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E
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II. DOGMÁTICA
I. CIENCIA E RELIGIÁO
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expressáo esta cuja legitimidade os médicos nao lhe contestam: a
individualidade do doente impregna a sua própria molestia; mesmo
quando os exames de anatomía e as análises de laboratorio pouca
diferenca acusam entre a tuberculoso do cidadáo A, a do cidadáo B
e a do cidadáo C, verifica-se que as proporcóes assumidas pela molestia,
a sua evolucáo e as repercussóes da mesma na vida de cada paciente
tém características marcantes que nao correspondem ás pequeñas
diferencas verificadas pelos exames clinicos. Daí dizer-se que o psi-
quismo do homem, ou seja, sua vida espiritual influí na coníiguragao
dos seus estados patológicos ou melhor, faz parte essencial da estru-
tura désses estados docntios.
A distingáo entre materia e espirito, assim como a existencia de
urna alma espiritual no homem, aqui pressupostas já foram expla
nadas em «P. R.» 5/195S, qu. 1.
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videncia Divina, elas devem do seu modo concorrer para que o
paciente atinja a vida eterna.
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de perturbagóes nervosas: asma, úlceras, tensáo cardíaca, e
outras que acometem freqüentemente o homem contemporáneo.
É o que permite estender, até certo grau, as doengas orgánicas
o que atrás dizíamcs a respeito das neuroses e dos conflitos de
consciéncia.
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mesmo atingidos) nem se alastram igualmente por toda a
parte. Essa desigualdade pode muito bem ser atribuida a diversa
resistencia que os organismos opóem á contaminagáo infecciosa;
há pessoas predispostas a tal e tal doenga, como há também
pessoas premunidas... Tal explicagáo é, sem dúvida, válida,
mas parece exigir um complemento. Estudos recentes feitos
sobre a tuberculose deram a ver o seguinte: o bacilo desta
molestia contamina, inegávelmente, com mais freqüéncia as
pessoas que entram em contato com tuberculosos; analisando-se,
porém, o estado psíquico dos pacientes, verificou-se que a tuber
culose contagia e se desenvolve principalmente ñas fases de
crise de consciéncia por que pode passar urna pessoa.
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vida acompanhados por achaques fisicos. — É o que nos leva
a dizer que, em última análise, toda e qualquer doenga tem
significado providencial, do qual o paciente deve procurar tirar
partido.
2. As consecuencias práticas
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Além disto, nota o Dr. Jores que a medicina moderna, pelos novos
recursos que emprega, conseguiu, sem dúvida, prolongar a duracáo
media da vida humana, debelando males que outrora seriam fatáis;
nao conseguiu, porém, diminuir o número de pessoas doentes; antes,
éste parece aumentar. «Em abono do que afirmo, refiro-me apenas
a neurose... que tende a tornar-se a molestia da nossa época...
Poder-se-á debelar a pneumonía, por exemplo, á custa de injecSes
de penicilina; com isto, porém, ninguém impedirá o paciente de cair
em perturbacíio neurótica por nao ter realizado o sentido da sua
doenca» (Jores, art. cit.).
Jores frisa bem que nao quer em absoluto depreciar a ciencia
e a técnica modernas, mas visa únicamente chamar a atengáo para
um problema de outra Índole, pelo qual o enfermo e o médico contem
poráneos nao podem deixar de se interessar.
Torna-se assim lógico consideráronos agora as conseqüéncias dos
íatos referidos.
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Na elaboracáo da presente resposta, muito nos valemos do estudo
de Maurice Colinon: «Les Guérisseurs». Paris 1957, na colecao «Le
Bilan do Mystére» n' 1. Grasset, éditeur. — Antes de escrever tal
obra, o autor realizou demoradas pesquisas no mundo dos curandeiros,
dedicando-se, a seguir, á prática do magnetismo durante alguns meses.
Guiado por tal experiencia, Colinon resolveu escrever, proíessando
«nao obedecer a preconceito ou paixáo de especie alguma» (ob. cit.
pág. 8).
1. A psicología do curandeiro
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«O novo homem de ciencia, o especialista, aproxima-se do doente,
munido de aparelhagem completa e variegada. Ele vé diante de si
nao própriamente um enfermo, mas urna enfermidade» (Arnold Hut-
schnecker, La volonté de vivre. Robert Laffont 1954, 10).
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mente apregoada como extraordinaria, dotada de poderes tau
matúrgicos, de intuigóes místicas, etc. É a pessoa, e nao o
remedio, que age sobre ele; verifica-se até que o mesmo remedio
aplicado ao paciente por outra pessoa que nao o curandeiro
«tal», nao produz efeito algum.
3. O benéfico encontró
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já iniciado no paciente. Éste processo psíquico é que provocará
finalmente a cura (real ou aparente, duradoura ou transi
toria...; isto depende das circunstancias de cada caso) da
molestia que acabrunha o consulente.
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da psicología do curandeiro, da psicología do paciente, assim como
das relacóes que entre éles se estabelecem por ocasiáo da terapéutica.
Van Lennep pessoalmente submeteu curandeiros holandeses ao
teste das «quatro imagens»; o Prof. Heiss fez que outros passassem
pelo teste das «pirámides de cor». Etn conclusáo, ambos verificaram
que tais taumaturgos apresentam entre si profundas semelhancas de
ánimo, a ponto de se poder dizer que constituem quase um grupo
psicológico caracterizado.
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agindo de boa fé: totalmente empolgados pela situacáo que se
cria em torno déles, nao conseguiriam sequer suspeitar algum
erro no seu procedimento pessoal.
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«Lembro-me da minha primeira paciente... a qual, já havia dez
anos, sofria de eczema crónico. Em duas sessóes obteve a cura.
Foi o que deu fundamento á minha fama de taumaturgo... Nao
me lembro de ter alguma vez fracassado em caso de eczema ou de
verruga... Basta soprar sobre as verrugas. Era o que eu fazia
conscientemente. O enfermo executava o resto, isto é, em horas
marcadas efetuava urna serie de gestos complicados que eu inventava
conforme o caso. O essencial era que tais gestos exigissem muita
atencáo e muito lempo. — Nao se diz, alias, que o segrédo da eficacia
dos cataplasmas consiste no fato de exigirem meia-hora de prepa
rativos?» (ob. cit. 119s).
Por finí, a propósito das doencas cuja origem nao é ¡mediata
mente perceptivel (doencas ditas «sem causa», como acontece com
certas enxaquecas, nevralgias, palpitaeóes cardiacas, insuficiencias
hepáticas, paralisias parciais), verifica-se muitas vézes que estáo
profundamente associadas a um estado psiquico perturbado; íígado,
coracáo, estómago se acham. do ponto de vista fisiológico, em con-
digoes totalmente normáis; de nada adíantaria aplicar-lhes drogas
e tratamentos; o que deve ser reformado em tais casos, é o estado
de ánimo do paciente; ora é justamente isto o que urna visita ao
curandeiro pode muitas vézes provocar (recurso contudo precario,
pois, como veremos adiante, nao soluciona o problema pela raiz).
«O homem que é causa da sua própria doenga (sem ter conscién-
cia disso, é claro; muitas vézes mesmo, recusando-se .a admitir tal
hipótese), pode ser causa da sua própria cura. Basta, para isto, que
o processo psicológico tome o sentido oposto» (Colinon, ob. cit. 120).
5. Reflexao final
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paciente, apenas o desloca. Sim; o enfermo que sofría de um
estado psíquico manifestado por tais sintomas ou por tal doenga
do corpo, após a cura ocultista passa a sofrer de outro estado
psíquico pouco regular; éste nao se patenteia pelos mesmos
sintomas que o anterior, mas tende a se revelar cedo ou tarde
mediante nova doenga do corpo.
Ora está claro que nao vale a pena iludir-se com o recurso
a tal terapéutica!
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II. DOGMÁTICA
P. N. (Mariana):
1. Que é o mal?
2. E os defeitos da natureza...?
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Sondo assim, entende-se que toda criatura, pelo fato mesmo
de nao possuir necessáriamente o seu ser (ela nao era, e veio
a ser por obra de um agente que nao é ela mesma), está sujeita
a perder ésse ser ou em parte (desvirtuando-se e definhando)
ou totalmente (caindo na ruina e na morte). Urna criatura que,
por sua natureza mesma, nao fósse sujeita a falhar e perecer,
seria urna contradigáo: seria simultáneamente
volúvel, transitoria, nao tendo em si mesma a sua razáo
de ser (pelo fato de ser criatura),
e imutável, absoluta (pelo fato de nao poder perder o ser).
Vé-se assim que Deus jamáis poderia ter feito urna cria
tura que nao fósse naturalmente sujeita a decair e perecer
(a infalibilidade, caso exista na criatura, é dom gratuito do
Senhor); Deus nao poderia ter feito outro Deus; o Absoluto
nao poderia ter produzido outro Absoluto.
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materno supóe a agáo de glándulas, hormónios, tecidos, etc.
dotados de perfeicáo finita; ao se concatenaren!, compreende-se
que tais fatóres possjun_.desgastar-se, dando lugar a erros, que
sao os chamados «erros da natureza». Ésses erros, cuja freqüén-
cia é relativamente exigua, nao encobrem a harmonía geral
do universo nem depóem contra a perfeigáo^de Deus, pois nao
''sao devidos ao Criador ou á CausaJPrimária. mas as criaturas
ou as causas secundarias, qué o Senhor Supremo se digna
envolver no plano de administrar o mundo.
Urna analogía muito clara ilustra quanto acabamos de dizer:
Tenha-se em vista urna grande máquina sabiamente instalada
numa oficina para fabricar determinados objetos. O seu fundonamento
é automático; a pressáo sobre um botáo desencadeia urna corrente
elétrica que póe em movimento rodas, engrenagens, alavancas, etc.;
a materia prima colocada na abertura da máquina sai do lado oposto
pronta para o consumo... — Certamente urna sabía inteligencia
humana inventou tal aparelhagem; outra inteligencia humana — a
do operario técnico — desencadeia e observa atentamente o íunciona-
mento da máquina. Da parte do inventor e do operador, pode haver
i todo o esmero profissional desejável; nao obstante, é inevitável.jao
!fim do processo, o aparecimento de objetos defeituosos ou monstruo
sos (urna fólha de papel enrugada, em vez de lisa; páginas em branco
na impressáo de um livro, etc.). Tais falhas decorrem da deficiencia
; natural do mecanismo (houve desajuste em alguma engrenagem ou
comecou a faltar óleo numa alavanca, desgastou^se urna pesa...);
1 cada um dos elementos do conjunto sendo defectivel, é normal que
um ou out.ro deixe de prestar sua funcáo até mesmo quando menos
se espere. Os^smonstros» que procedam da máquina, nao desdizem
a inteligencia" do inventor nem a do operador; acontece, porém, que
nenhuma inteligencia pode fabricar pecas de metal, lona ou óleo
totalmente isentos de dosvirtuamcnto; quem conseguissc tal, já nao
estaría produzindo pecas de metal nem lona nem óleo...
Ora algo de semelhante se dá no universo: a sabedoria do Criador
concebeu e coordena as atividades de cada criatura em vista de urna
harmonía de conjunto... Pois bem; a perfeigáo do Criador se mani-
festa nüo numa pretensa ausencia de íalhas dos seres criados (isto
equivaleria a cancelar a atividade mesma désses seres); patenteia-se,
antes, na arte grandiosa de tirar dos males um bem mais relevante,
um bem muito reluzente, porque colocado sobre um fundo muito
negro, um bem mais admirável porque obtido por meio (ou apesar)
de toda a precariedade de instrumentos criados.
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4) A historia do pecado de Adáo e Eva parece inventada
para explicar a morte e seus precursores (a doenca, a fome, a
dor...) no mundo. Dir-se-ia, porém, que é fábula va, pois a
morte e as miserias nao precisam de explicacáo especial.
1. O testemunho da razao
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a julgar que provávelmente os conflitos das criaturas entre si
(da carne, por exemplo contra o espirito, dentro do homem;
dos seres inferiores contra os superiores, no mundo) nao sao
originarios, mas devidos a urna violagáo da ordem inicial;
seriam urna sangáo acarretada por culpa do homem (que é
naturalmente responsavel pelos seres inferiores perante Deus).
Assim o observador de bom senso poderia, ao menos com certa
probabilidade, concluir a existencia do pecado original de que
fala a Escritura Sagrada (Génesis 3). Cf. S. Tomaz, Suma
contra os Gentíos IV 52.
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segundo a qual Deus nao fez o mal nem a morte, mas estes
infortunios entraram no mundo em conseqüéncia do pecado;
tal ensinamento parece, conseqüentemente, pertencer ao patri
monio das noc.5es primordiais do género humano e só se explica
devidamente se de fato corresponde á realidade histórica.
Naturalmente, cada tribo primitiva deu á narrativa do
primeiro pecado seu colorido próprio, caracterizado pelo am
biente de vida e pela mentalidade particular de tal ou tal clá;
nao é ésse colorido, variável de povo a povo, que interessa ao
presente estudo, mas é a mensagem doutrinária assim transmi
tida. Essa mensagem, em última análise, faz eco á da Escritura
Sagrada (Gen 3), corroborando-a estupendamente.
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3) Os Bagandas da África Central contam que Kintu, o primeiro
homem, depois de ter superado varios testes, obteve a licenga de se
casar com Nambi, urna das filhas de Mugulu (o Céu ou o Alto). O pai
da donzela deixou que ela viesse com seu consorte para a térra,
trazendo ricos presentes, entre os quais urna galinha; ao despedir-se
do casal, mandou que se apressassem por sair, aproveitando o íato
de que o irmao de Nambi, chamado Warumbe (a Morte) estava fora
de casa; recomendou-lhes, outrossim, que nao voltassem para apanhar
o que quer que tivessem esquecido. Durante a caminhada, porém,
Nambí veriíicou que chegara a hora de dar de comer á galinha; já
que esquecera o milho, consentiu entüo em que Kintu voltasse á casa
para buscá-lo. Mugulu, o pai, ao rever o genro, irritou-se pela deso
bediencia; Warumbe (a Morte), estando de novo em casa, fez questáo
de acompanhar Kintu; toda resistencia tendo sido vá, a Morte desceu
com o casal para a térra, onde até hoje habita com os homens.
4) Graciosa é a historia que contam os japoneses: o principe
Ninighi se enamorou pela princesa «Florescente como as flores».
O pai da jovem, que era o Deus da Grande Montanha, consentiu em
seu casamento, e deixou-a partir com sua irmá mais velha «Alta
como as rochas». Esta, porém, era tremendamente feia, de sorte que
o noivo a mandou voltar para casa. Em conseqüéncia, o velho Deus
amaldicoou o genro, e declarou que sua posteridade seria frágil e
delicada como as flores!
5) Os «Bataks» de Palawan (ilhas Filipinas) contam que o seu
deus costumava ressuscitar os mortos. Todavia certa vez os homens
o quiseram engañar, apresentando-lhe um tubarao enfaixado como
um cadáver. Quando a Divindade descohriu a astucia, amaldigoou
os homens, condenando-os a ficar sujeitos ao sofrimento e á morte.
6) No territorio, de Uganda (África) os «Masáis referan que
um dos seres divinos ou Demiurgos deu a um homem a seguinte
ordem: todas as vézes que morresse urna crianga, deveria remover
o cadáver dizendo: «Homem, morre e vem de novo á vida! Lúa, morre,
e desaparece definitivamente!». Essas palavras produziam o efeito
de ressuscitar. Um dia, porém, o dito comissário da Divindade, posto
diante de urna erianca que nao Ihe pertencia, houve por bem deso
bedecer, invertendo os dizeres da famosa fórmula. Quando na vez
seguinte repetiu a frase certa sobre um de seus próprios filhos,
verificou que ela perderá o seu poder. De entáo por diante acontece
que, quando a Lúa morre, ela volta á vida, ao passo que o homem,
caindo ñas garras da morte, é por esta detido.
7) Por fim, deve-se mencionar a crenca numa era de inocencia
e felicidade anterior aos lempos presentes, crenca professada freqüen-
temente pelos aborigénes da América.
Os indios de Cheyenne, por exemplo, falam de urna época para
disíaca, em que os homens, moralmente puros como eram, nao usavam
vestes e caminhavam em meio a campos férteis; guerra, endientes
e fome teráo sucedido a tal fase da historia, a ponto de dominar
atualmente o mundo. A morte, ñas narrativas semelhantes a estas,
é muitas vézes apresentada como conseqüéncia de urna culpa moral
ou de um pecado; é o que se verifica, em particular, ñas tradigóes
dos esquimos.
Os egipcios proíessavam a existencia de urna idade de ouro no
inicio da historia, idade em que o Deus Sol governava soberanamente
o orbe e nao havia nem pecado nem espiritos malignos; revoltando-se
contra Deus, os homens teriam perdido a felicidade original. Haja
vista, por exemplo, a narrativa intitulada «Destruigáo do género
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humano»: o Deus Solar, Ra, caracterizado pelo seu amor ao bem,
reinava em tempos remotos sobre os deuses e a humanidade. Enve-
lheceu, porém, e os homens comegaram a tratá-lo irreverentemente;
Ra entao mandou-lhes seu próprio dlho sob a forma da deusa Hator,
a íim de os destruir. Ora Hator nao hesitou em provocar tremenda
carnificina humana, que a divertiu durante um dia inteiro. Ao fim
déste, Ra compadeceu-se e resolveu salvar do total exterminio a
estirpe dos homens. Recusou-se contudo a habitar doravante sobre
a térra, retirando-se conseqüentemente para o céu.
A. F. P. (Belo Horizonte):
«Nao somos capazes de atribuir a nos o que quer que seja, como
se proviesse de nos mesmos, mas é de Deus que vem a nossa aptidao»
(2 Cor 3,5).
«Que é que te distingue? Que é que possuis que nao tenhas
recebido?» (1 Cor 4,7).
«O Deus de toda a graca, que por Cristo vos chamou á sua eterna
gloria, vos aperfeicoará, vos dará firmeza e vigor, tornando-vos inaba-
láveis» (1 Pdr 4,10).
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Assim o sínodo de Orange (Gália) em 529 inculcava que
«os cristáos batizados e os santos deveráo sempre implorar o
auxilio de Deus, para que possam chegar a santo desenlace
e perseverar na prática do bem» (Denzinger 183).
Mais tarde, o Concilio de Trento (1545-1563) declarou
solenemente:
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que existe entre o Senhor e a alma justa (tal é o mérito dito «de
congruo»).
Pois bem; os teólogos aíirmam que a perseverarla final nao
pode, a titulo algum, ser obtida por mérito. É o que se depreende do
seguinte raciocinio:
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certo número déles obtétn a salvacao, deve-se ao dom do Salvador;
quanto á perda dos outros, seja ela atribuida á culpa dos mesmos»
(Denzinger 318).
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3. Os motivos de imperturbada confianca
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eu ter segurarla em mim mesmo? Meu Deus, sinto que minha vontade
me escapa a todo momento; se me quisésseis constituir único senhor
da minha sorte, eu recusaría íaculdade táo perigosa para a minha
íraqueza. Nao me digam, portanto, que a doutrina da graca e da livre
nscolha divina leva as almas boas ao desespero. Julgam os homens
que mais me tranqüilizaráo se me fizerem apoiar-me em mim mesmo
e se me entregaren! a minha inconstancia? Nao, meu Deus; nao con-
sinto nisso. Nao posso encontrar seguranca senáo abandonando-me
a Vos. E tanto maior é a minha paz quanto mais vejo que aqueles
a quem dais a conftanca de se abandonarem totalmente a vos, rece
be m ... os melhores sinais de vossa Bondade que se possam ter
sobre a térra».
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á Ssma. Virgem, refugio dos pecadores,
á Santa Igreja, dispensadora da graca
e da verdade.
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a íim de que conceba clara idéia de Deus e conseqüentemente opte,
com pleno conhecimento de causa, por ou contra o Senhor Deus; a
clarividencia assim outorgada, acrescentam, poderla mesmo ser tal
que provoque necessáriamente a conversáo do pecador para Deus.
O primeiro esbóco de tal hipótese parece ter sido proposto no
sáculo XIV:
«Todo ser humano, adulto ou nao, Sarraceno, Judeu ou pagao,
mesmo que morra no seio materno, recebe, antes da morte, a clara
visao de Deus; sob esta visáo conserva a liberdade de se converter
ao Senhor ou de se afastar d*£le; caso se volte para Deus, salva-se;
na hipótese contraria, condena-se».
A proposicáo assim concebida íoi condenada em 1368 por Simáo
Langham, arcebispo de Cantuária (éste pronunciamento porém, nao
significava condenacSo da tese por parte do magisterio iníalível da
S. Igreja).
No séc. XIX o teólogo alemáo Klee íormulou semelhante hipótese
para o caso das criangas que morram sem batismo: Deus as iluminarla
na hora da morte, de modo a poderem conceber ao menos o déselo
do batismo (Katholische Dogmatik ni. Mogúncia 1835, 119). A sen-
tenga loi repetida com ligeiras inovac.5es por Karl-Maria Mayrhofer
em 1851 e por Laurent em 1879. Dom Démaret incluiu na sentenca
o caso mesmo dos adultos (cf. «Les morts peu rassurantes, motifs
d'espérance et de priére». Montligeon 1923).
Sob qualquer das suas modalidades, tal sentenca se apresenta
pouco verossímil. Nao sómente nao se lhe pode apontar fundamento
na Escritura Sagrada ou na tradic.ao oral, mas ao contrario parece
pouco condizente com as palavras de Cristo e dos Apostólos que
exortam os discípulos á vigilancia continua a fim de nao incorrerem
em ruina eterna; cf. Mt 24,42.44; 25,13; Le 12,39s; 21,34; 1 Tes 5,2.6;
2 Pdr 3,14; Apc 3,3; 16,15.
De rosto, a confianza do cristáo na Providencia Divina é suficien
temente firme para que se possa dispensar de pedir apoio a doutrinas
novas e pouco seguras.
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unilatcrais, devoremos distinguir os dois planos nos quais se move
o pensamento de Sao Paulo: a) íé e obras antes da conversáo para
Cristo (ou seja, antes da primeira justif¡cacao); b) íé e obras após
a conversáo para Cristo (ou após a justif¡cacao inicial).
— 342 —
mente dos homens culpados, fazendo-lhes ver as desordens de
sua conduta e levando-os a repudiá-las; destarte a fé habilitou
tais homens a receber o perdáo e um principio de vida nova,
a filiagáo divina. A conversáo, por conseguinte, nao se verificou
como conseqüéncia de boas obras, pois, antes de se converterem,
nem pagaos nem israelitas levavam vida digna de Deus; prati-
cavam, ao contrario, obras más; a graca do acesso a Cristo
e a RedenQáo Ihes foi dada realmente «de gracr.». é o que se
lé em continuacáo do texto de Ef 2,1-3:
— 343 —
«Atenienses, vejo em tudo que sois os mais religiosos dos homens.
Passando pela vossa cidade e observando os vossos monumentos
sagrados, encontrei mesmo um altar com a inscricáo «Ao Deus desco-
nhecido». Ora o que vos adoráis sem conhecer, eu vo-Lo anuncio»
(At 17,23s).
Donde se vé que as boas obras anteriores k conversáo, embora
nao sejam motivo de mérito, constituem remota preparagáo para a
conversáo do pagáo ou do pecador.
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estado de coisas — obras que sao o fruto da grasa néle exis
tente (cf. Gal 5,22). Sao Paulo chega mesmo a dizer que a
vocagáo normal do discípulo de Cristo é a de caminhar pela
senda das boas obras: «Somos feitura d'Éle (Deus), pois fomos
criados em Cristo Jesús em vista das obras que Deus preparou
de antemáo para que as pratiquemos» (Ef 2,10) (1).
A expressáo «boas obras que Deus preparou de antemáo»
merece nossa atengáo. Significa enfáticamente que o homem,
mesmo depois de convertido a Cristo, por si nada poderia fazer
em vista da salvagáo eterna; qualquer obra boa que ele efetue,
vem a ser fruto da graca oferecida ao homem e por éste aceita;
Deus se antecipa ao homem mesmo na producáo das boas obras
após a conversáo. Acontece, porém, que, embora se antecipe, o
Senhor nao deixa de solicitar a aquiescencia e a üvre colabora-
Cáo da criatura com a graca. Um dos maiores infortunios que
possam ocorrer a um cristáo, seria, como diz Sao Paulo, o de
«receber a graca de Deus em váo» (2 Cor 6,1). Dando, porém,
seu consentimento á graca e movendo-se com o auxilio desta,
o cristáo se torna verdadeiro autor de suas boas obras, de sorte
que pode adquirir algum título a ser recompensado por Deus
no dia do juízo. É o próprio Jesús quem afirma:
— 345 —
praticam o mal. Quanto á vida eterna. Sao Paulo nao a aprésenla
como um sóido, mas como um dom (chárisma, em grego) que Deus
outorga a seus fiéis. — A diversidade de termos (salario, de um lado;
dom, favor gratuito, de outro lado) é intencional da parte de Sao
Paulo; já S. Agostinho no séc. V a observava. Empregando a palavra
«dom (chftrisma)», o Apostólo quería significar que Deus nao concede
a vida eterna a seus filhos como quem paga urna divida, nao. A rigor,
o Senhor nada deve á criatura; os próprios títulos ou méritos que o
cristáo possa adquirir para ser recompensado na eternidade, sao
obtidos por influencia da graca ou mediante previo dom de Deus.
Disto, porétn, nao seria lícito concluir que o homem se comporta
de modo meramente passivo sob a agáo da graca; na verdade o
cristáo conserva-se livre para aceitar ou recusar o dom de Deus;
caso o aceite, éle age realmente de modo a poder merecer recompensa;
S. Agostinho exprimía muito bem esta verdade dizendo que a vida
eterna também pode ser tida como um sóido, sóido, porém, pago á
justica de Deus existente no homem (é, sim, justica que provém
de Deus e que o homem apropria a si mesmo).
«Falsificaría o pensamento de Sao Paulo quem supusesse que o
mérito... possa ser o efeito de nossos esforcos apenas. É Deus quem,
depois de haver colocado em nossas máos o poder de merecer, nos
excita e ajuda a fazer uso do mesmo... Isto nao impede que o mérito
seja nosso e nos proporcione um verdadeiro direito junto a Deus»
(F. Prat. La théologie de St. Paúl, 10a. ed. 1925, 456).
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A aparente divergencia entre S. Paulo, que mais acentúa o papel
da íé, e S. Tiago, que inculca principalmente as obras, explica-se
plenamente pelo íato de que S. Paulo, como dissemos, tem em vista
a primeira conversSo ou a passagem do estado de pecado para o de
graca, ao passo que S. Tiago escreve para um grupo de cristáos já
de há muito convertidos, mas tendentes a cair na frouxidáo espiritual;
a tais leitores, está claro que Tiago devia inculcar a necessidade das
boas obras ou de urna conduta de vida que fósse profissáo de fé
prática, traduzida pela caridade. Isto, porém, nao implica que um
Apostólo haja negado a posicáo do outro; trata-se apenas de dois
modos, diversos e complementares, de considerar o tema da justiíicagáo.
A respeito da fé e das obras segundo o Protestantismo, veja
«P. R.» 17/1959, qu. 4; 8/1958, qu. 3; sobre a possibilidade de se perder
a salvacáo outorgada por Deus, cf. «P. R.» 3/1958, qu. 6.
TERCEIKO (Niterói):
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ignorante do vulgo e possu¡dores apenas de valor prático (ou seja,
do valor de disciplinar os costumes da massa humana).
Em conseqüéncia, abriu-se em Ñapóles um processo de heresia
contra Giordano. Éste íugiu para Roma e, tendo abandonado o hábito
religioso, pós-/.e a vaguear pela Italia e a Franga, indo finalmente
fixar-se por algum tempo em Genebra (Suica), onde o Calvinismo
tinha sua sede principal. Havendo aderido a esta denominagao religiosa,
nao tardou a se incompatibilizar com os mestres calvinistas, que o
processaram (15S0>. Recomecou entüo sua vida errante pela Franca,
a Inglaterra, a Alemanha a Boémia. a Suiga. Deteve-se, por fim, na
república de Veneza (1592)... As idéias que disseminara e as nume
rosas obras que cscrevera nesses anos, eram cada vez mais estranhas;
pode-se dizer que algumas já nao tinham caráter própriamente filosó
fico, mas índole marcadamente íantasista e satirica.
O mais famoso dos escritos de G. Bruno é o diálogo intitulado
«Spaccio della Bestia trionfante» (A expulsáo da bésta triunfadora),
Paris 1584. Apresenta urna coméd'.a mitológica o zombeteira de signi
ficado ambiguo: Júpiter, irritado no Olimpo por ver negligenciado o
seu culto, intima a comparecer di ante de si as 48 conste] agoes do
céu, entre as quais deseja implantar urna reforma; o Deus Momo
entáo lhe faz ver que o lamentável descaso provém de que foram
dados aos astros os nomes dos deuses — désses deuses escandalosos
que por suas aventuras se tornaram objeto do deprézo dos próprios
mortais; em conseqüéncia, sugere Momo sejam tais apelativos subs
tituidos por nomes de virtudes... — Pergunta-se: como se definirla
a mentalidade do autor de tal peca?
Quanto aos tratados cujo tema é própriamente filosófico, propSem
todos urna ideología panteísta assaz confusa, segundo a qual Deus
é a ménade inicial que entra na composigáo de qualquer ser visível;
a substancia dos corpos é imperecivel e nao difere da dos espíritos;
a materia e o espago sao infinitos, como a própria esséncia divina.
As almas podem emigrar de um corpo para outro, até para outro
mundo; a mesma alma é capaz de habitar simultáneamente em
dois corpos. O mundo existe desde toda a eternidade.
Os comentarios bíblicos de Giordano Bruno também sao inspira
dos pela imaginagáo mais do que pela exegese objetiva: sómente os
hebreus seriam descendentes de Adao e Eva; os outros homens teráo
nascido de outro casal, anteriormente criado por Deus. Moisés haveria
concebido por si só o Decálogo; teria realizado seus milagres por
meio da mag'a (aplicagáo de receitas reservadas aos iniciados), coisa
boa e licita. Cristo mosmo nao haveria sido mais do que um mago de
importancia considcrávcl.
Em Veneza, o Grao-Duque Giovanni Mocenigo muito desejava
aprender com Bruno a arte de utilizar sabiamente a memoria (arte
que, no pensamento de Giordano B., estava muito ligada com a magia).
Contudo nao conseguiu tolerar as afirmacSes antirreligiosas do mestre,
que Mocenigo acabou denunciando ao Sto. Oficio como hereje.
Iniciou-se, por conseguinte, era 1592 novo processo contra Bruno,
processo que as autoridades eclesiásticas de Roma quiseram orientar
dlretamente. Giordano foi entáo enviado para Roma em 1593; a causa
foi sendo julgada com vagar, pois Bruno, embora professasse sub-
missáo aos poderes eclesiásticos, se recusava sorrateiramente a retratar
alguma de suas afirmagóes antigás; foram-lhe apresentadas oito pro-
posigdes extraídas de seus escritos e portadoras de heresias teológicas
(nao se tratava de ciencias naturais, no caso). Bruno, depois de muito
protelar a resposta, negou-se formalmente a reconhecer os erros
— 348 —
teológicos; nao sabia o que haveria de retratar... Em conseqüéncia,
após tres anos de espera, a Inquisicáo resolveu proceder decisivamente:
Giordano Bruno íoi declarado transgressor dos seus votos monásticos
e apóstata da fé; de acordó entáo com a jurisprudencia vigente, os
inquisidores o entregaram ao braco secular, isto é, ao Governador de
Roma, para que lhe aplicasse a pena devida; ora esta, no caso de
um hereje renitente, era a morte pelo íogo. Depois de sentenciado,
os juizcs aínda eoncederam oíto días a G'ordano Bruno para que
se reabilitasse; em váo. porém. Aínda por ocasiáo da execucjio no
Campo dei Fiori (Roma), Bruno rejeitou o crucilixo que lhe apresen-
tavam. Assim encerrou ele os seus dias aos 17 de fevereiro de 1600.
2. Por todo o século XVII o nome de Giordano Bruno era rara
mente mencionado na galería dos homens doutos da historia (Keppler,
tl630, porém, a ele se refería ao tratar da pluralidade de mundos
habitados).
Do séc. XVIII em dianto é que Bruno se tornou famoso, princi
palmente entre os livres pensadores, dos quais foi tido como precursor
e mártir. Quem contribuiu decisivamente para exaltar o mestre ita
liano, foi o filósofo Jacobi (tl818), com as suas «Cartas sobre a
doutrina de Spinoza». ñas quais G. Bruno é apresentado como imediato
precursor do panteísmo do pensador judeu Baruch Spinoza (tl677).
— Por sua vez, Schelling (tl854) e Hegel (tl831) muito honraram
a Bruno como arauto inicial do seu sistema idealista (que é panteismo-
-monismo). Por incrivel que pareca. também o positivismo (doutrina
que rejeita a metafísica ou a especulagio em torno de objetos invi-
siveis) enalteceu Giordano Bruno, tendo em vista o naturalismo
(recusa do sobrenatural) professado pelo ex-dom:nicano. Nesse concha
ve nao faltaram nem sequer os políticos do século passado; com
efeito, os nacionalistas do «Risorgimento» italiano e os demócratas
da esquerda tomaram Giordano Bruno como vanguardeiro do seu
espirito anticlerical e macón.
Hoje em dia nao é tanto por suas doutrinas muito subjetivas a
fantasistas que Bruno goza de alguma fama, mas é, sim, pelo seu
espirito de revolta contra as instituicñes cristas tradicionais.
Urna vez enunciados estes elementos de historia, pergunta-se: que
pensar sobre o caso?
— 349 —
<P. R.» 8/1958, qu. 9 (o processo de S. Joana d'Arc);
• P. R.» 16/1959, qu. 7 (o processo dos Templarios)
Resumiremos aqui o principal do que ja foi dito nos fascículos
citados.
— 350 —
2) A mentalidade que inspirou a Inquisigáo, longe de
arrefecer no séc. XVI, foi ainda agucada em virtude da cha
mada «Renascenca» dos séc. XV/XVI.
CORRESPONDENCIA MIÜDA
PERTURBADO : É difícil instituir comparagáo entre as virtudes.
Cada qual tem sua grandeza e seu brilho peculiares ; em última análise,
todas sao solidarias entre si, de modo que o progresso de urna virtude
implica naturalmente no desenvolvimento das demais. Normalmente,
nenhuma virtude cresce sem que as restantes com ela cresgam.
Nao obstante, pode-se observar o seguinte esquema :
1) Se a raíz de todo pecado é a soberba (haja vista a transgressáo
de Adáo no paraíso, que foi, em primeira linha, devida ao orgulho), o
fundamento de toda vida virtuosa é a humildade. É a presenta desta
que faz que os hábitos bons de urna pessoa sejam motivos de louvor a
Deus e enobrecimento do individuo, em vez de serem razóes de vá com
placencia ou de endeusamento do próprio "eu" (o que equivale a dizer:...
motivos de desfigurado do individuo).
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Em particular, a castidade cultivada scm humildadc pode tornar-so
ocasiáo de desordem e aberragáo, como parece ter acontecido no caso das
Religiosas de "Port-Royal", consideradas por M. de Péréflixe "puras
como anjos, orgulhosas como demonios" (cf. "P.R." 31/1960, pág. 303).
—• Esta observa?áo, porém, está longe de querer desvirtuar a grandeza
da castidade e da virgindade consagradas a Deus.
2) Como virtude de cúpula, criterio supremo de perfeic,áo e san-
tidade, enuncia-se a carídade (cf. Col 3,14). — A caridade, no caso,
significa amor a Deus e ao próximo, soja éste "simpático", scja "anti
pático" do ponto de vista natural.
D. ESTÉVAO BETTENCOURT O. S. B.
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