJLP/ 80% TJLP/ 100% TJLP 100% TJLP 100% TJLP 100% TJLP 100% TJLP
20% cesta 20% cesta 20% IPCA
de moedas de moedas
Participação máxima 70% 70% 80% 80% 85% 80% 70% 70%
do BNDES (itens
financiáveis)
ICSD mínimo 1,30 1,30 1,30 1,30 1,30 1,20 ou 1,20 ou 1,20 ou
1,30 1,30 1,30
Remuneração 2,5% 2,5% 2,5% 1,5% 1,0% 0,9% 0,9% 0,9%
básica (A)
Risco de crédito (B) 1,5% 1,5% 1,5% 0,8% 0,46% 0,46% 0,46% 0,40%
a 1,8% a 3,57% a 3,57% a 3,57% a 4,18%
Remuneração total 4,0% 4,0% 4,0% 2,3% 1,46% 1,36% 1,36% 1,3%
BNDES (A + B) a 3,3% a 4,57% a 4,47% a 4,47% a 5,08%
Fonte: Elaboração própria.

Por fim, em concomitância com a consolidação do papel do BNDES como prin-


cipal financiador do SEB, verificou-se uma inflexão no que se supunha ser o papel
setorial da Eletrobras em relação à trajetória inicialmente concebida no início das
reformas. Em vez de se tornar uma financiadora setorial, a empresa, por meio de suas
subsidiárias, retomou seu papel de investidora setorial, só que em outros moldes.
Assim, como as demais estatais estaduais (como Cemig e Copel), o Sistema
Eletrobras passou a atuar predominantemente como parceiro de empresas privadas
em SPEs. Nessas SPEs, o controle é exercido pelos parceiros privados, enquanto as
estatais atuam como parceiros estratégicos em função de dois fatores importantes:
captação de recursos próprios (equity dos acionistas) e conhecimento dos projetos,
graças ao o know-how setorial acumulado.
Para ilustrar o grau de importância da parceria entre empresas estatais e priva-
das na expansão recente do parque gerador, o Gráfico 8 exibe o percentual relativo
de projetos e de capacidade instalada em três situações societárias, com base em
operações de projetos do BNDES de usinas hidrelétricas com aprovação de crédito
entre 2004 e 2011:25 estatal puro, privado puro e associação público-privado.

25
A usina de Belo Monte não foi incluída nessa estatística, pois seu crédito de longo prazo ainda não está aprovado e seu porte
(11.233 MW) distorce a comparação por indicador de capacidade.
222 BnDES 60 anOS – PErSPEctiVaS SEtOriaiS

Gráfico 8 ProJetos hidrelétriCos aProvados no Bndes (2004-2011)

Estatal
Estatal

6%
Público-privado
17%
Privado

31% 19%

GRÁFICO 8A GRÁFICO 8B
NÚMERO DE PROJETOS CAPACIDADE INSTALADA

75%

52%

Público-privado
Privado

Fonte: BnDES.
nota: consolidação até 31.12.2011.

a necessidade das estatais de atuar como parceiras e não como competidoras


da iniciativa privada advém das limitações legais impostas às empresas públicas, as-
sociadas à lei de licitações (8.666/93),26 bem como às limitações de endividamento
com o Sistema Financeiro nacional.27
ressalta-se que, por meio das SPEs, com controle exercido por sócios priva-
dos, as empresas estatais são meros acionistas, e, de acordo com a legislação
vigente, não há transferência da natureza de empresa pública ao veículo socie-
tário do projeto.

6. PER S PEC TI vA S S E T OR IA IS
O SEB percorreu uma trajetória de consolidação institucional e financeira que ga-
rantiu significativa estabilidade na promoção dos investimentos setoriais. Entretan-
to, ainda há desafios para o setor, que devem ser contemplados.

26
em resumo, essa lei condiciona a aquisição de estatais a processos de licitação, a fim de promover a transparência e os menores
custos nos gastos de entidades públicas.
27
ver nota de rodapé 16.
Energia Elétrica 223

Esses desafios são de outra natureza. Não chegam a comprometer os investi-


mentos e a garantia de suprimento de eletricidade, mas são importantes no que
toca aos aspectos econômicos e à própria dinâmica do mercado elétrico.
O principal desafio para o SEB é a questão do preço da energia. Atualmente, é
frequente encontrar diagnósticos de que o Brasil tem um dos mais altos preços de
energia elétrica no mundo. Como tratar essa questão é algo não trivial, pois, como
no passado, certas alterações do marco regulatório podem comprometer os meca-
nismos de incentivo aos investimentos.
O passado brasileiro traz lições sobre como políticas de contenção da inflação
e de subsídios a indústrias podem desestabilizar financeiramente o setor elétrico.
Isso não significa, porém, que não haja espaço de manobra para mudanças tanto
no marco regulatório quanto na estrutura de custos e rentabilidade do setor.
É possível enunciar alguns encaminhamentos que podem ser dados a fim de
equacionar a questão da elevação das tarifas. Alguns deles são explicados pelas
mudanças ocorridas no SEB a partir de sua crise financeira.
Primeiramente, pode-se destacar o crescimento da tributação sobre o setor elé-
trico, a partir da Constituição de 1988, que permitiu a elevação do Imposto de Ren-
da e a tributação do ICMS no setor. Resolver essa questão é essencial, e a solução
política é complexa, pois lida com um dos pilares da federação, que é a repartição
de renda entre estados e a União. O ICMS é a principal fonte de recursos de diver-
sos estados, e o setor elétrico (infraestrutura, de modo geral) é uma das principais
(senão a maior) fonte desse imposto.
Outra questão importante é a metodologia de revisão tarifária das concessioná-
rias de distribuição. Recentemente, o regulador propôs uma série de modificações
de método e modelagem que dão sustentação à definição das tarifas reguladas. No
entanto, o que se observou na prática foi um debate entre empresas e regulador
sobre a definição do retorno do capital das distribuidoras.
O tema é complexo e não há espaço neste artigo para sua discussão em porme-
nores. É possível, entretanto, ressaltá-lo como um fato que envolve essencialmen-
te a discussão sobre a repartição de renda entre concessionárias e consumidores.
Nessa relação entre agentes, o regulador é o ente que tem por objetivo conciliar
224 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

os interesses de ambos a fim de promover tanto a modicidade tarifária quanto o


incentivo aos investimentos por meio da manutenção de rentabilidade adequada
das empresas.
Tanto o regulador (representando a sociedade) quanto as concessionárias es-
tão certos em defender seus interesses econômicos. O embate frequente entre
eles é o caminho natural de conciliação da modicidade tarifária com o incentivo
aos investimentos.
Ainda no âmbito da regulação, destaca-se a recente discussão sobre a desinde-
xação do setor elétrico. A indexação dos contratos no ambiente regulado no pas-
sado foi um dos pilares para a mitigação de riscos dos investidores. Foram usados
como indexadores setoriais o IGP-M, da Fundação Getulio Vargas (FGV), e depois o
IPCA, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Contudo, sabe-se que o IGP-M e o IPCA não são índices que refletem a estru-
tura de custos do setor. Sua incidência sobre as tarifas de eletricidade retroali-
mentam esses próprios índices, já que a energia elétrica é um insumo e um bem
básico, tanto para os índices de inflação do atacado (como o IGP-M) quanto do
varejo (como o IPCA).
É desejável romper com o atual esquema de indexação, que mantém ainda
sobre a inflação brasileira um componente inercial de resiliência. Sua solução, no
entanto, também não é trivial e dependerá de como será feita a transição para um
novo mecanismo, em parte dependente da regulação e em parte dependente da
própria dinâmica de mercado.
Em alguns países, a solução foi caminhar para uma liberalização crescente do
mercado, na qual o preço da eletricidade é estabelecido puramente pela competi-
ção entre agentes.
Outros países optaram por preservar a regulação tarifária sem o uso pleno do
mercado. Para tanto, escolheram intensificar o processo de supervisão dos agentes
a fim de definir quais são os reais custos setoriais e, com base nisso, estabelecer as
variações tarifárias.
No Brasil, discute-se uma opção semelhante a essa última, já adotada pelo setor
de telecomunicações, que é a criação de um índice setorial para o reajuste tarifário.
Energia Elétrica 225

Esse é um caminho que envolverá detalhamento metodológico e intensa negocia-


ção com as empresas.
Associada à questão do preço da energia, está a agenda de política industrial.
Sabe-se que a recente discussão sobre a renovação de parte das concessões do setor
elétrico tem sido destacada como uma forma de atingir a modicidade tarifária, seja
para alguns setores eleitos como prioritários, seja para uma agenda de política ho-
rizontal. Essa discussão permeou a agenda da recente política industrial elaborada
este ano, intitulada Plano Brasil Maior (PBM).
Ainda no que se refere à agenda de política industrial, o SEB apresenta oportu-
nidades de negócios no âmbito de novas fronteiras tecnológicas. São eles o fomen-
to à energia solar e a difusão das redes inteligentes. Ambos os temas reúnem gru-
pos de trabalho no âmbito do PBM e são parte dos focos eleitos como prioritários.
A energia solar acaba de receber um impulso com a recente normatização dos
critérios de inserção e comercialização da geração distribuída28 pela Agência Na-
cional de Energia Elétrica (Aneel). No mercado, já há propostas de empresas com
planos de negócios para explorar tanto a comercialização de equipamentos (por
exemplo, painéis fotovoltaicos) para os consumidores finais quanto a própria im-
plantação da cadeia produtiva desse segmento.
No que se refere a redes inteligentes, está é uma agenda que une o setor elétrico
e o setor de tecnologia da informação e comunicação (TIC). Em poucas palavras, seria
a introdução da eletrônica e dos sistemas de comunicação nas redes físicas de eletri-
cidade. Seria uma infraestrutura de TIC a serviço da infraestrutura do setor elétrico.
Essa migração tecnológica representará um salto no patamar de investimentos do
setor, pois envolverá a troca de diversos equipamentos, bem como a adoção de novos
sistemas e componentes eletrônicos ainda não empregados no SEB.
Por fim, mas não menos importante, destaca-se a preocupação das empresas
quanto à evolução do mercado livre de energia. Discute-se no setor a possibilidade
de padronização desse mercado, seja por normatização do regulador ou do poder
concedente, seja pela autorregulação estruturada pelo próprio mercado.

28
Definida stricto sensu como a geração de energia no local de consumo.
226 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Em relação a essa última possibilidade, discutem-se a necessidade de padroni-


zação dos contratos e a definição de índices de preços para referenciar o mercado.
A ideia por trás disso é desenvolver um mercado livre no qual a eletricidade seja
uma commodity. Para tanto, contratos, prazos (não somente de curto prazo, mas,
sobretudo, de longo prazo) e referencial de preços devem ser padronizados.
Já há duas iniciativas de plataformas eletrônicas de negociação de energia,29
que visam, em uma etapa final, se tornarem bolsas de energia. Entretanto, para tal,
devem ser conciliadas as regras de comercialização de energia entre os mercados
livre e regulado. Essas regras envolvem:
• critérios de definição do preço no mercado spot, no âmbito da CCEE;30 e
• alocação da energia de novas concessões de geração entre os mercados livre e
regulado, no âmbito dos editais de licitação de novos empreendimentos.
Esse último ponto refere-se à assimetria hoje existente entre os mercados livre e
regulado. Atualmente, apenas o mercado regulado (i.e., as distribuidoras) contrata
energia a partir dos deságios dos leilões de novas concessões hidrelétricas.
O mercado livre teria a participação da energia nos empreendimentos definida
de acordo com cada edital de licitação (de zero a 30%), mas os preços dessa ener-
gia seriam de livre negociação entre concessionária e consumidores livres. Ou seja,
o mercado livre não usufrui do processo competitivo dos leilões de geração. Com
isso, é onerado e, de fato, subsidia, em parte, os deságios que resultaram em preços
menores para as distribuidoras. Assim, essa é uma regra que atualmente retrai o
potencial de crescimento do mercado livre.
Enfim, esse breve panorama de perspectivas setoriais sintetiza os principais de-
safios, que não são poucos, tampouco modestos, e fazem parte da agenda setorial,
assim como a continuidade dos investimentos em geração, transmissão e distribui-
ção de eletricidade.

29
Uma delas é a BRIX, sociedade entre IntercontinentalExchange, que opera as bolsas de Nova York e Londres, entre outras, e Eike
Batista. Outra seria a o Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE), iniciativa de seis comercializadoras de energia.
30
Há um consenso no mercado de que o preço da CCEE, denominado PLD, nas regras vigentes, não sinaliza com a devida
antecedência e intensidade os custos reais de geração, que são repassados para os consumidores por meio de encargos setoriais.
EnErgia Elétrica 227

7. C O NC l US õ E S
nessas últimas duas décadas, o SEB percorreu trajetória de construção de um novo
arcabouço institucional. apesar dos percalços enfrentados, pode-se afirmar que o
marco regulatório geral atingiu grau de maturidade suficiente para a preservação
dos investimentos do setor.
Durante esse processo de maturação setorial, o BnDES desempenhou papel de
destaque como:
1. articulador e financiador da inserção da iniciativa privada (privatizações);
2. financiador dos programas emergenciais pós-racionamento, viabilizando
com isso a transição do setor para a conclusão das reformas institucionais
de 2004; e
3. finalmente, e mais importante entre todos, financiador da expansão do SEB,
com destaque para o segmento de geração.
a Eletrobras, que nos anos 1990 foi idealizada como financiadora setorial, já
que se pretendia privatizá-la, a exemplo do que foi feito com a telebras, retomou
seu papel de investidora de destaque em uma dinâmica de mercado em que esta-
tais e empresas privadas se complementam.
nesse sentido, a organização industrial do setor elétrico brasileiro vigente tem
uma conformação híbrida no que se refere à propriedade dos ativos. Em uma pers-
pectiva histórica, percebe-se que o setor acabou por consolidar um misto entre o
que o caracterizou em seu nascimento (propriedade privada dos ativos), com o que
predominou na maior parte do século XX (controle estatal).
Essa conformação híbrida da propriedade dos ativos é integrada e é resultado
de uma simbiose com o processo de construção do arcabouço institucional no qual
entes públicos conciliaram dois aspectos relevantes: a retomada da indução dos
investimentos pelo planejamento do governo e a inserção do mercado e da con-
corrência como meio de promover eficiência econômica e a modicidade tarifária.
é resultado de um processo de tentativa e erro iniciado com a queda do modelo
estatal e as reformas dos anos 1990. Esse processo perdura até hoje, pois o SEB se
depara com alguns desafios elencados na seção anterior.
228 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

No entato, é notória a percepção de que as bases para a indução dos inves-


timentos estão institucionalmente consolidadas. Para o futuro, o que se impõe
ao setor elétrico brasileiro é sua articulação com os demais setores da atividade
econômica, seja como supridor de um bem essencial e insumo básico a preços
módicos ou como comprador de novos setores de atividade, eleitos como seto-
res-chave para o desenvolvimento tecnológico nacional, no âmbito das ações de
política industrial.
As demais questões, em maior ou menor grau, estão associadas a essas duas in-
terfaces de articulação e devem ser tratadas tanto à luz do interesse público intras-
setorial, cuja síntese pode ser reunida na garantia do suprimento e na modicidade
tarifária, quanto à luz dos interesses públicos extra e multissetoriais.

APÊNDI C E 1 C apacidade insta l ada


brasil eira de g era ç ã o de energ ia
e l étrica

113,3
250 120

100
200
86,5

80

150
GW
53,1
%

60

100
33,5

40

50
20
11,5
4,8
1,9
1,3
0,8
0,4

0 0
1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Capacidade (GW) Incremento decenal (%)

Fontes: Eletrobras, MME e EPE.


Energia Elétrica 229

APÊNDI C E 2 R esu ltados das


privati za ç õ es do setor e l é trico
1 995- 2000 ( R $ mil h ões )

Concessionária Data do Capital Moeda Receita Dívida Apoio do Mutuário Modalidade de


privatizada leilão/venda votante corrente do leilão transferida BNDES envolvimento financeiro
Cerj (atual 20.11.1996 70,26 98,03 605,33 360,00 244,45 Estado Adiantamento de
Ampla) do Rio de recursos a estados
Janeiro
Coelba 31.7/1997 65,64 100,00 1.730,90 222,00 487,90 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Cosern 12.12.1997 77,92 73,60 676,40 121,00 74,09 Estado do Adiantamento de
Rio Grande recursos a estados
do Norte
Celpe 17.2.2000 89,60 100,00 1.781,00 234,00 -    
CPFL (Camargo 5.11.1997 57,60 100,00 3.015,00 110,00 886,18 Acionista Adiantamento
Correa) e posterior emissão
de debêntures
CEEE N-NE 21.10.1997 90,75 100,00 1.635,00 161,00 69,77 CEEE Adiantamento
(atual RGE) (estatal do de recursos
Rio Grande
do Sul)
            412,36 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
            113,82 Acionista Adiantamento e
posterior emissão de
debêntures
CEEE – CO 21.10.1997 90,91 100,00 1.510,00 69,00 230,00 Estado do Adiantamento de
(atual AES Sul) Rio Grande recursos a estados
do Sul
Enersul 19.11.1997 76,53 83,79 625,55 234,00 47,69 Estado do Adiantamento de
Mato Grosso recursos a estados
do Sul
            170,17 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Cemat 27.11.1997 85,10 100,00 391,50 503,00 10,31 Estado de Adiantamento de
Mato Grosso recursos a estados
            219,62 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
            106,34 Acionista Adiantamento e
posterior emissão de
debêntures
Eletropaulo 15.4.1998 74,88 70,00 2.026,00 1.386,00 1.013,37 Acionista Financiamento à
(Light) aquisição de ações
Tietê (atual 27.10.1999 38,66* 30,00 938,06 1.182,00 360,87 Acionista Financiamento à
AES Tietê) aquisição de ações
Paranapanema 28.7.1999 38,70* 74,03 1.260,22 805,00 -    
(atual Duke
Energy Brasil)
Bandeirante 17.9.1998 74,88 70,00 1.014,00 434,00 357,00 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Elektro 16.7.1998 46,60 100,00 1.479,00 497,00 -    
UHE Cachoeira 5.9.1997 100,00 100,00 779,76 145,00 100,00 Estatal de Adiantamento de
Dourada Goiás recursos a estados
Cemar 15.6.2000 86,25 100,00 522,70 283,00 14,70 Funcionários Financiamento à
da Cemar aquisição de ações
Continua
230 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Continuação
Concessionária Data do Capital Moeda Receita Dívida Apoio do Mutuário Modalidade de
privatizada leilão/venda votante corrente do leilão transferida BNDES envolvimento financeiro
Celpa 9.7.1998 54,98 100,00 450,26 131,00 68,83 Estado do Adiantamento de
Pará recursos a estados
            225,00 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
            135,00 Acionista Adiantamento e
posterior emissão de
debêntures
Coelce 2.4.1998 54,98 100,00 450,26 422,00 -    
Cemig 26.3.1997 32,96   1.130,00   941,75 Estatal do Adiantamento e
Estado de posterior emissão de
Minas Gerais debêntures
            600,00 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Energipe (atual 3.12.1997 85,73 96,05 577,10 43,00 53,33 Estado de Adiantamento de
Energisa Sergipe recursos a estados
Sergipe)
            208,13 Acionista Adiantamento e
posterior emissão de
debêntures
            146,15 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Borporema 30.11.1999 75,26*   87,39 1,29 43,69 Acionista Financiamento à
aquisição de ações
Saelpa (atual 30.11.2000 75,00 100,00 363,00 - 181,50 Acionista Financiamento à
Energisa aquisição de ações
Paraíba)
Total dos programas estaduais 23.048,43 7.343,29 7.522,02    

* Participações no capital social.

Concessionária Data do leilão/ Capital Moeda Receita Dívida Apoio do Mutuário Modalidade de
privatizada venda votante corrente do leilão transferida BNDES envolvimento
financeiro
Escelsa 11.7.1995 50,00 66,90 357,90 1,86      
Light 21.5.1996 55,80 70,00 3.717,30 959,08 609,64 - Participação
societária
(BNDESPAR)
            21,60 Funcionários Financiamento
da Light à aquisição de
ações
Gerasul (atual 15.9.1998 50,01 100,00 945,70 1.278,42 -    
Tractebel Energia)

Total federal       5.020,90 2.239,35 631,24    

Fonte: BNDES.
(Data-base dos créditos: contratação das operações).
Energia Elétrica 231

R e f erências
Abreu, M. P. (org.). A ordem do progresso. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

Araújo, J. L.; Oliveira, A. Diálogos da energia. Rio de Janeiro: Viveiros de Castro, 2005.

BNDES. Informe de infraestrutura. Área de Projetos de Infraestrutura. Rio de


Janeiro, dez. 2000.

______. Cadernos de infra-estrutura (setor elétrico). Rio de Janeiro, out. 1996.

Brito, M. A. et al. Relatório de análise econômico-financeiro de empresas distribuidoras


de energia elétrica. GT MME/BNDES/ANEEL/STN. Rio de Janeiro: BNDES, 2003, mimeo.

Ferreira, C. K. L. Privatização do setor elétrico do Brasil. In: Pinheiro, A. C.; Fucasaku,


K. (orgs.). A privatização no Brasil. o caso dos serviços de utilidade pública. Rio de
Janeiro: BNDES/OCDE, 1999.

Gomes, A. C. S. et al. BNDES 50 Anos – Histórias setoriais: o setor elétrico, dez. 2002.

Oliveira, A.; Pinto Jr., H. Q. (orgs.). Financiamento do setor elétrico brasileiro: inovações
financeiras e novo modo de organização industrial. Rio de Janeiro: Garamond, 1998.

Pinto Jr., H. Q. et al. Economia da energia: fundamentos econômicos, evolução


histórica e organização industrial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

Siffert, N. et al. Relatório do grupo de trabalho de energia elétrica. Sistema de


Planejamento Integrado para o Desenvolvimento (SPID). Rio de Janeiro: BNDES,
2005, mimeo.

______. O papel do BNDES na expansão do setor elétrico nacional e o mecanismo


de project finance. BNDES Setorial, n. 29. Rio de Janeiro: BNDES, mar. 2009.

Tinsley, R. Advanced project finance: structuring risk. Londres: Euromoney


Publications, 2000.

Velasco Jr., L. Documento histórico: a privatização no Sistema BNDES. Revista do


BNDES, n. 33. Rio de Janeiro: BNDES, jun. 2010.
Dalmo dos Santos Marchetti
Tiago Toledo Ferreira*

* respectivamente, gerente e economista do departamento de transportes e logística da área de infraestrutura do Bndes.


LOGÍSTICA 233

R ES UM O
O artigo aborda a importância da logística para a economia do país e faz referên-
cia a um conjunto de ações estratégicas para o alcance dos objetivos propugnados
ao setor de transportes no Plano Nacional de Logística e Transportes, do governo
federal. São apresentadas as referências internacionais sobre o tema e os desafios
e benefícios da reestruturação da matriz de transportes brasileira. Discutem-se o
histórico recente e as perspectivas do setor, partindo da visão integrada, sistêmica,
atentando para fatores econômicos e institucionais. Traçado o panorama geral da
infraestrutura e da logística, são abordados os aspectos de regulamentação, o de-
sempenho dos mercados e os desafios futuros nos diferentes modais. Os principais
elementos abordados fundamentam as avaliações e as propostas para o desenvol-
vimento da infraestrutura de transporte e da logística de cargas brasileira.

AB S TR AC T
The article discusses the importance of logistics for a country’s economy and
refers to a set of strategic efforts to achieve the goals established for the
transport sector in the federal government’s National Plan for Logistics and
Transport. The introduction presents the international references on the subject
and the challenges and benefits in restructuring the Brazilian transport matrix.
Subsequently, we discuss the recent history and perspectives for the sector, starting
with the integrated, systemic view, with attention to economic and institutional
factors. After the overview on infrastructure and logistics, the following section
addresses aspects of regulation, market performance and future challenges in
different approaches. Finally, in the conclusion, the main elements discussed
throughout the paper are recapped to sustain the assessments and proposals for
development of the transport infrastructure and logistics of Brazilian cargo.
LOGÍSTICA 235

1. I NTR O DUÇ Ã O
A logística de cargas é fundamental para a economia de um país. O gerenciamento
do fluxo de bens e serviços perpassa praticamente todas as atividades econômicas,
influenciando a competitividade das empresas. Nas últimas duas décadas, a logísti-
ca assumiu maior relevância, em função das pressões competitivas decorrentes da
maior abertura comercial. O custo logístico no Brasil, por sua vez, é estimado em
cerca de 11% do Produto Interno Bruto (PIB), denotando sua relevância econômica.
Além do custo de transporte, esse custo logístico abarca gastos com estoques, com
manuseio de carga e com a estrutura administrativa de suporte à atividade.
Em nível internacional, dois estudos merecem destaque: Connecting to compete,
de 2010, do Banco Mundial, e The global competitiveness report 2011-2012 (GCR
2011-2012), do Fórum Econômico Mundial. O estudo do Banco Mundial apresenta
o Logistics Performance Index (LPI), indicador que mensura o desempenho logístico
de 155 países, no qual o Brasil figura na 41ª posição. Segundo o estudo, as prin-
cipais deficiências nacionais são os procedimentos alfandegários e a indisponibili-
dade de rotas marítimas, que indica a existência de gargalos nos portos. Também
há espaço para avanços na infraestrutura, indicador no qual o Brasil ocupa a 37ª
posição. O diagnóstico citado é corroborado pelo estudo GCR 2011-2012, que ava-
lia os principais determinantes do desenvolvimento econômico de 142 países. Entre
os diversos fatores analisados está a qualidade da infraestrutura de transportes:
ferrovias, rodovias e portos. De acordo com o estudo, os modais nacionais figuram,
respectivamente, nas posições 91ª, 118ª e 130ª no ranking global.
Além da qualidade da infraestrutura, a própria configuração da rede de trans-
portes influencia o desempenho logístico. Países de grandes dimensões tendem a
concentrar sua matriz de transportes de cargas em modais de menor custo unitá-
rio, como o ferroviário e o hidroviário, este segundo a disponibilidade de rios na-
vegáveis, um potencial competitivo brasileiro. O modal rodoviário é utilizado em
curtas distâncias, nas quais sua operação é mais eficiente. China, Estados Unidos
e Rússia seguem esse padrão. Entretanto, no Brasil, a matriz modal de transporte
de cargas tem predominância do modal rodoviário, que é utilizado mesmo para
236 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

grandes distâncias e volumes. A necessidade de adequação da matriz aos padrões


internacionais é claramente expressa no Plano Nacional de Logística e Transportes
(PNLT), lançado pelo governo federal, em abril de 2007. Na Tabela 1, encontra-se a
configuração da matriz de transporte de cargas nacional projetada no PNLT, princi-
pal norteador das políticas públicas do setor de transporte nos últimos anos.

Tabela 1 Matriz modal de transporte de cargas nacional – atual e futura (em %)

  2005 2025

Rodoviário 58,0 30,0

Ferroviário 25,0 35,0

Aquaviário 13,0 29,0

Dutoviário 3,6 5,0

Aéreo 0,4 1,0

Fonte: PNLT (2009).

A dimensão ambiental também é afetada pela matriz modal, sendo outro as-
pecto incentivador de sua transformação. A concentração no modal rodoviário im-
plica maiores emissões e menor eficiência energética, de acordo com a Tabela 2.

Tabela 2 Eficiência e emissões dos diferentes modais de transporte

Eficiência Emissão
Carga/potência Consumo CO2 NOx
  (t /HP) Índice (Litros /1.000 tku) Índice (kg/1.000 tku) Índice (g/1.000 tku) Índice

Rodoviário 5,00 100,0 96 100 116 100 4.617 100

Ferroviário 0,75 15,0 10 10 34 29 831 18

Hidroviário 0,17 3,4 5 5 10 9 254 6

Fontes: Ministério dos Transportes, DOT/Maritime Administration e TCL.

Outra dimensão importante, em parte negligenciada no passado, é a socioam-


biental. A relação entre a rede de transporte e as aglomerações urbanas nem sempre
é harmônica. O caso mais notório é a invasão da faixa de domínio nos portos e nas fer-
rovias, situação responsável por muitos acidentes e prejuízos. A intensidade do tráfego
e a elevada idade média da frota no modal rodoviário também são fatores que contri-
buem para aumentar a quantidade de acidentes fatais, cuja taxa por mil veículos, no
Brasil, supera a alemã em quase oito vezes, segundo dados da Organização Mundial de
LOGÍSTICA 237

Saúde (OMS), de 2007. Esses problemas também atingem os portos organizados: quan-
do construídos, houve insuficiente avaliação prospectiva de como evoluiria a interface
com o meio urbano, inclusive a reserva de áreas necessárias à ampliação dos acessos
rodoviários e ferroviários. Atualmente, muitas zonas portuárias são gargalos na rede
de transporte urbana ou são pouco dinâmicas economicamente.
Este trabalho discute a evolução recente e as perspectivas da rede de trans-
porte e da logística de cargas brasileira. Os principais elementos da discussão en-
volvem a transformação estrutural da matriz modal, com elevação da participação
dos modais ferroviário e hidroviário, e a necessidade de assegurar boa qualidade
da infraestrutura de transporte, inclusive na sua gestão. O artigo analisa os setores
ferroviário, portuário, rodoviário e aquaviário e os operadores logísticos.

2. EV O L UÇ ÃO R E C E N T E E P E R S P E C T IVA S
GER AI S
FoRMaÇÃo de eSTRuTuRa iNSTiTuCioNal

No modelo brasileiro de desenvolvimento gestado na década de 1950, o Estado


atuava solidariamente com o setor privado, provendo insumos básicos – infraestru-
tura, matérias-primas e financiamento de longo prazo – às empresas privadas. Em
função de sua capacidade de mobilização de recursos e de seu poder de coordena-
ção, o setor público investia em infraestrutura e nas indústrias de base, que exigiam
grandes montantes de capital e demandavam longo período para a amortização
dos investimentos. Em que pese seu esgotamento, o modelo nacional de desenvol-
vimento foi capaz de impulsionar a economia e fomentar a criação de uma estru-
tura industrial completa. Entretanto, durante a década de 1980, a capacidade de
investimento do setor público, incluindo as empresas estatais, foi reduzida, o que
comprometeu a expansão e a qualidade dos serviços e bens ofertados, principal-
mente no setor de infraestrutura.1

1
para mais informações, ver cruz (1995) e pêgo filho, cândido Júnior e pereira (1999).
238 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

No começo da década de 1990, o desafio era assegurar a qualidade da rede


de transportes, diante da escassez de recursos. Em um contexto de reformas, que
visavam à criação de um modelo de desenvolvimento, o setor de infraestrutura
passou por diversas mudanças, que, em última instância, objetivaram ampliar a
participação do setor privado. Mais do que superar as restrições financeiras do se-
tor público, esperavam-se ganhos de eficiência, que se refletiriam na melhoria da
qualidade dos serviços prestados [Pinheiro (1996)]. Por envolver um setor estratégi-
co, em uma indústria com diversas especificidades, o processo é complexo e exige
novas estruturas institucionais – entre elas leis e agências reguladoras – essenciais
para o sucesso da reforma.
O marco fundamental da reforma setorial foi a Lei de Concessões 9.879/95,
que regulamentou o art. 175 da Constituição Federal, e criou condições jurídi-
cas para que concessionárias privadas passassem a operar serviços públicos. Em
função da heterogeneidade setorial, cada segmento exigiu um marco regula-
tório específico, responsável pela estrutura institucional-legal que delimita seu
funcionamento. O setor público manteve a responsabilidade pela formulação
de políticas públicas e de regulação setorial, assim como parte dos direitos de
exploração. O ingresso do setor privado foi realizado com a concessão de direito
de exploração de determinados serviços e ativos, obtidos, fundamentalmente,
por meio de licitações.2
Na nova configuração setorial, ao Poder Executivo coube o papel de formula-
ção de políticas públicas, monitoramento e planejamento estratégico. Inicialmen-
te centralizadas no Ministério dos Transportes, as atribuições relativas ao setor
portuário foram assumidas pela Secretaria de Portos da Presidência da Repúbli-
ca (SEP/PR), criada para priorizar o setor, em 2007. Posteriormente, em 2011, para
a gestão do setor de aviação civil, incluindo a estrutura aeroportuária, foi criada
a Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República (SAC/PR). Por sua vez, as
agências reguladoras setoriais foram encarregadas das atividades de regulação

2
No setor portuário, os terminais em portos organizados são arrendados, enquanto os terminais de uso privativo (TUPs) são
autorizados, quando não configuram a prestação de serviço público.
LOGÍSTICA 239

e fiscalização setorial. Conforme enunciado, o setor privado compartilha com o


setor público a gestão de ativos e serviços setoriais. O novo ordenamento setorial,
expresso na Lei 10.233/01, de 5 de junho de 2001, é mostrado, esquematicamente,
na Tabela 3:

Tabela 3 Ordenamento do setor de transportes

Segmento/função Formulação de políticas Regulação e concessão Gestão dos ativos


Ferroviário Ministério dos Transportes ANTT Privada
Rodoviário Ministério dos Transportes ANTT Pública e privada
Secretaria de Portos da
Portuário Antaq Pública e privada
Presidência da República
Secretaria de Aviação Civil
Aeroportuário Anac* Pública e privada
da Presidência da República

Fonte: Elaboração própria.


* Criada por meio da Lei 11.182, de 27 de setembro de 2005.

Apesar da heterogeneidade dos segmentos, a atividade de transporte deman-


da uma visão integrada, tanto regional, quanto modal. O Conselho Nacional de
Integração de Políticas de Transporte (CONIT), vinculado à Presidência da República
e integrado por vários ministros de Estado,3 é o instrumento previsto na lei para
propor diretrizes estratégicas e harmonizar as políticas setoriais de transporte. En-
tretanto, o CONIT mostrou-se insuficiente para assegurar a integração modal, prin-
cipalmente no nível de planejamento.4
A seção de transporte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um
conjunto de projetos e ações que seria fundamental para sustentar o crescimento
da economia, foi baseada no PNLT, que se tornou o principal suporte para a formu-
lação de políticas públicas e definição de projetos de investimento. Em sua segunda
versão, o PAC 2, lançado em 2011, o foco foi ampliar a rede de transportes, com
ações para promover a interligação entre os modais.
O alcance da ambiciosa transformação estrutural da matriz nacional de trans-
porte de cargas, expressa no PNLT, também depende da expansão dos modais

3
Transportes (presidente), Casa Civil da Presidência da República, Defesa, Justiça, Fazenda, Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, Planejamento, Orçamento e Gestão, Cidades, Meio Ambiente e Secretário de Portos da Presidência da República.
4
A primeira reunião do CONIT foi realizada em novembro de 2009. O governo federal manifestou interesse em tornar a atuação do
órgão mais efetiva.
240 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

ferroviário e hidroviário, sendo que este carece de uma agenda política e da cons-
tituição de um arcabouço institucional que definam responsabilidades, incentivem
a modernização das administrações hidroviárias e dotem o setor de recursos para a
realização dos investimentos necessários à sua expansão.

Perspectivas gerais
Depois de longo período de baixo crescimento econômico, a economia brasileira
expandiu-se, em média, cerca de 4% a.a. nos últimos oito anos, apesar da crise
internacional eclodida em 2008. As estimativas do Fundo Monetário Internacional
(FMI),5 publicadas em seu World Economic Outlook, em abril de 2012, projetam a
sustentação dessa trajetória nos próximos anos. Em um contexto de maior inte-
gração comercial, as perspectivas de crescimento da economia brasileira exigem
a expansão e a melhoria da infraestrutura de transportes, elemento crucial para
a competitividade da produção nacional de bens. A estratégia governamental é
apoiada na transformação estrutural da matriz modal de transporte de cargas e
no aprofundamento do programa de concessões. Espera-se, no fim do processo,
a obtenção de uma matriz modal equilibrada, com uma rede de transporte mais
extensa, de melhor qualidade e com gestão eficiente.
Mapeamento realizado pelo Ministério dos Transportes indica a necessidade
de investimentos de R$ 428 bilhões, em valores de junho de 2011, na expansão dos
diferentes modais, de 2008 até 2023, conforme Gráfico 1. Esse esforço seria dividido
entre os setores público e privado.
A elevada participação dos modais ferroviário e portuário reflete o objetivo de
rebalanceamento da matriz modal de transporte de cargas. O elevado montante
de inversões no modal rodoviário, por sua vez, atende a necessidade de manuten-
ção da extensa malha rodoviária.
Os principais desafios na consecução dos objetivos propostos são a capacidade
de investimento e a qualidade da gestão dos ativos.

5
Apesar da deterioração do cenário econômico no período compreendido entre a divulgação das projeções do FMI e a finalização
deste artigo, as estimativas mais recentes do Boletim Focus, do Banco Central do Brasil, de 8 de junho de 2012, à exceção de 2012,
cujo crescimento do PIB é previsto em 2,5%, não indicam qualquer modificação substantiva da trajetória traçada.
LOGÍSTICA 241

O levantamento do Departamento de Transportes e Logística, da Área de Infra-


estrutura, do BNDES, com base nos projetos apresentados ao Banco nos setores por-
tuário, ferroviário e rodoviário,6 acrescidos dos investimentos públicos do governo
federal previstos no PAC e dos estados nos projetos que contam com a contrapar-
tida do BNDES, aponta um investimento no setor na casa de 0,8% do PIB, aquém
do necessário, de acordo com a projeção do Ministério dos Transportes. A despeito
da diversidade de avaliações sobre o estado das contas públicas, o diagnóstico de
relativa limitação para ampliação dos gastos públicos é praticamente consensual.
A principal alternativa é ampliar o programa de concessões no setor de transportes
nos setores rodoviário, aeroportuário e portuário. Complementarmente, no setor
portuário, as concessões poderiam abranger as administrações portuárias, enquan-
to no segmento rodoviário, as parcerias público-privadas (PPP) viabilizariam uma
grande expansão do Programa Federal de Concessões Rodoviárias. A transferência
de ativos para a gestão do setor privado, em geral, está associada à melhoria de
qualidade, que pode ser exigida por meio de parâmetros técnicos especificados nos
editais e nos contratos de concessão.

Gráfico 1 Investimentos previstos no PNLP (em R$ bilhões)

Outros Aeroportuário

10 22

Rodoviário
124

202
Ferroviário

69

Portuário

Fonte: Ministério dos Transportes.

6
Pleitos de financiamento ou de participação por meio de instrumentos de renda variável.
242 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A participação do setor privado redundou em novos mecanismos de finan-


ciamento aos investimentos, além do tradicional apoio do BNDES. No período
recente, foram lançadas várias séries de debêntures de longo prazo, um instru-
mento com elevado potencial de crescimento. Também há casos de abertura
de capital em bolsa de valores, movimento que tende a crescer nos próximos
anos, quando são esperadas novas ofertas públicas de ações de empresas do
setor de transportes.
Em termos gerais, a estratégica pública engloba:
1. expansão da infraestrutura ferroviária;
2. ampliação das concessões rodoviárias;
3. reforma regulatória nos portos e nas ferrovias;
4. maior competição na operação setorial;
5. elaboração de um plano diretor estratégico para novos investimentos no setor
aquaviário (hidrovias);
6. participação do setor privado na expansão aeroportuária.

3. ANÁL I S E DA IN F R A E S T R U T U R A
DE TRANSPORTES E DA LOGÍSTICA
BRASILEIRA
SeToR FeRRoviáRio

Os diagnósticos a respeito do desempenho recente e das perspectivas do setor de


transporte ferroviário de cargas brasileiro são de grande interesse, por se tratar de
prestação de serviço público essencial e por envolver parte importante da cadeia
da economia de exportação.
Algumas dessas análises reputam a posição de monopolista regional como a
responsável por algumas mazelas ainda existentes no setor (como a prática de pre-
ços com base no modal concorrente e/ou a existência de demanda reprimida). En-
tretanto, deve-se ressaltar que, depois da entrada do setor privado na operação
do sistema, a expansão da taxa de investimento no segmento superou significa-
LOGÍSTICA 243

tivamente o crescimento do PIB,7 atestando o resultado positivo do processo de


concessão, ainda que sujeito a aperfeiçoamentos.
Apresentam-se, a seguir, comentários a respeito do desempenho recente e das
expectativas e desafios ao crescimento do setor e da recuperação e expansão da
indústria ferroviária instalada no país, do ponto de vista do financiador de cerca de
30% dos investimentos setoriais agregados, o BNDES.

Etapas de desenvolvimento recente


É reconhecido o desenvolvimento recente do setor ferroviário em etapas distintas.
Entre 1996 e 1999, a malha ferroviária operada e mantida pela RFFSA8 foi conce-
dida ao setor privado (na maioria dos casos, por trinta anos), sendo segregada em
seis malhas regionais.9 O modelo de outorga utilizado incluiu, cumulativamente, a
concessão do direito de exploração do uso da malha e o arrendamento dos ativos
operacionais e de apoio para operação do transporte ferroviário pelos novos con-
cessionários (monopólio setorial regional e verticalizado).10
Nesse período, houve recuperação dos ativos concedidos (infraestrutura da via
permanente e material rodante11) que estavam, de certa forma, degradados pela
redução dos investimentos e dos gastos em manutenção corrente depois de 1993,
quando foi decidida a opção pela outorga do sistema.
Os dados operacionais de produção12 e de acidentes registrados no fim do perí-
odo mencionado apenas refletiram, de forma global, o nível que já era executado
pela RFFSA em 1993, após queda verificada nos primeiros anos de concessão, nota-
damente na produção.

7
Entre 2000 e 2010, a taxa média anual de crescimento do investimento do setor ferroviário foi de 11,1% a.a., segundo dados da
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), enquanto o crescimento do PIB foi de 3,6% a.a., segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
8
Rede Ferroviária Federal S.A.: sociedade de economia mista, criada em 1957, vinculada ao Ministério dos Transportes, responsável
pelo investimento, pela manutenção e pela operação do sistema ferroviário nacional. Incluída no Programa Nacional de
Desestatização em 1992, foi extinta em 2007.
9
Somam-se os sistemas administrados pela Vale S.A., após o processo de privatização da empresa, em 1997: a Estrada de Ferro
Carajás e a Estrada de Ferro Vitória a Minas.
10
Na prática, esse modelo acabou por delimitar, na maioria dos casos, a atuação dos operadores privados de transporte ferroviário,
basicamente, à sua própria malha.
11
Locomotivas e vagões.
12
Movimentação de carga pelo modal ferroviário, em toneladas x quilômetro útil.
244 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

É possível afirmar que, para os novos gestores, esse período foi de aprendiza-
gem, de confrontação com o planejado, de identificação de potencialidades des-
conhecidas e, por fim, de ajuste de estratégia para o crescimento de longo prazo.
A segunda fase, iniciada em 2000, teve como maior marca o aumento dos indi-
cadores de produtividade. Tendo com base os ativos existentes, os indicadores de
desempenho começaram a crescer a taxas superiores à do crescimento do PIB.
Essa fase teve por mérito a melhoria da gestão, a elevação da receita agregada
e da produção e a redução do número de acidentes gerais, em função de investi-
mentos realizados na capacitação de diversos sistemas ferroviários e na implanta-
ção de mecanismos de prevenção.13 Essa fase se alongou até 2004-2005, quando
tornaram necessárias inversões em novos ativos ferroviários para o aumento da
oferta, notadamente, o aumento da frota de vagões e de locomotivas e a expansão
de capacidade de suporte da via permanente e dos terminais de integração.
Iniciou-se, pois, uma terceira fase de desenvolvimento, com impacto positivo
na indústria ferroviária, com a produção e a entrega, em 2005, de 7.249 vagões.
A partir de então, a indústria brasileira de materiais e equipamentos ferroviários
passou a fornecer, em média, 4.000 vagões/ano durante o restante da década, ba-
sicamente, para o mercado nacional.14 São investimentos relevantes, no período, a
instalação de aparelhos de mudança de via, em função do aumento do número de
pátios, o aumento da capacidade de tração, com a aquisição de locomotivas novas
e a adaptação e modernização no país de locomotivas usadas, até então importa-
das, e a qualificação da via permanente para uma utilização mais intensa.
A partir de 2009, houve a retomada da produção brasileira de locomotivas de
grande potência,15 com o desenvolvimento de plantas industriais em Minas Ge-
rais (Contagem e, mais recentemente, Sete Lagoas), vinculada ao atendimento dos
mercados interno e externo.

13
Entre eles: a instalação de computadores a bordo das locomotivas, de controle da velocidade máxima das locomotivas por trecho,
de detectores de descarrilamento e de temperatura das rodas do trem, de mecanismo de verificação da integridade da composição
para evitar arrasto de vagões descarrilados, de simuladores para treinamento de maquinistas, de controle centralizado do tráfego etc.
14
Na década de 1990, a indústria ferroviária brasileira forneceu, em média, 70 vagões/ano.
15
Potência acima de 4.000 hp (unidade de medida de potência de origem inglesa), equivalente a cerca de 3.000 kw, no Sistema
Internacional.
LOGÍSTICA 245

Tabela 4 Produção da indústria nacional (em unidades)

  Vagões Locomotivas
2005 7.249 6
2006 3.668 14
2007 1.327 30
2008 5.118 29
2009 1.022 22
2010 3.261 68
2011 5.616 113

Fonte: Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer).

Registra-se, ainda, o aumento do número de terminais intermodais de transbordo


de cargas, bem como os investimentos em seu aparelhamento, seja pelas concessio-
nárias diretamente, seja por terceiros, em operações associadas, por meio de acordos
de parceria com agentes econômicos interessados no aumento da oferta ferroviária
para o transporte de carga dedicada ou de terceiros, sob contratos de longo prazo.
A Tabela 5 registra os principais dados desempenho do sistema ferroviário na-
cional, com base nas informações disponibilizadas pelo Ministério dos Transportes
e, posteriormente, pela ANTT.

Tabela 5 Desempenho do setor ferroviário de carga

Carga transportada Distância média Investimentos Receitas Tarifa média


realizados
(Milhões de (km) (R$ mil de 2011) (R$ mil de 2011) (R$ mil de 2011/tku)
toneladas por
  quilômetro útil)
1996 128.976 0,518 43.049    
1997 138.724 0,517 1.032.409    
1998 142.446 0,524 890.916 5.669.494 39,80
1999 140.817 0,515 1.260.941 6.023.433 42,77
2000 155.690 0,535 1.567.069 6.129.737 39,37
2001 162.235 0,531 1.697.107 7.671.334 47,29
2002 170.178 0,530 1.131.472 8.658.739 50,88
2003 182.644 0,529 1.734.012 9.894.048 54,17
2004 205.711 0,545 2.770.529 10.897.168 52,97
2005 221.633 0,570 4.428.559 12.656.814 57,11
2006 238.054 0,612 3.291.747 14.217.023 59,72
2007 257.118 0,620 3.441.407 15.553.342 60,49
2008 266.958 0,626 4.880.713 15.423.811 57,78
2009 245.315 0,647 2.974.594    
2010 277.922 0,639 4.495.564    

Fonte: DTF/STT/MT e ANTT.


246 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

As conclusões a seguir derivam das informações do ciclo iniciado em 2000,


quando começou a segunda etapa de desenvolvimento do setor, depois do proces-
so de concessão.
• A taxa de crescimento do investimento realizado no período 2000-2010 foi de
11,1% a.a., em termos reais.
• Por outro lado, a tarifa média real subiu cerca de 4,9 % a.a., entre 2000 e 2008,
situando-se, em alguns casos, próxima à do modal rodoviário, e a carga trans-
portada multiplicada pela quilometragem útil, intensidade do uso da via perma-
nente, cresceu 7,0% a.a. no mesmo período (pode-se inferir que há potencial de
exercício de poder de monopólio).
• O crescimento da malha ferroviária disponível se deu, notadamente, pela ex-
pansão da Ferrovia Norte-Sul.16, 17
• A distância média elevou-se em quase 20%, o que, de certa forma, está asso-
ciado à utilização mais intensa dos corredores ferroviários de maior distância.
• A lucratividade setorial obtida no período foi reinvestida no sistema, já que
parte significativa do investimento (estimada em 56%) foi financiada pela ge-
ração própria de caixa (autofinanciamento). O lucro econômico do período re-
verteu, pois, para aumento da capacidade do sistema.
• Há concentração no atendimento a clientes com altos e recorrentes volumes,
como seria de esperar, uma vez que o transporte ferroviário de maior distância
e de maior volume é o mais adequado ao modal.
• Há concentração do serviço nas cargas consideradas cativas do modal ferroviário18
(notadamente, os granéis sólidos), ainda que o número de contêineres movi-
mentados pela via ferroviária tenha crescido 16,4% a.a. no período (o sistema,
por diversos fatores, mantém preponderância no transporte de minério de fer-
ro e carvão mineral).19

16
A partir do PAC, o financiamento da extensão da malha ferroviária no país conta com a aplicação de recursos públicos diretos,
destinados à implantação das ferrovias administradas pela Valec Engenharia, Construções e Ferrovias (Valec), empresa pública
vinculada ao Ministério dos Transportes. À empresa foi atribuída a função de, entre outros, construir e explorar a infraestrutura
ferroviária pública (estradas de ferro, sistemas acessórios de armazenagem e de transbordo de cargas e instalações e sistemas de
interligação de estradas de ferro com outras modalidades de transporte).
17
A expansão das ferrovias Ferronorte e Transnordestina, em implantação, ainda não foi captada na extensão quilométrica da rede.
18
Cargas em que o modal concorrente, o rodoviário, tem baixa ou nenhuma viabilidade econômica (vantagem comparativa).
19
O transporte de minério de ferro e carvão mineral, que representava 77% em 2000, representou 78% da produção em 2011.
LOGÍSTICA 247

• Ainda é baixa a interconexão entre as malhas. As operações de direito de pas-


sagem acabam por constituir obstáculo à interpenetração.

Desenvolvimento do marco regulatório ferroviário


Muito se tem debatido sobre as condições para o crescimento do modal ferroviário
no Brasil, notadamente com relação a três aspectos distintos: necessidade de maior
inserção do modal em cargas consideradas não dependentes (carga geral e granéis
líquidos); aumento da oferta de serviços para atendimento da demanda reprimida;
e necessidade do crescimento da extensão da rede, haja vista as dimensões conti-
nentais do país e o deslocamento das fronteiras de produção.
Nos últimos anos, percebe-se, nitidamente, um esforço regulatório para reduzir
o poder de monopólio dos concessionários, visando alcançar um resultado setorial
mais interessante que o atual, do ponto de vista do usuário. Entre esses esforços,
destacam-se a redução de obstáculos à interpenetração de concessionários ferroviá-
rios na malha de terceiros, a (re)definição de metas contratuais de produção e de
segurança,20 e, mais recentemente, a definição de metodologia para a aferição de
tarifas-teto por tipo de carga transportada.
Em 2011, a ANTT lançou três Resoluções (3.694, 3.695 e 3.696) importantes para
o setor. De um lado, busca promover o aumento da oferta do sistema concedido,
valendo-se para tal do Regulamento dos Usuários que define, entre outros, o di-
reito do usuário investidor.21 De outro lado, procura estimular a competição intra-
modal, por meio de: (i) regulamentação das operações de direito de passagem e
de tráfego mútuo, visando maior interpenetração de um concessionário em malha
administrada por outro;22 e (ii) definição de metas de produção por trecho de cada
concessionário, para possibilitar, teoricamente, a utilização por terceiros da capaci-
dade instalada não utilizada.23

20
Ocorrida no passado.
21
Agente econômico que, em parceria com o concessionário operador, investe no aumento de capacidade do sistema ferroviário
para o transporte de carga de seu interesse, obtendo do concessionário operador uma redução no preço do frete por tonelada
transportada equivalente ao custo anual do capital investido.
22
Na inexistência de acordo entre as partes envolvidas, a ANTT regulará o preço do direito de passagem das composições.
23
A informação sobre oferta (capacidade) e demanda por trecho de cada concessionário deverá se tornar pública, por intermédio da ANTT.
248 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A estipulação de metas operacionais, relacionadas à necessidade de expansão


da oferta ferroviária, com vistas ao atendimento da demanda reprimida pode sig-
nificar redução do poder de monopólio dos concessionários.24
O conjunto desses regulamentos procura, de forma geral, promover o aumento
da taxa de investimento agregada, da oferta ferroviária e da competição intramo-
dal, em benefício dos usuários do sistema.

Desverticalização setorial
A expansão da malha ferroviária suscitou debates acerca da organização setorial,
com propostas mais estruturais, entre as quais, a de implantar um modelo compe-
titivo na operação ferroviária.
Nos termos previstos na Lei 11.722, de 17 de setembro de 2008, estão outorga-
dos à Valec a construção, o uso e o gozo de várias novas ferrovias, totalizando até
9.740 km de extensão, cerca de um terço da malha nacional.25
Com parcela significativa do investimento fixo em expansão ferroviária sob a
responsabilidade do setor público, está aberta a possibilidade de uma operação
desatrelada da gestão da infraestrutura, situação não prevista nos contratos de
concessão em vigor. Trata-se da separação da gestão da via permanente da presta-
ção do serviço de transporte.
Essa opção pode permitir, sob determinadas condições, a estruturação de um
mercado contestável26 no transporte, visando à obtenção de preços o mais próximo
possível dos custos.27, 28

24
Como monopolistas setoriais regionais, haja vista o modelo de concessão utilizado, as empresas concessionárias podem se valer
de restrição de oferta e de preços mais elevados que os competitivos, o que seria combatido pela regulamentação por meio de
(ambiciosas) metas de expansão da oferta dos serviços, possibilidade existente nos contratos de concessão.
25
Ferrovia Norte-Sul, EF-151, com 3.100 km de extensão (de Belém, no Pará, até Panorama, em São Paulo); Ferrovia EF-267, com 750 km
de extensão (de Panorama, em São Paulo, até Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul); Ferrovia de Integração Oeste-Leste, EF-334, com
1.490 km de extensão (de Ilhéus, na Bahia, até Figueirópolis, no Tocantins); e Ferrovia Transcontinental, EF-354, com 4.400 km de extensão
(do litoral fluminense, passando por Muriaé, Ipatinga e Paracatu, em Minas Gerais; por Brasília, no Distrito Federal; por Uruaçu, em Goiás;
por Cocalinho, Ribeirão Castanheira e Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso; por Vilhena e Porto Velho, em Rondônia; por Rio Branco e
Cruzeiro do Sul, no Acre; até chegar a localidade de Boqueirão da Esperança, na fronteira do Brasil como Peru).
26
O mercado é denominado contestável quando há possibilidade de entrada e saída sem custos irrecuperáveis e o acesso à
tecnologia existente é disponível.
27
Próximos daqueles definidos em mercado competitivo, no qual há equilíbrio entre o poder de vendedores e de compradores do
serviço de transporte.
28
A aquisição de composições ferroviárias pode se tornar uma barreira à entrada de um novo operador. Seria interessante, para o
caso em tela, de modelagem de operação competitiva (e contestável) no transporte ferroviário, o desenvolvimento incentivado do
mercado de leasing de material rodante no país.
LOGÍSTICA 249

Esse modelo, entretanto, pode não ser indicado a todos os casos. Para ferrovias
com mercados diferenciados, em que há possibilidade economicamente viável do
transporte de múltiplos tipos de carga, como é o caso da Ferrovia Norte-Sul, em
implantação, seria mais adequada uma estrutura desverticalizada entre infraestru-
tura e operação. Entretanto, para ferrovias que servem a poucos ou a um único
cliente e onde há baixa diversificação de carga, com a utilização de grandes lotes
e obtenção de economias significativas de escala, a estrutura verticalizada é a mais
eficiente, além de suprimir custos de transação.

Desafios futuros do modal ferroviário


Os desafios futuros são muitos para um setor que almeja representar 35%
da movimentação de cargas no país em 2025, segundo o disposto no PNLT.
Desde o aumento da capacidade dos acessos portuários ferroviários, insufi-
cientes, até o aumento da velocidade média do sistema existente, baixa e in-
compatível com cadeias de distribuição de cargas de maior valor agregado,
importantes investimentos deverão se tornar prioritários para o alcance das
metas propugnadas.
É reconhecida a necessidade de ampliação da infraestrutura ferroviária para a
superação de gargalos logísticos, tais como implantação de contornos de cidades
atravessadas por vias férreas, ampliação da rede ferroviária de acesso a portos e
terminais e intervenções em ambientes urbanos: vedação da faixa de domínio,
construção de viadutos e passarelas para travessia de veículos e pedestres e reti-
rada e transferência para locais seguros das famílias que ainda moram perto da
via permanente.
O número de acidentes urbanos apresenta viés crescente, haja vista o aumento
do número de composições na malha e a diminuição do intervalo entre elas, o que
é motivado por numerosas passagens em nível críticas e pela existência de numero-
sas famílias habitando na via permanente. Avaliações da Confederação Nacional de
Transporte (CNT) dão conta de que existem mais de 300 invasões e 2.600 passagens
em nível críticas no sistema ferroviário brasileiro.
250 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Essa condição impõe redução da velocidade dos trens na travessia das cidades,
impactando na velocidade média29 e no giro das composições. Na medida em que
a carga preponderante do sistema ferroviário ainda não se insere em uma cadeia
em que o tempo de transporte é variável fundamental, essa situação ainda não é
incômoda e não significa diferencial competitivo.
No entanto, para o alcance do desafio da maior inserção do modal ferroviário
no transporte da carga geral, no qual o modal rodoviário é dominante, o aumento
da velocidade média nas ferrovias passará a ser primordial.
O estabelecimento de um pacto entre poder concedente e concessionários fer-
roviários para a fixação de metas de produção30 e de metas socioambientais obje-
tivas nos contratos de concessão, que conduzam a inversões permanentes na supe-
ração de gargalos logísticos ferroviários, pode se tornar um caminho viável para o
desenvolvimento do setor no futuro próximo.
O aumento da velocidade média dos trens seria consequência natural do al-
cance dessas metas contratuais, com benefícios econômicos aos concessionários e
benefícios socioambientais às cidades atendidas pelo sistema.

Expansão da rede ferroviária no país


Apesar de o modelo de expansão ser apoiado em investimentos de uma empresa
pública, a Valec, esse processo também conta com recursos dos concessionários
existentes. De um lado, a Valec desenvolve a implantação de uma rede de bitola
larga, integrada, com recursos públicos previstos no PAC. Os maiores exemplos
são a Ferrovia Norte-Sul, com 3.100 km de extensão, e a Ferrovia de Integração
Oeste-Leste, em cerca de 1.000 km de extensão.31 Já a expansão privada do siste-
ma, de outro lado, tem como exemplos a ampliação da Ferronorte, de Alto Ara-
guaia até Rondonópolis, no Mato Grosso, com 266 km de extensão, e a implanta-
ção da Ferrovia Transnordestina, na Região Nordeste, com 1.820 km de extensão,

29
A velocidade média comercial dos trens é de cerca de 19 km/h, considerando os tempos de parada. Em 2009, foi de cerca de
21 km/h [ANTT (2010)].
30
Inclusive de carga geral.
31
No trecho Barreiras-Ilhéus, na Bahia.
LOGÍSTICA 251

também previstas no PAC. Ou seja, a expansão recente da rede, em quilômetros


de via, tem sido equacionada na proporção de dois terços pelo setor público e um
terço pelo setor privado.
A expansão quilométrica da rede traz no seu bojo a possibilidade de aumento
da distância média de transporte do sistema, importante fator de lucratividade e
de atendimento a novos mercados, viabilizando o modal ferroviário. Essa expan-
são, que está em sintonia com o papel propugnado ao setor no PNLT, proporciona
maior equilíbrio da matriz modal de transportes e traz impactos positivos na com-
petitividade brasileira, na matriz energética de transportes e nas condições socio-
ambientais do transporte de cargas no país.

Setor portuário

Muitas foram as mudanças no setor portuário depois do advento da Lei dos Portos,32
que modificou a estrutura de funcionamento do setor, notadamente quanto à ope-
ração da superestrutura portuária,33 que, a partir de então, se tornou, além de mais
produtiva, majoritariamente exercida pelo setor privado.
A referida legislação também alterou a função de produção nos portos, ao
reestruturar o uso de mão de obra34 e definir as funções de Autoridade Portuária
(AP)35 e do Conselho de Autoridade Portuária (CAP). 36, 37
A taxa de crescimento da movimentação portuária nos últimos dez anos au-
mentou 31% em relação ao período imediatamente anterior,38 puxada, principal-

32
Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.
33
Instalações de movimentação de carga.
34
Foi criado o Órgão Gestor da Mão de Obra (OGMO), constituído pelos Operadores Portuários, em cada Porto Organizado, com
a função de, entre outros: (i) administrar o fornecimento da mão de obra do Trabalhador Portuário (TP) e do Trabalhador Portuário
Avulso (TPA); e (ii) manter o cadastro e o treinamento profissional competitivo.
35
As APs são responsáveis pela gestão do patrimônio público e pela sua eficiência, além de se responsabilizarem pelo investimento
na infraestrutura portuária, tendo como contrapartida a cobrança de tarifas, pelo uso da infraestrutura dos usuários do porto.
36
Compete ao CAP, entre outros: (i) zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência – atribuição, de certa forma,
superposta com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), após sua criação em 2001; (ii) homologar os valores de
tarifas pelo uso da infraestrutura portuária; (iii) manifestar-se sobre o programa investimentos em infraestrutura portuária; e (iv)
aprovar o plano de zoneamento do porto, todos elaborados e propostos pela AP. Tal fato evidencia certa subordinação da AP ao
CAP, com perda de controle de processos administrados pela AP.
37
A Antaq foi criada com a competência de, entre outros, aprovar as propostas de revisão e de reajuste de tarifas pelo uso da
infraestrutura encaminhadas pelas Administrações Portuárias. No que diz respeito à atuação do CAP, como responsável por
homologar tarifas e planos portuários, não foi revisada a Lei dos Portos.
38
O crescimento da movimentação portuária entre 2002 e 2011 foi de 5,9% a.a., enquanto no período de 1992 a 2001 foi de 4,5% a.a.
252 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mente, pelo crescimento da movimentação de carga geral, situando-se perto de


6% a.a., mas também de commodities de exportação. Essa aceleração deve-se ao
crescimento da corrente de comércio brasileiro, inclusive a importação de bens.
Por meio de investimentos na superestrutura portuária, na aquisição de equi-
pamentos de movimentação de carga mais produtivos, na extensão da infraestru-
tura de berços de atracação de navios e na capacidade de prestação de serviços
logísticos associados, houve compatibilidade entre o crescimento da demanda e a
capacidade de ajuste da oferta portuária, chegando à situação atual, próxima ou,
em alguns portos, acima do limite de capacidade.
Diversos são os desafios futuros do setor, entre eles a superação dos gargalos
inerentes ao aumento da produtividade e expansão dos ativos da infraestrutura
portuária.39 É necessário o fortalecimento da administração dos portos públicos,
com o aperfeiçoamento do modelo de governança, que contemple, entre outros,
alguma representação da localidade onde o porto está inserido, e maior auto-
nomia decisória no modelo de gestão, inclusive com contrapartida de resulta-
dos. Paralelamente, o setor carece de aperfeiçoamento regulatório que permita a
construção de um ambiente mais estável, de risco conhecido, propício ao ingresso
de recursos privados de longo prazo destinados a investimentos no aumento da
oferta. A capacitação da infraestrutura portuária (física e de gestão) é um dos
maiores desafios a superar.

Desenvolvimento portuário recente


Quando se analisa o tipo de carga movimentada nos portos brasileiros, o cresci-
mento observado não é homogêneo. Nos últimos dez anos, a movimentação de
carga geral, incluindo contêineres, é o grande destaque, com crescimento de 8,3% a.a.,
seguido dos granéis sólidos, com 6,7% a.a. Por sua vez, quando a análise recai sobre
o tipo de navegação, os navios provenientes da navegação de longo curso foram os
que mais frequentaram os portos, representando cerca de 74% da movimentação

39
Acessos terrestres e marítimos, serviços básicos (energia, água, saneamento), sinalização e controle de tráfego, qualidade
ambiental, manutenção da profundidade dos berços etc.
LOGÍSTICA 253

realizada em 2011, enquanto a navegação de cabotagem situou-se em 22%,40 se-


gundo os dados do último decênio.

Tabela 6 Movimentação portuária brasileira 2002-2011 (em mil toneladas)

Ano Granel sólido Granel líquido Carga geral Longo curso Cabotagem Navegação interior Total

2002 301.972 163.135 63.897 370.783 137.024 21.198 529.005

2003 336.276 161.886 72.628 401.596 145.927 23.267 570.790

2004 369.611 166.555 84.554 447.136 148.419 25.165 620.721

2005 392.904 163.717 92.797 473.057 150.112 26.249 649.419

2006 415.728 175.541 101.564 502.919 163.520 26.394 692.833

2007 457.435 194.599 102.683 559.046 168.456 27.215 754.717

2008 460.184 195.637 112.502 568.405 167.342 32.576 768.324

2009 432.985 197.935 102.011 531.277 170.253 31.401 732.931

2010 504.765 210.371 118.799 616.089 185.823 32.024 833.936

2011 543.108 212.302 130.645 658.096 193.469 34.490 886.055

Fonte: Antaq/AEP.

O Brasil dispõe de 34 portos públicos e de 129 terminais de uso privativo. A


maioria da carga é movimentada nos terminais de uso privativo.41
Das 886 milhões de toneladas movimentadas nos portos em 2011, 577 milhões de
toneladas (65%)42 foram realizadas em terminais de uso privativo. A carga geral, entre-
tanto, é majoritariamente movimentada nos portos públicos, sendo que 85% da mo-
vimentação de contêineres é realizada em terminais arrendados nos portos públicos.43
A movimentação de contêineres no Brasil cresceu, em média, 9,1% a.a. nos
últimos vinte anos, com crescimento para 10,6% a.a., a partir de 2000. Nos últimos
anos, a expansão foi induzida pelo aumento das operações de importação. Dois
aspectos influenciam esse desempenho: o aumento do índice de conteinerização
de cargas no país e a elevação da participação do comércio de mercadorias no PIB

40
A navegação de longo curso cresce a taxas superiores à da navegação de cabotagem, elevando sua participação relativa nos
portos. Entre 2002 e 2011, a navegação de longo curso aumentou de 70% para 74% sua participação relativa no período,
enquanto a navegação de cabotagem reduziu-se de 26% para 22%, demonstrando dificuldades de inserção (exceto contêineres).
41
Os terminais de uso privativo são construídos em terreno privado, para movimentação de carga própria, na forma de uma
atividade econômica, inserida em uma cadeia de distribuição verticalizada, oriunda da produção industrial. Complementarmente,
podem, também, movimentar carga de terceiros (quando tomam a forma de terminais de uso privativo misto), participando de um
mercado constituído por terminais de uso público. Os terminais públicos são aqueles instalados em áreas arrendadas nos portos
públicos, que prestam serviço público, e atendem, indiscriminadamente, todos os usuários.
42
Essa proporção é influenciada, em grande medida, pela movimentação de minério de ferro destinado à exportação e de granéis
líquidos (combustíveis e óleos minerais) relacionados ao setor petrolífero (516 milhões de toneladas, em 2011).
43
Dados da Antaq, de 2011.
254 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

brasileiro. Depois de 2005, a corrente de comércio consolidou-se em patamares su-


periores a 20% do PIB até a crise financeira de 2009, que gerou uma contração na
variável, mas espera-se o retorno aos patamares pré-crise.44
No mundo, a movimentação de contêineres cresceu a uma taxa de 9,4% a.a.
no período 1990-2010. Entretanto, após queda em 2009, em função dos efeitos da
crise internacional, o resultado agregado de 2010 não difere de 2008, sinalizando
crescimento moderado para o futuro.45

Regulamentação
O marco regulatório brasileiro, instituído pela Lei dos Portos, delimitou um padrão
de organização similar ao do modelo landlord port.46 Entretanto, incentiva a con-
corrência entre terminais de uso privativo, quando da movimentação de carga de
terceiros, e terminais públicos, no intuito de maximizar a competição entre termi-
nais e mesmo entre portos, em benefício dos usuários.
O debate atual resume-se à forma de atendimento da demanda futura. Onde
estará concentrado o aumento da oferta de infra e superestrutura portuária para o
enfrentamento dos desafios futuros? Nos terminais (públicos) concedidos em portos
públicos? Nos terminais de uso privativo, concedidos, prestando serviço público?47
Em novas unidades portuárias, com Autoridade Portuária privada, no modelo fully-
-privatized port?48 Nos portos públicos existentes?
Novos portos públicos com Autoridade Portuária privada podem ser concedi-
dos, conforme o já previsto no Decreto 6.620, de 29 de outubro de 2008.

44
A projeção da consultoria Drewry (2010) aponta um crescimento médio da movimentação de contêineres de 7,56% na América
do Sul, entre 2012 e 2015.
45
Entre os dez maiores portos de contêineres no mundo, a China concentra mais de 60% da movimentação, com crescimento
acentuado nos últimos cinco anos (2006-2010). Os maiores portos chineses movimentam mais de 20 milhões de TEUs/ano, contra
10 milhões de TEUs/ano do Porto de Roterdã, o principal europeu.
46
Definição do Banco Mundial. Significa que a propriedade da terra é do setor público, enquanto a operação portuária é realizada
pelo setor privado. É o modelo predominante no Brasil e, também, no mundo. No Brasil, a União detém a propriedade da terra e as
Companhias Docas são os administradores dos principais portos públicos.
47
Requerem nova regulamentação.
48
Definição do Banco Mundial. Significa que tanto a propriedade da terra quanto a operação portuária são detidas/realizadas
pelo setor privado, ainda que, no caso brasileiro, em que a movimentação portuária constitui um serviço público, não deixe de
se tratar de um porto público, administrado e operado pelo setor privado. Nesse caso, estará sujeito à regulamentação mínima
que garanta o atendimento indiscriminado a todos os usuários, a qualquer natureza de carga, a qualquer tempo, com preços
próximos ao do custo do serviço.
LOGÍSTICA 255

Novas licitações para a outorga de portos públicos podem se realizar por meio
de regulamentos dispostos no próprio edital de licitação ou, em legislação própria,
que detalhe os limites de atuação da participação do setor privado na figura de
Autoridade Portuária.49

Plano Geral de Outorgas e Plano Nacional de Logística Portuária


Em 2009, a Antaq disponibilizou o Plano Geral de Outorgas (PGO) do setor portuário,
planejamento que procurou indicar quais áreas poderiam ser utilizadas para a ex-
pansão de novos portos e/ou a ampliação de instalações portuárias existentes. Por
meio do PGO procura-se, ainda, uma forma de divulgação de políticas de fomento
e desenvolvimento do setor.
Atualmente, a Secretaria de Portos (SEP) elabora o Plano Nacional de Logística
Portuária (PNLP), com o intuito de traçar o panorama portuário nacional para os
próximos anos. Segundo a SEP, o PNLP reafirma a retomada do planejamento estra-
tégico de forma sistêmica e integrada.
O PNLP vem sendo elaborado em parceria com a Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) e abrange todos os portos nacionais e os planos diretores dos prin-
cipais portos brasileiros.

Dificuldades do setor portuário brasileiro


Como visto, as APs exercem papel fundamental no ambiente portuário. Além da
responsabilidade pela gestão do patrimônio público, compete à AP garantir que a
infraestrutura portuária se desenvolva em consonância com o crescimento da de-
manda, além de procurar atuar de forma a fomentar a maior utilização do porto,
em um ambiente de (alguma) competição entre as unidades.
Ocorre que as APs dos portos públicos, ainda que não homogêneas quanto à
sua capacidade técnica, financeira e operacional, têm um diagnóstico geral que

49
Algumas questões são relevantes nesse caso, como: (i) a composição societária da AP, quanto à eventual participação de
operadores (companhias de navegação) ou donos de carga (clientes); e (ii) a autonomia de gestão da AP, no que diz respeito a
sua relação com o CAP e quanto à utilização, pelos terminais instalados em áreas arrendados, de mão de obra do OGMO. Todas
essas questões são consideradas sensíveis à decisão de participação do setor privado na gestão da infraestrutura. O papel dado
à AP quanto a questões de segurança, ordem econômica e estabelecimento de preços de serviços, também pode ser objeto de
regulamentação, possivelmente com a participação da agência reguladora setorial, a Antaq.
256 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

indica desempenho insatisfatório do papel a elas atribuído. Baixa capacidade de in-


vestimento, baixa autonomia de gestão, receita tarifária comprometida com custos
e com a liquidação de passivos e dificuldades administrativas gerais50 são condições
de contorno do diagnóstico do conjunto das Companhias Docas existentes.51
Assim, investimentos de ampliação dos acessos portuários terrestres (rodoviários
e ferroviários), de aprofundamento e manutenção da profundidade do acesso marí-
timo, de sinalização e controle da chegada das embarcações, de manutenção da pro-
fundidade dos berços e de tratamento da interface entre portos e cidades portuárias,
acabam por não ocorrer de maneira tempestiva às necessidades do país.52

Desafios futuros
Diante do exposto, é importante que o conjunto das APs, em um breve período de
tempo, possa:
• aumentar a capacidade de planejamento de longo prazo;
• aumentar a capacidade de investimento;
• aperfeiçoar a governança e a gestão;
• deter capacidade de revisão e formação de preços competitivos das tarifas pelo
uso da infraestrutura portuária;
• tratar os passivos existentes;
• arrendar as áreas existentes de forma competitiva; e
• fortalecer a postura comercial.

50
Entre as principais dificuldades enfrentadas pelas Companhias Docas, destacam-se: (i) as tarifas pelo uso da infraestrutura
portuária são dependentes de aprovação do CAP e Antaq e nem sempre guardam relação com os custos; (ii) há passivos de
toda natureza, ainda não tratados – atuariais, trabalhistas e ambientais, que desequilibram o planejamento de longo prazo; (iii)
há superposição de funções que acabam por distribuir a responsabilidade administrativa no setor entre diversos órgãos; (iv) há
problemas socioambientais com dificuldade de tratamento imediato (invasão de moradias precárias em áreas portuárias, matriz
modal de transportes excessivamente dependente do modal rodoviário, conflito entre trânsito urbano e portuário, poluição e gestão
do uso do solo do entorno do porto, o que gera dificuldades ambientais diversas nas cidades portuárias); (v) o despacho aduaneiro
envolve várias instituições públicas, mas, apesar dos esforços recentes, ainda não é coordenado, o que acaba por elevar o tempo de
permanência da carga no porto, reduzindo a capacidade portuária; (vi) o modelo de utilização de mão de obra avulsa nem sempre se
traduz em vantagem comercial para os terminais portuários; e (vii) falta de regulamentação econômica nos serviços de praticagem.
51
Existem sete Companhias Docas no país: Companhia Docas do Estado do Ceará (CDC), Companhia Docas do Pará (CDP),
Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba), Companhia Docas do Rio Grande do
Norte (Codern), Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) e Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).
52
Em 2007, por meio da Lei 11.610, foi instituído o Programa Nacional de Dragagem Portuária e Hidroviária, cujos investimentos
estão previstos no PAC, conduzido diretamente pela SEP nos principais portos públicos. Em uma visão mais centralizada, foi atribuída
à SEP a competência de estabelecer as prioridades de dragagem de ampliação, fixar sua profundidade e demais condições, bem
como de assegurar a eficácia da gestão econômica, financeira e ambiental, por meio da aprovação e da fiscalização, entre outros,
dos programas de investimentos e de dragagem.
LOGÍSTICA 257

Faz-se necessário, pois, construir um ambiente no qual as APs tenham condições


de sustentabilidade econômica, financeira e socioambiental, maior autonomia,
gestão profissional e capacidade técnica,53 inclusive para elaboração dos planos de
expansão e de outorgas das áreas para movimentação de carga, segundo normas
homogêneas e estáveis, em um ambiente fiscalizado e que estimule a competição.
Esse ambiente propugnado para as APs públicas, competitivo, seria análogo ao
ambiente necessário à participação do setor privado na infraestrutura portuária.
As APs, públicas ou privadas, são objeto de fiscalização pela Antaq quanto ao
cumprimento de suas responsabilidades, mas podem, também, ser objeto de defi-
nição de metas de desempenho operacional e ambiental.
Registra-se que a participação local na administração portuária, profissional, é
desejável, entre outros aspectos, pela importância da variável socioambiental na
região em que o porto se insere e pelo efeito que a chegada da carga portuária
causa no trânsito, no uso do solo e na qualidade ambiental das cidades, questões
de interesse e de responsabilidade local. Essa atuação, mais descentralizada, é a
marca dos principais portos europeus e americanos.
De forma esquemática, a Figura 1 mostra uma escala que representa o nível de
centralização do planejamento portuário e as estruturas de mercado e característi-
cas associadas à maior ou menor centralidade no planejamento portuário.

Figura 1 Estrutura do setor segundo o nível de centralização do planejamento portuário

Menor Nível de centralização do planejamento portuário Maior

Planejamento mais Planejamento mais


descentralizado, maior centralizado, divisão de
autonomia (inclusive financeira) responsabilidades, menor
de atuação das APs, metas de autonomia das APs,
resultados, incentivo à participação pública
participação local na direta no investimento
administração (estrutura de portuário (estrutura de
mercado competitivo) monopólio regional)

Fonte: Elaboração própria.

53
Esses fatores permitirão as APs acessar os mecanismos de crédito disponíveis no mercado, viabilizando mais rapidamente os
investimentos sob sua responsabilidade.
258 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Oportunidades e metas setoriais


Alguns portos estão sob forte pressão de demanda, tanto pelas possibilidades ad-
vindas da exportação de commodities, quanto pelo desenvolvimento previsto do
mercado de granéis líquidos advindos dos investimentos em petróleo e derivados,
em implantação.
Entre as várias alternativas e oportunidades para o setor portuário,54 destacam-se
as seguintes:
• licitação de novos portos públicos, na ótica da atração de recursos disponíveis do
setor privado, de melhoria da gestão e de viabilização de infraestrutura estratégica
ao país; a existência de AP privada pode se tornar, também, um benchmark para as
APs públicas, reestruturadas e fortalecidas no seu modelo de gestão;
• expansão da capacidade portuária em função das novas ferrovias em implan-
tação e em expansão (Ferrovias Norte-Sul, Transnordestina, Integração Oeste-
-Leste e de Carajás), notadamente quanto à movimentação de granéis sólidos,
minerais e agrícolas;
• intregração institucional entre o ambiente marítimo e fluvial;55
• coordenação do despacho aduaneiro;
• regulamentação econômica da praticagem; e
• flexibilização/reestruturação das condições de contratação e de treinamento da
mão de obra avulsa.

Setor aquaviário

Hidrovias
O potencial hidroviário nacional é pouco explorado56 e sua utilização concentra-se na
Região Norte, onde desempenha papel crucial na capilaridade do sistema de trans-

54
Registra-se que, em 2011, o BNDES realizou chamada pública para a elaboração de um estudo técnico do setor portuário,
suportado por um termo de cooperação técnica celebrado entre o BNDES, a SEP e a Antaq, em fevereiro de 2009. Atualmente em
fase de finalização, o estudo analisará e avaliará a organização institucional e a eficiência de gestão do setor portuário brasileiro e
elaborará um conjunto de propostas de políticas públicas para o curto, médio e longo prazos.
55
É de competência da SEP a administração dos portos marítimos, enquanto o ambiente hidroviário e fluvial é administrado pelo
Ministério dos Transportes, por intermédio do DNIT.
56
A participação do transporte hidroviário é de cerca de 4% na matriz modal de transportes.
LOGÍSTICA 259

portes. Um dos principais entraves ao seu desenvolvimento é a frágil estrutura ins-


titucional e de gestão. A administração das vias navegáveis interiores é responsa-
bilidade da Companhia Docas do Maranhão (Codomar), por delegação do governo
federal, mediante a assinatura de Convênio DNIT/AQ 313/2006. A gestão é dividida
em oito administrações, definidas pelas bacias hidrográficas.
O impulso ao desenvolvimento do modal depende da emergência de novo ar-
ranjo institucional e da elaboração de plano diretor,57 que implique o fortalecimento
da gestão das hidrovias e a definição de metas e intervenções, as quais poderão ser
incluídas no PAC, além de mecanismo de financiamento à infraestrutura hidroviária.
Os principais investimentos são relacionados à construção de eclusas,58 o que deve ser
realizado, tanto quanto possível, de maneira integrada à exploração da hidroeletri-
cidade dos rios de maior potencial navegável.59, 60 A execução do Plano Hidroviário
Estratégico demandará uma estrutura administrativa dotada de recursos técnicos e
financeiros para as administrações hidroviárias, necessários ao equacionamento do
investimento na capacitação da infraestrutura e à manutenção periódica da hidrovia.
As diretrizes definidas pelo Ministério dos Transportes indicam a necessidade de
maior sincronia entre a implantação dos empreendimentos de geração de energia
e os necessários à navegação interior. As dificuldades advêm do ritmo diferenciado
entre a implantação dos projetos dos referidos setores e da forma de financiamento
(intempestivo) destes. Esse quadro acaba por viabilizar usinas hidrelétricas sem que
os dispositivos de transposição hidroviária sejam concomitantemente implantados.61
Duas questões são fundamentais para o transporte hidroviário: viabilizar a
construção das eclusas prioritárias62 e garantir os níveis mínimos de navegação nos
trechos em que haverá aproveitamento energético do leito do rio.63

57
O Plano Hidroviário Estratégico (PHE) está em desenvolvimento no Ministério dos Transportes. O PHE estabelecerá as diretrizes
gerais para o desenvolvimento do setor, incluindo a definição dos investimentos e das diretrizes institucionais e regulatórias. A Antaq,
por sua vez, realiza o Plano Nacional de Integração Hidroviária (PNIH), que consolidará um banco de dados sobre o setor e servirá de
base para o Plano Geral de Outorgas Hidroviário.
58
Os investimentos em dragagem, sinalização, balizamento e estudos ambientais também são relevantes.
59
Incluem-se as Hidrovias Tapajós-Teles Pires e Araguaia-Tocantins.
60
As eclusas devem ser, preferencialmente, construídas no barramento e no momento da construção da usina.
61
Ver Diretrizes da Política Nacional de Transporte Hidroviário.
62
Segundo o Ministério dos Transportes, as 27 eclusas de maior prioridade em aproveitamentos hidrelétricos previstos e existentes estão
localizadas nos rios Araguaia, Parnaíba, Tapajós, Teles Pires, Tietê e Tocantins e resultam em um montante estimado de R$ 11,6 bilhões.
63
Por exemplo, os rios Tapajós e Teles-Pires, onde está prevista a exploração de diversas novas usinas hidrelétricas.
260 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Transporte de cabotagem
O mercado de contêineres na cabotagem cresceu 7,6% a.a. entre 2001 e 2010. Hou-
ve investimentos na encomenda de navios porta-contêineres na indústria nacional
e a entrada de novos atores. Entretanto, esse transporte ainda está longe de atingir
seu potencial, haja vista a extensão da costa litorânea do país e as condições poten-
cialmente mais econômicas do modal aquaviário.
Alguns aspectos são fundamentais para o desenvolvimento mais acelerado do trans-
porte de cabotagem no país. Entre elas, na carga geral, destaca-se o aumento da fre-
quência dos navios nos portos, o que requer maior número de embarcações dedicadas,
de porte não muito elevado, e operação logística integrada, com a disponibilização de
serviço porta a porta nos mesmos moldes do que é oferecido pelo modal rodoviário.
Somente dessa forma, o serviço rodomarítimo poderá ser comparável com o serviço con-
corrente, que é flexível, de alta frequência e com serviços logísticos integrados.
Nesse sentido, outros aspectos, de natureza tributária, regulatória e de cunho
industrial também podem se tornar impulsionadores do desenvolvimento do trans-
porte de cabotagem, em benefício da economicidade do sistema de transportes
brasileiro: do ponto de vista tributário, as condições definidoras do custo do com-
bustível para o modal aquaviário (vis-à-vis o do modal rodoviário); do ponto de
vista regulatório, a correlação entre transporte de cabotagem, bandeira brasileira
e indústria de construção naval, inclusive regras de afretamento de embarcações,
além das exigências de controle dos contêineres de cabotagem pela Receita Fede-
ral; e do ponto de vista industrial, a capacidade de fornecimento em prazo e custos
competitivos, tendo em vista, entre outros, o cronograma de encomendas de em-
barcações oriundo da indústria de exploração de óleo de gás.
Custos portuários competitivos para transferência da carga de cabotagem para
caminhões, também se inserem no quadro necessário ao desenvolvimento desse
tipo de transporte.
O conjunto desses aspectos, importante fator de competitividade do transpor-
te de cabotagem, dada sua relevância econômica, pode ser objeto de propostas
específicas de política de atuação para o desenvolvimento do modal, inclusive nos
moldes do disposto no estudo de portos mencionado.
LOGÍSTICA 261

Infraestrutura rodoviária

Na década de 1990, apesar da recomposição dos investimentos na infraestrutura


rodoviária, o estado de conservação da malha era insatisfatório. Além de sobrecus-
tos, como o aumento da necessidade de manutenção dos veículos, a baixa qualida-
de da rede tinha correspondência com a ocorrência de acidentes.
Na busca pela recuperação da infraestrutura, a principal medida foi a concessão
de trechos importantes ao setor privado, que superaria a restrição orçamentária do
setor público, assegurando o nível de investimento necessário à manutenção das
vias. Iniciados ainda na década de 1990, os programas de concessões rodoviárias
brasileiros estão consolidados, com a implantação, nos últimos 17 anos, de 55 lotes,
abrangendo mais de 15,5 mil km concedidos à administração do setor privado, sen-
do relevantes em nível internacional. Além do programa federal, que se encontra
em sua terceira fase de implantação, há sete programas estaduais implantados (o
do estado de São Paulo em sua terceira etapa), e um municipal (Rio de Janeiro).
Nos programas de concessão rodoviária, a gestão da malha é transferida à gestão
privada, que é remunerada pela cobrança de pedágios dos usuários da rodovia em
contrapartida de investimentos no aumento de capacidade e de segurança e na
conservação das rodovias. Além disso, foi disponibilizada uma série de serviços aos
usuários, tais como: atendimento médico e mecânico, telefonia, centros de atendi-
mento ao longo das vias concedidas, instalação de balanças rodoviárias64 e sistemas
de informação e controle do tráfego.
A melhoria da qualidade das rodovias concedidas representa importante be-
nefício econômico por serem as rodovias de maior fluxo de tráfego, as que escoam
importante parcela da produção agroindustrial e as que dão acesso a alguns dos
principais portos do país.
Na pesquisa CNT de 2011, apenas 33,8% das vias geridas pelo setor público
mereceram classificação “Ótimo” e “Bom”, enquanto a mesma classificação foi
atribuída a 86,9% dos trechos concedidos. A contrapartida da melhor qualidade
é o pagamento de pedágio para circulação. Considerados elevados em alguns

64
Importantes para a manutenção da qualidade do pavimento.
262 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

casos, os valores de pedágios das primeiras rodadas de concessão, em geral, eram


reajustados pelo IGP-M, que podiam descolar da evolução dos preços aos consu-
midores. Além disso, as tarifas de pedágio foram definidas em um ambiente no
qual as taxas de juros eram mais elevadas que as atuais, assim como o ambiente
de risco pela ótica privada.
Nos programas de concessão de rodovias mais recentes, em virtude, dos re-
querimentos de investimentos, da queda do patamar da taxa básica de juros, da
consolidação e da maturidade do processo e da intensificação da competição pela
existência de numerosos interessados, inclusive de capital externo, ocorreram ex-
pressivas reduções nas tarifas. Adicionalmente, a maioria dos contratos atuais en-
volve indexação ao IPCA, um índice mais estável e aderente à estrutura de custos
dos consumidores. Outro avanço recente foi a assunção de maior responsabilidade
pelos concessionários sobre a compatibilidade entre a capacidade da via e o cresci-
mento da demanda (como a duplicação antecipada de trechos em função do cres-
cimento acima do previsto do tráfego).
Estima-se que, no modelo atual, no qual a tarifa de pedágio remunera,
majoritariamente,65 os investimentos do setor privado, está em estudo a concessão
de cerca de mais 10.000 km, tanto em nível federal quanto estadual.
O desafio atual é assegurar uma qualidade satisfatória ao restante da malha
pavimentada, mais de 190.000 km. Em face das restrições orçamentárias do setor
público, uma saída é aprofundar o processo de transferência de parte das ativida-
des à iniciativa privada, com o estabelecimento de parcerias público-privadas, nas
quais parcela dos recursos que remuneram o investimento do setor privado seria
oriunda da cobrança de pedágios e o restante através de contrapartida pública.
A viabilização desse modelo depende da estruturação de fundos para garantir a
transferência da contrapartida pública.66

65
Parcela marginal da receita total dos concessionários de rodovias é composta de receitas acessórias, não advindas da
cobrança de pedágios.
66
Segundo o disposto na Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, Lei das PPPs.
LOGÍSTICA 263

Operadores logísticos

Há um desenvolvimento relevante do mercado de operadores logísticos67 no Brasil,


notadamente a partir de 1990. Esse desenvolvimento é impulsionado por alguns
fatores, entre eles:
• o processo de terceirização da logística na indústria;68
• a integração dos processos de produção, armazenagem, transporte e distribuição;
• a visão da cadeia de supply chain como elemento de vantagem competitiva: a
competição se dá na cadeia de suprimentos, ou na cadeia produtiva vista como
um todo;
• a possibilidade de contratação pela indústria de parceiro especializado na me-
lhoria contínua de processos e foco principal no negócio; e
• o fato de os donos de carga quererem contratar apenas um prestador de servi-
ço entre as funções de transporte, armazenagem e distribuição.
Estimativas demonstram que a receita total do conjunto desses agentes cresce
entre 20% e 30% a.a. (26% a.a. nos últimos dez anos, no período 2001-2010).
As tecnologias de informação utilizadas pelos PSLs envolvem tanto a tecnolo-
gia embarcada no veículo (como o rastreamento por satélite da frota e a roteiriza-
ção urbana da distribuição de mercadorias), quanto diversas outras ferramentas
de gestão, quais sejam: gerenciamento de armazéns (WMS); sistema integrado de
gestão (ERP); consultas web on-line sobre o rastreamento do serviço contratado;69
softwares de simulação e otimização; leitores ópticos e troca eletrônica de
dados (EDI).70
Utilizam-se de PSLs os segmentos automotivo, petroquímico, químico, de ali-
mentação (fast-food), farmacêutico e de cosméticos, bebidas finas, vestuário e ou-
tros (indústria, comércio e varejo).

67
Entende-se por operador logístico a empresa que presta serviços simultâneos de gestão de transportes, armazenagem e controle
de estoques. Ao gerenciar parte ou a totalidade da cadeia de abastecimento de clientes (supply chain), agrega valor aos produtos.
68
Em função da complexidade que a variável logística assumiu no processo produtivo ante a expansão de mercados e a diversidade
de soluções, tanto o recebimento dos insumos quanto à distribuição de produtos acabados, são hoje contratados no mercado,
em vez de serem prestados diretamente pelo próprio produtor, havendo uma parceria estreita entre a indústria e os operadores
logísticos, prestadores de serviço logístico (PSL).
69
Para informar aos clientes, por exemplo, a localização e o tempo estimado de chegada da carga.
70
Ver site do Ilos.
264 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Os PSLs são, em grande parte, oriundos de empresas transportadoras. Do ponto


de vista operacional, os serviços evoluem da prestação pura e simples de transporte
rodoviário até armazenagem, administração de estoques, montagem de kits, abas-
tecimento de linhas de produção, logística reversa e outros.71
Atingem a maturidade (operadores logísticos consolidados) quando ofere-
cem soluções dedicadas e deixam de depender da atividade própria de transpor-
te, podendo contratar essa função com terceiros. O fator decisivo passa a ser a
inteligência do processo, por meio do uso maciço de tecnologia e capacitação
técnica.72 Nesses casos, as operações são desenhadas no formato porta-a-porta,
incluindo despacho aduaneiro (no comércio exterior) e demais soluções especí-
ficas, caso a caso.
Poucas são as empresas do segmento de operadores logísticos consolidados,
destacando-se os operadores internacionais e algumas empresas nacionais.
O mercado brasileiro encontra-se em fase intermediária de desenvolvimento,
no qual diversos agentes atuam em processo de diversificação de serviços e ati-
vos, ampliando suas atividades e adquirindo empresas. Necessitam de capital e de
aperfeiçoamento da governança para o crescimento, em função do porte limita-
do e de administração tipicamente familiar. Têm a concorrência de operadores
logísticos internacionais.
Nesse sentido, é uma oportunidade o apoio à consolidação do setor, para viabi-
lizar a aceleração do crescimento de empresas brasileiras no segmento.
Os investimentos dos operadores logísticos envolvem: armazéns, silos, área
de armazenagem, acessos rodoviários e ferroviários, edificações administrativas,
veículos, equipamentos de movimentação de cargas, sistemas (tecnologia da in-
formação) etc.
As oportunidades de mercado serão maiores para as empresas que se capa-
citarem a realizar logística dedicada, com ativos dedicados (estruturas operacio-
nais, veículos, equipamentos e sistemas) a soluções específicas de clientes, com

71
Ver Tecnologística (2010, p. 56 a 126) e Valor (2008, p. 39).
72
A capacidade técnica de precificação do valor do serviço logístico a ser prestado pode ser medida pela existência de setor técnico
de engenharia no PSL e a disponibilidade de softwares de simulação e otimização.
LOGÍSTICA 265

serviços bem precificados, de forma a manter margem operacional diante de um


mercado competitivo.

Portos secos

Os portos secos são recintos nos quais são executadas operações de movimentação,
armazenagem e despacho aduaneiro de mercadorias, referente tanto à carga de
importação quanto à de exportação.
A administração de portos secos (também denominados EADIs73 e, posterior-
mente, CLIAs74) como infraestrutura logística de armazenagem para bens e mate-
riais importados se constitui em um nicho de mercado para operadores logísticos
no Brasil, no segmento de insumos do processo industrial.
Além disso, os portos secos podem viabilizar, quando em atuação associada aos
terminais de movimentação de carga nos portos,75 a retirada mais rápida da carga
portuária da zona primária para o interior, para posterior desembaraço (despacho
aduaneiro), segundo as necessidades do cliente, de forma a, entre outros benefí-
cios, reduzir o tempo de permanência da carga no porto, aumentando a capacida-
de portuária.
Ao longo dos últimos anos, entretanto, houve diversas modificações no regime
jurídico de outorga de portos secos. A exploração antes entendida como ativida-
de econômica, passou para concessão ou permissão de serviço público (a partir da
Lei 9.074, de 7 de julho de 1995, posteriormente, complementada pelo Decreto
6.759, de 5 de fevereiro de 2009). Isso, de certa forma, afetou a utilização dessa
infraestrutura de forma complementar às atividades portuárias no desembaraço
aduanerio de mercadorias, notadamente na hinterlândia dos principais portos pú-
blicos de movimentação de carga geral,76 o que seria desejável.

73
Estações Aduaneiras de Interior.
74
Centros Logísticos Industriais Aduaneiros (MP 320, de 24 de agosto de 2006).
75
Notadamente no segmento de contêineres.
76
Portos de Santos, Paranaguá e Rio Grande e outros.
266 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

4. C O NC L US Ã O
A globalização ampliou a demanda pela sofisticação nos serviços logísticos, forçan-
do integração e diversificação dos serviços para auxiliar a operação da cadeia de
suprimentos. A logística, por sua vez, assumiu papel relevante na determinação do
nível de competitividade das empresas nacionais.
Apesar dos avanços recentes, a logística brasileira está em posição intermediária
nas avaliações internacionais. A falta de balanceamento da matriz de transporte de
cargas brasileira, quando comparada à de outros países de dimensões semelhantes,
acarreta diversas ineficiências e sobrecustos, afetando a competitividade brasileira.
Esse diagnóstico motivou a elaboração do PNLT pelo governo federal, cujos
investimentos mapeados subsidiaram a elaboração do PAC.
Ressalta-se que o equacionamento da questão logística em um país com as di-
mensões do Brasil e com os desafios de crescimento associados à redução das desi-
gualdades regionais é complexo e, naturalmente, envolve uma série de variáveis a
serem simultaneamente tratadas.
O PNLT tem o mérito de reorganizar o planejamento estratégico de transportes
e de apontar as ações de médio e longo prazos necessárias ao desenvolvimento
nacional. O desafio maior, entretanto, é aumentar a capacidade de realização tem-
pestiva de projetos que tornem possível atingir as metas estipuladas para os próxi-
mos 13 anos (2025), viabilizando os recursos necessários para tal.77
Uma das restrições existentes é o ritmo da variável investimento, que deverá
ser acelerado. Em contrapartida, o financiamento desses investimentos requererá
novas inversões públicas e privadas em montante superior ao atual.
Há espaço para ampliação da participação do setor privado na infraestrutura
de transportes, principalmente nos segmentos rodoviário, portuário e aeroportuário,
inclusive com recursos complementares oriundos do mercado de capitais.78 Além

77
notadamente os projetos no âmbito do setor hidroviário, como a estruturação dos corredores de alta capacidade nas hidrovias
mais importantes do país, garantindo o uso múltiplo das águas previsto na lei 9.433/97, de 8 de janeiro de 1997.
78
emissões de debêntures, inclusive debêntures de projeto (tendo como garantia a receita oriunda do próprio projeto – recebíveis),
captação de recursos de fundos de investimento, oferta pública de ações e atração de fundos de private equity, para a ampliação do
capital próprio e de terceiros das empresas do setor.
LOGÍSTICA 267

disso, é importante a aplicação da totalidade arrecadada pela Cide79 no setor. O


objetivo á a elevação do investimento na expansão da logística, para, pelo menos,
1,2% do PIB.80
Será necessária, todavia, a criação, no âmbito regulatório, de um conjunto de
regras que possam atrair maior participação do setor privado no investimento, no-
tadamente nos setores aquaviário (infraestrutura portuária e hidroviária) e ferro-
viário (expansão de capacidade da rede, operação competitiva e superação de gar-
galos logísticos).
Os principais objetivos são a redução do risco sistêmico e a garantia do atendi-
mento indiscriminado a todos os usuários, a qualquer tempo, a preços de mercado,
próximos ao do custo do serviço.
Várias ações e propostas foram abordadas ao longo deste artigo. Resumida-
mente, os desafios para os próximos anos podem ser explicitados conforme a seguir:
• Reestruturação institucional e de gestão nos portos.
Essa ação, conjunta, poderá alavancar o desenvolvimento da infraestrutura portuá-
ria, ampliando os efeitos da Lei dos Portos, mais concentrados na superestrutura.
• Aumento da capacidade dos acessos portuários.
O Programa Nacional de Dragagem visa ampliar a capacitação do canal de aces-
so dos principais portos públicos. Entretanto, o equivalente não ocorre com os
acessos terrestres. Visão integrada e ações específicas das APs serão necessárias
ao atendimento dos desafios futuros.
• Reforma regulatória nos segmentos portuário, ferroviário, aquaviário (trans-
porte hidroviário e de cabotagem) e rodoviário.
Como principais desafios regulatórios estão: o estabelecimento de ambiente pro-
pício à participação do setor privado na infraestrutura portuária; a definição de
ambiciosas metas contratuais de desempenho no setor ferroviário; a reorgani-
zação institucional e de gestão nas hidrovias; o incentivo aos fatores-chave de

79
A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), incidente sobre a importação e a comercialização de combustíveis,
é destinada ao pagamento de subsídios (diesel) e ao financiamento de projetos ambientais e de programas de infraestrutura de
transportes. Segundo a CNT, em 2010, o valor arrecadado foi de R$ 7,7 bilhões (0,21% do PIB), dos quais R$ 4,3 bilhões (0,12% do
PIB) foram efetivamente despendidos em transportes, pouco mais de 52% do total arrecadado.
80
Estimativa com base no investimento necessário ao reordenamento da matriz de transportes brasileira, previsto no PNLT.
268 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

sucesso do transporte de cabotagem; e a melhoria da qualidade e da segurança


do transporte rodoviário.
• Aumento da velocidade e da distância média nas ferrovias.
As ações visam à maior inserção do modal no mercado de carga geral e ao au-
mento da lucratividade do negócio, impulsionando o crescimento da participa-
ção relativa do setor na matriz de transportes.
• Viabilização do Plano Diretor Hidroviário Estratégico.
A definição de projetos e de mecanismo próprio de financiamento permitirá o
equacionamento tempestivo dos investimentos na infraestrutura hidroviária.
• Tratamento das externalidades socioambientais (notadamente nos portos e
ferrovias).
A atuação firme na solução desses gargalos possibilitará maior eficiência dos
sistemas mencionados e aumento da produtividade na operação, com geração
de importantes benefícios socioambientais.
• Consolidação dos prestadores de serviço logístico.
O aumento do porte dos PSLs ensejará o aperfeiçoamento da governança e o au-
mento da oferta de serviços de maior responsabilidade na cadeia de suprimentos.
• Definição de funding estável e suficiente.
Possibilitará a aceleração do ritmo do investimento em transportes, necessário
ao reordenamento da matriz modal, segundo o disposto no PNLT.
O principal benefício do conjunto dessas ações será a redução do custo logísti-
co brasileiro, o que envolve tanto o custo de transporte, a partir da racionalização
da matriz de transporte de carga, quanto o custo e a necessidade de estoques,
integrando a cadeia de distribuição de mercadorias. É nesse aspecto que se torna
fundamental o papel dos PSLs, oferecendo alternativas logísticas integradas e de-
dicadas, com uso intenso de tecnologia, em benefício dos produtores, vendedores
e usuários.
Estimativas iniciais indicam ganhos superiores a 16% a.a. sobre o custo anual
de transporte nacional. A obtenção de economias de escala e a melhor eficiência
operacional no transporte ferroviário e aquaviário, advindas do aumento da oferta
e do balanceamento da matriz, tendem a amplificar esses ganhos, que podem al-
LOGÍSTICA 269

cançar a marca de 38% a.a. Em termos financeiros, os benefícios estimados podem


superar US$ 17 bilhões a.a. e são capazes de chegar, no melhor cenário, a US$ 40
bilhões a.a.
Muitos serão os benefícios ambientais. O setor de transporte responde por mais
de 50% do consumo de petróleo e derivados81 e é um dos responsáveis pelas emis-
sões de gases causadores do efeito estufa. Segundo o Ministério dos Transportes, a
nova matriz reduziria em 41% o consumo de combustíveis, em 32% as emissões de
CO2 e em 39% as emissões de NOx.
A busca pela eficiência energética, operacional e de gestão do sistema de trans-
porte de cargas, em um ambiente sustentável, poderá promover o desenvolvimen-
to espacialmente mais equânime da economia nacional, valendo-se das vantagens
comparativas locais e das potencialidades regionais, e, por fim, o aumento da com-
petitividade das empresas brasileiras.

R EF ER ÊNC I AS
Cruz, P. R. D. Endividamento externo e transferência de recursos reais ao exterior:
os setores público e privado na crise dos anos oitenta. Nova Economia, v. 5, n. 1,
UFMG, Minas Gerais, ago. 1995.

IEA – International Energy Agency. World Energy Outlook. Paris, 2009.

Pêgo Filho, B.; Cândido Júnior, J. O.; Pereira, F. Investimento e financiamento da


infraestrutura no Brasil: 1990/2002. Texto para Discussão, n. 680. Brasília: Ipea, 1999.

Pinheiro, A. C. O setor privado na infra-estrutura brasileira. Revista do BNDES, n. 5.


Rio de Janeiro: BNDES, 1996.

Tecnologística, n. 175, jun. 2010.

81
Ver IEA (2009). O setor abrange o transporte de cargas e de passageiros.
270 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

SITES CoNSulTadoS

ANTF – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTADORES FERROVIÁRIOS – <www.antf.org.br>.

ILOS – <www.ilos.com.br>.

B I B L I O GR AF I A
ANTAQ – AGêNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS. Infraestrutura portuária
brasileira. Apresentação. Guarujá, mai. 2012.

______. Plano Geral de Outorgas. Apresentação, abr. 2009.

BRASIL. MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. Diretrizes da política nacional de transporte


hidroviário. Brasília, out. 2010.

______. Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) – Estágio atual e


continuidade. Apresentação. Brasília, jul. 2011.

______. Plano Nacional de Logística e Transportes. Brasília, 2007.

CNT – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE. Crescimento do setor ferroviário.


Apresentação. Brasília, ago. 2010.

THE WORLD BANK. Connecting to compete – Trade logistics in the global economy.
Washington, 2010.

______. Improving logistics costs for transportation and trade facilitation. Policy
Research Working Paper 4558. Washington, 2008.

VALOR ECONÔMICO. Operadores logísticos de carga. Valor – Análise Setorial, mar. 2008.

WORLD ECONOMIC FORUM. The global competitiveness report 2011-2012.


Genebra, 2011.
Guilherme da rocha albuquerque
arian bechara Ferreira*

* respectivamente, assessor da área de infraestrutura social do bndes e gerente do departamento de saneamento ambiental
da área de infraestrutura social do bndes.
Saneamento Urbano 273

R ES UM O
O saneamento no Brasil encontra-se em um momento claro de inflexão de sua
trajetória. Isso porque alguns entraves institucionais históricos foram finalmente
transpostos e há recursos para serem investidos no setor, ao mesmo tempo em que
os índices de prestação dos serviços permanecem muito aquém do desejado. Este
artigo tem como objetivos identificar os avanços obtidos nos últimos dez anos que
levaram a esse ponto de inflexão, apresentar um diagnóstico da situação atual e
discutir as perspectivas futuras, elencando os principais desafios a serem transpos-
tos para o alcance da universalização dos serviços de saneamento no país.

AB S TR AC T
Water supply and sanitation services in Brazil are at a key inflection point of
their trajectories. That’s because some historical institutional barriers were finally
overcome and there are financial resources to be invested in the sector, while the
service provision level remain far from the desired. This article aims to identify
the progress made in the last ten years that led to this turning point, to make a
diagnosis of the current situation and to discuss future prospects, listing the main
challenges to be overcome to achieve universalization of water supply sanitation
services in the country.
Saneamento Urbano 275

1. i nTR O DUÇ Ã O
não há dúvida de que o brasil avançou muito nos últimos dez anos. Passamos por
uma transição de governo de forma madura, nos tornamos líderes globais, nossa
economia vem mostrando solidez mesmo diante de um cenário global de incerteza
e, apenas como ilustração, mais de cinquenta milhões de brasileiros se juntaram a
um já extenso mercado consumidor desde 2003 [neri (2011)].
entretanto, para um país que realmente quer ser protagonista no cenário
global, o brasil ainda precisa avançar muito em aspectos básicos para a socieda-
de, e a questão do saneamento ambiental talvez seja um dos principais desafios
a serem superados.
em 2009, a organização mundial da Saúde (omS) apontava a ausência de sa-
neamento como o 11º fator de risco para as mortes no mundo [omS (2009)]. nesse
contexto, em 28 de julho de 2010, a organização das nações Unidas (onU) reco-
nheceu o acesso aos serviços de saneamento como um direito de todo ser humano,
sendo um fator primário de prevenção para problemas de saúde.
o saneamento no brasil encontra-se muito aquém do desejado, principal-
mente no que tange aos serviços relacionados a coleta e tratamento de esgotos.
Como ilustração, a tabela 1 mostra o percentual de domicílios particulares per-
manentes atendidos por serviços de água e esgoto em 2009, segundo a Pesquisa
nacional por amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto brasileiro de Geografia
e estatística (IbGe).

Tabela 1 Percentual de domicílios Particulares Permanentes atendidos Por serviços de


saneamento em 2009

Região % da rede geral de abastecimento de água % da rede coletora de esgoto

NoRTe 58,7 8,2

NoRdesTe 78,0 30,8

sudesTe 92,3 81,7

sul 85,3 34,1

CeNTRo-oesTe 83,0 36,9

bRasil 84,4 52,5

Fonte: Pnad (2009).


276 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Vale dizer que a Tabela 1, ao revelar o déficit existente para a universalização


dos serviços de saneamento no Brasil, mostra apenas parte dos desafios do setor.
Isso porque é preciso avançar muito também em diversos outros aspectos, tais como:
(i) qualidade da prestação do serviço (por exemplo, a intermitência no abasteci-
mento de água é comum em muitas localidades do país); (ii) desempenho ope-
racional dos prestadores (o índice de perdas de água é elevadíssimo no Brasil);
(iii) regulação dos serviços (em 2010, somente 30% dos municípios brasileiros tinham
serviços de saneamento regulados); (iv) planejamento dos serviços; e (v) capacidade
de gestão e governança dos prestadores, principalmente os públicos.
O presente artigo tem como objetivos fazer uma breve retrospectiva dos úl-
timos dez anos do setor de saneamento no Brasil, apresentar um diagnóstico da
situação atual e ainda traçar perspectivas futuras, elencando os principais desafios
a serem transpostos para o alcance da universalização do país.
Para isso, o artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução. Na
primeira, analisa-se como os antigos funcionários do BNDES viam o saneamento
no Brasil há 10-15 anos, para traçar um panorama do setor e identificar os desafios
impostos naquela época. Em seguida, discute-se o que ocorreu na última década,
identificando os avanços obtidos e o que pouco mudou. A terceira seção discorre
sobre a situação atual do saneamento no Brasil e aponta as perspectivas futuras,
traçando um paralelo com o cenário descrito pelos antigos funcionários do BNDES.
A quarta seção apresenta a carteira do BNDES no setor, mostra o aumento do vo-
lume financiado nos últimos anos e analisa como a instituição pode contribuir para
acelerar o alcance da universalização dos serviços. À guisa de conclusão, mostra-se
como o Brasil ainda tem um caminho muito grande a percorrer na questão de sa-
neamento, apesar dos avanços já obtidos.
Cumpre mencionar que a Lei Federal 11.445, de 5 de janeiro de 2007, conhecida
como o marco regulatório do setor, estabelece que a prestação dos serviços públi-
cos de saneamento deve englobar abastecimento de água, esgotamento sanitário,
limpeza urbana e ainda o manejo dos resíduos sólidos. Entretanto, o escopo deste
artigo restringe-se à análise da prestação dos serviços de água e esgotamento sani-
tário, uma vez que esse tema por si só já é extenso e complexo.
Saneamento Urbano 277

2 . A SiTUAÇÃO DO SAnEAMEnTO nO BRASiL


nO i nÍ C i O D A D É C A D A D E 2 0 0 0
a retrospectiva do setor de saneamento poderia ser realizada de diferentes ma-
neiras, desde elencar os fatos mais relevantes de forma cronológica até apresentar
a evolução dos principais indicadores setoriais, expondo as razões que levaram à
mudança do quadro observado.
no presente estudo, a retrospectiva foi feita por um prisma diferente: buscou-se
retomar a visão que os antigos funcionários do bnDeS1 tinham do saneamento no
brasil há 10-15 anos, para traçar um panorama do setor e identificar os desafios
impostos naquela época.
Primeiramente, é necessário entender o contexto em que o saneamento
se encontrava no início da década de 2000. naquela época, assim como hoje,
a prestação do serviço público de saneamento era majoritariamente pública.
moreira (1998) destaca que no fim de 1998 havia apenas trinta processos, em
licitação ou já homologados, de concessões privadas plenas ou parciais, enquan-
to mais de 3.600 municípios eram atendidos por 27 Companhias estaduais de
Saneamento básico (Cesb) e outros 1.800 tinham seus serviços prestados pela
administração direta.
esse cenário tinha impacto direto no nível de investimentos do setor. Isso por-
que, conforme destacado por moreira (1996), o setor público estava submetido a
normas de controle de seu endividamento, de forma que o contigenciamento do
crédito impedia o acesso pelos municípios e Cesbs aos recursos dos bancos públicos,
em especial da Caixa econômica Federal (Caixa) e do bnDeS.
essa situação, aliada às dificuldades das Cesbs para atender às necessidades de
aporte de contrapartidas (recursos próprios) nos financiamentos externos, obtidos
do banco Interamericano de Desenvolvimento (bID) e do banco mundial (bird), tor-
nava o volume de investimentos do setor bastante baixo.

1
registram-se aqui nossas homenagens aos colegas teresinha moreira, zilda borsoi e mario miceli, que muito contribuíram para a
disseminação do conhecimento setorial no bndes.
278 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Em artigo publicado na edição do BNDES Setorial comemorativa dos cinquenta


anos dessa instituição, Moreira (2002) destaca que em meados de 1999 a realização
de novas operações de crédito com o setor público começou a ser reautorizada,
observadas as regras de prudência bancária e um limite global de operações, ini-
cialmente estabelecido em R$ 600 milhões. Entretanto, no setor de saneamento
persistiam as dificuldades para obtenção de créditos internos, sobretudo em função
dos seguintes fatores:
• concorrência na disputa pela concessão de crédito com outros setores, em espe-
cial o de energia, cujas regras e perspectivas tinham mais clareza;
• impossibilidade de acesso aos recursos do FGTS – Caixa (só transposta em 2002); e
• o financiamento a concessionárias públicas de saneamento (ainda que es-
tas apresentassem capacidade de endividamento, pagamento e prestação
de garantias) ainda estava condicionado à análise de seu controlador, ou
seja, ao atendimento pelos estados dos parâmetros estabelecidos no Senado
Federal ou ao cumprimento dos Programas de Ajuste Fiscal firmados entre
os estados e a União.
Miceli (2008) destaca que em 2002 o Conselho Monetário Nacional (CMN)

autorizou que financiamentos de projetos (conduzidos por empresas

estatais não dependentes) vinculados a licitações internacionais, com

cláusula de financiamento prevista no edital, fossem dispensados da

observância do limite global de operações e da análise do controlador.

Corroborando essa ideia, o Bacen emitiu comunicado específico escla-

recendo a possibilidade de aplicação dessa norma às concessionárias

prestadoras de serviços de saneamento básico.

Entretanto, poucas empresas atendiam a esses requisitos, de modo que, segun-


do Miceli, o BNDES só havia estruturado até 1998 duas operações que atendiam a
essas condições: com as Cesbs do Paraná (Sanepar) e de São Paulo (Sabesp).
No que tange à prestação dos serviços de saneamento, a situação do Brasil es-
tava muito ruim, conforme pode ser observado na Tabela 2.
Saneamento Urbano 279

Tabela 2 Percentual de domicílios particulares permanentes atendidos por serviços de


saneamento em 2000

Região % da rede geral de abastecimento de água % da rede coletora de esgoto

Norte 44,3 2,4

Nordeste 52,9 14,7

Sudeste 70,5 53,0

Sul 69,1 22,5

Centro-Oeste 66,3 28,1

Brasil 63,9 33,5

Fonte: IBGE (2002).

Em complemento à Tabela 2, Moreira (1998) traçou um interessante quadro da


qualidade da prestação do serviço de saneamento no fim da década de 1990:
• serviços de água: (i) significativas perdas de faturamento, decorrentes tanto de
perdas físicas (água produzida e não contabilizada) quanto comerciais (água
produzida, distribuída, consumida e não medida); (ii) intermitência no forneci-
mento de água tratada; e (iii) baixo índice de produtividade de pessoal, expresso
pelo número de empregados por mil ligações de água, equivalente a 4,57 – che-
gando a superar seis se incluídos os serviços.
• coleta e tratamento de esgotos: (i) 90% dos esgotos produzidos lançados
in natura ou sem tratamento adequado; (ii) frequente utilização de redes de
águas pluviais para coleta de esgotos sem a adoção de separador absoluto; e
(iii) impactos diretos sobre a qualidade de vida e a saúde da população, bem
como sobre a qualidade dos mananciais responsáveis pelo fornecimento de
água, notadamente nos grandes centros urbanos.
• atendimento aos usuários: baixo padrão de qualidade, especialmente quanto à
eficiência no equacionamento de reclamações e aos elevados prazos médios de
atendimento a pedidos de reparos e consertos, novas ligações prediais, instala-
ção, substituição e aferição de hidrômetros, verificação de qualidade da água,
serviços de identificação de vazamentos domiciliares etc.
Com base no quadro vigente até então, a Tabela 3 apresenta as metas para os
serviços de saneamento básico contidas na Política Nacional de Saneamento (PNS)
do governo federal do fim da década de 1990.
280 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 3 Metas do PNS

Segmento 1999-2010 (%) 1999-2002 (%)

Abastecimento de água 96 96

Coleta de esgotos 65 57

Tratamento de esgotos 44 30

Fonte: MPO/Sepurb apud Moreira (1998).

Segundo Moreira (1998), para o cumprimento das metas de 1999-2002, deve-


riam ser investidos R$ 2,3 bilhões/ano e, para o período entre 1999 e 2010, a esti-
mativa de investimentos era de R$ 34 bilhões. Borsoi et al. (1998a) complementam
esses dados, indicando que os investimentos necessários para a universalização do
atendimento em água e esgoto seriam de R$ 42 bilhões em 15 anos, concentrados
principalmente em esgoto.
Como pano de fundo desse cenário, Moreira (1996) destaca ainda que as Cesbs
prestavam serviços por delegação dos municípios e que, com o advento da
Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (Lei das Concessões), todas as concessões em
caráter precário haviam sido prorrogadas por 24 meses, ou seja, até fevereiro de
1997. Como a maioria dessas concessões fora efetivada na década de 1970, com um
prazo máximo de 25 anos (em geral, vinte), elas tendiam a estar vencidas no fim da
década de 1990.
Nesse contexto de contingenciamento do crédito que dificultava a obtenção de
financiamento para investimentos no setor de saneamento, baixo índice de coleta
e tratamento de esgotos, metas agressivas de aumento desses índices e vencimento
dos contratos de concessão das Cesbs, a principal alternativa apontada pelos técni-
cos do BNDES no fim da década de 1990 para a melhoria da prestação dos serviços
era o aumento da participação privada no setor.
Borsoi et al. (1998b) e Moreira (1998) detalham de que maneira essa participa-
ção poderia se fazer presente:
• Terceirização: prestação de serviços específicos, de abrangência limitada.
• Controle de administração: o operador privado passa a ter o controle empre-
sarial do empreendimento. A relação direta com o consumidor pode ser do
operador privado, mas a relação jurídica se mantém com o setor público, assim
Saneamento Urbano 281

como o risco comercial, a responsabilidade sobre o investimento e as despesas


de manutenção e operação;
• Arrendamento: o operador privado aluga as instalações por determinado pra-
zo e fica responsável pela administração do sistema e pelos investimentos em
operação, manutenção e renovação. O setor público fica com a responsabilida-
de pelos projetos de expansão.
• Concessão plena e BOT (build-operate-transfer – construção-operação-transfe-
rência): a empresa privada tem responsabilidade geral sobre operação, manu-
tenção, administração e investimentos de capital para expansão dos serviços de
saneamento básico (água e esgoto) e é paga diretamente pelos consumidores.
• Venda de Cesbs: compra das companhias por empresas privadas – desestatização.
É importante mencionar ainda o destaque atribuído pelo corpo técnico do
BNDES aos desafios institucionais enfrentados pelo setor de saneamento no início da
década de 2000.
Borsoi et al. (1998a) enumeram os entraves existentes na época para o au-
mento da participação privada no saneamento, em especial: (i) desconhecimen-
to do poder municipal das opções disponíveis para o incremento da participação
privada no setor; (ii) insegurança com a falta de clareza relativa ao acompa-
nhamento e à fiscalização das concessões privadas; e (iii) indefinição quanto à
titularidade dos serviços nas regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e
microrregiões, se exercida pelos estados ou pelos municípios, que restringia a
atuação no setor privado em função da incerteza jurídica associada a concessões
nessas áreas.
Moreira (1996) ressalta ainda a importância do planejamento da prestação do
serviço. Segundo ela, o sucesso da participação da iniciativa privada no setor de-
penderia, entre outros aspectos, de editais licitatórios bem produzidos, que con-
tivessem informações básicas de planejamento dos serviços, tais como: objeto da
concessão, metas de atendimento (universalidade ou estabelecimento de níveis
com base em estimativa da taxa de crescimento populacional), indicação dos inves-
timentos previstos, responsabilidade/ônus financeiro de desapropriações e defini-
ção do papel dos usuários e de metas de qualidade para o seu atendimento.
282 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

A autora menciona também aspectos relevantes sobre a fiscalização e a regu-


lação dos serviços que deveriam ser sempre considerados, tais como: (i) definição
do conjunto e da periodicidade de informações a serem prestadas pelas concessio-
nárias ao poder concedente; (ii) aparelhamento e capacitação dos poderes conce-
dentes para a aferição de “serviço adequado”, “equilíbrio econômico-financeiro” e
pedidos de revisão de tarifa; e (iii) estabelecimento de instância administrativa para
dirimir conflitos, como comissão paritária composta de usuários, poder concedente
e concessionário.
Ainda sobre essa questão, Moreira destaca a incapacidade técnica que muitos
municípios tinham para exercer as funções de regulador e fiscalizador. Uma alter-
nativa por ela levantada seria a

criação de um órgão estadual regulatório, ao qual os municípios, por

adesão, pudessem delegar competência para fiscalização e regulação

de seus serviços concedidos. Tal alternativa poderia permitir um moni-

toramento comparativo do desempenho das diversas concessionárias,

contribuindo para ampliar a capacidade de avaliação e discussão dos

Poderes Concedentes municipais frente às solicitações de reajuste e

revisão de tarifas, por exemplo.

Em linha com essas preocupações, a PNS do fim da década de 1990 conside-


rava fundamental a reestruturação institucional do setor, “de modo que se possa
assegurar aos prestadores de serviço a utilização dos recursos disponíveis no se-
tor público e viabilizar a participação de agentes privados” [MPO/Sepurb apud
Moreira (1998)].
Conforme pôde ser observado, os desafios impostos ao setor de saneamento no
início da década de 2000 eram enormes e abrangiam três diferentes aspectos: volu-
me de investimentos, desempenho operacional e ambiente institucional. Os dados
da época indicavam uma necessidade de investimentos muito acima daqueles rea-
lizados até então. Com esse cenário, a solução apontada pelos técnicos do BNDES
na época era o incremento imediato da participação privada no saneamento. O
Quadro 1 sumariza esse panorama do setor no início da década de 2000.
Saneamento Urbano 283

QuadRo 1 desafios do saneamento no início da dÉcada de 2000

pRiNCipais desafios 1) Volume de investimentos:


do seToR - contingenciamento do crédito para o setor público;
- dificuldades das Cesbs para atender às necessidades de aporte de contrapartidas nos financiamentos externos
(bID e bird).

2) Aspectos operacionais:
- serviços de água: significativas perdas de faturamento, intermitência no fornecimento de água e baixo índice de
produtividade de pessoal;
- coleta e tratamento de esgotos: maior parte do esgoto lançado in natura ou sem tratamento adequado e
utilização de redes de águas pluviais para coleta de esgotos e impactos diretos sobre a qualidade de vida e a
saúde da população;
- baixo padrão de qualidade no atendimento aos usuários.

3) Aspectos institucionais:
- desconhecimento por partes dos municípios de informações sobre o setor;
- falta de clareza relativa ao acompanhamento e à fiscalização das concessões;
- aparelhamento e capacitação dos poderes concedentes para a aferição de “serviço adequado”, “equilíbrio
econômico-financeiro” e pedidos de revisão de tarifa;
- planejamento dos serviços;
- estabelecimento de instância administrativa para dirimir conflitos;
- indefinição quanto à titularidade dos serviços nas regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e
microrregiões.
iNvesTimeNTos
NeCessáRios paRa a
uNiveRsalizaÇÃo r$ 42 bilhões em 15 anos
soluÇÃo apoNTada
pelos TéCNiCos do aumento da participação privada no setor, seja por meio da transferência da administração das empresas, do
bNdes arrendamento de ativos, da concessão plena dos serviços ou mesmo da compra das Cesbs.

Fonte: elaboração dos autores.

a questão que surge é como esses desafios foram encarados nos últimos dez
anos. o que conseguimos superar? o que ainda permanece? É o que as próximas
seções procuram responder.

3. O S ÚLTi M OS D E Z A n OS D O S E T OR
DE S AnEAM E n T O
De modo geral, percebe-se que o saneamento no brasil se encontra em momento
claro de inflexão de sua trajetória. Isso porque entraves institucionais históricos fo-
ram finalmente transpostos e há abundância de recursos para investimentos no setor,
ao mesmo tempo em que os índices de prestação dos serviços permanecem muito
aquém do desejado, principalmente a cobertura de coleta e tratamento de esgotos.
a presente seção discorre sobre os acontecimentos dos últimos dez anos que
permitiram ao setor chegar a esse ponto de inflexão. Serão apresentados os avan-
284 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

ços obtidos nos aspectos institucionais e de volume de recursos para investimentos


e ainda os motivos que levaram ao pequeno avanço nos aspectos operacionais.

Aspectos institucionais

No plano institucional, o primeiro grande passo foi a criação, em 2003, do Ministé-


rio das Cidades e, em sua estrutura, da Secretaria Nacional de Saneamento Ambien-
tal (SNSA). A SNSA tem como missão “assegurar à população os direitos humanos
fundamentais de acesso à água potável em qualidade e quantidade suficientes, e
a vida em ambiente salubre nas cidades e no campo, segundo os princípios fun-
damentais da universalidade, equidade e integralidade” (site da SNSA). Sua meta
principal é promover significativo avanço, no menor prazo possível, rumo à univer-
salização dos serviços de saneamento.
Heller (2009) destaca que a SNSA preencheu uma lacuna de “falta de endere-
ço” no governo federal para a área de saneamento e que procurou desbloquear
a restrição de crédito ao setor público, que impactava negativamente no nível de
contratações com recursos do FGTS e de outros agentes financiadores, como o pró-
prio BNDES.
Com relação às formas de atuação, o site da SNSA destaca que a Secretaria

adota dois eixos estratégicos de atuação: um voltado ao planejamento,

formulação e implementação da política setorial, respeitando o pacto fe-

derativo; outro relacionado à identificação de novas fontes de financia-

mento que assegurem a contínua elevação dos investimentos no setor.

No primeiro eixo, um dos primeiros focos de atuação da SNSA foi trabalhar


para que as ideias e reivindicações de anos dos militantes do setor de saneamento
fossem regulamentadas, de forma que a questão do saneamento entrasse definiti-
vamente na agenda política nacional.
Como resultado desse trabalho, em 5 de janeiro de 2007 foi promulgada a Lei
Federal 11.445, ou Lei do Saneamento, conhecida como o marco regulatório do
setor, que trouxe diversos benefícios.
Saneamento Urbano 285

Um dos mais importantes aspectos trazidos pelo marco regulatório do sanea-


mento e que deverá ser a linha mestra para o Brasil atingir a universalização é a
valorização do planejamento.
É bem verdade que a ausência de planejamento no país não atinge apenas o
saneamento, embora o problema persista nesse setor ao longo de muitos anos, nos
quais investimentos foram realizados sem o planejamento adequado e sem critérios
claros de priorização. Os ciclos políticos geram descontinuidades que fazem com
que os investimentos não tenham perspectivas de longo prazo para o atendimento
à população. Esse problema decorre do fato de que um processo de planejamento
detalhado pode durar um ciclo inteiro de governo, fazendo com que um governan-
te passe um mandato inteiro sem inaugurar grandes obras de saneamento.
O art.19 da Lei 11.445/07 prevê a elaboração pelos titulares do serviço, ou seja, os
municípios, de um Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), que deve conter
um diagnóstico da situação atual e objetivos e metas de curto, médio e longo prazos
para a universalização, além de programas, projetos e ações necessários para o atin-
gimento das metas de modo compatível com os planos plurianuais desenvolvidos.
Os PMSBs deverão ser de extrema importância no planejamento em nível lo-
cal, norteando as futuras decisões sobre como diminuir e terminar com o déficit dos
serviços de saneamento na região. Para estimular a execução desse instrumento, o
Decreto 7.217/2010 institui que, a partir do exercício financeiro de 2014, a existência
de planos de saneamento básico será condição para o acesso a recursos orçamentá-
rios da União ou a recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão ou
entidade do governo federal, quando destinados a serviços de saneamento básico.
Outro ponto de destaque do marco regulatório é a definição da existência de
uma agência reguladora como condição de validade dos contratos de prestação de
serviços. A lei estabelece que as agências tenham os seguintes objetivos:
• estabelecer padrões e normas para adequada prestação dos serviços e para a
satisfação dos usuários;
• garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas;
• prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, ressalvada a competência dos
órgãos integrantes do sistema nacional de defesa da concorrência; e
286 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

• definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e financeiro dos


contratos quanto a modicidade tarifária, mediante mecanismos que induzam
a eficiência e a eficácia dos serviços e que permitam a apropriação social dos
ganhos de produtividade.
Adicionalmente, o marco regulatório define que a agência reguladora deve ser
regida nos princípios de independência decisória (incluindo autonomia administra-
tiva, orçamentária e financeira), transparência, tecnicidade, celeridade e objetivi-
dade das decisões.
As agências reguladoras, na sua essência, consistem em autarquias com poderes
especiais, integrantes da administração pública indireta, que se dispõem a fiscalizar
e regular as atividades de serviços públicos executados pelas Cesbs ou por empresas
privadas, mediante prévia concessão, permissão ou autorização.
Entre os maiores desafios para a implantação das agências reguladoras, está o
de manter sua independência e autonomia perante os governos e sócios majori-
tários de grande parte das empresas que serão reguladas (Cesbs), bem como criar
uma estrutura organizacional compatível com a sua responsabilidade.
De forma geral, Albuquerque (2011) resume que os principais benefícios tra-
zidos pelo marco regulatório são a maior clareza jurídica oferecida (em especial,
sobre a forma que os contratos de programa deverão obedecer, no caso de conces-
sões), a obrigatoriedade do desenvolvimento dos PMSBs, inserindo o planejamento
como peça central dos serviços, o fato de um arcabouço administrativo local estar
minimamente assegurado e ainda a possibilidade de real equilíbrio econômico, por
meio da cobrança de tarifas e do estabelecimento de metas de investimento.
Nesse sentido, percebe-se claramente que a Lei do Saneamento venceu muitos
dos desafios relacionados aos aspectos institucionais impostos ao setor no início da
década de 2000, em especial as questões relacionadas com a importância do plane-
jamento e da regulação do serviço.
Entretanto, seguem pendentes os desafios associados à capacitação dos mu-
nicípios. Isso porque o processo de criação de agências reguladoras, assim como o
processo de planejamento por meio de PMSBs, vem se mostrando lento e de difícil
implementação no país por uma série de fatores, entre eles a falta de estrutura
Saneamento Urbano 287

técnica da maioria dos municípios brasileiros, o que demonstra muitas vezes a inca-
pacidade de exercer a função de poder concedente.
Esse quadro mostra a importância de um plano nacional e de planos regionais
para o setor, para que os entes federativos de maior estrutura possam planejar o
saneamento de maneira mais ordenada.
Nesse contexto, a Lei 11.445/07 instituiu a criação do Plano Nacional de Sanea-
mento Básico (Plansab), que tem como macrobjetivo a universalização dos serviços
de saneamento básico no Brasil, observando a compatibilidade com os demais pla-
nos e políticas da União. O Plansab passará a ser o referencial para uma política de
Estado, a ser assumida por todos os governos ao longo dos próximos vinte anos.
A proposta do Plansab foi finalizada em 2011 e, após aprovação pelo Conselho
das Cidades, foi encaminhada à Casa Civil para autorização da realização de con-
sulta pela internet. De forma resumida, o documento prevê a criação de três pro-
gramas de investimentos, divididos em: saneamento básico integrado (visa cobrir
100% dos déficits urbanos); saneamento rural; e saneamento estruturante (que
visa integrar a participação e o controle social sobre os serviços públicos, além de
apoiar a gestão pública).
Finalmente, cabe destacar como outro avanço institucional relevante a Lei sobre
Consórcios Públicos (Lei 11.107), de 6 de abril de 2005, que, embora não esteja dire-
tamente relacionada ao saneamento, teve grande influência no setor. Isso porque,
conforme destacado por Heller (2009), ao estabelecer as bases para a formação de
consórcios entre municípios, entre municípios e estados ou até mesmo envolvendo
a União, para a prestação de serviços, a lei pode: (i) potencializar a prestação in-
tegrada de serviços quando sistemas ultrapassam as fronteiras do território de um
único município; (ii) integrar sistemas municipais visando promover economia de
escala; (iii) regular a relação entre serviços municipais e companhias estaduais; e
(iv) favorecer a prestação dos serviços pelas companhias estaduais.
As duas primeiras consequências correspondem a uma forma de endereçar a
questão sobre a indefinição que ainda persiste quanto à titularidade dos serviços
nas regiões metropolitanas, na medida em que possibilita uma maneira de presta-
ção de serviços nessas localidades.
288 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Já as duas últimas são de impacto relevante para as Cesbs, uma vez que, por
meio do mecanismo do consórcio público, ou do convênio de cooperação, fica pos-
sível a prestação dos serviços de saneamento via contratos de programa, sem neces-
sidade de licitações para a concessão do serviço (o que diminui, em tese, a possibi-
lidade da concessão privada).

Recursos financeiros

Conforme já destacado, além do foco no planejamento, na formulação e na imple-


mentação da política de saneamento, a SNSA tem também como eixo de atuação
a identificação de fontes de financiamento que assegurem a elevação dos investi-
mentos no setor.
Nesse contexto, o lançamento em 2007 do Programa de Aceleração do Cres-
cimento (PAC), do governo federal, representou um marco para o setor, na me-
dida em que foram assegurados R$ 40 bilhões para serem investidos entre 2007
e 2010 no setor de saneamento, dos quais originalmente R$ 12 bilhões de finan-
ciamentos descontingenciados, R$ 8 bilhões do Orçamento Geral da União (OGU),
R$ 4 bilhões da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) – recursos também prove-
nientes do OGU –, além de prever R$ 8 bilhões para apoio a projetos patrocinados
pelo setor privado. Os restantes R$ 8 bilhões decorrem das contrapartidas das
entidades financiadas.
Coube à SNSA coordenar a seleção dos projetos apresentados pelos municípios
e Cesbs para receberem os recursos do PAC, enquanto a Caixa e o BNDES foram
utilizados como agentes financeiros dos projetos inseridos no programa.
Com o objetivo de assegurar a continuidade dos investimentos no setor, o go-
verno federal lançou em março de 2010 o PAC 2, com previsão inicial de investimen-
tos de R$ 45 bilhões em água e esgoto.
Segundo Bueno (2012), desde o lançamento do PAC em 2007 foram selecionados
2.629 empreendimentos, que totalizam R$ 52,24 bilhões em investimento no setor
de saneamento. Esse montante foi dividido da seguinte forma: R$ 11,3 bilhões para
água, R$ 20,4 bilhões para esgoto, R$ 9,9 bilhões para drenagem, R$ 7,9 bilhões
Saneamento Urbano 289

para saneamento integrado, R$ 460 milhões para resíduos sólidos, R$ 1,5 bilhão
para desenvolvimento institucional e R$ 610 milhões para estudos e projetos. Se-
gundo o Ministério das Cidades, já foram contratados 2.413 empreendimentos, to-
talizando R$ 48,8 bilhões.
Conforme pode ser observado, os entraves relacionados ao contingenciamento
de recursos para o setor parecem estar superados. Definitivamente, a falta de re-
cursos financeiros não pode mais ser utilizada como justificativa para o não alcance
da universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta/tratamento de
esgoto no país. Mantida essa política de governo, o desafio passa a ser aplicar es-
ses recursos da forma mais eficiente possível, de modo que os índices de prestação
dos serviços subam cada vez mais rápido, o que não ocorreu nos últimos dez anos,
conforme mostrado a seguir.

Aspectos operacionais

De fato, pouco se avançou nos últimos anos no que tange à extensão e à qualidade
da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Como ilustração, a Tabela 4, elaborada com dados publicados pelo Sistema Na-
cional de Informações sobre Saneamento (SNIS), faz uma comparação entre alguns
dos principais índices do setor de 2001 a 2009, segregados pelo modelo de admi-
nistração implantado. Conforme pode ser observado, na maioria dos casos as me-
lhorias observadas foram marginais, sendo que há ainda casos de piora nos índices.
Percebe-se que o cenário não é muito diferente daquele extensamente narrado
pelos técnicos do BNDES no fim da década de 1990. E quanto a isso, não há mais
nada que se possa fazer. O importante agora é identificar os motivos que levaram
ao pequeno avanço, de modo que sirvam como lições aprendidas para que os erros
não sejam repetidos daqui para frente.
Heller (2009) dá uma pista de um desses motivos. Ele destaca que investimentos
em saneamento, para serem eficientes e efetivos, requerem período de maturação de
duração não desprezível (de dois a quatro anos, dependendo do porte do projeto),
para a adequada concepção das soluções de engenharia, o criterioso projeto e a
290 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

cuidadosa contratação e execução das obras, incluindo a especificação e a aquisição


de materiais e equipamentos. Nesse contexto, a simples disponibilidade de recursos
não é suficiente para assegurar que os investimentos sejam feitos de forma eficiente.

Tabela 4 Comparativo dos principais índices do setor de saneamento entre 2001 e 2009

Modelo de administração Índice de atendimento total de água Índice de coleta de esgoto Índice de tratamento de esgoto
2001 2009 2001 2009 2001 2009
Empresa privada –
ADMINISTRAÇÃO privada 86,7 93,2 60,9 68,9 67,7 79,6
Prestador de direito privado
com administração pública 95,5 98,2 72,2 62,1 29,3 51,5

Cesb 75,4 77,8 46,3 47,7 64,3 81,2

Serviços municipais 93,0 86,9 73,1 72,8 21,8 44,4

Microrregional 80,3 96,2 2,1 78,2 100,0 100,0

Modelo de administração Índice de perdas de faturamento Índice de perdas na distribuição


2001 2009 2001 2009

Empresa privada – administração privada 35,6 40,9 42,7 47,3


Prestador de direito privado com
administração pública 36,9 34,6 38,7 37,4

Cesb 40,4 37,1 45,2 42,6

Serviços municipais 43,0 36,9 42,0 37,8

Microrregional 34,7 30,3 40,4 41,2

Fonte: Brasil (2002 e 2011b).

De fato, a ausência de bons projetos foi um dos principais motivos para a pe-
quena evolução observada no saneamento nos últimos dez anos. Heller (2009) ex-
plica que a elevada oscilação no ritmo de investimentos leva, inevitavelmente, as
empresas a desmobilizarem nos períodos recessivos seu corpo técnico mais especia-
lizado, que acaba migrando para outros setores. A remobilização desse contingen-
te demanda tempo e, com isso, o setor fica pouco preparado tecnicamente para dar
respostas no período de recuperação de investimentos, gerando inevitáveis prejuí-
zos para a qualidade das soluções adotadas.
E foi exatamente isso que ocorreu no setor de saneamento. Conforme já men-
cionado, o volume de recursos disponíveis para serem investidos no setor sofreu um
salto significativo com o PAC a partir de 2007, mas a ausência de projetos e de um
corpo técnico qualificado limitou em muito o impacto dos investimentos realiza-
Saneamento Urbano 291

dos, de modo que o volume de desembolsos efetivamente realizado foi bem menor
que o volume contratado.
Além desse aspecto limitador, cumpre assinalar que muitos municípios não têm
condições financeiras de arcar com as garantias exigidas nas operações ou, até mes-
mo, com eventuais aumentos no custo dos investimentos apoiados. Na verdade,
muitos não dispõem de capacitação sequer para contratar boas peças de planeja-
mento urbano (planos diretores, planos municipais de saneamento básico), proje-
tos de engenharia, ou até mesmo instruir seus pleitos de financiamento nas institui-
ções financeiras e na Secretaria do Tesouro Nacional, no âmbito do MIP.
Além dessa questão, Albuquerque (2011) menciona outro fator que impediu
maiores avanços no setor: a negligência sistemática dos municípios para formular
seus planos de saneamento básico. Desse aspecto (indispensável à prestação de
serviços de saneamento em qualquer modalidade prevista pela lei), conjugado à
dispensa legal de regulação (nos termos estabelecidos para ambientes concedidos)
para a autoprestação municipal de serviços, resulta um ambiente prejudicado em
qualidade do início ao fim da cadeia de valor dos serviços.
Esse quadro precisa ser alterado. É fundamental que os governos municipais
entendam suas obrigações relativas à Lei de Saneamento para buscar as alternati-
vas viáveis para a elaboração e a execução dos seus planos municipais e, por con-
seguinte, assegurar uma boa prestação dos serviços à população. Espera-se que a
já mencionada obrigação, a partir do exercício financeiro de 2014, de existência de
planos de saneamento básico como condição para o acesso a recursos orçamentá-
rios da União ou recursos de financiamentos geridos ou administrados por órgão
ou entidade do governo federal, impulsione a elaboração dos planos municipais de
saneamento pelos municípios.
Outro aspecto que limitou muito o impacto dos investimentos realizados foi a
baixa capacidade de gestão e governança corporativa de muitas Cesbs, que, confor-
me já mencionado, são responsáveis pela prestação dos serviços de saneamento na
maioria dos municípios brasileiros.
Os problemas de gestão e governança fazem com que muitas companhias não
tenham capacidade de geração de caixa suficiente para fazer frente aos investi-
292 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

mentos necessários, nos prazos requeridos, para ampliação dos sistemas. Além dis-
so, os níveis de endividamento de muitas Cesbs dificultam a obtenção de recursos
externos, uma vez que, em tese, o risco de crédito dessas companhias é maior, di-
ficultando, assim, o acesso ao crédito. Como resultado, o volume de investimentos
efetivamente realizado acaba sendo reduzido.
Adicionalmente, a diminuição da capacidade financeira impede as empresas de
realizar até a manutenção necessária, o que leva à deterioração da qualidade do
serviço prestado e a ineficiências operacionais.
Para alterar esse quadro, as Cesbs deveriam concentrar grande parte dos
seus investimentos no desenvolvimento institucional, a fim de melhorar sua
performance operacional e, consequentemente, sua situação econômico-finan-
ceira, para que no futuro possam voltar a acessar o mercado de crédito e, jun-
tamente com sua própria geração de caixa, realizar investimentos na expansão
de seus serviços.
Exemplos de ações que poderiam ter sido implantadas por muitas Cesbs nessa
última década e que trariam importantes benefícios de longo prazo são a publica-
ção de balanços trimestrais auditados, a implantação de sistemas de gestão e con-
trole internos e a capacitação do corpo funcional.
Vale mencionar que esse quadro não pode ser generalizado, de modo que
há Cesbs que apresentam bons níveis de gestão, com destaque para Sabesp e
Copasa, únicas companhias do setor listadas no segmento de Novo Mercado da
BM&FBovespa.
Em suma, indubitavelmente, o setor avançou muito institucionalmente e na
questão de disponibilização de recursos para investimentos. Por outro lado, a ine-
ficiência operacional permanece e impede avanços mais significativos na prestação
dos serviços. Entre os vários motivos para a existência desse quadro, destacam-se
os seguintes: (i) renúncia ou incapacidade técnica que leva os municípios a não
cumprirem suas obrigações relativas ao marco regulatório (por exemplo, o pla-
nejamento dos serviços); e (ii) os problemas de gestão das companhias estaduais
que impedem não apenas o aumento dos investimentos, mas também uma boa
performance operacional das companhias.
Saneamento Urbano 293

Diante desse quadro, que conjuga problemas críticos em dois dos três prestado-
res de serviços de saneamento (Cesbs e municípios), não há dúvida de que o tercei-
ro (nesse caso, o setor privado) é parte fundamental para a solução dos problemas
ligados ao setor de saneamento.
Conforme destacado por albuquerque (2011), “após décadas de experiência
exclusivista (ou quase exclusivista) do ponto de vista de investimento público, não
parece mais possível deixar de reconhecer a importância do concerto público-priva-
do no provimento perene de investimentos para o setor”.
os avanços institucionais dos últimos anos possibilitam a expansão desse tipo
de atuação, pois proporcionam maior segurança jurídica para os operadores priva-
dos. Por outro lado, o constante descontigenciamento do crédito para investimen-
to público no setor de saneamento indica que esse avanço não se dará pela simples
desestatização dos prestadores.
na realidade, a perspectiva que se aponta é cada vez mais a parceria entre os
setores público e privado, de modo que o melhor desses dois “mundos” seja apro-
veitado. a próxima seção visa justamente detalhar a situação atual da prestação do
serviço e apresentar o cenário futuro previsto para o setor.

4. SiTUAÇÃO ATUAL E PERSPECTiVAS fUTURAS


atualmente, a prestação de serviços no brasil permanece predominantemente
pública, sendo que as 26 Cesbs constituídas atendem cerca de 70% da popula-
ção nacional.
os municípios não atendidos pelas companhias regionais têm seus serviços de
água e esgoto, em geral, sob a responsabilidade de unidades da administração
pública local (autarquias ou empresas municipais) ou de prestadores de serviço de
direito privado.
o setor privado ainda tem participação marginal no atendimento à popula-
ção, prestando serviços em apenas 229 municípios, o que representa cerca de 10%
da população.
294 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Tabela 5 Segmentação dos serviços de saneamento por amplitude geográfica

Setor Quantidade de prestadores de serviço Municípios

1.064 prestadores 4.891 água


Público (26 Cesbs, 3 microrregionais e 987 locais) 1.739 esgoto

229
Privado 67 prestadores (179 concessões plenas e 38 parciais)

Fontes: Brasil (2011a) e Oliveira (2011).

Albuquerque (2011) destaca que os modelos de negócio aplicáveis ao setor


têm como pilar um arcabouço legal extenso. No entanto, em linhas gerais, pode-se
afirmar que as principais leis que suportam as estruturas existentes são as seguin-
tes: (i) a Lei de Concessão 8.987/1995, que regularizou a relação público-privada;
(ii) a Lei de PPP 11.079/2004, que instituiu o modelo de participação público-
-privada no Brasil; (iii) a Lei dos Consórcios Públicos 11.107/2005, que regularizou
a relação entre os entes federativos; e (iv) a Lei do Saneamento 11.445/2007, que
estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento.
A Figura 1 esquematiza os principais modelos de negócio atualmente existen-
tes, indicando em que situação está inserido cada um dos operadores (autarquia ou
empresa municipal, Cesbs ou iniciativa privada). A seguir, há uma breve explicação
sobre cada um dos modelos.

Figura 1 Modelos de negócio vigentes no setor de saneamento

AUTARQUIA OU
OPERADOR
PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

DIRETA EMPRESA PÚBLICA


PRIVADO
MUNICIPAL
Contrato de PPP

CESB
INDIRETA
OPERADOR PRIVADO
Contrato de Concessão

OPERADOR
GESTÃO ASSOCIADA CESB
PRIVADO
Contrato de Programa Contrato de PPP

Fonte: Albuquerque (2011).


Saneamento Urbano 295

Modalidade direta

O município, como titular do serviço, tem a opção de prestar, ele mesmo, os serviços
de saneamento básico, o que pode ser feito por intermédio de uma autarquia ou
de uma empresa pública municipal. Como será detalhado mais adiante, o municí-
pio pode fazer uso de um operador privado para alavancar os investimentos, geral-
mente mediante um contrato de parceira público-privada (PPP).

Modalidade indireta

Na modalidade indireta, o titular concede, por meio de um contrato de concessão, a


prestação do serviço para uma Cesb ou para a iniciativa privada. Essa concessão pode
ser plena (água e esgoto) ou de apenas um dos serviços.

Gestão associada

Na modalidade de gestão associada, a prestação do serviço é sempre de responsa-


bilidade da Cesb, que celebra um contrato de programa com o município para a
prestação do serviço. Cabe mencionar a necessidade de formalização de uma rela-
ção entre o município e o estado, que pode se dar por meio da assinatura de um
convênio de cooperação (que usualmente também inclui a agência reguladora) ou
de um consórcio público.
Vale mencionar que as formas de participação privada no setor de saneamento
descritas por Borsoi et al. (1998b) e Moreira (1998) continuam podendo ocorrer. En-
tretanto, percebe-se atualmente a predominância, em quantidades e valores, dos
contratos de concessão e de PPPs sobre os demais tipos de arranjo.
No caso de PPPs, o empreendimento é projetado, construído e operado pelo
setor privado, que disponibiliza os seus serviços ao parceiro público, mediante con-
cessão da operação por longo prazo, fazendo jus a uma remuneração periódica,
prefixada e condicionada a seu desempenho.
Descritos os possíveis arranjos do setor, a questão que se coloca é quais seriam
os melhores modelos para fazer frente à demanda pelo aumento dos investimentos.
296 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Primeiramente, é necessário destacar que essa demanda é muito maior que os


R$ 42 bilhões estimados no fim dos anos 1990. Na realidade, o Ministério das Ci-
dades, na publicação Panorama do saneamento básico no Brasil, versão preliminar
2011, estima que o investimento necessário para a universalização de abastecimen-
to de água e tratamento do esgotamento sanitário é de R$ 262,7 bilhões.

Tabela 6 Investimento necessário para a universalização dos serviços de saneamento


(em R$ bilhões)

Situação/medida 2011-2016 2011-2020 2011-2030


Estrutural Estruturante Total Estrutural Estruturante Total Estrutural Estruturante Total
Água e
áreas Esgoto 64,47 12,33 76,80 122,40 24,66 147,06 213,88 48,82 262,70
urbanas
Água 21,36 7,86 29,22 44,51 15,71 60,22 73,75 31,40 105,15
e rurais
Esgoto 43,10 4,48 47,58 77,88 8,95 86,83 140,13 17,41 157,54

Fonte: Brasil (2011a).

O estudo foi elaborado levando-se em consideração dois tipos de inves-


timentos: aqueles relacionados com ações denominadas estruturais, repre-
sentadas por obras e intervenções físicas em infraestrutura de saneamento
básico, e os estruturantes, relativos a ações promotoras de suporte político e ge-
rencial visando à sustentabilidade da prestação dos serviços, ao aperfeiçoamento
da gestão e à capacitação técnica do setor. As medidas estruturantes devem
ser perenes para garantir que benefícios duradouros sejam agregados às me-
didas estruturais, assegurando a eficiência e a sustentação dos investimentos
realizados.
O estudo indica que o Brasil precisa aumentar o nível de investimentos no setor
para algo em torno de R$ 13 bilhões/ano para alcançar a universalização em 2030.
Esse montante, porém, nunca foi atingido, conforme exposto na Tabela 7.
Embora mostre o expressivo aumento do volume de investimentos a partir de
2006 como consequência do lançamento do PAC, a Tabela 7, extraída da publicação
do Ministério das Cidades Gasto público em saneamento básico – Relatório de apli-
cações de 2009, revela o tamanho do desafio atual, dado que o país investe cerca
de metade do que seria necessário.
Saneamento Urbano 297

Tabela 7 Investimentos públicos no setor de saneamento (em R$ mil)

Financiamentos OGU Total

2003 119.025 619.662 738.687

2004 329.572 704.576 1.034.148

2005 575.091 799.187 1.374.278

2006 1.734.864 1.430.600 3.165.464

2007 1.718.164 1.810.617 3.528.781

2008 2.209.029 3.446.691 5.655.720

2009 3.257.138 3.547.356 6.804.494

Fonte: Brasil (2010).

Conforme já mencionado, esse incremento dos investimentos só ocorrerá com


maior participação do setor privado, não como provedor de uma solução única e
definitiva, mas sim como parceiro do setor público, de modo a superar mais rapida-
mente as barreiras existentes no setor de ausência de bons projetos e baixa capaci-
tação técnica de muitos operadores.
A grande questão é que a participação do setor privado nos investimentos
em infraestrutura deve aumentar ainda mais para que o país resolva muitos dos
gargalos existentes.
Como ilustração, segundo a revista Exame publicada em abril de 2012, um estu-
do do banco Morgan Stanley indica que o Brasil precisaria investir 4% do PIB duran-
te vinte anos para alcançar o padrão do Chile em infraestrutura na América do Sul.
Em valores, isso equivale a quase R$ 200 bilhões anuais, embora no ano passado,
mesmo com uma alta nos investimentos, tenham sido aplicados R$ 160 bilhões.
A diferença poderia vir de soluções envolvendo o setor privado, mas, assim como
a infraestrutura em geral do Brasil, o setor de saneamento vem demonstrando difi-
culdades para dividir a responsabilidade de investimento com o setor privado.
O Gráfico 1 mostra o tamanho do desafio para o setor privado se tornar parte
significativa dos investimentos do setor: o volume investido em 2010 foi de ape-
nas R$ 500 milhões, cerca de 3,8% dos R$ 13 bilhões/ano previstos pelo Ministério
das Cidades.
Na realidade, segundo Besse (2009), a Associação Brasileira das Concessionárias
Privadas dos Serviços Públicos de Saneamento (Abcon) trabalha com a meta de
298 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

investir R$ 2,7 bilhões em 2017, dez anos após a implementação do marco regula-
tório, o que representaria cerca de 20% do volume de investimentos necessários,
segundo o Ministério das Cidades.

Gráfico 1 Volume de investimentos do setor privado

600,00

500,00

400,00
R$ MILHÕES

300,00

200,00

100,00

0,00
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Fonte: Oliveira (2011).

Analisando o cenário institucional atual, percebe-se que a porta de entrada do


setor privado no setor de saneamento se dará por meio de parcerias com o poder
público, pois o poder político dos prestadores públicos dos serviços de saneamento
é muito forte, fazendo com que as concessões plenas dos serviços ao setor privado
se tornem algo cada vez mais raro, principalmente em grandes municípios. Além
disso, o cenário aponta também perspectivas distintas para os investimentos em
água e esgotamento sanitário.

Água

No serviço de abastecimento de água pode-se notar que o volume de investimentos


estruturantes previstos pelo Ministério das Cidades é de aproximadamente 30% do
total a ser investido para alcançar a universalização. Esse dado mostra a relevância
Saneamento Urbano 299

dos investimentos em melhorias operacionais e de gestão, em especial no que tan-


ge ao problema do controle das perdas de faturamento.
Esses investimentos serão predominantemente públicos. Isso porque está cada
vez mais claro que as Cesbs não abrirão mão das receitas oriundas dos serviços de
água, seja por sua grande representatividade na arrecadação ou pelo desinteresse
de conceder ao setor privado um bem público.
Ademais, apesar de o Brasil ter índices elevados de cobertura de abastecimento de
água, principalmente na zona urbana, o indicador de acesso a água tratada não de-
monstra o alto grau de intermitência apresentado em diversas regiões metropolitanas.
Diante do cenário apresentado, as Cesbs precisarão concentrar seus investimen-
tos na melhora da eficiência dos sistemas, basicamente no combate às perdas de
faturamento. Com isso, além de uma melhora substancial da qualidade da presta-
ção do serviço para a população, a companhia aumentaria sua geração de caixa em
função de um aumento na arrecadação, o que poderia alavancar futuros investi-
mentos. Destaca-se que algumas Cesbs já têm adotado esta estratégia.
Em resumo, percebe-se que os principais problemas relativos ao abasteci-
mento de água são o baixo nível de investimentos das Cesbs em projetos de
desenvolvimento institucional e a ausência de projetos de qualidade dos pres-
tadores de serviço para amenizar a intermitência do abastecimento de água em
diversas regiões.
Caso esta postura não seja adotada, o Brasil não evoluirá muito nos próximos
anos, podendo atingir o estresse hídrico em algumas regiões. A solução passa, ne-
cessariamente, por um maior esforço das companhias estaduais na melhoria opera-
cional e também pelo aumento da participação privada. Do contrário, dificilmente
o país investirá nos serviços de água os R$ 105 bilhões estimados como necessários
para a universalização.
É fato que o setor privado registra bons resultados no controle de perdas em
algumas concessões, pois esse investimento é priorizado por causa de seu imediato
retorno, tanto no aumento do faturamento quanto na redução de custos de produ-
ção. Entretanto, o universo de prestação do serviço de abastecimento de água pelo
setor privado ainda é muito pequeno.
300 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O investimento privado no setor de água se dá por meio de concessões plenas


e parciais, além do modelo de BOT para ampliação e modernização de sistemas de
abastecimentos de água de propriedade de Cesbs.
Destacam-se como projetos relevantes do setor privado no abastecimento de
água a ampliação do Sistema Produtor Alto Tietê contratado pela Sabesp e a am-
pliação do Sistema Produtor do Rio Manso, em fase final de estruturação pela Copasa.
Esses modelos de BOT foram estruturados pelas duas melhores Cesbs do Brasil e
visam ao combate de possíveis intermitências em um de seus principais sistemas.
Cumpre dizer que essa modalidade de investimento, com foco no combate à
intermitência, somente é possível em empresas que já percorreram a etapa de com-
bate às perdas de faturamento e têm geração de caixa suficiente para arcar com
esse montante de investimentos.
No restante do Brasil, mesmo não prestando muitas vezes um serviço satisfa-
tório à população, as Cesbs continuarão a ser responsáveis pelo serviço de abaste-
cimento de água nas regiões metropolitanas, por causa de sua força interna com
os governos estaduais e do alto custo político da descontinuidade de uma estatal.

Esgotamento sanitário

O déficit brasileiro de moradias com coleta de esgoto é muito elevado, o que, jun-
tamente com o baixo nível de tratamento, vem causando sérios problemas acerca
da qualidade da água de muitas regiões brasileiras.
Os investimentos em esgotamento sanitário visando à universalização giram em
torno de R$ 157 bilhões, dos quais R$ 140 bilhões relativos à infraestrutura física.
Já é sabido que as Cesbs, mesmo tendo as concessões de municípios que abran-
gem 70% da população brasileira, não são capazes de arcar com esse montante de
investimentos, por causa de sua gestão ineficiente, que provoca baixa geração de
caixa para investimentos e trava a sua capacidade de endividamento.
Por causa dos altos valores necessários de investimento, os recursos do setor
privado serão indispensáveis para a elevação do índice de coleta e tratamento de
esgoto no Brasil. Como ponto positivo, atualmente há uma série de modelos de
negócios possíveis para a participação privada.
Saneamento Urbano 301

Já existem, até, concessões do serviço de esgotamento sanitário em municípios


de médio porte, seja mediante contratos de concessão – Blumenau (SC) e Uruguaia-
na (RS) – ou mesmo por meio de PPP – Rio Claro e Guaratinguetá (SP).
Mas o principal movimento em curso no setor é a adoção de parcerias entre
o público e o privado para a prestação do serviço de esgotamento sanitário nas
regiões metropolitanas.
Essa modalidade é hoje a principal saída para o déficit existente no país, so-
bretudo nas regiões metropolitanas densamente povoadas. Isso porque as Cesbs
continuam com a concessão do serviço de abastecimento de água e ainda podem
se utilizar da eficiência do setor privado para os serviços de combate às perdas de
faturamento, pois estes vão se remunerar sobre o volume faturado de água. O ser-
viço de esgoto passa a ser responsabilidade do setor privado.
O primeiro projeto dessa modalidade ocorreu na Área de Planejamento 5 – AP5
do município do Rio de Janeiro, com a concessão do serviço de esgotamento sani-
tário durante trinta anos para a iniciativa privada, com investimento estimado em
R$ 1,8 bilhão e atendendo uma população de 1,5 milhão de habitantes.
Outras concessões estão sendo estruturadas atualmente, na modalidade de
parceria publico-privada, entre as quais se destacam:
• PPP Compesa: concessão do serviço de esgotamento sanitário em toda a Re-
gião Metropolitana do Recife (RMR) e no município de Goiana, com in-
vestimento estimado em R$ 4,3 bilhões e atendendo uma população de
3,7 milhões de pessoas.
• PPP da Saneago: concessão do serviço de esgotamento sanitário nos
municípios de Anápolis, Aparecida de Goiânia, Rio Verde e Trindade.
O investimento é de R$ 1,0 bilhão e deve atender 1,0 milhão de habitantes.
• PPP da Cesan: o objetivo inicial era levar esgotamento sanitário para toda a
Região Metropolitana de Vitória (RMR), mas, após algumas mudanças na con-
cepção do projeto, deve se resumir a um BOT para o esgotamento sanitário do
município de Serra.
• PPP da Corsan: concessão do serviço de esgotamento sanitário em vários muni-
cípios do Rio Grande do Sul.
302 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Em suma, as perspectivas para o saneamento estão claras e apontam para


a manutenção do predomínio da prestação pública nos serviços de água, com
a possibilidade de uso do setor privado para obtenção de ganhos operacionais,
e para parcerias entre os setores público e privado no esgotamento sanitário,
principalmente nas regiões densamente povoadas.
De qualquer maneira, visto que a prestação de serviços deve continuar na
mão das Cesbs, urge encontrar uma solução de gestão e reestruturação dessas
companhias. Afinal, a maioria delas necessita de uma guinada de gestão, racio-
nalização de custos e ineficiências, blindagem em relação aos governos estaduais
para que consigam sustentabilidade na sua gestão, muitas vezes descontinuada
em diferentes mandatos.
Nesse sentido, uma agenda possível seria a reprodução da experiência
das empresas estaduais que buscaram solução de governança em ambiente
regulado de mercado de capitais (Copasa, Sabesp e Sanepar) e que, atual-
mente, e não por coincidência, mesmo continuando com controle públi-
co, têm capacidade diferenciada de autogeração de caixa e de captação de
recursos para investimento, independentemente da capacidade dos seus
estados-acionistas.
Na maioria dos casos envolvendo Cesbs, essa agenda somente será possível
com o ingresso prévio de investidores-operadores no capital dessas empresas,
mediante processo competitivo e regulado (e baseado na oferta em bloco de
ações em aumento de capital), ainda que minoritariamente, sendo necessário o
mandato conferido ao(s) investidor(es) entrante(s) por meio de acordo de acio-
nistas autorizados, lei estadual e regulação pertinente.
O presente trabalho procurou apresentar os avanços obtidos nos últimos
dez anos no saneamento do Brasil e traçar uma perspectiva futura para o setor.
Conforme extensamente narrado, muito se avançou em termos institucionais e
com relação ao volume de recursos disponível para investimentos, mas os índi-
ces de prestação de serviço pouco se alteraram. Os desafios são grandes, mas
não resta dúvida de que estamos em uma situação muito melhor para enfrentá-
-los do que estávamos há dez anos.
Saneamento Urbano 303

Naquela época, a única saída vislumbrada pelos técnicos do BNDES era a


entrada indiscriminada do setor privado no saneamento. Entretanto, os avanços
dos últimos anos modificaram um pouco esse cenário. Conforme mostrado, os
serviços de água permanecerão com as Cesbs, que devem investir cada vez mais
na melhoria operacional e em maior governança corporativa. O setor privado
pode contribuir com parcerias para redução de perdas e eficiência de sistemas.
Já no caso de esgotamento sanitário, a atuação do setor privado será mais re-
levante, sendo a implantação de PPPs de esgoto nas regiões metropolitanas a
melhor solução para redução dos déficits atuais.
Com o intuito de possibilitar essa comparação, o Quadro 2 mostra o cenário
apresentado pelo setor de saneamento no Brasil há dez anos e na fase atual.

Quadro 2 Desafios do saneamento

2000 2012
1) Volume de investimentos: 1) Volume de investimentos:
- contingenciamento do crédito para o setor público; - com o advento do PAC, o setor voltou a ter acesso a
- dificuldades das Cesbs para atender às necessidades de aporte recursos perenes para o investimento. O desafio agora
de contrapartidas nos financiamentos externos (BID e Bird). é a execução de projetos bem-elaborados para que o
volume investido aumente na proporção desejada;
2) Aspectos operacionais: - as Cesbs continuam com dificuldade de geração de
- serviços de água: significativas perdas de faturamento, caixa para fazer frente às contrapartidas exigidas e
intermitência no fornecimento de água e baixo índice de investimentos em melhoria da gestão.
produtividade de pessoal;
- coleta e tratamento de esgotos: maior parte do esgoto lançado 2) Aspectos operacionais:
in natura ou sem tratamento adequado e utilização de redes de - serviços de água: significativas perdas de
águas pluviais para coleta de esgotos e impactos diretos sobre faturamento, intermitência no fornecimento de
a qualidade de vida e a saúde da população; água e baixo índice de produtividade de pessoal;
Principais
- baixo padrão de qualidade no atendimento aos usuários. - coleta e tratamento de esgotos: os níveis de coleta e
desafios
do setor tratamento permanecem baixos, utilização de redes
3) Aspectos institucionais: de águas pluviais para coleta de esgotos e impactos
- desconhecimento por partes dos municípios de informações diretos sobre a qualidade de vida e a saúde
sobre o setor; da população;
- falta de clareza relativa ao acompanhamento e à fiscalização - baixo padrão de qualidade no atendimento aos
das concessões; usuários.
- aparelhamento e capacitação dos poderes concedentes para
a aferição de “serviço adequado”, “equilíbrio econômico- 3) Aspectos institucionais:
financeiro” e pedidos de revisão de tarifa; - criação do marco regulatório – Lei 11.445/07;
- planejamento dos serviços; - valorização do planejamento por meio de PMSBs;
- estabelecimento de instância administrativa para - regulação dos serviços, obrigatória por lei;
dirimir conflitos; - indefinição quanto à titularidade dos serviços nas
- indefinição quanto à titularidade dos serviços nas regiões regiões metropolitanas, aglomerados urbanos e
metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões. microrregiões.
Investimentos R$ 42 bilhões em 15 anos R$ 272 bilhões em vinte anos
necessários
para a
universalização

Solução Aumento da participação privada no setor, seja por meio Aumento da participação do setor privado em
apontada pelos da transferência da administração das empresas, do parceria com o setor público. Implantação de
técnicos do arrendamento de ativos, da concessão plena dos serviços ou governança e gestão profissional nas Cesbs.
BNDES mesmo da compra das Cesbs.
Fonte: Elaboração dos autores.
304 bnDeS 60 anoS – PerSPeCtIVaS SetorIaIS

5. C ARTEi R A D O B n D E S
em meados dos anos 1990, o banco, em boa hora, decidiu apoiar os investi-
mentos em saneamento básico, setor que até então era financiado basicamen-
te pela Caixa.
no início dos anos 2000, a atuação do bnDeS ainda era tímida no setor de sa-
neamento, em função do grau de contingenciamento do setor público existente
nessa época. basicamente, o bnDeS estruturou operações de debêntures com a
Sanepar e a Copasa e apoiou o projeto de despoluição do rio tietê com a Sabesp.
o financiameno ao setor privado ainda era incipidente em função da sua pequena
participação no setor.
Com o advento do PaC em 2007, o bnDeS foi chamado a participar mais in-
tensamente do setor, da mesma forma como sempre atuou em outros setores da
infraestrutura nacional.
Como resultado, nos últimos cinco anos o bnDeS contratou r$ 9,6 bilhões de
recursos para o setor de saneamento, dos quais r$ 4 bilhões foram direcionados a
projetos selecionados no âmbito do PaC.
além disso, as Cesbs foram beneficiadas com r$ 3 bilhões por meio de debên-
tures, dos quais r$ 1 bilhão destinado a melhorias de gestão e combate às perdas
de faturamento dessas empresas.
o Gráfico 2, que mostra a evolução do volume contratado pelo bnDeS desde
2002, evidencia o salto obtido a partir de 2007 em função do lançamento do PaC e
das operações de debêntures com as Cesbs.
o volume de desembolsos do bnDeS para o setor também segue o aumento
observado após 2007. as Cesbs e os estados foram beneficiados com 75% do total
desembolsado nos últimos cinco anos.
Finalmente, a carteira ativa atual do bnDeS no setor de saneamento é de
r$ 12,4 bilhões de financiamento, que alavancaram cerca de r$ 20 bilhões de
investimentos.
Saneamento Urbano 305

Gráfico 2 Contratações do BNDES no setor de saneamento

2.790
3.000

2.292
2.500

1.883
2.000
R$ MILHÕES

1.435
1.500

1.198
1.000
504
460

352

500
11

0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Fonte: BNDES.

Gráfico 3 Liberações do BNDES no setor de saneamento

2.000

230

1.500
250
400 410
80
60
R$ MILHÕES

40 60
100
1.000 300 150
80

90
500 1030
200 870 870

450
300
150 150 190 140
0 80
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Oferta pública de debêntures + FIP + PE/VC Estados água e esgoto Municípios drenagem Municípios água e esgoto

Privados resíduos Privados água e esgoto Cesbs

Fonte: BNDES.
306 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Gráfico 4 Carteira de saneamento do BNDES (maio de 2012)

OPERAÇÕES DE MERCADO

4% ESTADOS

14%

MUNICÍPIOS
10%
CARTEIRA BNDES:
R$ 12,4 BILHÕES

CESBS 61% 2% PRIVADOS RESÍDUOS

9%

PRIVADOS ÁGUA E ESGOTO

Fonte: BNDES.

Destaca-se que, além do financiamento direto a projetos de investimento no


setor, o aumento do relacionamento do BNDES com os estados da federação e
as Cesbs nos últimos anos fez com que novos projetos fossem estruturados em
conjunto, utilizando a expertise do Banco em operações estruturadas no setor de
infraestrutura.
Portanto, a contribuição do BNDES para o setor de saneamento vai além da
atuação como agente financeiro em projetos de ampliação e modernização de sis-
temas de abastecimento de água e esgotamento sanitário. O Banco tem por meta
o incentivo da melhoria na gestão e na governança corporativa dos prestadores de
serviço, bem como a ajuda na estruturação de projetos visando solucionar os gran-
des déficits do setor de saneamento no país.
Nesse sentido, é comum nos contratos de financiamento às Cesbs a inclusão de
obrigações de fazer que incitem a melhoria nos níveis de governança corporativa e
de transparência de informações, além de covenants de nível de endividamento e
performance operacional.
Com isso, espera-se a evolução da situação econômico-financeira das empresas
para que no futuro, com um funding externo mais acessível e com sua própria gera-
Saneamento Urbano 307

ção de caixa, possam realizar investimentos na expansão de seus serviços e diminuir,


assim, a vinculação a seus acionistas controladores.
Com relação ao setor privado, o bnDeS vem trabalhando com os operado-
res na construção de soluções bancáveis que viabilizem cada vez mais o finan-
ciamento às concessões e PPPs. Cabe destacar que, conforme mencionado por
albuquerque (2011),

a estruturação de operações de financiamento com o setor privado

passa necessariamente pela análise dos riscos associados a cada ope-

ração, destacando-se que existem diversos mecanismos de mitigação

que podem (e devem) ser implantados. Evidentemente, os riscos que

não possam ser mitigados devem estar distribuídos pelos envolvidos

na operação, e a estrutura de garantias exigida pelos credores advém

justamente dessa distribuição.

6. C O nC L US Ã O
em suma, o brasil ainda tem um caminho muito grande a percorrer visando à uni-
versalização dos serviços de saneamento.
mesmo que alguns entraves institucionais históricos tenham sido removidos
com a criação do marco regulatório de 2007 e com a disponibilização de recursos
do PaC, o brasil ainda carece de melhoria na gestão das Cesbs, nas quais a implan-
tação de ações de transparência e governança corporativa são prioritárias. além
disso, a valorização do planejamento e a qualificação técnica do setor também con-
tribuirão para a aceleração do nível de investimentos, considerando que a oferta
de recursos continuará perene pelos próximos anos.
Por fim, cabe destacar a irreversível entrada do setor privado no setor de
saneamento, principalmente na operação de esgotamento sanitário nas regiões
metropolitanas. a participação do setor privado será fundamental para a melhoria
dos indicadores de prestação de serviço nos próximos anos.
308 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

R e f er ênc i as
Albuquerque, G. Estruturas de financiamento aplicáveis ao setor de saneamento
básico. BNDES Setorial, n. 34. Rio de Janeiro: BNDES, 2011.

Besse, Y. A participação do setor privado no saneamento básico brasileiro.


In: Congresso Conasa Brasil 2009, São Paulo, 27 jul. 2009.

Borsoi, Z. M. F. et al. Setor de saneamento – rumos adotados. Informe de Infra-


Estrutura, n. 20, mar. 1998. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/
export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/bf_bancos/e0000662.pdf>. Acesso
em: ago. 2012.

Borsoi, Z. M. F.; Lanari, N. L.; Gomes, S. M. Saneamento: o objetivo é a eficiência.


Informe de Infra-Estrutura, n. 23, jun. 1998. Disponível em: <http://www.bndes.
gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/
infra/g7423.pdf>. Acesso em: ago. 2012.

Brasil. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Panorama


do saneamento básico no Brasil. (versão preliminar). Brasília, 2011a.

______. Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento. Diagnóstico dos


serviços de água e esgotos – 2009. Brasília, mai. 2011b.

______. Gasto público em saneamento básico. Relatório de aplicações de 2009.


Brasília, 2010.

______. Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento. Diagnóstico


dos serviços de água e esgotos – 2001. Seção II, Relatório de Informações e
Indicadores. Brasília, dez. 2002.

Bueno, C. F. Balanço do PAC 1 e 2 e perspectivas de investimentos no setor.


In: VI Seminário de Tecnologia em Saneamento, Brasília, 22 mar. 2012. Disponível em:
<http://assemae.org.br/novo/apresentacoes_2012/Balan%C3%A7o%20PAC%20
I%20e%20II_MCidades.ppt#1>. Acesso em: ago. 2012.
Saneamento Urbano 309

Heller, L. Estudo 20: Saneamento ambiental e recursos hídricos (saneamento


básico). Disponível em: <www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/pis/Estudo%2020.pdf>.
Acesso em: ago. 2012.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Seção 6, tabela 6.3: Domicílios


particulares permanentes, atendidos por alguns serviços, segundo as unidades da
federação – 2008-2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.

Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2000. P. 32 e 41. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

Miceli, M. Apoio ao setor de saneamento. BNDES Setorial, n. 28. Rio de Janeiro:


BNDES, 2008.

Moreira, T. A hora e a vez do saneamento. Revista do BNDES, n. 10. Rio de Janeiro:


BNDES, 1998.

______. Saneamento básico: desafios e oportunidades. Revista do BNDES, n. 6. Rio


de Janeiro: BNDES, 1996.

______. A infra-estrutura urbana. BNDES Setorial, Edição Especial de 50 Anos,


p. 277-295. Rio de Janeiro: BNDES, 2002.

Neri, M. Os emergentes dos emergentes: reflexões globais e ações locais para a


nova classe média brasileira. Rio de Janeiro: Centro de Políticas Sociais – Fundação
Getulio Vargas, 2011.

Oliveira, P. R. Universalização do saneamento: desafios e metas para o setor.


Apresentado no 1º Seminário Fiesp de Saneamento. São Paulo, 7 nov. 2011.

OMS – Organização Mundial da Sáude. Global health risks – mortality and burden of
disease attributable to selected major risks. Genebra, Suíça, 2009.
rafael r. Herdy
Carlos H. r. Malburg
rodolfo Torres dos Santos*

* respectivamente, engenheiro, gerente e chefe do Departamento de mobilidade e Desenvolvimento urbano da área de


infraestrutura social do bnDes.
Mobilidade Urbana 311

R es um o
Ao fazermos uma avaliação da atuação do BNDES no financiamento ao setor de
transporte urbano de passageiros nas últimas três décadas, podemos constatar
que, ainda que em diversos aspectos os avanços tenham sido expressivos e nossa
participação nesses avanços seja reconhecida, as carências continuam gigantescas.
Pode-se atribuir boa parte desse passivo às pressões decorrentes de um crescimento
demográfico acelerado na segunda metade do século XX, o que foi agravado por
um processo de urbanização que não foi devidamente acompanhado do aprimo-
ramento dos instrumentos de gestão urbana e nem da redistribuição dos recursos
financeiros necessários para que os municípios fizessem os investimentos em infra-
estrutura, o que só ocorreu com a Constituição de 1988. Contudo, não podemos
omitir a visão imediatista dos gestores, relegando ao segundo plano de prioridades
os projetos e investimentos de longo prazo, como é mostrado nesse artigo em rela-
ção ao transporte coletivo de passageiros.

Ab s tra c t
By analyzing the performance of the BNDES’ financing in the urban passenger
transport sector over the last three decades, we are able to state that, even though
progress has been expressive in several aspects and the Bank’s participation in such
progress is recognized, gaps remain colossal. A large part of this gap can be attributed
to pressure resulting from the accelerated demographic growth throughout the
second half of the 20th century. This was intensified by urbanization that was not
duly accompanied by improvements in urban management instruments or the
redistribution of financial resources. Such funding was needed by municipalities
to invest in infrastructure, which only came about with the Constitution of 1988.
Nevertheless, we cannot omit the immediatist view of managers, who place long-
term investment projects low on the list of priorities when it comes to collective
passenger transport.
Mobilidade Urbana 313

1. I NtR o DuÇ Ã o
a atuação direta ou indireta do estado em atividades econômicas se justifica em
função da existência das falhas de mercado, tais como a existência de monopó-
lios naturais, mercados incompletos ou de externalidades, segundo Giambiagi
e além (2001). entre essas atividades, encontram-se os serviços públicos, cujo
provimento se caracteriza pela prevalência do interesse coletivo sobre o interes-
se individual.
o transporte público se inscreve entre esses serviços, por gerar externalida-
des na medida de sua adequação às características das cidades, assim como em
virtude de algumas soluções para o transporte urbano constituírem mercados
incompletos, principalmente aquelas mais adequadas às áreas intensamente ur-
banizadas. a premência do interesse coletivo no serviço de transporte se evi-
dencia na ineficiência do sistema de transporte, decorrente da massificação do
transporte individual.
ainda que se utilizem, tradicionalmente, apenas os dois benefícios mais evi-
dentes e de mais fácil quantificação, que são a redução do tempo de viagem
dos usuários e a economia dos custos operacionais do sistema de transportes,
fica claro, por meio da análise da relação benefício/custo e da Taxa interna de
retorno e considerando-se sua vida útil, a vantagem dos investimentos em sis-
temas de alta capacidade, o que tende a ficar mais evidente se forem incorpora-
das algumas externalidades que não eram usualmente monetizadas, tais como
redução de acidentes, redução de emissão de poluentes oriundos da queima de
combustíveis fósseis.
este estudo está dividido em nove partes. na segunda parte, busca-se traçar um
panorama da atual situação de mobilidade nas principais cidades do país, seguido
de um histórico da atuação do bndeS no setor. os principais atores, as perspectivas
do setor e aspectos de política industrial são tratados nas seções seguintes, assim
como uma visão da recém-editada Política de Mobilidade Urbana. depois, abor-
dam-se os principais problemas e obstáculos a serem superados, antes de serem
expostas as conclusões.
314 bndeS 60 anoS – PerSPeCTiVaS SeToriaiS

2. PANo R Am A At u A L
DA m o b I L ID A D e u R b A N A
a Constituição brasileira de 1988 incumbe o poder público da prestação dos ser-
viços de transporte urbano de passageiros, direta ou indiretamente, por meio de
concessões ou permissões. a nova lei de Mobilidade Urbana (lei 12.587/2012), que
obriga os municípios com mais de vinte mil habitantes a elaborarem seus Planos de
Mobilidade até 2015, foi concebida de forma a preparar os municípios para cumprir
essa função.
o serviço de transporte urbano está vinculado ao planejamento urbano, so-
bretudo no que se refere ao uso e ocupação do solo, prerrogativas do poder
público municipal. Segundo Souza (2007), a qualidade de vida urbana está ligada
diretamente a tempos de viagem, às distâncias até o trabalho, ao modo como as
pessoas se deslocam, a novas oportunidades de emprego e negócios, ao lazer, à
qualidade do ar, ao nível de poluição sonora, entre outros fatores. os três setores
principais a serem considerados no desenvolvimento urbano são a habitação, o
transporte público e o saneamento básico, cujo atendimento é vetor central no
planejamento da configuração espacial da cidade, por meio de Planos diretores
Setoriais assim como das leis de Uso e ocupação do Solo. Cada vez mais se tornam
importantes na tomada de decisão dos gestores públicos, complementarmente,
questões como a sustentabilidade socioeconômica e ambiental das soluções a se-
rem adotadas.
o desenho dos sistemas de transporte, assim como a escolha dos modos mais
adequados às características da demanda de usuários, é uma decisão complexa que
depende do envolvimento da sociedade. É crucial nesse processo de planejamento
considerar variáveis urbanísticas e ambientais, políticas e sociais, econômicas, tec-
nológicas e industriais. Todos esses elementos são dinâmicos e com amplo potencial
de inovação.
a mobilidade da população depende essencialmente do serviço de transporte
público e seus impactos na qualidade de vida de uma cidade são múltiplos, mere-
cendo destaque os seguintes aspectos:
Mobilidade Urbana 315

1. produtividade e competitividade – o tempo economizado no transporte pode


ser utilizado em outras atividades produtivas, culturais ou de lazer (“custo de
oportunidade”);
2. saúde – doenças respiratórias com origem na poluição causada pelos gases e
materiais particulados oriundos do escapamento dos veículos e perdas decor-
rentes de acidentes de trânsito (fator que vem se agravando com o aumento
do uso de motos);
3. meio ambiente urbano – degradação e desvalorização de áreas mal atendidas
pelo transporte público, seccionamento do tecido urbano, equipamentos ina-
dequados e pouco amigáveis;
4. infraestrutura e custos – uso pouco produtivo de espaço valorizado e dotado
de infraestrutura, custo de transporte crescente pelo aumento das distâncias
percorridas, implantação e ampliação de vias;
5. emprego e renda – menor custo e maior confiabilidade no acesso ao trabalho,
com redução de atrasos e absenteísmo; e
6. acesso a bens e serviços – maior facilidade de utilização dos bens e serviços
disponíveis.
O modelo de desenvolvimento industrial do país no pós-guerra foi em grande
parte baseado no transporte sobre pneus, o que levou à erradicação de boa parte
dos sistemas de bondes, tendo permanecido apenas alguns sistemas de trens de
subúrbio e de barcas. Essa escolha moldou em grande medida a organização e a
dinâmica das cidades brasileiras de hoje – da mesma forma que os trilhos o tinham
feito no início do século passado – contribuindo para a perda de qualidade de vida,
especialmente nas maiores regiões metropolitanas.
Se comparamos a divisão modal das viagens urbanas da década de 1950 com a
atual, podemos verificar o crescimento do espaço ocupado por ônibus e automó-
veis, como mostra o Gráfico 1.
Apenas nas décadas de 1960 e 1970 iniciou-se a implantação dos primeiros
sistemas de metrô no Rio de Janeiro e em São Paulo e, em grande parte, a
partir da experiência com corredores de ônibus do Instituto de Pesquisa e Pla-
nejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), ganhou mais consistência a crítica ao
316 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

modelo que reduzira a importância do transporte público como estruturador


do desenvolvimento urbano.

Gráfico 1 Distribuição das viagens urbanas na cidade do Rio de Janeiro

1.800

1.641
1.525
1.600

1.400
MILHÕES DE VIAGENS/ANO

1.200

1.000

800
649

600

400
259

216
208

200

20
0

0
Bondes Trens Ônibus Auto

1950 2005

Fontes: Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (Geipot).

Segundo uma série de comparações dos efeitos de modos de transporte realiza-


das por Mezghani apud Souza (2007), o transporte não motorizado e o transporte
coletivo são invariavelmente mais eficientes e sustentáveis que o transporte indivi-
dual. Segundo o autor, nos lugares onde metade da quantidade de viagens é feita
a pé, de bicicleta ou por transporte público, o custo das viagens urbanas atinge
cerca de 7% do PIB. Nas cidades orientadas ao automóvel, o custo pode chegar a
15%. Como já destacado, trata-se de uma perda econômica, traduzida em redução
de renda para outros fins.
Além de acarretar um custo de transporte maior, o automóvel ocupa um es-
paço valioso nas cidades. Segundo o mesmo estudo, para transportar cinquenta
mil passageiros/hora em um sentido, o sistema ferroviário (trem ou metrô) ocu-
pa uma via de nove metros de largura; a via do sistema de ônibus ocupa 35 me-
tros; já os carros particulares demandam 175 metros de terra valiosa, ao mesmo
tempo em que passam 95% do tempo estacionados. É mister frisar que, com o
Mobilidade Urbana 317

crescimento das cidades e adensamento urbano, o valor da terra, ativo escasso,


assume proporções muito significativas na composição do patrimônio. Portanto,
o ganho de eficiência na alocação desse ativo representa ganho econômico para
a sociedade.
No que tange à eficiência energética, com 1 kep (kg equivalente de petróleo)
de energia, uma pessoa pode percorrer 48 km de metrô, 39 km de ônibus ou 18 km
de automóvel. Dependendo do nível de emissões considerado, o carro é de três a
dez vezes mais poluente do que o transporte público. As emissões de poluentes por
passageiro do transporte coletivo são, portanto, bastante inferiores às do transpor-
te individual (Tabela 1).

Tabela 1 Emissão de poluentes por modo de transporte – 2007 (em municípios com mais de
sessenta mil habitantes)

Transporte Emissões (milhões toneladas/ano)


Poluentes locais* CO2 Total

PÚBLICO 0,1 9,5 9,6

privado 1,5 16,3 17,8

RELAÇÃO PRIVADO/PÚBLICO 1,6 25,8 27,4

Fonte: ANTP (2008).


CO, NOx, SOx, HC e MP.
*

A constatação de Mezghani, tendo em vista a matriz de transportes brasilei-


ra, encontra confirmação em dados sobre o impacto da predominância do modo
rodoviário sobre as emissões. Segundo o Inea, 77% das emissões de gases poluen-
tes na região metropolitana do Rio são gerados no setor de transportes e 41%
das emissões de CO2 são provenientes do transporte urbano de passageiros no
município do Rio, segundo o Inventário de Emissões de Gases do Efeito Estufa
do Município.
É importante mencionar que há uma relação entre a mobilidade urbana
e renda. Como pode ser verificado no Gráfico 2 retirado da “Pesquisa Origem
e Destino 2007 – Região Metropolitana de São Paulo”, a taxa de mobilidade
da população – quantidade média de viagens realizadas por habitante/dia – é
função direta da renda, o que permite concluir que o crescimento econômico
318 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

brasileiro vem provocando um aumento mais que proporcional da mobilidade


da população.

Gráfico 2 Região metropolitana de São Paulo – índice de mobilidade total por renda
familiar mensal (1997 e 2007)

3,0

2,5
MOBILIDADE (VIAGENS/HAB)

2,0

1,5

1,0

0,5

0,0
até 760 760 a 1.520 1.520 a 3.040 3.040 a 5.700 mais de 5.700

RENDA FAMILIAR MENSAL (REAIS EM OUTUBRO DE 2007)


1997 2007

Fonte: Secretaria dos Transportes Metropolitanos/SP (2008).

Com essa situação indicada pelo gráfico, tende a se elevar mais ainda a deman-
da por transporte coletivo e, em especial, pelo individual, este último tendo seu uso
mais decisivamente relacionado à renda da população (Gráfico 3).
Nesse cenário, a elaboração de planos diretores e projetos e o equacionamento
de fontes de recursos para realização dos investimentos em sistemas de transporte
urbano assumem caráter prioritário. Reforçando a tese, ao considerar o longo pra-
zo de implantação desses investimentos e o contingenciamento de recursos para o
setor ao longo da última década, cresce a necessidade de mobilização de recursos e
incentivos para essa finalidade.
O risco associado a esse cenário é optar-se por soluções de implantação mais
rápida e de menor valor de investimento, em detrimento da escolha do modo
de transporte mais apropriado, considerando-se todos os aspectos destacados
anteriormente.
Mobilidade Urbana 319

Gráfico 3 Região metropolitana de São Paulo – divisão das viagens motorizadas diárias
por renda familiar mensal (1997 e 2007)

90

80

70

60
% DE VIAGENS

50

40

30

20

10

0
Até 760 760 a 1.520 1.520 a 3.040 3.040 a 5.700 Mais de 5.700

RENDA FAMILIAR MENSAL (REAIS DE OUTUBRO DE 2007)

Coletivo 1997 Coletivo 2007 Individual 1997 Individual 2007

Fonte: Secretaria dos Transportes Metropolitanos/SP (2008).

Dessa forma, faz-se necessário agregar atratividade ao transporte coletivo, por


meio do planejamento da racionalização dos sistemas, promovendo a integração
física, tarifária e, quando possível, operacional, intra e intermodal, com regularida-
de, conforto e segurança, abrangência territorial e acessibilidade universal, respei-
tando-se o princípio da modicidade tarifária.
No entanto, a regularidade e a continuidade no planejamento e nos investi-
mentos em transporte coletivo associadas com o planejamento do uso do solo ur-
bano, induzindo e estruturando o crescimento ordenado e harmônico, limitam-se
a poucas cidades no país.

Escolhas e opções modais

O planejamento de transportes parte de estudos de demanda, periodicamente atuali-


zados, que levam em conta os desejos de viagem e a renda da população, as caracte-
rísticas físicas e urbanísticas do tecido urbano, as previsões de implantação de polos
geradores de tráfego, entre outras informações. A priorização de equacionamento
320 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

dos principais gargalos será função da escolha dos modos de transporte adequados
para atender com máxima produtividade ao volume e às demandas projetadas, da
disponibilidade de recursos próprios e de financiamento, assim como dos resulta-
dos dos estudos de viabilidade econômica e financeira das alternativas.
O uso do transporte coletivo sobre pneus para demandas mais elevadas exige a
ampliação das vias com adoção de faixas exclusivas (intensivo em desapropriações),
com trechos duplicados de maneira a permitir ultrapassagens, intensificação de in-
vestimentos em privilégio semafórico e/ou obras de arte para vencer cruzamentos
em nível e, no limite, na segregação completa do corredor, provocando o seccio-
namento do tecido urbano, o que pode exigir soluções mais caras, como as vias
subterrâneas, ou urbanisticamente desaconselháveis, como os elevados.
Já o modo ferroviário é mais compatível com os corredores de média e alta capaci-
dade, utilizando equipamentos que tiram mais proveito da operação em via segrega-
da, justificando investimentos mais elevados, como os que são necessários para metrôs
subterrâneos e trens de subúrbio. Pode ser do tipo Veículo Leve sobre Trilhos (VLT),
compartilhando o trânsito com os demais veículos e com importante efeito revitaliza-
dor das áreas onde é adotado, como vem sendo o caso nas cidades europeias e norte-
-americanas. A crítica a essa tecnologia refere-se ao impacto visual da rede aérea, o
que já vem sendo solucionado por meio de novas formas de alimentação e propulsão.

Transporte público sobre pneus

No modo rodoviário, a operação na maior parte dos casos foi transferida ao se-
tor privado, sob regime de permissão ou concessão pelo setor público. Em poucos
casos, há concessão da operação por meio de certame licitatório, geralmente em
municípios cuja gestão da mobilidade é mais estruturada, implicando a regulação
pública dos requisitos de qualidade e custo de forma mais eficaz. Em geral, há
apenas regime jurídico permissionário, o que significa maior fragilidade da gestão,
controle e fiscalização do sistema de transporte. Algumas vezes se verifica nesses
casos a “captura” do setor público pelo setor privado, como define Ferreira (2002),
que acontece quando o regulador passa a confundir o bem comum com os interes-
Mobilidade Urbana 321

ses da indústria por ele regulada, havendo interferência significativa dos interesses
privados no planejamento urbano e de transportes.
A economia do setor é caracterizada pelo repartimento de investimentos e
custos operacionais entre iniciativa privada e poder público, geralmente com os
gastos relacionados à infraestrutura, assumidos pelo poder público, e os rela-
tivos ao material rodante e a sua operação, assumidos pela iniciativa privada.
A tarifa é regulada pelo poder concedente (que é, em geral, o município nos
modos sobre pneus, e o estado nos ferroviários e hidroviários) e é revertida
para remunerar o operador do sistema, havendo casos de subsídios públicos à
operação, sobretudo para compensar gratuidades definidas em lei. A gratuida-
de, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU),
pode causar um impacto de cerca de 20% sobre as tarifas nas cidades (vide Co-
municado Ipea 94 e Tabela 2).

Tabela 2 Impacto das gratuidades nos sistemas de ônibus municipais (em %)

Categoria Ocorrência média nas cidades Impacto sobre as tarifas

Estudantes* 18,7 7,8

Gratuitos em geral 15,0 13,0

Total 33,7 20,8

Fonte: NTU (2009).


A gratuidade dos estudantes é apenas no desconto de meia tarifa.
*

Como há diversas empresas compartilhando a operação na maior parte dos


sistemas de ônibus urbanos – operando consorciadas ou individualmente –, existem
diversos modelos de divisão da receita, quando o sistema é integrado. Há casos em
que a gestão da Câmara de Compensação Tarifária é do poder concedente, e outros
em que ela é gerida integralmente pelos operadores privados. Nos casos de inte-
gração intermodal dos sistemas de alta capacidade com subsistemas alimentadores,
a divisão da receita costuma ser objeto da mediação de uma agência reguladora
dos transportes metropolitanos.
O modelo de negócio dominante entre grande parte das empresas operado-
ras se apoia e se viabiliza não só na atividade de transporte de passageiros, mas
também no comércio de veículos, novos e usados. A revenda de ônibus para os
322 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

municípios do interior é comum e bastante relevante na rentabilidade das em-


presas, gerando distorções e conflitos de interesse. A busca por ganhos de com-
petitividade por meio de maior eficiência na prestação do serviço, assim como
os ganhos com inovação tanto em gestão quanto em tecnologias veiculares, os
investimentos em aperfeiçoamento e qualificação da mão de obra são relegados
ao segundo plano. Mesmo a redução de custos de operação e manutenção vem
recaindo basicamente sobre os salários, como mostra o Gráfico 4, publicado no
último congresso da ANTP.

Gráfico 4 Variação real* dos preços dos principais insumos das tarifas de ônibus urbano –
Brasil metropolitano, 1999-2009 (em %)

90
72,5

75

60

45,5
45
(%)

23,8

30

15

0
-3,9

-15
Pneu e câmara de ar Óleo diesel Salários Veículos

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do INPC/IBGE, da Empresa de Transportes


e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) e notícias de jornais sobre a renovação da frota.
* Deflacionado pelo IPCA.

Como se pode ver, o único entre os principais insumos cujo crescimento foi ne-
gativo quando comparado com a inflação do período (1999-2009) foi o item salário.
Diante dessa lógica predominante e tendo em vista a falta de planejamento,
regulação, fiscalização e controle que se verifica na maior parte dos municípios
brasileiros, o que se reflete no baixíssimo grau de exigência do poder concedente,
a tendência é que a frota de ônibus brasileira seja constituída por veículos que
Mobilidade Urbana 323

apresentam maior liquidez em um mercado secundário de clientela pouco exi-


gente, ou seja, manutenção simples, máxima padronização e, consequentemente,
baixo valor agregado.
A consequência mais visível e imediata disso é a predominância de veículos
pouco amigáveis ao ambiente urbano, desconfortáveis para usuários e moto-
ristas, com problemas de acessibilidade (escadas altas e catracas incômodas),
produzindo elevado nível de ruído, com chassis e suspensão inadequados para o
transporte de passageiros, motores com baixa eficiência energética e alto nível
de emissão de poluentes tanto locais quanto de efeito global. Lamentavelmen-
te, parece que os interesses dos operadores convergem com os das montadoras,
que investem pouco em inovação mesmo quando já dispõem de produtos su-
periores para atender a clientes mais exigentes no exterior, especialmente na
Europa e nos EUA.
Dessa forma, podem-se apontar como fatores de atenção para a maximiza-
ção das externalidades positivas do sistema de transporte sobre pneus as seguin-
tes questões:
1. planejamento de transporte integrado com os demais vetores componentes do
desenvolvimento urbano;
2. licitação da operação do sistema, trazendo mais competição para o setor, pro-
porcionando maior segurança jurídica para o operador privado e incorporando
instrumentos de aperfeiçoamento da gestão e da fiscalização do sistema;
3. definição de alguns padrões de material rodante adequados a faixas e carac-
terísticas de demanda, incluindo a tecnologia de tração e da fonte de energia,
configuração de chassis (altura de piso e suspensão), largura das portas, loca-
lização e isolamento do motor, além de outros componentes automotivos que
podem aumentar o conforto dos usuários e motoristas, o desempenho ambien-
tal e operacional;
4. racionalização do sistema e adequação da infraestrutura dos corredores à tec-
nologia de material rodante adotada;
5. escolha de tecnologias adequadas ao perfil e volume da demanda projetada,
assim como às características urbanísticas locais.
324 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Transporte público sobre trilhos

A malha metroferroviária no Brasil é muito pequena ante as necessidades das cida-


des brasileiras. Amplos sistemas de trens de subúrbio foram relegados ao abando-
no por longo tempo, muitos deles desativados, enquanto os metrôs surgiram tar-
diamente, mesmo se comparados com outras metrópoles latino-americanas, como
Buenos Aires, já que os metrôs do Rio e de São Paulo datam da década de 1970 e o
de Brasília dos anos 1990.1
A cidade de São Paulo destaca-se por investir maiores volumes de recursos, e
com mais regularidade, em transporte metroferroviário. Com cerca de 11 milhões
de habitantes, detém a maior rede de metrô do país, aproximadamente 70 km, mas
a Cidade do México, com população equivalente, começou a implantar sua rede na
mesma época em que São Paulo e conta com 177 km de vias. Londres, com cerca de
70% da população de São Paulo, tem 408 km de rede, implantada ao longo de mais
de cem anos, e em permanente expansão e modernização, como em Paris. Outras
cidades no mundo, de porte semelhante, dispõem de mais de 200 km de rede de
metrô, como Nova York, Xangai, Pequim, Tóquio, Moscou, Seul ou Madri.
Entre as grandes cidades brasileiras, poucas contam com transporte metroviá-
rio. Operando efetivamente há somente em São Paulo e no Rio de Janeiro, além de
Brasília e Recife, embora em escala bem menor. Em outros casos trata-se de ramais
ferroviários modernizados e dotados de melhorias operacionais, caso de Belo Ho-
rizonte, Fortaleza e Porto Alegre; outros estão em fase de projeto (Curitiba) ou de
implantação, embora sem ter entrado em operação (Salvador).
Vale ressaltar que os sistemas de metrô e trens de subúrbio do Rio foram, no
fim da década de 1990, concedidos a operadores privados. Os demais sistemas são
públicos, com exceção da linha 4 do metrô de São Paulo.
No que se refere aos bondes, depois de uma fase áurea, até os anos 1960, foram,
em um primeiro momento, substituídos pelos ônibus elétricos, que, apesar das vanta-
gens decorrentes da alimentação e tração elétrica, sofriam com as frequentes quedas

1
Este último foi previsto inicialmente como um VLT, solução vetada pelo órgão de patrimônio cultural do DF sob a alegação de que
agrediria visualmente o Plano-Piloto, decretado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco.
Mobilidade Urbana 325

de fornecimento de energia da época, assim como com paradas forçadas por perda
de contato com a rede aérea. Esses problemas, hoje superados pela adoção de faixas
exclusivas de circulação e por um fornecimento confiável de energia elétrica, aliados ao
petróleo barato e a uma persistente tarifa horo-sazonal que pune o uso da tração elé-
trica no transporte, contribuíram para a quase extinção da utilização dessa tecnologia
no Brasil, com a auspiciosa e bem-sucedida exceção de alguns corredores de São Paulo.
Como resultado, há a hegemonia do modo rodoviário no transporte urbano
de passageiros no Brasil. Mais recentemente, na última década do século passado,
tendo em vista a expressiva adoção de novos sistemas de bondes modernos (VLT)
em várias cidades europeias, surgiram iniciativas semelhantes em algumas cidades
brasileiras, como Rio de Janeiro, Santos, São Vicente, Florianópolis, Jundiaí, Forta-
leza e Brasília, entre outras.
As principais características dos modos de transporte sobre trilhos, por tipo, são:
1. Metrô – inteiramente segregado; pode ser em superfície, em elevado ou sub-
terrâneo; mais comumente sobre trilhos, pode ser também sobre pneus; sem-
pre com tração e alimentação elétrica para tirar proveito da maior capacida-
de de aceleração/desaceleração; com espaçamento entre estações de cerca de
700/800 m, apresenta viabilidade em áreas adensadas, com demandas acima de
40 mil passageiros/h/sentido. Demanda vultosos investimentos em infraestrutu-
ra, material rodante e sistemas e longo tempo de implantação, o que deve ser
compensado com o baixo custo de operação e as externalidades positivas que
proporcionam grande viabilidade econômica no longo prazo.
2. Trem de subúrbio – inteiramente segregado nas áreas centrais e parcialmente
nas regiões menos adensadas; geralmente em superfície; com espaçamento en-
tre estações de cerca de 1.000/1.500 m; utiliza equipamento de tração elétrica
ou diesel-elétrica com boa velocidade média. Viabiliza-se com altas demandas
em extensões maiores de subúrbio e periferias metropolitanas. Da mesma for-
ma que o metrô, o trem também é economicamente viável no longo prazo.
3. Veículo leve sobre trilhos (VLT) – são os bondes modernos; a tração elétrica
quando operam em área urbana; vêm sendo objeto de inovações no que se re-
fere à alimentação, eliminando as caras redes aéreas; são considerados vetores
326 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

de revitalização urbana, passíveis de compartilhar as vias com demais veículos


e caracterizam-se pela implantação em malhas, e não troncalizando corredores
pesados. Eles vêm sendo favorecidos por numerosos avanços tecnológicos que
vieram a reduzir seus impactos negativos, como ruídos, trepidações, rede aérea,
piso alto, catracas etc., o que o torna cada vez mais uma alternativa competiti-
va com outros modos de média capacidade, como o ônibus. Apesar de diversas
iniciativas, com destaque para o VLT do Centro do Rio, não há nenhum projeto
implantado no Brasil.
4. Monotrilho – meio de transporte em via elevada, em que a estrutura de sus-
tentação é o próprio trilho-guia. Utiliza material rodante mais leve, por isso a
estrutura física do sistema é mais delgada, reduzindo custos de construção e de
desapropriação. Até recentemente era usado para demandas menores, muitas
vezes como people mover, para ligações mais simples operacionalmente. Uma
das principais críticas à disseminação de seu uso refere-se à existência de poucos
fabricantes que dispõem de tecnologias singulares, que vinculam o material ro-
dante e a infraestrutura, criando a dependência tecnológica do fornecedor. Além
disso, a mudança de via é complexa, já que implica mover a própria estrutura de
sustentação, e persistem dúvidas sobre a evacuação de passageiros em caso de
pane. Está sendo implantado em São Paulo, interligando linhas de metrô.
5. Outros – há diversas tecnologias em fase de desenvolvimento: guiadas no solo,
sobre trilhos ou sobre pneus, utilizando levitação magnética, novas baterias
mais eficientes, supercapacitores etc., o que significa que há bastante espaço
para introdução de inovações que venham a superar as ineficiências e reduzir
os custos dos sistemas sobre trilhos.
O transporte sobre trilhos produz externalidades2 positivas em decorrência
da redução do tempo de percurso, da maior confiabilidade e conforto, ao mesmo

2
Para o cálculo da relação benefício/custo e da Taxa Interna de Retorno, na análise de viabilidade econômica dos projetos,
utilizam-se, em geral, apenas os dois benefícios mais evidentes e de mais fácil quantificação, que são a redução do tempo de
viagem dos usuários e a economia dos custos operacionais do sistema de transportes. Os principais itens de custo são, geralmente,
transformados em custos econômicos de acordo com o Manual Operacional elaborado pela EBTU. Benefícios como redução de
acidentes e redução de gastos com a saúde decorrentes de emissões vêm adquirindo cada vez mais relevância na quantificação das
externalidades.
Mobilidade Urbana 327

tempo em que produzem menos externalidades negativas relativas aos acidentes


de trânsito, à eficiência energética e à redução de emissões globais e locais, pois são
em sua maioria alimentados por energia elétrica.
esses modos de transporte, em função de seu elevado volume de investimento
e longo tempo de maturação, podem ser enquadrados na categoria de mercados
incompletos, havendo a necessidade de investimento público na implantação, mo-
dernização, expansão e até mesmo subsídios na operação do sistema, o que se jus-
tifica em razão das externalidades positivas e da maior viabilidade econômica no
longo prazo. Um transporte público de qualidade potencializa outros investimen-
tos públicos em infraestrutura e melhora a competitividade da cidade na atração
de investimentos privados.

3. R etR o s Pect o D A At u A Ç Ã o D o b N D es
lóGica da aTuaÇÃo hisTórica do bndes

a mobilidade urbana baseada no transporte individual motorizado é pouco efi-


ciente quanto a ocupação do espaço, consumo energético e custo, além de se
basear em matriz energética poluente. a maior ocupação do espaço aliada à sa-
turação do sistema viário implica perdas significativas de eficiência do transporte
individual (com rebatimentos no coletivo por ônibus) e aumento do tempo de
viagem em razão de congestionamentos. o custo de ampliação e manutenção do
sistema viário em cidades adensadas com elevado número de veículos, a cargo
do setor público, é bastante significativo, assim como os custos decorrentes de
acidentes ou da incidência de doenças respiratórias, com reflexos nas internações
hospitalares e nas ausências ao trabalho e à escola. o custo de manutenção do
sistema viário e das áreas de estacionamento público pode ser considerado um
subsídio indireto ao transporte individual bem como ao transporte coletivo rodo-
viário, uma vez que é realizado pelo poder público, enquanto nos sistemas sobre
trilhos esses custos são de responsabilidade do operador, impactando a tarifa e o
resultado financeiro.
328 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O transporte coletivo é mais eficiente quanto a ocupação do espaço, consumo


energético e custo em comparação com o individual. Além disso, mesmo o trans-
porte por ônibus diesel produz emissões por passageiro inferiores ao transporte
individual. O transporte por ônibus compartilha trânsito com os automóveis de
passeio e, por isso, também é afetado pelos congestionamentos, elevando o tempo
de viagem, custo e emissões.
Dessa forma, destacam-se como sistemas de transporte geradores de externa-
lidades positivas: transporte rodoviário segregado (corredores de ônibus), princi-
palmente se contiverem componentes como estações com embarque rápido e em
nível, possibilidade de ultrapassagem, sistema de monitoramento, controle e infor-
mação ao usuário etc., chegando ao conceito de BRT (Bus Rapid Transit).
Os sistemas sobre trilhos geram mais externalidades positivas, em razão do uso de
energia elétrica – sem emissões e possibilitando maior desempenho operacional –, da
maior capacidade de transporte, confiabilidade, segurança e nível de informação
ao usuário. Podem trafegar em superfície em faixa preferencial, ou compartilhando
o trânsito em redes de bondes (VLTs), em elevado (monotrilho), em percursos segre-
gados mais longos em áreas de subúrbio (trem), ou ainda totalmente segregados
em via subterrânea nas áreas adensadas (metrô). Os sistemas cicloviários merecem
apoio, sobretudo se associados a projetos maiores.

Diretrizes de atuação

Tradicionalmente, a prioridade de atuação do BNDES se definiu em favor do transporte


coletivo de passageiros, em especial os modos de média e alta capacidade, em virtude
das dificuldades de equacionar fontes de financiamento que atendessem às necessida-
des de recursos para viabilizá-los e de atrair investidores privados, assim como pelo perfil
econômico-social da população beneficiada diretamente pelos investimentos.
O BNDES já liberou mais de 7,1 bilhões, em valores históricos (vide Gráfico 5), em fi-
nanciamento para a mobilidade urbana, com destaque para o metrô do Rio de Janeiro,
o município do Rio de Janeiro, metrô de São Paulo, SPTrans, CPTM, estado do Paraná,
município de Porto Alegre, metrô do Distrito Federal, entre outros beneficiados.
Mobilidade Urbana 329

Gráfico 5 liberações – proJetos De mobiliDaDe urbana*

1.428,34
1.600

1.400

1.200

944,24
1.000
R$ MILHÕES

657,73

628,47
800
429,53

600

400

238,31
151,15
127,44

200

2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012*

Fonte: bndeS.
* liberados até jun. 2012.

o bndeS tem atualmente em sua carteira de projetos aprovados, contratados


ou em liberação o metrô de Fortaleza, a PPP da CPTM para aquisição e manutenção
de trens, o metrô do rio de Janeiro (estado do rio e Concessionária Metrôrio), o
corredor brT Transcarioca e a linha 5 do metrô de São Paulo, totalizando 3,8 bi-
lhões. entre as novas operações, em fase de análise ou enquadramento, há finan-
ciamento para sistemas metroviários e de trens de subúrbio do rio de Janeiro e de
São Paulo, totalizando r$ 2,3 bilhões.

4. Ato R es Do s e t oR
Como já foi dito, o transporte urbano de passageiros no brasil é atribuição
constitucional dos municípios, que, dessa forma, são os principais atores do setor. o
município é o poder concedente e, na maior parte dos casos, planejador, regulador
e fiscalizador. eventualmente é também operador. eles são responsáveis, em parti-
cular, pelos sistemas de pequena e média capacidade operados por ônibus. ainda
330 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

como poderes concedentes, há os estados, em geral responsáveis por sistemas de


média e alta capacidade, tais como trens, metrôs e barcas, com atribuição de planejar
os transportes metropolitanos, regulamentá-los e fiscalizá-los, diretamente ou por
meio de agências reguladoras, e mesmo operá-los, como acontece com a maioria dos
metrôs e trens de subúrbio. Em alguns casos, o próprio governo federal assume essa
função, como ocorre com os trens da CBTU ou do Trensurb de Porto Alegre.
Em seguida ao poder público, vêm os diversos operadores privados, que, no
caso dos ônibus, tiveram origem nos antigos motoristas e proprietários de lotações,
precursores das atuais vans, que foram ampliando suas frotas e linhas, incorpo-
rando concorrentes e expandindo seu território de atuação e poder de mercado.
Em muitos casos, verticalizaram suas atividades, atuando no financiamento e na
comercialização e manutenção de veículos.
Mais recentemente, apesar do movimento dos estabelecidos de erguer barreiras
à entrada, por meio das privatizações de alguns sistemas de alta capacidade e de con-
cessões rodoviárias, surgiram novos operadores formados a partir de construtoras de
grande porte e investidores de longo prazo, como os fundos de pensão. Com efeito,
com maior propensão à contestabilidade das posições de mercados estabelecidas, cria-
-se o ambiente favorável para adoção de melhores práticas de gestão e modernização
do modelo de negócios, com foco na prestação eficiente de um serviço de qualidade.
Complementarmente, como atores relevantes, atuam as agências financiado-
ras, tanto nacionais, como o BNDES,3 quanto organismos multilaterais, como o Ban-
co Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e o Banco Intera-
mericano de Desenvolvimento (BID), além de organizações voltadas para estudos,
fomento e desenvolvimento do setor, como a Associação Nacional dos Transportes
Públicos (ANTP) ou a Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô (Aeamesp).
Estes últimos vieram a ocupar um espaço deixado vago com a extinção da antiga Em-
presa Brasileira de Transporte Urbano (EBTU), que, com a Empresa Brasileira de Pla-
nejamento de Transporte (Geipot), extinta em 2008, era responsável pela formulação
de políticas e diretrizes e pela regulamentação do setor até o início dos anos 1990.

3
Recentemente a Caixa ampliou sua atuação nesse setor.
Mobilidade Urbana 331

o bndeS busca estabelecer diferenciação nas condições de apoio aos projetos, fa-
vorecendo e estimulando boas práticas, conforme padrões e modelos reconhecidos nos
fóruns especializados, nacionais e internacionais. no passado recente, as condições de
apoio da Finame favoreciam, tanto em prazo quanto em taxas e nível de participação,
os projetos que adotassem ônibus Padron e articulados (padrão Conama), operando
em sistemas integrados e racionalizados. Mais recentemente, no âmbito do PSi, o ban-
co buscou favorecer a adoção da tecnologia de motorização elétrica ou híbrida.
as entidades de classe dos fabricantes de equipamentos, como a associação
brasileira da indústria Ferroviária (abifer) e o Sindicato interestadual da indústria
de Materiais e equipamentos Ferroviários e rodoviários (Simefre), também têm
participação ativa no setor, buscando recuperar competitividade diante dos forne-
cedores estrangeiros.
no início da última década entrou em cena um novo ator, o Ministério das Cida-
des, que substituiu a antiga Secretaria de desenvolvimento Urbano, ligada à Presi-
dência da república. nos processos de descontingenciamento de crédito para finan-
ciamento ao setor público, que tem seu início no estabelecimento de uma margem
pelo Conselho Monetário nacional, o Ministério das Cidades, em sintonia com o Mi-
nistério do Planejamento, orçamento e Gestão, estabelece os critérios de hierarqui-
zação dos projetos apresentados, para efeito de seleção daqueles que serão habili-
tados a receber recursos de orçamento Geral da União (oGU) e de financiamento.

5. PeR s Pec tI VA F u t u R A
o cenário de crescimento econômico experimentado pela economia brasileira nos
últimos anos evidenciou a necessidade de investimento em soluções de mobilida-
de urbana no país. Por definição, essa situação assume contornos mais óbvios nas
grandes metrópoles brasileiras, mas já ocupa um dos principais pontos da agenda
de melhoria de bem-estar social nas cidades de médio porte no país.
em decorrência desse panorama, cresce a pressão social por investimentos nessa
atividade econômica. Com efeito e como dito anteriormente, cria-se um ambiente
para a mobilização de atores privados para buscar espaço de atuação nesse setor.
332 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Contudo, o avanço nesse processo dependerá da organização e do protagonismo do


setor público, seja como poder concedente, seja como investidor direto em soluções
para mobilidade urbana.

PAC Mobilidade Grandes Cidades

Em 2011, iniciou-se o processo de seleção de projetos do PAC Mobilidade Grandes Ci-


dades, por meio da Portaria 65/2011 do Ministério das Cidades, que definia R$ 12 bi-
lhões em financiamento e R$ 6 bilhões em recursos do OGU, destinados a projetos de
transporte público em municípios com mais de setecentos mil habitantes.
Depois de sucessivas postergações, foi divulgada no mês de abril de 2012 a lista
final dos projetos selecionados para repartir os recursos (Quadro 1), sendo R$ 6 bi-
lhões de OGU repassados pela Caixa, e os R$ 12 bilhões de financiamento podendo
ter como fonte o FGTS, o FAT, ou outra fonte, dependendo do agente.

Quadro 1 PAC Mobilidade de Grandes Cidades – resultado segunda etapa (em R$ milhões)

Grupo UF Proponente Município Intervenção OGU Financiamento Total


MOB beneficiado
MOB 1 BA Governo Salvador Sistema Integrado de Transporte Metropolitano RMS 1.000 600 3.000
estadual
CE Governo Fortaleza Implantação da Linha Leste do Metrô de Fortaleza 1.000 1.000 3.033
estadual
CE Prefeitura Fortaleza Programa de Transporte Urbano de Fortaleza - II 100 200 369
DF Distrito Brasília Sistema de Transporte de Passageiros Eixo Sul - 800 1.079 2.211
Federal Corredor Gama - Valparaiso
DF Sistema de Transporte de Passageiros Eixo Oeste
DF Expansão e Modernização do Metrô de DF
MG Governo Belo Horizonte Implantação Terminais Metropolitanos de Integração 0 135 164
estadual
MG Prefeitura Belo Horizonte Rede de Metrô da RMBH 1.000 878 2.938
MG Complexo da Lagoinha
PE Governo Recife II Perimetral - Via Metropolitana Norte. IV Perimetral - 726 657 1.819
estadual Binário Cajueiro Seco
PE Corredores de Transporte Público Fluvial
PE Sistema de Transporte Rápido por Ônibus para a RMR
PE Prefeitura Recife Implantação de Corredores Exclusivos de Ônibus de 274 389 821
Recife - II Perimetral, III Perimetral e Radial Sul
PR Prefeitura Curitiba Linha Azul do Metrô de Curitiba - 1ª Etapa 1.000 750 2.253
RJ Prefeitura Rio de Janeiro Implantação de VLT - Área Central e Portuária 532 1.097 2.464
Continua
Mobilidade Urbana 333

Continuação

Grupo UF Proponente Município Intervenção OGU Financiamento Total


MOB beneficiado
MOB 1 RJ BRT TRANSBRASIL
RJ Governo Rio de Janeiro Metrô Linha 3 - São Gonçalo - Niterói 500 774 1.734
estadual
RS Governo Porto Alegre Sistema de Transporte Integrado Metropolitano 0 299 349
estadual
RS Prefeitura Porto Alegre Metrô de Porto Alegre (MetrôPoa) - 1a Fase 1.000 750 2.468
SP Governo São Paulo Linha São Bernardo do Campo - São Paulo - Fase 1 400 1.276 2.863
estadual
SP Prefeitura São Paulo Corredor Capão Redondo Campo Limpo Vila Sônia 304 0 334
SP Corredor de ônibus Inaiar de Souza
MOB 2 AM Governo Manaus Implantação Ligação viária Av. Timbiras - AM 010 - 177 42 228
estadual AV.TORRES
GO Governo Goiânia Metrô Leve Eixo Anhanguera 108 108 1.371
estadual
GO Prefeitura Goiânia BRT Norte Sul 70 140 237
MA Prefeitura São Luís Novo Anel Viário de São Luís (Trecho 1) 56 113 430
MA Governo São Luís Implantação da Avenida Metropolitana de São Luís 144 144 388
estadual
PA Governo Belém BRT trecho BR316 - Via Metropolitana - Av. João Paulo 80 104 215
estadual II - Prolongamento Av. João Paulo II
PA Prefeitura Belém BRT Almirante Barroso e Augusto Montenegro e 100 314 498
Centro de Belém Icoaraci
SP Prefeitura Campinas Plano de Mobilidade Urbana 98 197 340
SP Prefeitura Guarulhos Programa de Mobilidade Urbana de Guarulhos 83 165 308
MOB 3 AL Governo Maceió Implantação do Corredor VLT Aeroporto-Maceió - 133 133 280
estadual 1°Trecho
MS Prefeitura Campo Grande Reestruturação do Sistema Integrado de Transporte 56 113 180
MS Modernização do Sistema Integrado de Transporte
PB Governo João Pessoa VLT Metropolitano de J Pessoa, Corredor e Viaduto 73 53 168
estadual
PB Prefeitura João Pessoa Rede Integrada de Corredores de Transporte Público 95 59 188
PI Governo Teresina Melhoria e ampliação do transporte ferroviário 23 100 130
estadual
PI Prefeitura Teresina Implantação P Diretor de Transp e Mob Urb 1ª Etapa 30 70 104
RJ Prefeitura Nova Iguaçu Sistema Sobre Trilhos Aeromóvel Nova Era - Valverde 84 168 279
RJ Sistema Sobre Trilhos Aeromóvel Centro - Nova Era
RN Governo Natal Revitalização da linha Ribeira - Extremoz 74 56 136
estadual
RN Prefeitura Natal Projeto de Reestruturação de Corredores de transporte 66 35 104
SP Prefeitura São Bernardo Ligação Leste-Oeste 82 165 332
do Campo

Fonte: Ministério das Cidades – DOU de 25.4.2012.

Cabe comentar que a demora em se efetuar a seleção de projetos se deve, em


grande parte, à inexistência de projetos básicos consistentes. Tendo em vista a falta
334 bndeS 60 anoS – PerSPeCTiVaS SeToriaiS

de prioridade dada ao setor na década passada, estados e municípios não investiram


na elaboração de estudos e projetos de transporte, cujo custo é alto e com prazo rela-
tivamente longo de elaboração. os compromissos assumidos pelo país para habilitar-
-se a sediar os eventos esportivos dos próximos anos, assim como o agravamento dos
gargalos de trânsito e transporte ocasionados pelo aquecimento da economia e pelo
crescimento da frota de automóveis, impulsionado pelas medidas anticíclicas adotadas
para fazer frente à crise internacional, pressionaram para a realização urgente de in-
vestimentos em transporte coletivo, especialmente nas cidades-sede da Copa de 2014.
investimentos em transporte coletivo devem ser pensados como projetos estru-
turadores do desenvolvimento urbano, frutos de estudos consistentes consubstan-
ciados em um planejamento de longo prazo discutido com a sociedade e avalizado
pelas instâncias técnicas competentes.
além dos projetos enquadrados no PaC Mobilidade, existem iniciativas que es-
tão em desenvolvimento, principalmente no rio de Janeiro e em São Paulo, que
levam a projeção de investimentos para o setor a um patamar de r$ 30 bilhões nos
próximos cinco anos.
apesar desse sinal positivo, cumpre destacar que esse nível de esforço preci-
sará ser perene para que o país alcance um nível de serviço satisfatório na mobi-
lidade urbana. outro espaço de evolução importante é o campo institucional; o
impulso dado pela inversão de recursos no setor gerará tanto mais benefícios eco-
nômicos quanto melhor o ambiente para o fomento e discussão de padronização
técnica entre as cidades brasileiras, o aperfeiçoamento no aprendizado tecnoló-
gico, bem como o aperfeiçoamento no sistema regulatório e de monitoramento
da qualidade do serviço.

6. PR o DuÇ Ão IN D u s t R IA L
em mapeamento recém-realizado pelo bndeS com os principais planejadores e
gestores da mobilidade urbana das cidades brasileiras, as Secretarias de Transporte
dos estados e Capitais, bem como com abifer, para o período 2012-2016, a expec-
tativa de demanda de material rodante metroferroviário é de cerca 3.460 carros,
Mobilidade Urbana 335

para trinta linhas de metrôs, trens de subúrbio, VLT e Monotrilhos, o que significa
um investimento de aproximadamente R$ 10,7 bilhões, no período.
São Paulo continuará concentrando a maior parte da demanda por material
rodante metroferroviário, sendo pioneiro na adoção do monotrilho (Tabela 3). Des-
taca-se também a demanda por carros metroviários do Distrito Federal e por carros
de trens suburbanos do Rio e São Paulo.

Tabela 3 Demanda prevista por novos carros metroferroviários (2012-2016)

UF Metrô Metrô leve Trem VLT Monotrilho Total

AL 15 15

BA 120 120

CE 120 52 172

DF 379 379

MG 144 144

PE 60 15 75

PR 90 90

RJ 204 480 684

RS 144 144

SP 258 744 120 522 1.644

Total 1.375 144 1.224 202 522 3.467

Fonte: BNDES.

Ressalvando que em boa parte dos casos as licitações ainda não tenham sido
homologadas e que não tenha sido assinado contrato de fornecimento, o levan-
tamento realizado apontou que cerca de 65% dos novos carros serão importados,
25% nacionais e, em 10% dos casos, a origem não foi informada.
Em um levantamento por modo de transporte, pode-se verificar que, em sis-
temas metroviários e de trens de subúrbio, a indústria nacional ainda se mantém
competitiva e preserva boa fatia de mercado, apesar da concorrência de fabrican-
tes asiáticos e do tratamento tributário diferenciado nos casos em que o titular da
importação é um ente público, o que acontece na maior parte dos casos.
Ainda não há fabricante de monotrilhos instalado no país, embora exista a pos-
sibilidade de que a Bombardier inicie fabricação nacional em função da demanda
que surge em São Paulo.
336 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

Com relação aos VLTs, a indústria nacional deverá atender a cerca de 40%
das encomendas, embora seja nítido que o VLT nacional atende a um nicho li-
mitado de mercado que adota motor diesel, enquanto os VLTs importados são
menos poluentes pelo uso de tração elétrica, mais acessíveis por causa do piso
baixo, além de estarem testando formas variadas de alimentação de energia.
Embora não haja grandes barreiras tecnológicas na introdução dessas melho-
rias, elas ainda não se verificaram. Cabe destacar que o levantamento não con-
templou a demanda do VLT do Centro do Rio, que provavelmente será atendida
por material importado.
A inexistência de um projeto de VLT já implantado no Brasil que gere um
efeito-demonstração dessa tecnologia dificulta sua difusão, especialmente consi-
derando-se que a imagem de bonde que ainda persiste é a dos últimos exempla-
res que operavam em Santa Teresa, no Rio de Janeiro.4 A incerteza sobre a efetiva
escala da demanda interna por equipamentos não estimula os investimentos dos
fabricantes em novas plantas para a produção local.

Tabela 4 Origem do material rodante metroferroviário (%) – demanda prevista (2012-2016)

Origem Metrô Metrô leve Trem VLT Monotrilho Total

Importado 62,6 65,4 59,4 100,0 66,4

Nacional 25,0 34,6 40,6 24,5

Indefinido 12,4 100,0 9,1

Total 1.375,0 144,0 1.224,0 202,0 522,0 3.467,0

Fonte: BNDES.

Do total de R$ 10,7 bilhões previstos para material rodante, a expectativa é de


que pouco mais de 25% sejam capturados pela indústria nacional (vide Tabela 4),
concentrando-se a parcela mais relevante em modos de alta capacidade, especial-
mente metrôs (Tabela 5).

4
Esse antigo sistema de bondes foi palco de recente acidente em razão, ao que tudo indica, da falta de investimentos e falhas de
manutenção.
Mobilidade Urbana 337

Tabela 5 Origem do material rodante metroferroviário – demanda


prevista (em R$ milhões)

Origem Metrô Metrô leve Trem VLT Monotrilho Total

Importado 2.716 - 2.395 616 1.361 7.088

Nacional 1.143 - 1.450 205 - 2.799

Indefinido 324 505 - - - 829

Total 4.184 505 3.845 821 1.361 10.716

Fonte: BNDES.

A indústria nacional, que já alcançou expressão na produção de carros metro-


ferroviários, tanto para o mercado interno quanto para exportação, viu essa im-
portância reduzir-se nos últimos anos, diante da dificuldade de concorrer em preço
com os produtores chineses. Em 2010, cerca de 88% da produção nacional foi des-
tinada ao mercado interno.
Além dos fabricantes já instalados, há alguns potenciais entrantes no setor. Em
2009, verificou-se o grande interesse despertado nas empresas do setor pelo Pro-
jeto de PPP para fornecimento de carros para a linha 8 da CPTM em São Paulo. Na
ocasião, todos os fabricantes (CAF, Siemens e Mitsui) se colocaram como potenciais
entrantes, tendo sido o certame vencido pela espanhola CAF.
Já em se tratando de modernização ou requalificação de material rodante,
100% das encomendas deverão ser destinadas à indústria nacional, o que represen-
ta cerca de R$ 270 milhões.
Com base nos dados coletados, é difícil realizar uma comparação confiável dos
preços da indústria nacional ante os praticados pelos concorrentes estrangeiros,
com informações que variaram, de cerca de 20% até 50% a mais, sempre em prejuízo
dos fabricantes nacionais.
A indústria nacional, segundo a Abifer, trabalha com a expectativa de deman-
da de cerca de 380 carros por ano, o que significa uma demanda total de 1.900
carros entre 2012 e 2016. Esse número não corresponde à previsão obtida para
os potenciais demandantes, o que indica um desalinhamento das expectativas de
demanda e oferta, que pode ter como variáveis de ajuste o preço, a capacidade
de produção e também a especificação técnica do material rodante.
338 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

O Quadro 2 mapeia a demanda por material rodante nos projetos com maior
perspectiva de maturação no horizonte até 2016.

Quadro 2 Demanda por material rodante – 2012-2016

Adquirente Tipo Sistema Linha N° de Valor total


composições (em R$)

MetrôRio Metrô Aquisição Linhas 1 e 2 19 279.069.767,44

MetrôRio Metrô Requalificação Linhas 1 e 2 30 14.500.000,00

Concessionária Rio Barra Metrô Aquisição Linha 4 17 477.633.288,60

Supervia Trem Requalificação Supervia – todos os ramais 73 184.100.000,00

Supervia Trem Aquisição Supervia – todos os ramais 30 310.883.974,56

Estado Trem Aquisição Supervia – todos os ramais 90 932.651.923,68

STM/Metrô SP Metrô Aquisição Linha 1 e 3 – Azul e Vermelha 17 489.197.978,73

Metrô SP Metrô Aquisição Linha 5 – Lilás 26 615.103.680,10

Metrô SP Monotrilho Aquisição Prolongamento da Linha 2 – Verde 54 1.108.569.760,56

Metrô SP Monotrilho Aquisição Linha 17 – Ouro 24 252.331.254,96

EMTU VLT Aquisição Baixa Santista – Concessão 20 135.720.000,00

STM/CPTM Trem Aquisição Linhas 7 e 12 40 1.151.583.803,60

STM/CPTM Trem Aquisição Linha 9 8 246.230.792,96

STM/CPTM Trem Aquisição Linha 11 9 194.105.570,22

CPTM - PPP Trem Aquisição Linha 8 – licitação – PPP 36 1.010.016.000,00

Futura Concecionária VLT VLT Aquisição VLT Centro do Rio de Janeiro 32 480.000.000,00
Parceiro privado (POA) Metrô leve Aquisição Fase 1 do metrô de POA 25 não informado
(metrô leve)
Parceiro privado (POA) Metrô leve Aquisição Fase 2 do metrô de POA 11 não informado
(metrô leve)

CBTU-Recife VLT Aquisição Superintendência Recife-Diesel 5 42.625.831,60

CBTU-Recife Metrô Aquisição Superintendência Recife-Elétrico 15 196.828.645,95

Maceió VLT Aquisição Superintendência Maceió-Diesel 5 40.088.714,45


Parceiro privado Metrô Aquisição Linha Norte-Sul – 1ª etapa 18 324.000.000,00
(Curitiba)

Concessionária Metrô BH Metrô Aquisição Metrô BH/Linha 1 16 466.752.000,00

Concessionária Metrô BH Metrô Requalificação Metrô BH/Linha 1 16 73.675.200,00

Concessionária Metrô BH Metrô Aquisição Metrô BH/Linha 2 7 136.136.000,00

Concessionária Metrô BH Metrô Aquisição Metrô BH/Linha 3 5 97.240.000,00

Metrô-DF Metrô Aquisição Linha 1 2 43.560.000,00

Metrô-DF Metrô Aquisição Linha 1 e Linha 2 53 530.000.000,00

Salvador Metrô Aquisição 20 288.000.000,00

Estado do Ceará Metrô Aquisição Linha Sul 10 240.000.000,00

Estado do Ceará Metrô Aquisição Linha Oeste 20 não informado

Estado do Ceará VLT Aquisição VLT 10 94.278.240,00

Estado do Ceará VLT Aquisição Cariri 1 4.400.000,00

Estado do Ceará VLT Aquisição Sobral 5 23.500.000,00

Fonte: BNDES.
Mobilidade Urbana 339

Investimentos da ordem de R$ 113 bilhões

Segundo estudo realizado por Levino Pires, João Paulo Rodrigues e Átila Sarkozy,
no âmbito da Comissão Técnica de Economia da ANTP, para eliminar o “passivo”
existente, a demanda por investimentos em mobilidade para as 38 cidades brasi-
leiras com mais de quinhentos mil habitantes, totalizando 56 milhões de pessoas
(29% da população brasileira), encontra-se resumida na Tabela 6.
O estudo sugeriu, de acordo com o perfil de cada um dos municípios, os modos
de transporte que seriam suficientes e adequados para atendimento às necessida-
des de demanda de cada município, refletida em uma quilometragem por modo.
O trabalho utilizou como parâmetros de análise informações dos 38 municípios
sobre tamanho da população, sua distribuição geográfica, índice de motorização,
índice de mobilidade, deslocamentos globais com ênfase nos horários de pico, renda
e projetos existentes. Foi considerado um horizonte de planejamento de dez anos.
Para a estimativa dos investimentos, foram utilizadas como base informações
coletadas pelo Ministério das Cidades de diversos investimentos realizados no mun-
do, bem como informações de projetos brasileiros em andamento. Não foram con-
siderados no estudo os custos com desapropriação.

Tabela 6 Demanda por investimentos em mobilidade para as 38 cidades brasileiras com


mais de quinhentos mil habitantes

Modo de transporte Ampliação da rede (km) Investimento (R$ bilhões)

BRT 1.180 44,5

Metrô 169 58,1

VLT 48 6,4

Trem 25 4,2

Total 1.422 113,2

Fonte: <http://portal1.antp.net/rep/18cng/18cng10stmt03.pdf>.

Parceiros públicos e privados

Um estudo realizado por Souza (2011) sobre os determinantes do investimento


público, utilizando métodos econométricos, constata a existência de estreita cor-
340 BNDES 60 ANOS – PERSPECTIVAS SETORIAIS

relação entre o volume de receitas de operações de crédito e o investimento dos


estados brasileiros. Constata-se que um dos meios de incentivar a ampliação dos
investimentos é expandir a concessão de crédito aos entes públicos, especialmente
aos estados, com maior capacidade de endividamento e investimento, preferencial-
mente direcionados para os sistemas estruturantes de transporte urbano.
Em razão do complexo sistema de controle fiscal dos estados e municípios bra-
sileiros implementado no ano de 2001 pela União Federal – que contempla o Pro-
grama de Ajuste Fiscal (PAF), a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Contingen-
ciamento de Crédito ao Setor Público, cujo expoente é a Resolução 2.827/01 –,
dadas as limitações do endividamento público, uma das formas de elevar os investi-
mentos na estruturação do sistema de transportes das cidades brasileiras é por meio
da alavancagem de recursos privados, valendo-se das parcerias público-privadas, ainda
pouco utilizadas, na maior parte dos casos, por carecerem de mecanismos garantidores.
Um dos atributos de um bom sistema de transporte é induzir o desenvolvimen-
to urbano e a intensificação das atividades econômicas nas áreas atendidas, pro-
porcionando meio de direcionar o crescimento das cidades. Em decorrência desse
fato, um ganho que pode ser mensurado e considerado no cálculo da viabilidade
econômica dos projetos por parte dos municípios é o aumento de arrecadação do
IPTU decorrente da provável valorização das áreas do entorno.
Merece ser citado também o fato de que, segundo Rocha e Giuberti apud Souza
(2011), existe uma correlação positiva entre os investimentos públicos no setor de
transportes e o crescimento da economia, provavelmente relacionada à indução do
desenvolvimento urbano vinculado aos corredores de transporte, assim como ao au-
mento da taxa de mobilidade da população.
Para financiar a operação dos sistemas de transporte pode-se tentar também
estabelecer soluções criativas com objetivo de capturar externalidades positivas,
como bem exemplifica o caso dos shoppings localizados no entorno das estações de
metrô de São Paulo, modelo de negócio que começou em 1997, com a inauguração
do Shopping Metrô Tatuapé, e vive um novo ciclo de expansão com a construção de
novos shoppings integrados às estações. Nesses casos, o metrô paulista é remunera-
do por valores fixos e recebe percentual em relação ao faturamento dos shoppings.
Mobilidade Urbana 341

Podem ser explorados também modelos de cobrança de um tipo de taxa condo-


minial de grandes empresas estabelecidas na área atendida pelo sistema de trans-
porte de alta qualidade, ou mesmo contribuição dos planos de saúde sobre a redu-
ção da emissão de poluentes atmosféricos.

Papel dos financiadores

O BNDES, na figura do mais tradicional e principal agente financiador da mobili-


dade urbana no Brasil, historicamente desempenha um papel importante na defi-
nição de políticas setoriais, tendo participado de quase todos os grandes projetos
metroferroviários do país, além de ser um dos principais financiadores da venda
de ônibus e caminhões. O BNDES atua por meio do financiamento à aquisição de
material rodante via Finame e por meio do financiamento aos projetos de implan-
tação e expansão de sistemas de transporte estruturantes via Finem.
Por meio de diretrizes e políticas operacionais que orientam a concessão de
financiamento, os agentes de desenvolvimento incentivam e induzem as melhores
soluções para os sistemas de transporte: na ponta da oferta, apoiando a indústria
nacional de equipamentos e material rodante, incentivando a qualificação da ges-
tão e a inovação tecnológica; na ponta da demanda, apoiando projetos voltados ao
aperfeiçoamento da acessibilidade, à elevação do padrão de qualidade, conforto,
confiabilidade, gestão e fiscalização dos sistemas de transporte.
Em linhas gerais, as políticas de fomento devem também atender aos princípios
básicos para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, quais sejam: (i) priorizar
o uso do transporte público coletivo; (ii) fomentar o investimento em sistemas de mé-
dia e alta capacidade; (iii) promover a troca da matriz energética, priorizando o uso
de combustíveis renováveis e energias limpas; (iv) fomentar o aumento da eficiência
e a ampliação da integração intermodal, até mesmo com transporte não motorizado.
Cabe mencionar que o alinhamento entre as políticas de financiamento do
BNDES e da Caixa é fundamental para evitar o enfraquecimento de sua capacidade
de induzir boas práticas para o setor de transporte e para o desenvolvimento har-
monioso e sustentável das cidades brasileiras.
342 bndeS 60 anoS – PerSPeCTiVaS SeToriaiS

a tendência do setor é o aumento da fatia atendida por transporte sobre tri-


lhos, como já ocorre nos países mais desenvolvidos, em razão da inviabilidade de
atender ao aumento da demanda por transporte por meio do modo rodoviário,
não apenas pela pressão por sustentabilidade ambiental, mas também pelo cres-
cimento dos custos e tempos de viagem em razão da saturação da infraestrutura
(congestionamentos).
o possível aumento da participação do setor privado no transporte sobre tri-
lhos, seja na operação, seja aportando capital para acelerar o ritmo dos investimen-
tos, exigirá a atenção dos poderes concedentes e agências reguladoras para evitar
conflitos de interesse no planejamento e na viabilização das PPP, a exemplo do que
ocorre em setores de infraestrutura.

7. Po L Í tI c As PA R A A m ob IL ID A D e
a lei 12.587/2012 veio regulamentar a Política nacional de Mobilidade Urbana,
tendo definido os seguintes objetivos:
i. reduzir as desigualdades e promover a inclusão social;
ii. promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais;
iii. proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à
acessibilidade e à mobilidade;
iv. promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambien-
tais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e
v. consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção
contínua do aprimoramento da mobilidade urbana.
a lei da Mobilidade Urbana estabelece, entre suas diretrizes para a prestação
do serviço de transporte público coletivo, que:
o regime econômico e financeiro da concessão e o da permissão do

serviço de transporte público coletivo serão estabelecidos no respec-

tivo edital de licitação, sendo a tarifa de remuneração da prestação

de serviço de transporte público coletivo resultante do processo lici-

tatório da outorga do poder público (Art. 9).


Mobilidade Urbana 343

Estabelece ainda, que “a contratação dos serviços de transporte público cole-


tivo será precedida de licitação” (Art. 10). No artigo 16, define como atribuições
da União, “prestar assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e
Municípios, nos termos desta Lei” (Inciso I), além de “fomentar a implantação de
projetos de transporte público coletivo de grande e média capacidade nas aglo-
merações urbanas e nas regiões metropolitanas” (Inciso IV). 
Já o Artigo 17 estabelece que entre as atribuições dos estados está a de “ga-
rantir o apoio e promover a integração dos serviços nas áreas que ultrapassem os
limites de um Município” (Inciso III).
Quanto aos municípios, de acordo com o Artigo 18, cabe-lhes “planejar, execu-
tar e avaliar a política de mobilidade urbana, bem como promover a regulamenta-
ção dos serviços de transporte urbano” (Inciso I).  
As atribuições mínimas dos órgãos gestores dos entes federativos incumbidos
respectivamente do planejamento e da gestão do sistema de mobilidade urbana
(Art. 22) são as seguintes: 
I. planejar e coordenar os diferentes modos e serviços, observados os princípios e
diretrizes desta lei; 
II. avaliar e fiscalizar os serviços e monitorar desempenhos, garantindo a consecu-
ção das metas de universalização e de qualidade; 
III. implantar a política tarifária; e
IV. dispor sobre itinerários, frequências e padrão de qualidade dos serviços. 
O instrumento de efetivação da Política Nacional de Mobilidade Urbana, de
acordo com o Artigo 24, é o Plano de Mobilidade Urbana, que deve contemplar
os princípios, os objetivos e as diretrizes dessa lei. Sua elaboração é obrigatória
em Municípios acima de 20.000 (vinte mil) habitantes e em todos os

demais obrigados, na forma da lei, à elaboração do plano diretor

[...],integrado e compatível com os respectivos planos diretores ou

neles inserido” (§ 1º). Ainda segundo o artigo 24, § 3º, “o Plano de

Mobilidade Urbana deverá ser integrado ao plano diretor municipal,

existente ou em elaboração, no prazo máximo de 3 (três) anos da

vigência desta Lei. 


344 bndeS 60 anoS – PerSPeCTiVaS SeToriaiS

8. PR o b L em A s e ob s t Á c u L os A s u P e RA R
a taxa de mobilidade é função direta da renda, como vem sendo verificado na prá-
tica, o que significa que o crescimento econômico brasileiro elevará a mobilidade
da população, gerando pressão de demanda sobre o transporte coletivo e sobre o
transporte individual.
Para fazer frente a essa demanda, alguns passos importantes precisam ser da-
dos, dentre os quais podemos destacar:
1. equacionar fontes de financiamento aos estados e grandes municípios para
permitir investimentos nos modos de média e alta capacidade;
2. viabilizar novas concessões e parcerias público-privadas (PPP) de forma a ala-
vancar investimentos privados;
3. melhorar capacidade de gestão e viabilizar elaboração de projetos básicos e
executivos para o PaC Mobilidade Grandes Cidades;
4. fomentar a indústria nacional de material rodante e sistemas, com vistas ao
desenvolvimento e adoção de tecnologias mais eficientes em consumo energé-
tico, desempenho operacional e emissões (ruídos e gases poluentes);
5. promover o desenvolvimento institucional dos órgãos gestores municipais e es-
taduais, melhorando sua capacidade de planejamento, regulação e fiscalização
sobre o setor;
6. melhorar a competitividade do setor em benefício da eficiência, com reflexos
na qualidade do serviço e modicidade tarifária, por meio da realização de licita-
ções e do estímulo à modernização e ao arejamento empresarial privado;
7. estabelecer e manter políticas de descontingenciamento de crédito ao setor
público mais constantes e previsíveis, de maneira que permita ao setor público
planejar a médio e longo prazos, investir em projetos e ter continuidade no
fluxo de investimentos;
8. resgatar o papel do transporte coletivo como um dos principais vetores estrutu-
radores do desenvolvimento urbano.
Mobilidade Urbana 345

9. c o Nc L us à o
o cenário exposto neste artigo relatou um momento dual para a mobilidade ur-
bana. ainda que a sociedade brasileira experimente, hoje, a escassez quantitati-
va e qualitativa na provisão desse serviço essencial a seu bem-estar, o horizonte
é promissor por alguns aspectos: (i) mobilização de recursos públicos e privados;
(ii) a chegada de entrantes privados no setor, promovendo um choque nos pa-
drões estabelecidos; (iii) oportunidade de modernização no ambiente institucional;
(iv) prioridade na agenda política e social assumida pelo setor; (v) oportunidades
tecnológicas e industriais convergindo para a melhoria na qualidade ambiental.
neste momento complexo e repleto de oportunidades, as projeções para um
ciclo significativo de investimentos ganham contornos mais críveis. Caberá ao
bndeS, no trilho de sua história de atuação, buscar encontrar os mecanismos para
o melhor aproveitamento e aceleração dessa oportunidade, mas também trabalhar
na articulação com atores públicos e privados para remover obstáculos e buscar ga-
nhos de eficiência, para viabilizar a constância e a continuidade dos investimentos
em mobilidade urbana no brasil.

R eF eR ÊNc I As
braSil. lei 12.587/2012, de 3 de janeiro de 2012. institui as diretrizes da Política
nacional de Mobilidade Urbana. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil.
brasília, dF, 4 jan. 2012. Seção 1, p. 1.

braSil. Portaria 185, de 24 de abril de 2012. divulga o resultado do processo


de seleção para beneficiar os municípios integrantes dos Grupos Mob 1, Mob
2 e Mob 3, do PaC Mobilidade Grandes Cidades. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil. brasília, dF, 25 abr. 2012. Seção 1, p. 104.

CarValHo, C. H. r. et al. infraestrutura Social e Urbana no brasil – subsídios para


uma agenda de pesquisa e formulação de políticas públicas. Comunicado Ipea,
n. 94, Série eixos do desenvolvimento brasileiro. brasília: instituto de Pesquisa
346 bndeS 60 anoS – PerSPeCTiVaS SeToriaiS

econômica aplicada (ipea), 25 mai. 2011. disponível em: <http://www.ipea.gov.br/


portal/index.php?option=com_content&view=article&id=8589>. acesso
em: mai. 2012.

Ferreira, C. agências reguladoras: setorial ou multissetoriais? in: Vii ConGreSo


inTernaCional del Clad Sobre la reForMa del eSTado Y de la adMiniSTraCiÓn PÚbliCa.
lisboa, Portugal, 8-11 out. 2002. disponível em: <http://unpan1.un.org/intradoc/
groups/public/documents/clad/clad0044314.pdf>. acesso em: 29 jun. 2011.

GiaMbiaGi, F.; alÉM, a. C. Finanças públicas. 2. ed. rio de Janeiro: elsevier, cap. 1,
p. 23-29, 2001.

inea – inSTiTUTo eSTadUal de aMbienTe. Qualidade do ar. rio de Janeiro, 2011. disponível
em: <http://www.inea.rj.gov.br/fma/qualidade-ar.asp>. acesso em: 29 jun. 2011.

MeZGHani, M. From public transport to integrated mobility. UiTP – Programmes &


Studies – belgium, 2003. in: SoUZa, F. Desenvolvimento urbano para o transporte
sustentável: estudo da linha dois do metrô do Rio de Janeiro. dissertação
(Mestrado em engenharia de Transportes) – Coppe/UFrJ, rio de Janeiro, 2007.

PeSQUiSa oriGeM e deSTino 2007 – reGiÃo MeTroPoliTana de SÃo PaUlo. Síntese das
informações da Pesquisa domiciliar. São Paulo: estado de São Paulo – Secretaria
dos Transportes Metropolitanos, dezembro de 2008. disponível em: <http://www.
nossasaopaulo.org.br/portal/files/sintese_od_2007.pdf>. acesso em: 30 jun. 2011.

PireS, l. et al. Comissão Técnica de economia da anTP. in: 18º ConGreSSo braSileiro de
TranSPorTe e TrÂnSiTo – anTP. rio de Janeiro, 18-21 de outubro de 2011. disponível
em: <http://congressos.antp.org.br/18cng/lists/biblioteca%20do%2018%20
Congresso/allitemsg.aspx>.

roCHa, F.; GUiberTi, a. C. Composição do gasto público e crescimento econômico: um


estudo em painel para os estados brasileiros. economia aplicada, ribeirão Preto,
v. 11, nº 4, 2007. in: SoUZa, a. determinantes do investimento público no brasil:
uma abordagem em painel dinâmico para os estados brasileiros. dissertação
(Mestrado em economia) – UFC, Ceará, 2011.
Coordenação Editorial
Gerência de Editoração do BNDES

Projeto Gráfico e Diagramação


Refinaria Design

Produção Editorial
Expressão Editorial

Impressão
Gráfica Stamppa

Você também pode gostar