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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizacáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memorieun)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
DOGMÁTICA-

IX N? 102 JUNHO 191


ÍNDICE
PAg.

I. CIENCIA E RELIGIAO

1) "Que é a vida? Um coracño que bate ou utn cerebro


que pensa?
Os recentes transplantes de coroides e cerebros levantam
a queatáo da nede da. vida no organismo. Que diser?" 325

II. FILOSOFÍA E RELIGIAO

2) "Que pensar do livro 'Le Paysan de la Garonne' de


Jacques Maritabt?
Tornou-se alvo de contradigóea. Por qué?" 2^
Apéndice: a Cronolatria Si°

III. DOGMÁTICA

3) "Dis-se que nao se deve recorrer com freqüéncia oo


sacramento da confinado. O coetume estaría ultrapasBado" Ul

IV. HISTORIA DO CRISTIANISMO

U) "Que ha no Holanda? Revolucáo religiosa ou genuina


aplicacáo das normas do Vaticano II?" -••• sso
s) "Quais as causas da atual situacáo religiosa na Ho-
tanda?" . S6°

V. SOCIOLOGÍA

6) "Qtie é o Ku Klux Klan, aoeiedade que tern tomado


parte too ativa na luta racial dos Estados Unidos?" «5

Resertha de Livros ats

COM APROVACAO ECLESIÁSTICA


«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Ano IX — N? 102 — Junho de 1968

I. CIENCIA E RELIGIÁO

1) «Que é a vida? Um coracao que bate ou um cerebro


que pensa?
Os recentes transplantes de coracáo e cerebro levantam
a questao da sede da vida no organismo. Que dizer?»

Resumo da resposta: ... Nem um coracüo que bate, nem um


cerebro que pensa. A vida é comunicada ao carpo humano por urna
alma espiritual, que nao tem partes e se encontra toda inteira em
qualquer parte do corpo. Os sinais de atividade que coragao e cere
bro continuam a emitir por breve tempo após terem sido separados
do respectivo corpo, sao sinais meramente mecánicos, devidos á acáo
anterior da alma de que foram separados.

Resposta: A revista REALIDADE de fevereiro de 1968,


pág. 48-58, publicou um artigo relativo a transplantes do cere
bro. Essas páginas sugerem que os médicos e teólogos geral-
mente ensmaram até nossos dias a seguinte tese: «A morte é
um coracáo de cessa de bator». Ao contrario, as experiencias
modernas insinuai-iam que a morte é cerebro que cessa de pen
sar; a vida e a alma do homem estariam localizadas no cere
bro, e nao no coracáo.
O artigo dá também a crer que, conforme os teólogos,
alguém poderia, em certos casos, ter duas almas. Estas _e
outras proposigóes pedem esclarecimentos, que abaixo seráo
propostos na seguinte ordem: 1) sede da vida; 2) o pensa-
mento e o cerebro; 3) urna hipótese.

1. Onde está a vida?

1. A filosofía perene ensina que em todo vívente existem


materia e forma, ou seja, corpo e principio vital. Éste prin
cipio vital é chamado alma (em sentido largo); pode ser de
tríplice especie:

principio vital da vida vegetativa (ou da planta);


principio vital da vida sensitiva (ou do animal infrahumano, ir
racional) ;
principio vital da vida intelectiva (ou do homem).

— 225 —
2 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1963, qu. 1

Geralmente o termo alma é reservado ao principio vital do ho-


mem. A alma humana (e ela só) é imaterial ou espiritual, ao passo
que o principio vital da planta e do irracional é material. Estas ver
dades já foram desenvolvidas em «P.R.» 87/1967, qu. 1; por isto
nao serao ulteriormente explicitadas aqui.

O principio vital — principio comunicador de vida ao


corpo — nao está localizado em alguma parte do corpq; nao
está encerrado em determinado órgáo. Falando diretamente
do homem, deve-se dizer que o seu principio vital ou a sua
alma, sendo espiritual, está toda simultáneamente em todo o
corpo; com efeito, o espirito nao tem partes, nao se estende
numa serie de segmentos justapostos.

2. Dirá, porém, alguém: mas, caso se ampute urna perna, um


braco, um ólho... de um organismo vívente, o memoro cortado
deixa de viver. Como entáo o principio vital está presente no corpo
inteiro?
Deve-se responder: o principio vital está presente dentro de um
organismo na medida em que éste tenha o mínimo de organizado
necessária para exercer as funches da vida. Ora urna perna ou um
braco amputados carecem da possibilidade de respirar e digerir, ou
seja, de exercer as fune.oes da vida. Por isto o principio vital nao
acompanha tais membros quando sao amputados do respectivo or
ganismo.

3. A morte consiste no fenómeno seguinte: quando, por


efeito de velhice, doen°a ou desastre, o organismo de um vi-
vente chega a um grau de desgaste, deterioragáo ou mutila-
gáo tal que já nao possa exercer as funcóes da vida, o prin
cipio vital já nao pode subsistir nesse corpo. Entáo delineiam-
-se duas possibilidades:

num animal irracional (macaco, cachorro...), o principio vital


é reabsorvido pela materia, pois é principio material; assim o ani
mal irracional morre;
. no homein, o principio vital la alma humana), sendo espiritual,
isio 6, subsistente em si mesma, se separa d-o corpo e ó julgada
por Deus, a fim de receber a sua sancáo eterna. A morte do homein,
portanto, consiste na separa cao de alma e corpo; a cesfacáo de
pulsacóes do earacáo ou de ondulag6es do cerebro é algo que decorre
de tal separagáó, como se verá adiante.

4. Dissemos que o principio vital está igualmente pre


sente em todas as partes do corpo vivo. É claro, porém, que
as partes do corpo nao tém todas a mesma importancia para a
vida. Há dois órgáos que influem poderosamente no conjunto
do organismo: o coragáo e o cerebro.
a) O coragáo é o órgáo que bombeia o sanguepara o
corpo inteiro; as suas pulsagóes tém ampia influencia sobre

— 226 —
VIDA NO CORACAO OU NO CEREBRO?

o funcionamento geral dos demais órgáos; por isto pulsagóes


do coragáo e vida do organismo estáo intimamente associadas
entre si.
b) O cerebro, colocado no cránio, é o órgáo para o qual
confluem as diversas redes de ñervos do organismo. No cere
bro estáo localizados os sentidos internos do individuo, a saber:
o senso comuin, isto é, o sentido que recolhe as impress5es ex
ternas captadas pelos olhos, os ouvidos, as papilas gustativas, o
olfato o tato. Recolheas... e coordena-as entre si, de modo a formar
urna só imagem, imagem fiel á que se encontra fora do individuo
e que é captada parcialmente por cada um dos sentidos externos;
a memoria sensitiva, onde se guardam as imagens que o indi
viduo vai paulatinamente apreendendo;
fantasía ou iniaginagáo que combina e reproduz livremente as
imagens anteriormente conhécidas pelo sujeito.

Como se vé, o cerebro desempenha funcáo de primeira


importancia no organismo vívente, isto, porém, nao quer dizer
que ele seja a sede da vida do animal. . . Nem significa que
néle esteja o pensamento.
Pcrgunta-se entáo:

2. Que c o pensamento?

1. O pensamento é o ato pelo qual concebemos nogdes


abstratas e universais, formulamos definic.6es, realizamos cál
culos, percebemos as proporcóes existentes entre nieios e fins,
etc.
Todo raciocinio é pensamento. É, porém, um ijensamanto
discursivo, que passa de premissas a conclusóes. Na verdade,
há pensamentos que consistem na simples apreensáo da ver
dade, sem progresso de um termo a outro; podemos pensar
em Deus, em nossa patria, em nossa familia... sem racio
cinar.
O pensamento discursivo geralmente parte oe dados con
cretos, colhidos pelos sentidos externos e o senso comum (no
cerebro); elabora ésses dados concretos de modo a conceber
o que néles é essencial, necessário, e distingui-lo do acidental
e contingente. O pensamento, sendo abstrativo (ou abstraindo
de dados materiais), supóe urna faculdade imaterial, espiritual.
Por isto nao é produto do cerebro, órgáo corpóreo, e, sim,
de urna potencia própria, que é a inteligencia ou a razáo. É
com a inteligencia — faculdade nao corpórea, mas espiritual

— 227 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968. qu. 1 _

que o homem pensa. Já que o animal infra-hurnano nao


tem principio vital espiritual, ele nao pensa nem raciocina. O
pensamento ou o raciocinio, portante, é privilegio do homem
(note-se que só o homem fala, só o homem progride em sua
civilizagáo ou em sua maneira de viver, habitar, trabalhar,
etc.).
Em esquema, podem-se assim reproduzir as considerares
ácima:

SENSO COMÜM g > SENTIDOS EXTERNOS 9 ► INTEWGftNCIA


(olhos, ouvldos...) <no círobro) (foculdade espiritual,
sede do pensamiento)

captam prodnz elabora

1MPBESSOES SENSITIVAS IMAOEM COMPLETA O ESSENCIAt Oír A


ISOLADAS DEFINICAO DESSA
(c4rcs, nons...) IMAGEM

2. Objeta-se, porém: ñas experiencias recentes, tem-se


isolado o cerebro de um animal ou sua respectiva caixa cra-
niana e tem-se verificado, mediante instrumentos apropriados,
que ésse cerebro continua a emitir ondas elétricas. Essas ondas
nao sao o sinal de que o cerebro pensa, e pensa mesmo quando
isolado do seu respectivo corpo?
Besposta: as ondas que o cerebro emite, quando separado
do corpo, sao resquicios da atividade que ele exercla quando
adérente ao seu organismo nativo. Quando se corta a.energia
que move um motor, éste nao para logo, mas ainda desen-
volve atividade resultante da energía anteriormente recebida.
Os médicos tém sustentado a atividade do cerebro separado,
proporcionando-lhe oxigonio, sangue, glicose e outros alimen
tos; suprem artificialmente o que o organismo daria ao res
pectivo cerebro. Compreende-se entáo que éste possa durante
varias horas (24 ou mesmo 48) continuar a emitir ondas;
note-se, porém, que nao sao ondas de pensamento, mas ape
nas reflexos mecánicos. O cerebro separado do corpo tende
naturalmente a morrer, pois a alma do respectivo sujeito nao
permanece nesse cerebro (um cerebro separado nao pode exer-
cer as fungóes da vida vegetativa e sensitiva).
3. Vé-se, pois, que nao há objejao alguma por parte
da Moral crista contra o transplante de cerebros. O médico
que realizasse tal operacáo, nao faria transplante de pensa
mento, de psiquismo, nem transferencia de alma; o sujeito
receptor guardaría a sua alma; nao lhe seria acrescentada a

— 228 —
VIDA NO CORACAO OU NO CEREBRO?

alma do doador. So pode haver uma alma ou ura princ:pio


vital em cada individuo.

4. A traaisposicáo de cerebro também nao implicaría em


transferencia de personalidade.
A personalidade nao está localizada no cerebro. Nao se
pode dizer que ela continua intata pelo simples fato de que
o cerebro continué intato... A personalidade é o conjunto de
notas psico-somáticas que caracterizan! um individuo: notas
derivadas do temperamento sensível, do grau de inteligencia,
da fórga de vontade... do sujeito. A alma espiritual é a gran
de responsável pelo tipo de personalidade de cada ser humano;
além da alma, porém, a constituicáo corpórea do respectivo
individuo condiciona a personalidade.
Quando se extrai o cerebro de um individuo,

Jiem ésse cerebro continua por si a viver (a sua vida pode ser'
conservada apenas em aparéncia. reduz-se a movimentos mecánicos
provocados por propulsores artificiáis). O cerebro precisa dos sen
tidos exteriores para exercer suas funcoes de conhecimento;
nem o resto do organismo, sem cerebro, continua a viver, pois
o cerebro é uma especie de usina central, donde dependem todas as
funches 'dá vida vegetativa e sensitiva.

A personalidade de tal individuo sem cerebro continua a


sobreviver como alma separada do corpo respectivo; ela nao
se transfere com o cerebro.
É preciso, porém, reconhecer que há diversas modalidades
de cerebros, ou seja, cerebros mais prendados e cerebros me
nos dotados, como também há vista mais perspicaz, e vista
menos lúcida, ouvido mais agudo e ouvido mais obtuso, tato
mais apurado e tato menos apurado... Por conseguinte, o
sujeito que perdesse o seu cerebro e passasse a viver com o
cerebro de outrem, poderia perder algo de suas notas caracte
rísticas e assumir as do sujeito doador. Da mesma forma, a
pessoa a quem fóssem extirpados os dois.olhos a fim de se
lhe darem os olhos de outrem, passaria a ver um pouco
diferentemente, pois as lentes naturais variam um tanto de
individuo para individuo.

De quanto acaba de ser dito, depreende-se que o cerebro de


Einsteín, ¡solado do seu respectivo cranio e colocado em outro orga
nismo (hipótese levantada por REALIDADE), ja nao produziria o
que produzia no corpo de Einstein, quando animado pela alma de
Einstein. Era a alma de Einstein a principal responsável pela genia-
lidade désse homem de ciencia.

— 229 —
6 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/196S. qu. 1

3. Urna hipótese

Pergunta-se por fim (com o articulista de REALEDADE):


que acontecería se se amputasse a cabega inteira de urna pessoa
e se Ihe conservasse artificialmente a vida?
Resposta: O corgo decepado, por certo, morreria sem
grande demora, pois lía cabeca se acham órgáos sem os quais
é impossível a vida.
Quanto á cabega, por si só também morreria, pois nao
tena meios de se alimentar. Caso, porém, se Ihe proporcionasse
alimentacáo artificial (sangue, glicose, oxigénio...) de modo
a conservar em funcionamento os órgáos da cabega, a alma
provávelmente permanecería nessa cabeca (a alma nao se
separa do corpo ¡mediatamente após a morte aparente). E,
caso se aglutinasse tal cabeca vívente a um tronco humano
sadio, a alma que animasse a dita cabeca poderia animar o
corpo inteiro ou o ser humano dai resultante. Ter-se-ia entáo
um composto humano cuja alma seria a do doador da cabega.

Exempliíicando: a cabega de Einstein poderia produzir algo de


semelhante ao que Einstein produziu, se ela fdsse, toda inteira, colo
cada em outro tronco; ... algo de semelhante, e nao de igual, pois
cada tronco humano tem seus aparclhos vegetativo e sensitivo, que
exercem grande influencia no cerebro e, por conseguinte, na inteli
gencia. A alma é criada por Deus em vista de determinado corpo, de
modo que há proporcáo entre cada alma e seu respectivo corjio.

Assim falando, parece que já se entra no campo da ci


encia de ficQáo. Todavía é oportuno comunicar aos interessa-
dos que a Filosofía e a Teología tém principios suficientemente
claros para elucidar o que se daría ñas hipóteses que REA-
LIDADE sugere em seu citado artigo.
Nem um coracáo que bate, nem um cerebro que pensa. . .
A vida é comunicada ao corpo humano por urna alma espi
ritual, que nao tem partes e se encontra toda inteira em qual-
quer parte do corpo.

— 230 —
«O CAMPONÉS DO GARONA»

I. FILOSOFÍA E RELIGIÁO

2) «Que pensar do livro 'L* paysan de la Garonne' de


Jacques Maritain?
■Tornou-se alvo de contradicoes. Por qué?»

Resumo da resposfa: O livro «Le Paysán de la Garonne» aponta £a-


Ihas registradas no modo de crer, pensar e viver de católicos poscon-
ciliares; Indica quilo mal tem sido por vézes interpretado o Concilio
Emucenico. Maritain expoe os fatos. procurando explica-los á luz da
historia da Filosofía: a aversáo á lógica e á metafísica, o exagerado
apréco das novidades sao causas de que os homens de hoje se entre-
guem a íábulas e a falsa moeda intelectual.
Era oportuno que alguém, oom a erudicáo de Maritain, cha-
masse a atencáo para os erros religiosos que atualmente causam
?erplexfdade ao poPvo de Deus (pastores e fiéis) Por isto. o Hvr.o
de Maritain é benemérito. Nao deve. porém, ser utilizadooomo ama
para sufocar a verdadeira renovacáo da vida católica tao justifica
damente recomendada pelo Vaticano II.

Rcsnostat O livro «Le paysan de la Garonne» (O campo-


nés do rio Garona) aborda a problemática da pansamento mo
derno, principalmente no setor da Religiáo; considera as ten
dencias de progressismo e conservatismo que se verificam entre
os católicos do pós-concilio. Maritain toma posicóes bem defini
das levantando-se contra os que lhe parecem malbaratar o pa
trimonio da fé em nome da renovagáo. Por isto encontrou, ao
lado de numerosos simpatizantes, ferrenhos oponentes.
Abaixo consideraremos o assunto, apresentando primeira-
mente a pessoa de Maritain e o livro «Le paysan de la Ga
ronne». A seguir, procuraremos formular um juizo sobre o
tema controvertido.

1. Maritain e «O Camponés do Garona»

1. Jacques Maritain nasceu aos 18 de novembro de 1882


em París.
Em seus primeiros anos de estudos professava o protes
tantismo de orientacáo liberal. Féz-se discípulo dos pensadores
H. Driesch e H. Bergson (filósofo judeu que muito se apro-

— 231 — '
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 102/1968, qu. 2

ximou do Catolicismo). Por certo tempo aderiu ao socialismo


revolucionario liderado na Franca por Léon Blum. Aos poucos,
o contato com grandes personalidades católicas, como a do es
critor Léon Bloy, levou-o a abracar o Catolicismo em 1908.
Em 1914 foi chamado a lecionar Historia da Filosofía mo
derna no «Instituí Catholique» de París. Em 1916 foi nomeado
membro da «Academia Romana de Santo Tomás», pois se
fizera eximio cultor da filosofía tomista. Tornou-se um dos
grandes mentores da renovacáo intelectual da Franca, pro
pugnando um humanismo cristáo.

Oasou-se com Ratesa Ormankoff, mulher judia de grande ta


lento intelectual e religioso, a qual se converteu ao Catolicismo e se
tornou valiosa colaboradora dos estudos e das publicares de Jacques
Maritata.
De 1940 a 1944. Jacques lecionou no Instituto de Estudos Medie-
vais em Toronto (Canadá). De 1945 a 1948 exerceu as fungSes de
Embaucador da Franca junto ao Vaticano. Em 1948 transferiuse para
os E.U.A., a fim de xeger cursos na Universidade de Prlnceton.

Nos últimos anos recolheu-se em urna pequeña comuni-


dade dos Irmáos do Pe. Charles de Foucault («Petits Freres
de Jésus») em Tolosa junto ao rio Garona na Franca. Foi lá
que no ano de 1966 Maritain elaborou os capítulos do livro
«Le paysan de la Garrame». Éste titulo é explicado pelo sub
título «Un vieux laíc s'interroge a. propos du temps présent»
(Um leigo anciáo se interroga a respeito dos tempos atuais).
Já que o camponés do Danubio é tradicionalmente conhecido
como homem realista, que «chama cada coisa por seu verda-
deiro nome», Maritain quis apres&ntar-se como o camponés
do rio Garona, rio correspondente (no caso) ao Danubio.
Por ocasiáo do encerramento do Concilio do Vaticano II
(8/XÜ/1965), Maritain participou da solenidade, representando
os intelectuais do mundo inteiro.

2. O livro «Le paysan de la Garonne» apresenta seis


capítulos referentes ás diversas orientagóes do pensamento
católico contemporáneo; o autor sujeita a análise e crítica
tudo que nelas Ihe parece contradizer as sadias linhas da teo
logía católica. O capítulo VII é dedicado a valiosas conside-
ragóes sobre a Igreja e a perfeigáo da vida crista no mundo
de hoje; esta última parte do livro nao provoca controversias,
ao passo que os capítulos anteriores foram arduamente deba
tidos pelos comentadores da obra.
Procuraremos, no seguinte parágrafo, propor urna sfntese
das reflexóes que Maritain tece a respeito dos tempos atuais.

— 232 —
«O CAMPONÉS DO GARONAí

2. Grandes linhas do «Camponés»

As idéias dos seis primeiros capítulos do livro podem-se


agrupar sob cinco títulos: 1) Correntes do pensamento mo
derno; 2) Duas atitudes de fé; 3) Os católicos e o mundo;
4) O diálogo ecuménico; 5) A verdadeira filosofía e a falsa
moeda intelectual.

1) Correntes do pensamento moderno em geral

De modo geral, segundo Maritain, o homem do século XX


se ressente de duas falhas intelectuais: a logofobia e a cro-
nolatria.

a) Por logofobia Maritain entende a aversáo que muitos


dos nossos contemporáneos ressentem nao sómente para com
a filosofía especulativa, mas também para com os dados do
senso comum. Caem em descrédito certas nogóes que resultam
de intuicSes primitivas e sempre constituiram as raízes da
sabedoria humana : tais sao os conceitos do bem e do mal, do
dever moral, da justica, do direito, da yerdade... Tais nocóes
nao aparecem na conclusáo de algum silogismo, mas sao ante
riores a qualquer raciocinio. — A mentalidade científica con
temporánea, dada preponderantemente as experiencias de labo
ratorio, leva muitos homens ao descaso da pré-filosofia que se
exprime em tais conceitos. Em conseqüéncia, Maritain julga
que o homem moderno se assemelha ao animal que perdeu
o seu instinto, ou seja, a urna abelha que já nao saiba produzir
o mel, a um pingüim que tenha esqueddo a arte de construir
o ninho (cf. pág. 30).
b) O homem moderno, menosprezando certos conceitos
perenes, é atraído pelas novidades; quanto mais nova é urna
teoría, tanto mais verídica lhe parece. Constitui-se assim urna
cronolatria, ou o culto dos tempos novos.

Tenha-se em vista a freqüéncia com que se emprega o adjetivo


«ultrapassado» (pensadores, livros, costumes, modas, tudo pode ser
dito «ultrapassado» com rapidez extraordinaria). E como ésse adje
tivo impressiona! Equivale a verdadeira condenacáo.

Em suma, verifica-se que o homem contemporáneo, me


nosprezando valores perenes, «adora» o efémero. Ora «ser efé-
mero» é característica da materia e das fungóes meramente
biológicas; o espirito humano, ao contrarió, transcende o efé
mero. Nao reconhecer isto é grave síntoma de estado intelec
tual mórbido, conforme Maritain (cf. pág. 26-28).

— 233 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1963, qu. 2

A confusáo do pensamento moderno influí também na


mentalidade dos católicos contemporáneos, de sorte que Mari-
tain delineia entre estes

2) Duas atitudes religiosas

A filosofía da historia dá a ver que, através dos sáculos, a linha


do mal progride simultáneamente com a do bem. Ora na presente
fase da historia defrontam-se com muita clareza essas duas linhas.
Elas repercutem ¡na sociedade mesma dos fiéis católicos, ocasionando
dois modos opostos de viver o Catolicismo: ao lado dos católicos que,
com profundo espirito sobrenatural, se empenham por urna genuína
renovacáo crista, há os que desvirtuam a esta.

a) A genuína renova$áo se manifesta nos fílhos da Igreja


que, verificando a insuficiencia das filosofías racionalistas ou
positivistas dos últimos cem anos, se abrem totalmente para
o sobrenatural; afirmam com énfase mais consciente as rique
zas da fé, apaixonam-se pelo Absoluto e desejam viver esta
genuína visáo crista em espirito de caridade e fraternidade;
sao almas generosas, que se entregam abnegadamente ao amor
de Deus e dos homéns. Empreendem novas formas de vida
crista, procurando seguir de perto a letra do Evangelho em
ambientes pobres, onde se tornam «sinal de Cristo».
Vivendo no século da bomba atómica, ésses cristáos tém cons-
ciéncia do valor das micrcvacxies, ou seja, da vida obscura aos olhos
dos homens, mas. prenhe de fé e espirito sobrenatural (observa
Maritata em nota: «Os Santos sempre tiveram consciéncia disto
— tinham lido o Evangelho», pág. 15). Tais almas, desprendidas de
si e totalmente devotadas a Deus, constituem urna das grandes re
servas de energía da S. Igreja.

b) Em oposicáo a essa atitude estritamente sobrenatural,


registra-se a dos neo-modernistas, que se situam principalmente
entre os intelectuais. Há, sim, pensadores que tendem a reduzir
o conteúdo dássico da fé a «mitos» ou meras figuras de lingua-
gem destituidas de conteúdo objetivo : tais seriam o dogma do
pecado original, a existencia dos anjos bons e maus, a ressur-
reicáo dos corpos, as narrativas do Evangelho da infancia de
Jesús, o «Jesús da historia», etc. A distincáo entre «natureza»
e «graca», a transubstanciagáo eucarística seriam inveneóes
da teología -escolástica; o inferno nao merecería mais mengáo
nem atencáo. A Cruz e a Redengáo seriam a sublimacáo de
mitos pagaos antigos.
Maritain julga que tais idéias sao apregoadas nao por
honestos estudiosos, mas por pensadores extremistas, dotados
de grande influencia entre os católicos. Destarte se constituí
urna apostasia «imánente», ou seja, um tipo de católicos que

. — 234 —
aO CAMPONES DO GARONA» 11

já nao professam a reta fé, mas, nao obstante, fazem questáo


de se dizer católicos. Sao pessoas que, já havia anos, traziam
em seu íntimo problemas de fé, problemas que por ocasiáo do
Concilio do Vaticano H se manifestaran!; em conseqüéncia,
atribuem suas novas idéias ao «espirito do Concilio do Vati
cano II».
Tais pensadores reduzem o Cristianismo a urna atitude
interior, que nao professa a verdade própriamente dita, mas
o relativismo. «Tudo é relativo; eis o único principio absoluto»,
tal era a norma de Augusto Comte que, segundo Maritain,
tais «renovadores» do Catolicismo abragam e propagam.
Entre os expoentes de tal atitude, está o bispo anglicano (nao
católico) John Robinson, cujo livro «Honest to God» (em traducao
portuguesa «Um Deus diferente») se tornou «best-seller» 11a Ingla
terra e na Franca, contaminando ora mais, ora menos, o pensamento
católico; cí. «P.R.» 99/1968, qu. 2. Robinson, desejoso de «salvar o
Cristianismo agonizante», dessacralizou ou secularizou a mensagem
crista; apresentou um «Deus sem Deus». Maritain compara-o a um
bom Samaritano que, na ansia de salvar homens dados a entorpe-
centes, abre um botequim, onde íornece gratuitamente a todos os
clientes a desejada droga, embalada em ampolas ou saquinhos porta
dores do .rótulo «Em honra do Cordeiro Divino»!

Tais sao as duas grandes correntes de pensamento que


«Le Paysan...» descreve na sua visáo do Catolicismo con
temporáneo.
O filósofo francés se detém, a seguir, sobre outro aspecto
do panorama :

3) Os católicos e o mundo

Na Escritura Sagrada depreendem-se duas maneiras de


considerar o mundo:

é tido como criatura que o Criador nao pode deixar de amar;


Deus Pai entregou seu Filho único para a salvacáo do mundo. Cf. Jo
3,16s; 13, 1; 17,21; Le 19, 10; Gen 1, 31;
é tido como iníenso a Deus; odeia Cristo e os discípulos de
Cristo; cf. Jo 7,7; 15, 18-20; Mt 10, 22. Os discípulos nao sao do
mundo, embora vivam no mundo; cí. Jo 17, 14-16. Existe o mau
«Principe déste mundo» (cf. Jo 16, 8-1), de sorte que o mundo está
em poder do Maligno (cí. 1 Jo 5, 19).

Maritain nota que desde a antigüidade prevaleceu na lite


ratura crista urna concepeáo pessimista a respeito do mundo.
No séc. IV o maniqueísmo do Oriente afetou o pensamento
católico, fazendo que muitos fiéis se julgassem obrigados a
menosprezar o mundo visivel para conseguir a perfeigáo crista.

— 235 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1963. qu. 2

Foi no séc. XIX, e máxime no inicio do séc. XX, que tal


modo de ver chegou ao seu auge. Entáo a ciencia se arvorou
em pretensa inimiga da fé e da Religiáo; a santidade parecía
impossível fora dos conventos... Estas conceptees cbrrobo-
raram em muitas geragóes de cristáos a persuasáo de que é
preciso odiar o mundo para ser bom discípulo de Cristo.
Tal estado de coisas, porém, suscitava em numerosos fiéis,
de visáo mais otimista e esperangosa, urna serie de dúvidas
recalcadas, aspiragóes frustradas e ansiedades.
Sobreveio o «aggiornamento» ou o brado de atualizagáo
langado pelo Papa Joáo XXm em 1959 ao anunciar o Concilio
do Vaticano n. Esta magna assembléia deu ocasiáo a que
viessem á tona, de forma explosiva, as aspiragóes otimistas
que se achavam no subconsciente de muitos católicos; urna
catarata de opinióes, certas e falsas, antecedeu e sucedeu-se
ao Concilio: o antigo menosprézo maniqueísta de muitos cris
táos provocou como reagáo pendular a tendencia a urna quase
«adoragáo» ao mundo (cf. pág. 77).
O autor de «Le Paysan...» observa que tal complacencia exa
gerada nao pode ser derivada do teor mesmo do chamado «Esquema
XIII» ou da Constituieáo do Vaticano II referente á Igreja no
mundo de hoje. Com efeito, éste documento afirma que a natureza
humana e o mundo sao criaturas que Deus fez boas; apesar dos
males que o pecado lhes infligiu, sao chamadas á perfeicáo;' asseve-
rando isto, o Concilio mostrou que a Igreja quer estimular o genero
humano nos esforcos que faz á procura de justa ordem e paz neste
mundo. Destarte a Constituicáo conciliar infligiu o golpe mortal ao
maniqueísmo dissimulado que havia envenenado varios séculos de
Cristianismo. Todavía Maritain acentúa que a mentalidade do «Esque
ma XIII» deu ocasiáo a urna crise ou a urna atitude de servilismo
por parte de fiéis católicos perante os valores da térra;, «mal a
palavra 'mundo' é pronunciada, vislumbra-se um claráo de éxtase
nos olhos dos que a ouvem» (pág. 86). Éste otimismo leva a afastar
da vida crista tudo que lembra ascese, mortificacáo ou penitencia;
pouco se pratica o jejum; o sexo é atrativo cada vez mais fasci-
cinante, de tal sorte que celibato, virgindade e castidade decaem na
estima do público;, os problemas sócio-económicos absorvem quase
por completo o.s interésses dos cristáos. como se a térra f6sse _ a
«grande realidade»! Dá-se assim urna «temporalizagáo» do Cristia
nismo: «se Cristo tem um Corpo Místico, é o mundo que constituí
ésse Corpo Místico» (pág. 89).

Maritain atribuí esta atitude de cristáos contemporáneos


a um equivoco relativo ao termo «mundo»; parecem ter esque-
cido que a Escritura Sagrada emprega éste vocábulo ora em
sentido otimista, ora em sentido pejorativo. A um cristáo,
portanto, é necessário, de um lado, lutar contra o mundo na
medida em que éste é adversario dos Santos; de outro lado,
é preciso que se dedique ao progresso temporal do mundo

— 236 —
«O CAMPONBS DO GARONA» 13

oprimido pela injustica e a miseria. Cumpra urna e .nao omita


a outra destas duas tarefas; elas nao sao incompativeis entre
si (cf. pág. 95).
Outra característica do pensamento cristáo moderno que
Maritain realga (alias, muito favorávelmente), é a

4) Aproximagao dos cristaos entre si

Maritain aponta os movimentos de colaborado emprean-


didos coletivamente pelos cristaos em prol de seus irmáos, os
demais homens. que padecem miseria e fome no mundo sub-
desenvolvido. Chama a aten^áo também para o diálogo ecumé
nico que se tem travado entre os próprios cristaos. Tais con*
tatos sao expressóes de auténtica ranovacáo interior (de men
talidades) suscitada pelo Espirito Santo. Segundo o filósofo,
os católicos que entram em diálogo, devem súpor em seus
irmáos náo-católicos urna atitude de boa fé ou sinceridade.
Esta atitude de benevolencia, porém, nao deve levar os
fiéis católicos ao relativismo ou á confusáo doutrinária; saibam
evidenciar, sempre que necessário, as diferancas essenciais que
separam a fé católica dos demais credos. «Agir de outro modo
seria atraigoar a Verdade, que paira ácima de tudo» (pág. 122).

5) Verdadcira filosofía e falsa moeda intelectual

A genuína renovacáo crista deve proceder de boa formácáo


filosófica e teológica por parte dos fiéis católicos. Em nossos
dias, porém, verifica-se serio declínio do espirito filosófico.
Daí, no povo cristáo contemporáneo, a procura faminta de
«fábulas e falsa moeda intelectual». Sempre houve no decorrer
da historia quem oferecesse doutrinas erróneas sedutoramente
envernizadas. Em nossos tempos, porém, o que chama angus
tiosamente a atengáo é a necessidade de falsa moeda para a
inteligencia; urna «emissáo» sucede a outra, sem que o público
se dé por saciado. — É neste contexto que Maritain coloca
Teilhard de Chardin e o «teilhardismo».

Apios tecer elogio (muito merecido, sem dúvida) á pessoa do


Pe. Teilhard, Maritain submete a severa critica as idéras déste pen
sador; Teilhard procurou elaborar urna cosmovisáo em que ciencia,
fé. mística, teología e filosofía se mesclam e oonfundem; o autor
nao distinguiu os degraus do saber; por isto «pecou» contra o inte
lecto. A linguagem de Chardin é chela de neologismos, culo signifi
cado permanece ambiguo. Maritain cita, por exemplo, o desejo, ex-
presso por Teilhard, de «estabelecer urna Religiao nova (um melhor
Cristianismo...), em que o Deus pessoal deixe de ser o grande pro-
prietário neolítico de outrora para tornarse a alma do Mundo, que

— 237 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968. qu. 2

o nosso estadio religioso e cultural procura» (pág. 175). Pergunta


Maritata: que querem dizer própriamente estas frases? TeUhard de
Chardin parece ter atraído a benevolencia de seus leitores nao
própriamente pelo rigor e a precisao de suas idéias, mas pelos traeos
de mística que marcam seus escritos; Teilhard é um poeta místico
mais do que um cientista, filósofo ou teólogo.

Nao sendo possível 'prolongar esta resenha do pensamento


de Maritain, passemos a

3. Um juizo sobre «Le Paysan. ..»

Como se compreende, o livro «Le Paysan...» provocou comen


tarios contradi torios: críticas severas e aplausos entusiásticos. Pro
curando ser imparciais em meio a tantas sentencas, proporemos abaixo
tres consideraedes sobre a discutida obra:

1) Benemerencia

A S. Igreja, desde a convocacáo do Concilio do Vaticano


n, vem passando por urna fase de «revisáo de vida» : seus
filhos, desejando tornar a vida crista mais significativa e
influente no mundo moderno, procuram renovar o estilo da
catequese e a disciplina do povo de Deus.

Esta tarefa tem levado a resultados altamente positivos: os


fiéis reavivaram em si o senso de comunidade ou de povo de Deus,
dando lugar, por exemplo, a urna liturgia mais viva e participada;
registra-se frutuosa colabaracSo dos pastores entre si, assim como
a eooperacáo de fiéis e pastores. As denominares cristas se apro-
ximam urnas das outras no movimento ecuménico.

Verificam-se, porém, mal-entendidos e abusos ñas inicia


tivas de renovagáo católica: certas reformas da disciplina sao
empreendidas em flagrante desobediencia á autoridade da Igreja
ou segundo espirito naturalista, alheio 'á genuína visáo da fe;
isto provoca perplexidade nos fiéis. Além do que, algumas
proposigóes «novas» da catequese e da pregagáo ferem o próprio
dogma.
Numa hora destas, sente-se a necessidade de um brado
que desperté as consciéncias, chamando a atencáo para os
desatinos, pois aos poucos verdade e erro, fidelidade e infi-
delidade se váo confundindo na mente do povo de Deus. Foi
a esta tarefa de despertar ou alertar que o livro de Maritain
quis atender, denunciando os desvíos.
Maritain, em sua análise, usa de linguagem filosófica ele
vada; aparece como professor e intelectual clássico; aplica,

— 238 —
«O CAMPONfiS DO GARONA» 15

portante, padrees válidos para julgar a situagáo religiosa con


temporánea. Poder-se-ia desejar, porém, que fósse menos pro-
lixo em seu estilo; as suas explanagoes seriam mais fácilmente
acompanhadas pelos leitores. Também se -nota que «Le
Paysan...» nao recusa expressóes irónicas (tais como «ajoe-
lhar-se diante do mundo», pág. 85)', capazes de provocar certa
aversáo ao livro; na verdade, a sátira nao é de bom alvñxe
num estudo como o de Maritain. — A propósito ocorre

2) Urna objegao

Dirá talvez alguém : «Hoje em dia váo caindo de moda


a apologética e o espirito de denuncia. Procura-se realgar o
que une os homens entre si, e nao o que os separa. Sejamos,
portante, positivos e nao negativistas em nosso modo de pensar,
pois assim se obtém mais profundos resultados».
Nao há dúvida, a verdade clara e desapaixonadamente
apresentada é o melhor argumento em favon de si mesma;
a exposigáo lúcida e Rositiva da mensagem crista possui enorme
poder de atracáo.
Verifica-se, porém, que hoje em dia os erros ou os semi-
-erros sao táo «erudita e elegantemente» propostos que muitas
e muitas pessoas do grande público difícilmente percebem as
falhas e os sofismas de tais exposigóes. Dai a necessidade de
se considerar diretamente o que se diz, escreve e pratica de
erróneo, a fim de o apontar, acautelando o público contra
desvios de doutrina e moral. Esta tarefa é sempre desagradável,
mas por vézes imprescindível, pois se verifica que a simples
proposigáo da verdade nao basta para dissolver as düvidas que
as novas teses langam no público.
É por isto que o livro «Le Paysan de la Garonne» na hora
presente se torna oportuno.

Nótese outrossim que ele contém belas páginas (c. VID a res-
peito de oracáo, contemplagáo, mistica. Carpo de Cristo e Igreja,
páginas portadoras de profunda doutrina explanada em estilo muito
positivo.

3) Nao sufocar a renovagSo

A obra de Maritain chama a atengáo para desvios reais


da renovagáo católica. Tais desvios, porém, nao definem toda
a situagáo presente; ao lado déles, há valores positivos, ins
pirados por genuí/na interpretagáo dos documentos concilia
res. É preciso, pois, que o leitor, ao abordar Maritain, tome

— 239 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 2

consciéncia de quanto o filósofo francés denuncia, mas, ao


mesmo tempo, nao se feche á sadia renovacáo que a Igreja
deseja promover em seus filhos. Essa renovacáo é, antes do
mais, interior e sobrenatural, mas nao pode deixar de pro
curar expressóes capazes de falar ao homem do sáculo XX.

O livro de Maritain, portante, merece acolhida favorável


e grata por parte dos leitores; nao os deve, porém, tornar
fechados aos movimentos sadios que o Concilio Ecuménico
desencadeou entre nos.

A respeito do que é essencial na íé e da atual crise de fé, veja-so


«P.R.» 98/1968, qu. 2.

APÉNDICE: a «Cronolatria»

A palavra «cronolatria», empregada por Maritain, recor-


reu mais urna vez num documento católico contemporáneo, ou
seja, num discurso de Sua Santidade o Papa Paulo VI a um
grupo de peregrinos (em boa parte, estudantes), na audien
cia de 3/IV/68. «Cronolatria» no discurso significa o dema
siado apréco que a mentalidade moderna tende a atribuir á
historia e á mutabilidade induzida pela historia; a «cronola
tria» tende a tornar a verdade relativa.
Eis as palavras do Sumo Pontífice:

InstabiUdade da cultura moderna'

«... Como estudantes... e como estudiosos... estáis á procura da


verdade.
Que é o estudo senáo uma procura de tantas belas e maravi-
lhosas verdades? Mas que vos diz, a éste propósito, a mentalidade
moderna, inclusive a mentalidade científica? Ela vos diz que a ver
dade nao é imóvel, nao é definitiva, nao é segura. Em conseqüéncia,
hoje se define a escola como 'procura de verdade', de preferencia a
'posse e conquista da verdade'. Com efeito, tudo muda, tudo pro-
gride, tudo se transforma; o pensamento humano é caracterizado
pelo seu movimento, 'pelo seu desenrolar histórico, pelo assim dito
•historidsmo'. Éste historicismo val sendo constituido como sistema.
a ponto de se considerar o tempo como o genitor e o devorador das
verdades que a escola aos poucos tem ensinado. A 'cronolatria' do
mina a cultura; donde resulta que nada mais é tido como certo,
estável, digno de ser aceito e acreditado como valor ao qual se
possam confiar a guia e o sentido da vida.

Dnsino religioso seja límpido e genuino

Ésse fenómeno invade também o campa religioso, que muitos


desejariam submeter a urna revisáo radical, tentando despojá-lo dos

— 240 —
CONFISSAO FREQÜENTE: SIM OU NAO? 17

dogmas, isto é, dos ensinamentos que parecem antiquados c ultra-


passados pelo progresso científico e que sao incompreensiveis ao
pensamento moderno. Na tentativa de dar á religiáo católica urna
expressáo mais conforme á Hnguagem moderna e á mentalidade cor-
rente, ou seja, na tentativa de atualizar os ensinamentos religiosos',
muitas vézes há quem destrua a intima realidade désses ensina
mentos e procure torná-los compreensiveis, mudando as fórmulas de
que a Igreja-Mestra os revestiu e sigilou, a fim de os fazer atra-
vessar os séculos de maneira incólume. Mudando as fórmulas, alte-
ram também o próprio conteúdo da doutrina tradicional, submetendo-o
á lei dominante do íiistoricismo transformador.
A palavra de Cristo, em conseqüéncia, nao é mais considerada
como a Verdade que nao muda e que permanece sempre idéntica,
sempre viva, sempre luminosa, sempre fecunda, embora superior a
nossa compreensáo racional. Ela é reduzida a urna verdade parcial,
como as outras, que a mente mede e modela dentro dos seus pró-
prios limites, prestes a lhe dar na geracáo seguinte urna outra ex-
pressáo, segundo o livra exame. que despoja de objetiva e transcen
dente autoridade essa palavra de Cristo.

A voz infalivel de Jesús no sucessor de Pedro

Dir-se-á que o Concilio iniciou e autorizou tal modo de tratar


o ensinamento tradicional. Nada de mais falso, se nos queremos re
ferir á palavra magistral do Papa Joáo XXIII, Nosso venerado Pre-
decessor, e inventor (se é JIcito assim dizer) daquele 'aggiornamento'
em nomc do qual nao poucos ousam infligir ao dogma católico peri-
gasas... interpretacóes e deformacOes. O Papa Joáo quis proclamar,
no famoso discurso de abertura do Segundo Concilio Ecuménico do
Vaticano, qué o Concilio devana reafirmar t6da a doutrina católica,
'nulla parte inde detracta', sem mutilar alguma de suas partes, embora
o Concilio tivesse de procurar dar-lhe expressáo nova, mais adequada
e mais profunda, em termos oondizentes com a maturidade dos estu-
dos modernos (cf. A. A. S. 1963. 791s). Assim a íidelidade ao Con
cilio nos exorta, de um lado, ao estudo novo e sagaz das verdades
da fé, e, de outro lado, nos refere ao univoco, perene e consolador
testemunho de Pedro, que Jesús quis íósse a sua voz infalível no
seio mesmo da sua Igreja».
(«L'Osservatore Romano» 4/IV/1968 pág. 1).

III. DOGMÁTICA

3) «Diz-se que nao se deve recorrer com freqüéncia ao


sacramento .da Confissáo. O costume estaría ultrapassado».

Resumo da resposta: O sacramento da Coníissáo nao é estrita-


mente necessário para a remissáo dos pecados veníais (leves).

— 241 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 3

Nao obstante, é oportuno recebé-lo amiudadamente, mesmo que


nao haja pecados mortais (graves) a acusar, por diversos motivos:
1) Nao se poda nem deve incutir demais a distincáo entre
pecado venial e pecado mortal; haveria o perigo de se cair na casu
ística e de pulverizar a vida espiritual.
2) O homem é sempre pecador; por isto deve ser sempre peni
tente Ora o sacramento da Confissáo associa a penitencia do cristáo
á penitencia de Cristo, dando-lhe valor inestimavelmente maior. É
unido a Cristo pelo sacramento que o cristáo óeve fazer penitencia.
3) O sacramento da Confissáo coníere as virtudes do individuo
algo da eficacia do poder das chaves.
4) Nao se deve considerar o sacramento da Coníissüo como
sacramento meramente negativo ou como mera participacáo na peni
tencia e na morte de Cristo. É também participacáo na ressurrcicao
do Senhor; revigora a vida ou a saúde da alma, apagando os «res
quicios do pecado».

Resposta: O problema assim enunciado é relativamente


novo na Igreja; teve origem com a renovacáo eucarística sus
citada por Sao Pió X (f 1914). O deseja de participar amiuda
damente da S. Comunháo despertou em muitos fiéis o desejo
de se confessarem outras tantas vézes ou, ao menos, com certa
regularidade.
Acontece, porém, nao raro que os fiéis, ao procurar a
Confissáo sacramental, nao tém pecados graves, mas apenas
faltas veníais ou leves; já estáo em estado de graca e, a rigor,
poderiam momentáneamente díspensar-se do sacramento da
Ccnfissáo para freqüentar a S. Comunháo.
Ora a praxe da Confissáo freqüente, em vista de pecados
veníais apenas, nos últimos tempos tem sido objeto de reno
vadas consideragóes que de certo modo tendem d desaboná-la.
A. fim de elucidar as dúvidas neste setor, poder-se-ia
citar o texto de Sua Santidade o Papa Pió XII na encíclica
«Mystici Corporis Christi» (1943):
«Verdade- é que há varios modos, todos muito louváveis..., 'is
apagar as faltas; contudo, para que as almas se adiantem com ardor
crescente no caminho da virtude, desejamos recomendar vivamente
o piedoso uso, introduzido na Igreja sob o impulso do Espirito Santo,
de recorrer á Coníissáo freqüente. Esta aumenta na alma o verda-
deiro conhecimento de si mesma, favorece a humildade crista, tende
a desarraigar os maus hábitos, combate a negligencia espiritual e
a tibieza, purifica a consciéncia, fortalece a vontade, presta-se á diré-
gao espiritual; e, por efeito próprio do sacramento, aumenta a grasa.
Por conseguinte, aqueles que diminuem a estima da Confissáo fre
qüente em meio ao jovem clero, saibam que realizam obra contraria
ao Espirito de Cristo e muito funesta ao Corpo Místico de nosso
Salvador».

— 242 —
CONFISSAO FREQÜENTE: SIM OU NAO? 19

Na enciclica «Mediator Dei», sdbre a Liturgia, em 1947, o mesmo


Pontífice com grande éníase lembrou esta passagem.

Todavía verifica-se que os argumentos do texto citado


em favor da Confíssáo freqüente sao de índole principalmente
psicológica e ascética. Ainda mais profundo é o debate do
assunto nos terrenos bíblico e teológico. Vamos, pois, empre-
endé-lo ñas páginas que se seguem: examinaremos as obje-
cóes feitas á Confíssáo freqüente e as respectivas respostas.
Ao que se seguiráo algumas observagóes fináis.

O assunto já foi brevemente abordado sob outros aspectos em


«P.R.» 53/1962, qu. 2 e 3.

1. Objegoes e respostas

1) Em nome da Biblia Sagrada, argumenta-se:

«A Escritura dá á penitencia o aspecto de volta ou converaSo;


exorta os pecadores a se aíastar de sua vida perversa e a se voltar
para Deus; assim nao de passar da ruina e da morte para o ver-
dadeiro caminho e a vida. — Ora tais dizeres nao parecem aplicar-
-se a penitentes que só tenham pecados veníais e. por consegumte,
vivam na amizacle de Deus». ' -

Resposta: a pregagáo da penitencia na Biblia visa geral-


mente urna coletividade. O pecador é o povo de Israel, infiel
á Alianga com Deus, ou é a humanidade inteira. De modo
especial, os Profetas supóem pecado grave coletivo; por isto
exigem penitencia coletiva; cf. Zac 1, 3s; Is 1, 11-20; Jer 2,
34s; Os 13, 2. Tenha-se particularmente em vista o caso de
Ninive no livro de Joñas: o Profeta repreendeu os habitantes
da cidade, de sorte que todos, inclusive os animáis, fizeram
penitencia, embora nem todos fóssem necessariamente gran
des pecadores.
Ora a Confissáo freqüente se justifica precisamente den
tro da concepeáo de que o pecado é urna falta que fere a
comunidade e que, mediante a comunidade, há de ser repa
rada. Tal concepeáo é muito condizente com a doutrina geral
da Biblia.

2) Em nome da historia, argüi-se:

«Sabe-se que o uso da penitencia privada e freqüente, seme-


lhante ao que hoje em dia se pratica, se introduziu na Igreja a
partir do séc. VI. Por certo, desde o inicio do Cristianismo o sacra
mento da Confissao (e Confissáo auricular) estava em uso na

— 243 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968,

Igreja; mas até o scc. VI costumava ser administrado apenas nos


casos de pecados muito graves e uma vez só na vida; cf. «P.R.»
69/1963, qu. 2. Isto leva a crer que S. Jerónimo (t421), S. Agos-
tinho (t430), Sao Joao Crisóstomo (t407) nunca receberam o sa
cramento da Coníissáo. Donde se concluí que a Canfissáo íreqüente
possa parecer supérílua, já que grandes Santos nao passaram por
ela».

Resposta: a historia é a mestra da vida. Ela mostra que


houve realmente na Igreja uma evolueáo notável no tocante á
praxe da penitencia sacramental, como se pode ver em «P.R.»
69/1963, qu. 2; mostra outrossim que essa evolugáo se prende
a um aprimoramento da consciéncia moral e da nogáo de
pecado entre os cristáos. Foi éste aprimoramento que fez que
os fiéis procurassem mais a miúdo o sacramento da Peni
tencia; ao mesmo tempo, a recepeáo mais freqüente do sacra
mento contribuiu para abrir os olhos dos fiéis para a hedi
ondez do pecado (aínda que éste parega leve ou pouco signi
ficativo). Ora nao se pode pretender ignoran tais ligóes da
historia. A confissáo sacramental se tornou freqüente no povo
de Deus em virtude de um auténtico desabrochar da consci
éncia crista ou em virtude do desenvolvimento genuino de
valores que estavam germinalmente conlidos ñas nogóes reli
giosas dos primeiros cristáos (abaixo explanaremos claramente
quais sejam tais valores). Voltar hoje em dia á praxe dos cinco
primeiros séculos do Cristianismo nao seria enriquecimento
nem progresso da consciéncia religiosa da Igreja, mas «ar-
queologismo» sufocante; seria ignorar que a Igreja é um orga
nismo vivo que, para viver, tem de se desenvolver ou tomar
novas e novas facetas (salva a integridade do conteúdo) sob
a acáo e a garantía infalível do Espirito Santo; um vívente
que, após a maturidade, volte a ser o que era originariamente,
está prestes a perecer. Ora nao se pode querer reduzir a vida
da Igreja a tais condigóes.

3) Em nome da teología, propdem-se duas objegóes:

a) «Pecado mortal (grave) e pecado venial (.leve) sao reali


dades radicalmente diferentes. O pecado mortal (grave) significa
separacao da alma em relacáo a Deus e morte sobrenatural; só-
mente ele realiza verdaderamente a nocao de pecado. Ora o sacra
mento da Penitencia foi instituido para absolver o pecado Rrdpria-
mente dito e efetuar a reconciliacSo com Deus. Parece, pois. que o
pecado venial (leve) — o qual nao rompe a uniao da alma com
Deus (embora a atenué) — nao deva ser objeto do sacramento da
Confissao. A coníissáo de pecados apenas veniais (leves) nao se
tomaría, em vista disto, algo de absurdo ou pouco significativo?
NSo carecería de materia, vindo a ser, por conseguinte, nula?»

— 244 —
CONFISSAO FREQÜENTE: SIM OU NAO? 21

Resposta:

1. Nao se deve acentuar demais a distingáo entre pe


cado mortal e pecado venial; é mais nítida no plano espe
culativo do que na linha da realidade concreta. O pecado que,
á primeira vista, me parece leve, pode na realidade ser mais
grave do que pensó, principalmente se é um hábito mau que
entretenho mais ou menos voluntariamente, por descuido
culpável.

Nao há dúvida, muitos pecados veniais nao constituem por si


mesmos um pecado mortal. Mas é certo também que cada pecado
venial produz urna disposicáo ao pecado mortal; tende a criar um
hábito que acarreta distanciamento crescente da alma em relacáo
a Deus. Portanto o cristáo que negligencie a acusacáo de seus pe
cados veniais, julgandoa inútil, corre o risco de considerar tais pe
cados como nao importantes; a consciéncia se lhe vai embotando
— o que torna mais fácil a queda no pecado morral.

Por isto dizem os bons teólogos que os pastores de almas


nao devem insistir demais, junto aos fiéis, na distLngáo entre
pecado mortal e pecado venial (isto nao quer dizer que a'si-
lenciem ou que déla nao fagam o uso devido). Mediante urna
distingáo demasiado rígida neste setor, a casuística corrom
pería a moral, colocando urna moral jurídica, minimizante e
negativa no lugar da moral evangélica, que é sempre sequiosa
de maior progresso e perfeigáo.

2. Mais aínda: é preciso que a mente dos católicos


(pastores e fiéis) se acautele contra o que se poderia chamar
«o atomismo» ou «a atomización dos valores espirituais. Esta
atomizagáo apresenta dois aspectos principáis:

atomiza<jao da vida moral: consiste na tendencia a con


siderar a vida moral como um colar de atos desconexos entre
si e cortados uns dos outros; os pecados seriam meras trans-
gressóes de leis, transgressóes independentes urnas das outras.
Ao contrario, tenha-se consciéncia de que a vida moral é real
mente vida; por isto, tem sua continuidade, suas razóes pro
fundas e suas tendencias constantes. Por isto também o
pecado nao é simplesmente um ato ou urna serie de atos,'
mas ó um ato ou varios atos com seus antecedentes e suas
prolongagóes na vida psicológica e moral da pessoa. Há
mesmo o pecado de omissáo, que equivale a um «nao fazer...»
devido a fatóres mais ou menos arraigados na pessoa omissa.
É o que leva a dizer que o pecado em todo homem (mesmo
no cristáo) pode ser considerado como um estado: todo homem

— 245 —
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 3

é pecador, nao sómente por seus atos, mas também por suas
tendencias profundas e suas omissóes.
É preciso evitar também a
atomizacao sacramental. Esta tende a considerar os sa
cramentos como atos limitados á sua celebracáo; nao leva em
conta os efeitos duradouros dos sacramentos; estes tém valor
permanente e consecratório.

O Batismo, por exemplo, nao é apenas um rito administrado


em quinze minutos; mas é um n6vo nascimento, principio de vida
nova, vida cm Cristo, vida eterna. Análogamente, o sacramento da
Penitencia nao é apenas urna absolvicSo que apaga os pecados e
p6e em dia a «contabilidade moral» do penitente; é urna consagra-
gáo da pessoa no estado de penitente; confere á vida ulterior do
cristáo um valor penitencial.

Ora, assim como todo homem é pecador, ele deve ser


também penitente, .. .penitente nao apenas de maneifa inter
mitente, ou seja, por ocasiáo de pecados mais graves; mas
ele há de recorrer á Penitencia de maneira habitual, ou seja,
por ocasiáo de suas faltas leves, que sao a expressáo do es
tado de pecado em que todo homem se encontra. Além disto,
todo cristáo deve desejar que a sua penitencia seja consa
grada pelo poder das chaves e pelo julgamento da Igreja, os
quais se exercem no sacramento da Penitencia; o bom cristáo
há de querer submeter cada vez mais a sua penitencia á acáo
redentora de Cristo, que se atua de modo especial no sacra
mento da Confissáo.
Estas ponderagóes dáo a ver que a prática da Confissáo
sacramental freqüente, ainda que só acuse pecados veníais,
nao é vá ou carecente de sentido, mas, ao contrario, corres
ponde a urna germina concepgáo da moral crista e dos sacra
mentos.
Objeta-se, porém, ainda em nome da teología:

b) «Como lembrava o próprio Papa Pió XII. há diversas ma-


neiras de se obter a remissáo dos pecados veniais: o uso dos sacra
mentáis, como a agua benta, a recitacao do 'Eu pecador', do 'Pai
Nosso' (eficaz pela peticáo 'perdoai-nos as nossas ofensas...'), o
recurso. á S. Eucaristía, que desenvolve mas almas o fervor da ca-
rldade; de modo geral, qualquer ato férvido de amor a Deus ou ao
próximo. Pergunta-se entao: o bom cristáo que vá ao confessioná-
rio acusar apenas pecados veniais, nao terá recebido o perdáo dos
mcsmos pelo próprio exercicio da vida crista?»

Resposta: algumas observacóes podem ser feitas a esta


dificuldade:

_ 246 — /
CONFISSAO FREQÜENTE: SIM OU NAO? 23

1. Por certo, os pecados veniais nao acarretam a morte


da alma ou da vida sobrenatural; por isto, nao exigem neces-
sáriamente, para ser apagados, a ressurreicáo realizada pelo
sacramento da Penitencia. Provocam, sim, um afrouxamento
da caridade; conseqüentemente, podem ser perdoados pela
prática de um ato de caridade mais intensa. Mais intensa:...
pois nao basta a prática habitual da caridade; se esta bas-
tasse, os pecados veniais seriam apagados pouco depois de •
cometidos, o que nao é verdade.
2. Mais ainda: o fervor da caridade atenuado pelo pe
cado venial nao pode ser restabelecido por um desejo geral
de amar a Deus mais fervorosamente.
Por qué?
— Note-se que todo pecado mortal extingue o amor da
alma a Deus. Por isto quando um pecado mortal é perdoado,
supóe-se que na alma se restaure todo o amor a Deus; esta
restauracáo seria incompatível com a permanencia de algum
outro pecado mortal na mesma alma. Ninguém, pois, pode
obter o perdáo de um pecado mortal sem obter ao mesmo
tempo o perdáo de todos os seus demais pecados mortais (em-
bora nao se lembre de todos). .
O mesmo nao se dá com o pecado venial. Com efeito,
os pecados veniais nao estáo relacionados entre si; nenhum
déles extingue o amor fundamental da alma a Deus. Cada
pecado venial significa apego desregrado a determinado bem
temporal, de modo, porém, a deixar na alma o amor básico
a Deus; o pecado venial é urna incoeréncia; é, ao mesmo
tempo, ,um «Sim» e um «Nao» ditos a Deus. Ora os bsns
temporais a que nos podemos apegar levemente, sao muito
variados e desconexos entre si; em conseqüéncia, alguém
pode repudiar certo pecado venial sem que, por isto mesmo,
repudie tal outro pecado venial (posso repudiar a minha gula,
mas ceder covardemente a minha preguica ou á minha incli-
nacáo para mentir).
Ve-se, pois, que, quando alguém repudia um pecado ve
nial, nao cresce necessáriamente na caridade; esta pode per
manecer tibia caso tal pessoa conserve apego a outras faltas
leves. Isto mostra que nenhum pecado venial é apagado sem
que a alma o considere diretamente ou, ao menos, tenha a
intengáo de repudiar mesmo os pecados leves de que nao se
lembre;.... mostra também que o fervor da caridade nao é
restaurado numa alma tibia a nao ser que ela considere (.na
medida do possível) e rejeite cada um dos seus pecados ve-,

— 247 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968. qu. 3

niais. É por isto que o atento exame de consciéncia e a con-


fissáp fiel de cada um dos pecados veníais sao meios impor
tantes para restabelecer a caridade fervorosa numa alma
debilitada pelo pecado venial.
3. Sem dúvida, os pecados veníais podem ser perdoados
pela prática da virtude da penitencia; é esta que dá valor
expiatorio as mortificagóes, as boas obras e as oragóes con
tritas do cristáo. Observe-se, porém, que a virtude da peni
tencia se torna muito mais eficaz quando associada pelo sa
cramento ao poder das chaves e á eficacia redentora do sacri
ficio de Cristo.
Note-se igualmente que as boas obras e todo o teor de
vida do cristáo adquirem, de modo geral, um valor de ex-
piagáo novo em virtude da fórmula proferida pelo sacerdote
logo após a absolvicáo sacramental:

«A Faixáo de Nosso Senhor Jesús Cristo,


os méritos da Santa Virgem María e de todos os Santos
e tudo que tiveres feito de bem e suportado de mal,
te sejam aplicados em remissáo dos teus pecados, aumento de
graca e recompensa da vida eterna».

i Estas palavras comunicam realmente a toda a vida do


cristáo (ao bem que-ele faga e áos males que ele padega)
um sentido- e um alcance penitenciáis. Isto evidencia de novo
a importancia do sacramento da Confissáo na vida de um
cristáo, ainda que éste nao tenha faltas graves a acusar.
4. Faz-se mister ainda considerar o seguinte: todo pe
cado, mesmo venial, deixa na alma o que S. Tomás chama
«reliquiae peccati» (resquicios do pecado), ou seja, disposi-
góes para repetir o mesmo pecado; essas disposigSes tornam
mais difícil a prática da virtude (sao também ditas «a ferru-
gem da alma»).

Para explicar melhor o pensamento, pode-se recorrer á seguinte


imagem: o pecado, mesmo leve, é como que um ferimento infligido
á alma: todo ferimento, porém, urna vez sanado, deixa' no respectivo
sujeito librases ou cicatrizes; essas íibroses sao as «reliquiae
peccati»...; tém que ser canceladas.

Ora, dizem os teólogos, o meio mais eficaz de cancelar


tais cicatrizes (ou de raspar a ferrugem, ou de eliminar os
respuícios do pecado) da alma é o sacramento da Penitencia
Com efeito, a graca de tal sacramento náa apenas cancela
a culpa, mas cura positivamente. O sacramento da Penitencia
nao liberta sómente, mas cura, fortifica, vivifica o penitente;

— 248 —
CONFISSÁO FREQÜENTE: SIM OU NAO? 25

é participagáo nao apenas na morte de Cristo, mas também


na ressurreicáo do Senhor. • ' •

A respeito do cancelamento dos resquicios do pecado, cí. «P.R.»


52/1962, qu. 2.

5. A Eucaristía nao é o sacramento instituido por Cristo


para a remissáo das culpas. Verdade é que ela expia os peca
dos do mundo, como a Cruz de Cristo; mas, para que alguém
seja beneficiado pela Eucaristía, deve levar a ela uma alma
contrita e penitente.

Ademáis quem recorre únicamente á S. Missa para se


purificar dos pecados cotidianos, reduz o sacramento da Peni
tencia ao nivel de sacramento meramente negativo — o que é
erróneo. Como dissemos, a Confissáo faz participar nao só
mente da expiagáo prestada por Cristo, mas também da sua
gloriosa ressurreigáo; ela revigora a alma.

Em conclusa©: Tais consideragóes dáo a ver que a Con


fissáo freqüente dos pecados (ainda que sómente veníais) tem
plena razáo de ser na vida crista retamente compreendida; é
mesmo uma das exigencias desta.
Todavía impóem-se breve?

2. Observagoes fináis

A recomendagáo da Confissáo freqüente nao significa que


nao se devam procurar evitar certos aspectos negativos aci-
dentalmente decorrentes do uso de tal sacramento:

1) Rotíma. A Confissáo amiudada poderla ser entendida como


cura psicoterápica ou alimento de sentimentalismo. O sacerdote es
tará atento a que tal desvirtuamento nao se dé.
2) Escrúpulos e temores pouco sadlos. Acontece que alguns
cristños de Comunhao freqüente nao ousam aproximar-se da S. Mesa
sem se confessar previamente, embora nao tenham pecado grave.
Esta regra, demasiado rígida, pode dificultar-Uies a vida espiritual,
alimentando escrúpulos indevidos.
£ preciso que o penitente nao se deixe absorver pela preocupa-
cao de ser simplesmente completo em sua confissáo. So consideraría
um aspecto (ás vézes, angustiante) do sacramento. Encare a Con
fissáo como conversao (cada vez mais consciente e decidida) para
Deus, como participacáo mais intima na ressurreicáo do Senhor
Jesús, participacáo que exige bons propósitos e identificacáo cres-
cente com os sentimentos de alma do Cristo Jesús (cf. Flp 2, 5).

— 249 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 102/1968. qu. 4

IV. HISTORIA DO CRISTIANISMO

4) «Que há na Holanda?.Revolucao religiosa ou genuína


aplicacao das normas do Vaticano II?»

Resumo da resposta: Os católicos holandeses procuram renovar a


vida católica em seu país, dando-lhe colorido mais regional e mais adap
tado á mentalidade moderna; move-os urna ansia de liberdade, que se
compreende por motivos históricos. Daí as experiencias litúrgicas
em casas de familia, segundo fórmulas e xitos improvisados; daí o
Concilio Pastoral Holandés, em que todo o povo católico e náo-cató-
lico se faz ouvir acerca de assuntos religiosos e disciplinares da
Igreja; daí também o famoso Catecismo Holandés, ainda hoje em
discussáo.
A situagáo é muito ambigua; caminha para yerdadeiro aumento
da fé e do espiritó sobrenatural? Ou será a diluicáo de genuinos
valores cristáos, solapados pelo naturalismo e o antropocentrismo
modernos?

Resposta: As questóes ácima, freqüentemente propostas,


sao assaz delicadas e complexas; enquanto alguns observado
res da situagáo respondem com pessimismo, outros se mani-
festam confiantes.
Abaixo seráo apresentados alguns aspectos do Catolicis
mo na Holanda contemporánea; ao que se acrescentaráo
algumas reflexóes.

1. A situacao geral

A Holanda, hoje tida como pais em crise religiosa, era


até pouco tempo atrás unánimemente considerada como na-
gáo modelar do ponto de vista católico; a fé e o fervor dos
católicos holandeses enriqueciam largamente o povo de Deus.

Com efeito, ao lado de urna maioria protestante, os católicos


holandeses tém aumentado numéricamente: em 1909 representavam
35,02^% da populacáo do país; hoje em dia, sao 40,3 % da mesma;
constituem a maior denominagáo religiosa da Holanda (há ai nume
rosos grupos protestantes ou velho-católicos independentes uns dos
outros). Em parte alguma da Europa, as igrejas católicas tém sido
táo freqüentadas quanto na Holanda; Os católicos holandeses, em-
bora constituam apenas 1 % dos católicos do mundo inteiro, forne-
cem 1,0 % dos missionários que diíundem a fé no estrangeiro. Mais
que 5.000 sacerdotes holandeses, dos quais 70 sao bispos, trabalham
em térras de clero escasso. O clero brasilei.ro conta mais de 1.000
padres holandeses. O «Partido Social Católico» («Katholieke Volks-
partij»), fundado em 1946, é o maior partido político da nacao, sem-

— 250 — ...
QUE HA NA HOLANDA CATÓLICA? 27

pre chamado a participar do Govérno, embora os católicos nao cons-


tituam aínda a metade da populacho do pais (era 1958 os católicos
constituiam um conjunto de 4.465.600 almas, num total de 11.009.000
habitantes). A Holanda possui os mais notáveis jomáis católicos
do mundo, destacando-se especialmente «De Tijd», fundado em 1845,
e «De VoLkskrant», órgáo do movimento operario católico. Em 1926
foi fundada a Emissóra Católica «Katholieke Radio Omroep», á qual
outras se acrescentaram posteriormente; existem também a televisáo
católica holandesa, a Univeraidade Católica de Nimega e outras
grandes instituicSes católicas de vulto, todas em curso de franca
prosperidade.
Esta perspectiva da Holanda católica ainda hoje é fiel á reali-
dade, embora esteja passando por transformacóes. As novas reali-
zacóes do Catolicismo holandés tém inquietado nao sómente os fiéis
de outros países, mas também certos grupos da própria nacáo. Com
efeito, embora a imprensa dos' Países-Baixos seja geralmente favo-
rável ás mudancas religiosas, a revista mensal «Confrontatie» (Con
fronto) tem-se mostrado alarmada; o seu redator-cheíe J. Bongaarts
escreveu no número de fevereiro de 1968 o seguinte:
«A nossa provincia eclesiástica acha-se em estado de desinte-
gracáo, de decadencia... Cada um de nos olha, espantado, para os
Bispos. Como é isso possível? Os Bispos, que, apesar de tudo, ainda
sao plenamente ortodoxos, véem-se diante de urna decisáo; bem o
sabemos. Tremenda decisáo, que se impóe todas as vézes que os
homens nao procedem segundo a norma 'Principas obsta' (op5e-te
aos inicios)... Essa decisáo implica o seguinte: mediante interven-
cáo prudente, mas firme, salvar a nossa provincia eclesiástica, ainda
que isto talvez seja ocasiáo — nao causa — de apostasia para muitos»
(pág. 481).
As causas das repentinas transformacóes do Catolicismo na Ho
landa seráo estudadas no artigo seguinte desee fascículo... O Con
cilio do Vaticano II (1962-1965) em alguns de seus documentos favo-
receu o pluralismo de disciplina dentro da unidade da fé católica;
tais declaracóes foram interpretadas na Holanda como fomento para
a procura de urna face particular ou própria do Catolicismo ne
erlandés.

Pergunta-se agora: tem sido empreendida genuinamente


a renovagáo da face da Igreja na Holanda?
A resposta a esta dúvida será cncaminhada pela apre-
ciaeáo de alguns aspectos do atual Catolicismo holandés: as
experiencias litúrgicas, o Concilio Pastoral, o novo Catecismo.

2. As experiencias litúrgicas

O Concilio comecou seus debates pelo tema «Liturgia», pois éste


era o assunto que mais amadurecera na consciéncia dos Padres con
ciliares. Ora os estudos e finalmente a Contituicao conciliar referen
tes á S. Liturgia abriram novas perspectivas nao sómente sobre o
culto sagrado, mas também sobre o regime da Igreja, reconhecendo
as Conferencias Nacionais dos Bispos certa autoridade para decidir
sobre questóes litúrgicas. Verificou«e assim que dentro da S. Igreja

— 251 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 4

a disciplina nao precisa de ser rigorosamente uniforme, mas, ao con


trario, cada regiao, com sua configuradlo geográfica e humana, deve
imprimir tragos peculiares ao Catolicismo local (língua, cerimdnias,
cantos da Liturgia, por exemplo, nao de corresponder á Índole do
povo que a celebra).

As normas de adaptacáo da Liturgia promulgadas pelo


Vaticano II foram ávidamente postas em prática pelos cató
licos' holandeses.
A substituicáo do.latim pela língua vernácula abriu novos
horizontes aos fiéis dos Países-Baixos, que verificaran! o
seguinte: quando se celebrava o culto sagrado em latim, o
teor dos textos utilizados (leituras, oraeóes...) nao causava
problemas, pois ésses textos nao tinham grande repercussáo
na assembléia, que pouco os compreendia. Urna vez, porém,
que se adotou o vernáculo na Liturgia, observa-se que certas
fórmulas dos ritos sagrados já nao parecem interpelar o
homem moderno. Justamente porque o vernáculo é compre-
endido, ele requer formularios bem expressivos para o cida-
dáo do sáculo XX. — Assim averiguaran! os holandeses que
nao basta traduzir os textos latinos -da Liturgia para a língua
materna; em conseqüéncia, puseram-se a compor novas fór
mulas (e conceber novos ritos) aptos a estabelecer viva co-
municacáo entre os sacerdotes e os fiéis, principalmente na
celebragáo da S. Eucaristía. Os mentores de tais reformula-
góes apelavam (e apelam) para alguns incisos da Constituicáo
do Vaticano n relativos a S. Liturgia:

«A Santa Máe Igreja deseja com empenho cuidar da reforma


geral de sua Liturgia, a fim de que o povo cristáo na S. Liturgia
consiga com mais seguranca gracas abundantes» (n» 21).
«O Ordinario da Missa s¡eja revisto de tal forma que apareca
claramente a Índole própria de cada urna das respectivas partes, bem
como a sua mutua conexáo, e se facilite a piedosa e ativa partici-
pagáo dos fiéis» (n° 50).

. Baseados em tais declaracóes do Concilio, os católicos


holandeses tomaram a iniciativa de fazer, de modo geral,
experiencias inoyadoras no tocante á S. Liturgia, nao levando
em conta outras normas emanadas do Concilio concernentes
á reforma do culto.

Urna. das experiencias que mais se dif undiram, é a que diz res-
peito ao modo de comungar: a hostia consagrada na Holanda é colo
cada na máo, e nao sobre a língua do comungante (a menos que
éste prefira o costume anterior).
Quando falta um sacerdote ou outro motivo razoável o sugere,
os fiéis leigos distribuem a S. Comunháo.

— 252 —
QUE HA NA HOLANDA CATÓLICA? -29

Pratica-se também a «liturgia em casas de familia»: os convivas


sentam-se em t&rno de uma mesa, onde se encomtram pao e vtnho
junto a outros alimentos; celebram entáo a S. Eucaristía, sob a
presidencia de um sacerdote, que, após leituras e oraches, consagra
o pao e o vinho; feita a distribuicáo dos elementos consagrados,
dizem-se as aracOes fináis e micia-se a refeicáo comum da familia
com seus amigos!...

A atitude dos Bispos holandeses diante de varias das


inovacóes em materia de Liturgia é ambigua; nao querem
quebrar a unidade da S. Igreja, mas também nao ousam
coibir a onda das adaptares táo férvidamente empreendidas
pelo clero e pelos fiéis.
Outro ponto em que atualmente se torna notorio o Cato
licismo holandés é o assim chamado

3. Concilio Pastoral

A procura de novas formas de disciplina condizentes com


a vida moderna passa do setor da Liturgia para todos os
demais aspectos da vida crista. A fim de realizar essa acomo-
dagáo geral, os holandeses empreenderam a celebracáo de
um «Concilio Pastoral Holandés».
Todo Concilio cansta de sessóes em que os Bispos, asses-
sorados por teólogos e juristas (canonistas), deliberam sobre
assuntos da Igreja. A principio, pensaram os holandeses em
fazer algo de semelhante, de acordó com as determinacóes
do Direito Canónico. Resolveram, porém, inovar também
nesse setor, a fim de nao deixar os presbíteros e os leigos
em atitude passiva. Por isto decidiram que, além dos Senho-
res Bispos, tomariam parte no Concilio Nacional, peritos de
diversas materias (teólogos, sociólogos, educadores...) e re
presentantes das diversas carnadas do povo de Deus.
E como se obteve a representagáo do povo católico no
Concilio nacional?
— Existem, na Holanda, cérea de 15.000 comunidades de
base, que contam entre dez e quinze membros cada uma;
estas desempenharam papel importante na eleigáo dos dele
gados do povo de Deus ao Sínodo Nacional; foram também
ativas na formagáo da opiniáo pública a respeito dos diversos
temas do Concilio.

A fim de garantir a participacáo dos demais membros do povo


holandés no Concilio, cada diocese abriu uma caixa postal, á qual
cada qual dos interessados pode e pode enviar suas sugestoes; qua-
tro mil cartas foram assim recolhidas até marco pp.

— 253 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 4

As decisóes désse grande certame devem ser tomadas


mediante votagáo em assembléias plenárias. Estas regular
mente háo de constar de 109 membros com voz ativa (dos
quais 75 possuem grau académico). Os Srs. Bispos da Ho
landa (em número de nove, dos quais sete residenciáis e dois
auxiliares) tomam parte em tais assembléias plenárias, cons-
tituindo o respectivo «Praesidium»; tém direito a votar em
primeiro lugar; também participam dos debates aue precedem
cada votagáo.
As questóes a ser debatidas pelo Concilio foram previa
mente estudadas e elaboradas por quinze comissóes de pe
ritos, as quais se dedicaram aos temas seguintes: Liturgia,
Pregacáo, Ecumenismo, Ética, Juventude, Paz, Auxilio aos
Subdesenvolvidos, Matrimonio, Vida Religiosa, Missóes, Fé,
Despertar da Fé, Autoridade, Mudangas na Igreja, Disciplina
da Igreja.

Os promotores do Concilio procuraran! também obter a


colaboracáo de cristáos náo-católicos; cada Comissáo de es-
tudos é integrada por um ou dois membros náo-católicos. Ñas
assembléias plenárias, estes tém o direito de tomar a palavra,
nao, porém, o de votar.

Nos dias 3, 4 e 5 de Janeiro de 1968 realizou-se a pri-


meira sessáo plenária do Concilio Pastoral na cápela do
Seminario da diocese de Rotterdam de Noordwijkershout.
Estavam presentes 169 pessoas participantes, das quais 107
tinham direito a voto, sendo as outras observadores, convi
dados ou peritos especialistas; onze comunidades religiosas
íiáo-católicas tinham enviado cada qual o seu representante-
-obseryador. Compareceram á inauguracáo do Sínodo o Pró-
-Núncio da Santa Sé na Holanda, D. A. Felici, o Secretario
da Conferencia dos Bispos da Franga, D. Etchegaray, o Bispo
de Antuerpia, D. A. Deam, como representante do episcopado
belga, tres Bispos holandeses missionários, como observadores
estrangeiros, e dois Bispos alemáes, D. G. Fittkau e D. P.
Wolff. A presidencia das assembléias plenárias foi confiada
pelo Cardeal Alfrink (em nome do episcopado holandés)
ao Prof. Dr. J. Th. Snijders, Reitor da Universidade de
Groningen. ¡

Logo por ocasiáo da abertura dos trabalhos plenários, o Cardeal


Alfrink declarou que nao se estava realizando um Concilio Nacional
no sentido estrito do Direito Canónico, mas, sim. urna Consulta Pas
toral, que se tornaría valiosa lonte de "informacóes para os Srs. Bis
pos. Sao palavras de Sua Eminencia:

— 254 —
QUE HA NA HOLANDA CATÓLICA? 31

<Julgo que éste Concilio nao será considerado como um Parla


mento, que toma resolucSes a ser executadas pelos Bispo:;. De outro
lado, acredito que esta Consulta Pastoral chegará a conclusSes que
os Srs. Bispos... com prontidao de ánimo porao em prática».
Acrescentou o Cardeal Alfrinkí que o episcopado holandés nao
tem motivo para se insurgir contra quem quer que seja dentro da
Igreja, «nem contra os irmáos no episcopado, nem contra o Papa,
que nos fielmente aceitamos como o Cabeca que o Senhor colocou
á frente de tdda a Igreja».
Por sua vez, o Santo Padre Paulo VI, em carta de 23/XI/66
escrita ao Cardeal Alfrink, deu sua aprovacáo ao Concilio Pastoral,
qualificando-o, porém, de «empreendimento delicado e cheio de aspi-
racóes, algo de totalmente novo e singular».

A principal tarefa da primeira sessáo plenária do Sínodo


foi o debate de um estudo sobre «Autoridade», estudo elabo
rado pela respectiva comissáo de peritos. Ésse trabalho foi
tido pela assembléia como insuficiente, e enviado de novo á
Comissáo redatora para ser completado e, depois, revisto na
seguinte sessáo do Concilio. Alguns comentadores da disser-
tagáo observaram em público que a deficiencia de autoridade
é táo nociva a urna comunidade quanto o abuso de autori
dade; ademáis, a Igreja, em virtude de sua índole sobre
natural, nao pode ser equiparada a qualquer tipo de demo
cracia.
Ainda no decorrer da sessáo, o Cardeal Alfrink, em nome da
assembléia, enviou um telegrama ao S. Padre Paulo VI. em que
reafirmava a uniáo do episcopado holandés com a Igreja inteira.
A próxima sessáo do Concilio foi fixada para os dias 8, 9 e 10
de abril de 1968 no mesmo local. A terceira assembléia plenária
estava prevista para Pentecostés do corrente ano.

Ainda outro aspecto da situagáo holandesa que tem cha


mado a atengáo do mundo católico, é

4. O novo Catecismo para adultos

Já em «P.R.» 96/1967, qu..2 foi publicada a noticia das origens


e da propagagáo do Novo Catecismo Holandés.

A Santa Sé nomeou urna Comissáo internacional com


posta pelos Cardeais Browne, Florit, Journet, Frings, Jaeger
e Lefébvre a fim de examinar o controvertido livro. O pa
recer final désses prelados foi apresentado á Santa Sé em
Janeiro pp. num felatório de 33 páginas. A Comissáo decla-
rou que o Catecismo nao contém heresias, mas indicou no

— 255 —
32 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968. qu. 4

mesmo quatorze pontos importantes que precisavam de ser


reformulados (entre os quais o pecado original, o nascimento
virginal de Cristo, a doutrina da vida futura, o controle da
natalidade); além disto, a Comissáo apontou no Catecismo
quarenta e dois aspectos menos graves que também deveriam
ser retocados, dando-se-lhes formulagóes precisas.

Em conseqüéncia, a Santa Sé mandou á Holanda os teólogos


Pe. Dhanis, jesuíta belga, e Pe. Visser, redentorista holandés, a fim.
de estudarem as necessárias emendas com os teólogos holandeses
Pe. Mulders, jesuíta e co autor do Catecismo, e Pe. Fortmann, ambos
nomeados pelo Cardeal Alfrink aos 4/1/68.
A 1' de fevereiro de 1968, o Pe. Mulders pediu exoneraeáo de
seu encargo, declarando nao poder concordar com o teor das fór
mulas propostas par seus colegas de Roma. A comissáo flcou assim
reduzida a tres membros apenas. O Cardeal Alírink entao, aos 2 de
íevereiro, compareceu a um programa de televisSo, afirmando que
as conversacoes prosseguiriam e mostrando-se otimista quanto ao
resultado das mermas. Os holandeses até hoje asseguram que o Novo
Catecismo nao nega as proposicoes da fé católica, mas apenas propóe
novas interpretares das mesmas.

Como quer que seja, é de notar que essa obra contém


(num juízo objetivo e desapaixonado) quatorze fórmulas gra
vemente ambiguas e quarenta e duas outras necessitadas de
emendas. Como tal, o Novo Catecismo Holandés nao pode ser
divulgado como expressáo do pensamento da S. Igreja.
O que acaba de ser proposto nos incisos anteriores, pede
da parte do estudioso algumas

5. ConsideragSes fináis

1. Seria prematuro um juízo peremptório sobre as


atuais realizacóes dos católicos dos Países-Baixos; aguarda
re, com interésse, o desfécho dos movimentos empreendidos.
A Holanda está fazendo experiencias no sentido de tornar
niais acessível amensagem de Cristo para o homem de hoje
como ele vive na regiáo bátava. A intengáo é louvável e cor
responde ao que o Concilio do Vaticano II preconizou; é de
esperar, porém, que os católicos holandeses saibam lealmente
recuar logo que perceberem a necessidade de o fazer, a fim
de salvaguardar a integridade da fé e a unidade do povo
de Deus. Freqüentemente os católicos holandeses tém afir
mado que se desejam manter fiéis á unidade da Igreja; éles
que tanto sofreram nos séculos XVI-XDÍ por seu título de
«católicos», nao háo de desdizer táo glorioso passado; a

— 256 —
QUE HA NA HOLANDA CATÓDICA y óó

Holanda católica deu durante séculos testemunho particular


mente eloqüente de fidelidade a Cristo em sua única e santa
Igreja.
2. Ao Magisterio supremo da Igreja compete avaliar as
experiencias holandesas. Isto nao impede que se proponham
comentarios sobre a mesma, pois vivemos na era do diálogo.

Os holandeses tém procurado dar as expressfies de sua fé ca


racterísticas locáis. Nisto há um valor, pois a mensagem do Evan-
gelho é apta a encarnarse em tudo que as diferentes formas de
cultura humana apxeseritem de sadio. Contudo parece que as inicia
tivas vém sendo inspiradas por exagerado espirito de Independencia
religiosa e nacional; exprimem o desejo de liberdade e auto-afii>-
macáo das quais íoram privados os católicos holandeses nos séculos
passados, sob o Estado Calvinista, e nos últimos tempos durante a
ocupacáo nazista.

Diante desta atitude faz-se mister lembrar que a S. Igreja


é urna sociedade transcendental, mística; é o Corpo de Cristo
prolongado através dos tempos. Nesse Corpo Místico os va
lores nacionais e humanos merecem grande aprégo, mas
devem ser subordinados a urna visáo sobrenatural. As autén
ticas diretrizes de renovagáo e adaptacáo da vida católica,
embora possam e devam ser formuladas segundo criterios
próprios em cada país, estáo sujeitas ao govérno central da
Igreja; por ésse govérao central fala o sucessor de Pedro,
que Jesús instituiu chefe visível da Igreja. O bom católico
terá sempre de olhar para a Sé de Pedro com reverencia
filial, embora isto Ihe custe um uto de fé.

A colegialidade do govérno da Igreja, solenemente afirmada


pelo Vaticano II, nao quer dizer que cada Conferencia Nacional de
Bispos seja mais ou menos autónoma ou tenha o direito de empre-
ender o que bem Ihe apraza. Na verdade, o govérno da Igreja após
o Vaticano II tende a se descentralizar,. todavía sem detrimento
para o primado de Pedro, primado que Cristo mesmo instaurou
(cf. Mt 16, 18s; Le 22, 31s; Jo 21, 15-17), como lembna o Vaticano II
(cf. Const. «Lumen Gentium» n» 22).

É á luz destas verdades que se devem aquilatar


a) as inovacoes litúrgicas. O Concilio do Vaticano n
(Const. sobre a Liturgia), ao mesmo tempo que apregoava
a revisáo dos ritos da S. Liturgia, declarava que esta tarefa
compete exclusivamente a Santa Sé e aos prelados devida-
mente autorizados:

«22. § 1. A regulamentacáo da Sagrada Liturgia é da com


petencia exclusiva da autoridade da Igreja. Esta autoridade cabe á
Santa Sé Apostólica e, segundo as normas do Direito, aos Bispos.

— 257 —
34 «PERPUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qU. 4

§ 2. Par poder concedido pelo Direito, dispar assuntos de Li


turgia dentro dos limites esbabelecidos cabe também ás competentes
Conferencias territoriais dos Bispos, de varios tipos, legítimamente
constituidas.

§ 3. Portante, jamáis alguma outra pessoa, ainda que sacer


dote, acrescente, tire ou mude por própria conta qualquer coisa á
Liturgia».

Nao há dúvida, ha textos da S. Liturgia dependentes de


mentalidade e estilo que pouco corresponden! ás categorías
do homem moderno. Consciente disto, a Santa Sé tem empre-
endido reformas litúrgicas, que váo sendo sucesivamente
publicadas; a revisáo da Liturgia tem sido paulatina, a fim
de poder ser segura e amadurecida. Acrescente-se, porém, o
seguinte: nao basta adaptar preces, cantos e cerimónias da
Liturgia ao homem moderno. É preciso também readaptar
ésse homem moderno, mesmo cristáo, ao sadio espirito da
Liturgia, que é espirito profundamente bíblico e teológico. Se
os cidadáos dos inossos séculos muitas vézes nao compreen-
dem as clássicas fórmulas da oragáo crista, isto se deve nao
sempre á insuficiencia de tais fórmulas, mas nao raro á perda
do espirito de fé ou sobrenatural de que se ressente a men
talidade contemporánea.

Em outras palavras: a solugáo do problema nao consiste


apenas em reformar a Liturgia, mas também em reeducar o
modo de pensar da geracjáo atual. A Liturgia é inspirada

por teocentrismo muito vivo,


pelo senso do misterio ou da presenga de realidades
transcendentais,
pela aspiracáo á consumagáo final escatológica.

Ao contrario, a filosofía moderna é

antropocéntrica,
voltada para as realidades matieriais e racionáis,
interessada principalmente pelo momento presente.

Sobre celebracóes em casas de familia e Comunháo distribuida


ñas máos dos fiéis, veja-se «P.R.» 89/1967, qu. 4 e 90/1967, qu. 5.

b) O Concilio Pastoral holandés. Como os próprios


mentores déste empreendimento reconhecem, nao se trata de
um Concilio em estrito sentido canónico, mas de urna con-

— 258 —
QUE HÁ NA HOLANDA CATÓLICA? 35

sulta do episcopado holandés aos fiéis de seu país a respeito


de assuntos religioso-profanos. A iniciativa é valiosa. Todavía
parece que, para a frutuosa execugáo da mesma, se poderiam
propor duas cláusulas:

a') seja conservada bem nítida a consciéncia da fungáo


única e inigualável que cabe aos Bispos na S. Igreja. Sao os
sucessores dos Apostólos; juntamente com a sucessáo apos
tólica receberam o carisma da verdade (ou urna graca pró-
pria de Deus para ensinar'auténticamente as verdades da
fé). Considerem-se as seguintes afirmac.óes do Vaticano II:

«Os Bispos, com a sucessáo do episcopado, receberam o carisma


seguro da verdade» (Const. «Dei Verbum» <n« 8).
«Os Bispos pelo Espirito Santo, que lhes foi dado, foram cons
tituidos verdadeiros e auténticos mestres da fé» (Decreto «Christus
Dominus» n' 2).
Aos Bispos compete ouvir os fiéis antes de tracar seus planos
de agáo pastoral; todavía é necessário que os Bispos se sintam isen-
tos de qualquer tipo de coacáo em seu govérno diocesano, a fim de
que pastoreiem as almas com toda a. seguramca.

b') A consulta a náo-católicos pode em alguns casos


ser oportuna, mas nao* se deve esquecer que tudo na Igreja
é ditado pela fé ou por urna visáo sobrenatural; portante,
aqueles que nao compartilham a fé católica estáo menos
aptos a julgar certos pontos nao sómente de doutrina, mas
também de disciplina e de praxe religiosa; por exemplo, vida
sacramental, ascese crista, oragáo particular e comunitaria,
relagóes dos fiéis com seus pastores na Igreja só podem ser
devidamente compreendidas por quem tem a fé católica. É
mediante o Espirito de Deus (ou Espirito Santo) que se co-
nhecem as coisas de Deus, e o Espirito Santo age plena
mente no Corpo de Cristo, que é a Santa Igreja confiada a
Pedro.
Nao se queira considerar a Igreja preponderantemente como
sociedade que deva funcionar segundo a ciencia e a técnica hu
manas; esta concepcáo redundaría em naturalismo,... naturalismo mor
tal para a vida crista.

Deve-se reconhecer com viva satisfacSo o espirito ecuménico e


aberto dos católicos holandeses, mas nao é menos necessário repelir
qualquer tendencia ao relativismo. A üniáo entre os irmáos sepa
rados há de se fazer primariamente na base da verdade.

Estas consideragSes se prolongam e completam na res-


posta n» 5 déste fascículo.

— 259 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS* 102/1968, qu. 5

5) «Quals as catuas da ataal sltnacüo religiosa na Ho-


. tanda?»

Resumo da resposta: Dols íatos do passado histórico parecem


estar influindo íortemente na atual sttuacao religiosa da Holanda: re-
duzldos durante sécalos ao silencio, os católicos holandeses querem
hoje, com razao, atlrmar-se; a ocupacao nazista fez que católicos e pro
testantes se aproximassem fraternalmente. Além do que, registra-se
a influencia do pensamento moderno, nem sempre consentaneo com
os principios da fé.

Resposta: O Catolicismo holandés hoje em dia aprésenla


duas notas características:

tendencia a reformar a- face vlslvel da Igreja, dandolhe traeos


nacionais;
forte aproximacao ecuménica, tendente a apagar as dlstlncSes
entre Catolicismo e Protestantismo.

Ora tal estado de coisas Jamáis se poderia entender se


nao se levasse em conta o passado do Cristianismo nos Países-
-Baixos a partir da Reforma calvinista (séc. XVI). £ o que
se proporá sumariamente ñas páginas seguintes.

1. A partir do sécalo XVI

No sáculo XVI sete provincias do Norte dos Pa'ses-


-Baixos (Holland, Seeland, Utrecht, Geldern, Groningen, Ove-
rijssel e Friesland, provincias que atualmente coincidem
quase com todo o territorio holandés) abracaram o Calvi
nismo. Em 1579 constituiram a chamada «Uniáo de Utrecht»,
cuja legislacáo era inspirada por concepcóes religiosas calvi-
> nistas assaz austeras. Tais provincias entraram em oposigáo
ao poder político espanhol, que se quería impor até aos
pontos m¡iis extremos dos PaSses-Baixos e professava a fé
católica; religiáo calvinista e patriotismo holandés tornaram-
-se, em conseqüéncia, indissolíivelmente assodados entre si
na mente dos habitantes dessas sete .provincias. De 1568 a
1648 (Paz da Vestfália) tal populacáo lutou e derramou
sangue pela sua liberdade política em nome da religiáo cal
vinista. Pequeña parte dos fiéis católicos dessas regióes eml-
grou para térras da Bélgica e da Franca; o restante dos
católicos, permanecendo em territorio calvinista, teve de
procurar adaptar-se, segundo novo modo de vida, ao regime
político-religioso de que eram súditos. Nao foram oprimidos
nem perseguidos, mas severamente tolerados. O artigo XM

— 260 —
CAUSAS DA SITUACAO RELIGIOSA HOLANDESA 37

da Uniáo de Utrecht (1579) assegurava aos católicos liber-


dade de consdéncía; proibia-Ihes, porém, o livre exercído de
sua religiáo.
Em conseqüénda, a Santa Sé considerou a Holanda
como país de missáo, dependente da S. Congregacáo da Pro-
pagacáo da Fé. O arcebispo de Utrecht tomou o título de
Vigário Apostólico e, a partir de 1702, flxou residencia em
Colonia (Alemanha). Tal situacáo perdurou até 1853, quando
foi restaurada a hlerarquia católica na Holanda. Éste estado
de coisas fez que a populacao católica holandesa estivesse
durante quase tres séculos mais Intimamente unida a Roma
do que outras populacóes europélas; essa uniáo tomava os
católicos holandeses aínda mais suspeitos aos olhos. de seus
concidadáos calvinistas, dificultandc-lhes a vida civil e social
na nacáo holandesa. O Estado calvinista, nesses sáculos, pro-
mulgou edites que punham os católicos em posigáo inferior
ou difamada, e lhes proibiam até mesmo reunióes públicas.
O periodo de ocupacáo francesa (1795-1815) asstaalou
o inicio da emancipacáo dos católicos nos Países-Babeos. To-
davia nem a Revolugáo Francesa de 1789, com a sua pro-
damacáo de «Llberdade, Igualdade, Fraternidade», nem as
sucessivas dedaracóes de democracia ou de paridade entre
todos os homens (que irromperam na Franca e em outras
regióes do mundo), nem o Congresso de Viena (1815) con-
seguiram alterar fundamentalmente a situacáo oficial dos
católicos holandeses. Até vinte anos atrás (séc XX) os cató
licos eram excluidos dos cargos de administracáo pública!
Apesar dessa situacáo penosa e deprimente, os católicos
holandeses se mostraram sempre dotados de tempera e vita-
lidade surpreendentes; o seu número foi crescendo, a ponto
de constituir atualmente 40,3 % da populado nacional. Cons
cientes de sua fé e de seus dlreitos, formaram até os últimos
anos urna minoría «nao-conformista», que os holandeses
chamavam «Coluna». Houve, alias, na Holanda,' além da
«Coluna Católica:», outras «colunas» (minorías) religiosas (de
protestantes nao filiados ao calvinismo oficial); a mentalidade
désses grupos era dosa de reivindicar ou defender direitos
e de obter urna organizacio quase autárquica com «Jardins
de Infancia», Escolas confessionais, Cursos para adultos, Par
tido Político, Obras de Assisténcia aos Operarios, Sindicatos,
imprensa própria...
Há apenas vinte anos que os católicos holandeses con-
seguiram plena paridade de direitos com os demais cidadáos
do país, gozando de toda liberdade. Já nao lhes é necessário
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 5

manter-se na defensiva frente a seus compatriotas calvi


nistas; encontram-se e colaboram com estes aberta e amis
tosamente.

2. Segunda Guerra Mundial e Ecumenismo

Pode-se perguntar: mas como se tém aproximado uns


dos outros táo rápidamente católicos e protestantes' após
sáculos de represalias e suspeitas da parte do Estado Calvi
nista?

Esta nova realidade nao se entendería se nao fóra a


segunda guerra mundial (1939-1945). Invadidos e ocupados
pelos alemáes em 1941, os holandeses comegaram a valorizar
unánimemente a liberdade. No afá de obstar aos invasores,
puseram de lado na vida civil as barreiras religiosas; vieram
á tana no povo holandés valores de patriotismo, fraternidade
e democracia que haviam ficado sufocados nos tempos de
lutas religiosas. Todos os cidadáos neerlandeses perceberam
que chegara a hora de agir conjuntamente, nao sómente para
libertar a patria, mas também para dar um testemunho de
Cristianismo e humanitarismo aos que déles esperavam um
auxilio fraterno, isto é, aos judeus refugiados na Holanda.
Grande beneficio para o Cristianismo dos Países-Babeos foi
o fato (sem dúvida, extremamente doloroso) de que os na
zistas encerraram num só campo de concentragáo (junto a
s'Hertogenbosch) todos os principáis mentores religiosos e
teólogos do país; assim surgiram numerosas amizades, esta-
beleceram-se contatos valiosos e ocasionou-se colaboragáo
profundamente fraterna entre católicos e protestantes — re
sultados estes que, humanamente falando, nád teriam ocor-
rido em outras circunstancias.
Como se compreende, após o armisticio em 1945, regis-
traram-se tentativas de recair na mentalidade de «Coluna»
ou de minorías fechadas. Nao prevalecerán!, porém. Em
setembro de 1948 realizou-se em Amsterdam a Primeira
Assembléia Geral do «Conselho Mundial das Igrejas», a qual
proclamou «a grande tarefa dos cristáos em urna nova fase
da historia universal»; os cristáos holandeses assimilaram tal
mensagem, que, entre outras coisas, exigía maior uniáo fra
terna. A aproximaeáo mutua tem-se acentuado cada vez
mais; é maravilhoso o contraste entre as relacSes de outrora
e as que hoje vigoram entre os cristáos holandeses.

A partir de 1945 vém-se efetuando numerosos coloquios teoló


gicos entre estudiosos católicos e protestantes; tém deoorrido em

— 262 —
CAUSAS DA SITUACAO RELIGIOSA HOLANDESA 39

ambiente de confianca .reciproca. Ésses teólogos constituiram grupos


de ecumenismo espalhados e atuantes em todo o territorio holandés.

Um observador estrangeiro, cioso -de penetrar mais a


fundo na misteriosa mudanga de mentalidade religiosa e.
política dos holandeses, talvez se sinta impelido a perguntar:
como precisamente se explica que o ecumenismo esteja táo
avangado justamente na Holanda, onde táo grande era a
distancia de ánimos entre as confissóes cristas? Nao se de-
veria esperar que outras nagóes, no caso, se antecipassem
á Holanda, onde precisamente a Religiáo calvinista foi o
esteió do nacionalismo e da vida civil durante séculos?
A quem faga tal pergunta hoje na Holanda, respondem
os holandeses que o longo período de lutas religiosas deixou
encobertos valiosos predicados que no povo holandés estáo
profundamente arraigados: o holandés é, por principio, tole
rante e compreensivo, aberto para o cosmopolitismo, como
demonstram seus empreendimentos coloniais; ama a inde
pendencia e a liberdade democrática. Os holandeses dizem
que nao confundem o Estado ou a Igreja com determinada
hierarquia de dignitários, mas afirmam: «O Estado, a Igreja
somos nos mesmos». Assim as duras provac.5es da guerra de
1939-45 fizeram que os holandeses descobrissem o genuino
fundo de si mesmos; católicos e protestantes foram impelidos
a julgar a sua antíga situagáo com novo realismo e puseram-
-se a agir conseqüentemente, procurando uniáo e coesáo
entre si. — É nestes termos que respondem os holandeses.

Um dos efeitos mais sensíveis de tal mudanca de mentalidade


é o famoso «Concilio Pastoral» dos católicos holandeses. Éste é um
empreendimento inédito em toda a historia da Igreja, como é dito
k pág. 29 déste fascículo. Segundo o Direito Canónico (can. 285-
-292), todo Concilio provincial ou nacional decorre sob a presidencia
de um delegado pontificio, com a participacáo de clérigos apenas,
cabendo sómente aos Bispos voz ativa ñas votacdes. — Muito digno
de nota é o fato de que individuos e comunidades náo-cristáos acei-
taram fraternalmente o convite para colaborar com o Sínodo Nacio
nal (os lideres das demominacSes protestantes, longe de dissuadir,
estimularam os crentes á participagao do Concilio).

3. Reftexao final

É evidente que os precedentes históricos explicam as


principáis características do atual Catolicismo holandés:

1) dese.io de auto-afirmagáo dentro da própria nac.80; os cató


licos holandeses durante séculbs foram reduzidos a silencio;

— 263 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 5

2) desejo de autoafirmacáo frente a Roma; os católicos holan


deses, mais do que varios outros, estivenam sob regime de excecao
dentro da S. Igreja;

3) desejo de aproximacáo ecuménica e de uniáo com os demais


cidadáos holandeses.

É preciso acrescentar que a fermentagáo geral de idéias,


a crise de autoridade, a mentalidade naturalista e antropo-
céntrica do mundo de hoje concorrem, na Holanda como em
outros países, para ocasionar instabilidade religiosa.

A propósito déstes tópicos, pode-se notar:


É muito sadia a aspiragáo dos católicos holandeses a
mais nítidas afirmagóes de sua fé e de seus costumes dentro
de sua nagáo e no seio mesmo da comunháo da Igreja. Possa
a patria holandesa beneficiar-se da presenga e das realiza-
góes de seus filhos católicos em todos os setores da vida na
cional! Possa também a S. Igreja usufruir mais e mais as
riquezas da fé e da generosidade dos fiéis holandeses! Toda
vía a auto-afirmagáo dos católicos neerlandeses nao seria
genuína, se os levasse a urna separado frente a Roma ou á
autoridade suprema da Igreja. Fidelidade ao Bispo de Roma
ou ao Papa nao significa sujeigáo política, dependencia
humilhante nem sufocagáo da cultura ou dos valores .nacio-
nais nem traicáo ao patriotismo; o Bispo de Roma é simples-
mente o sucessor de Pedro, a quem Cristo confiou as chaves
do Reino (cf. Mt 16, 18). Assim como nao há Cristo sem
Igreja, assim também nao há Igreja sem Pedro. A Igreja
nao é nacional, mas paira ácima de todo nacionalismo.
Por fim, é lícito perguntar: A que termos chegará a
aventura do Catolicismo holandés de hoje? Quais seráo os
resultados dessa cariada? Redundará em frutos positivos,
progressos na fé, no espirito sobrenatural, no amor a Cristo
e á sua Igreja, ou será urna etapa «enversnizada» em diregáo
da ruina do verdadeiro Cristianismo na Holanda? Natura
lismo, racionalismo e antropocentrismo nao estaráo dando a
tonalidade própria a todos ésses avangos holandeses?
É o que se manifestará através da historia. O Espirito
Santo, porém, parece estar a sugerir a cada fiel cristáo
(católico ou protestante) que se interesse em suas oragóes
pelos destinos da Holanda Católica; ore, e ore muito, pela
Santa Igreja no mundo inteiro e, em particular, nos Países-
-Baixos. A Esposa de Cristo é una, e deve-se corroborar na
unidade, baseada sobre urna só fé e um só amor sobre-
naturais.

— 264 —
QUE £ O KU KLUX KLAN? 41

Bibliografía sumaria:

E. Kleine, «Holland-Kirche contra Roma?» Essen 1867.


J. Cl. Hampe, «Das niederlaendische Pastoraíkonzil» em «Stimmen
der ZeiU marz 1968, 177-195.
«HerderKorrespondenz» 22 (1968) 63s.
«Orientierung», 31 (1967), 167-170; 32 (1968) 59-63.
«Informations Catholiques Internationales» 302 (15/XII/67).

V. SOCIOLOGÍA

6) «Que é o Ku Klux Klan, sociedaide que tem tomado


parte tao ativa na luta racial dos Estados Unidos?»

Resumo da resposta: O atual movimento de Ku Klux Klan, fun


dado em 1915, é herdeiro de semelhante entidade do século passado.
Tem como linhas de programa: racismo (hostilidade aos negros),
puritanismo americano e nacionalismo exagerado, aversao aos estran-
geiros (xenofobia),- oposigáo ao Catolicismo e ao Judaismo. Negros,
católicos e judeus sao considerados «nao americanos». Tal movimento
vem a ser a expressáo dos preconceitos de raga e religiáo de grupos
anglosaxSes, que constituiram os fundamentos e os primordios da
sociedade nos E.U.A. (séc. XVU/XVIII). O movimento tem caráter
secreto e terrorista; subsiste em pequeños grupos, fortemente com
batidos pelo Govérno.

Resposta: Há duas entidades denominadas Ku Klux Klan


na historia dos Estados Unidos da América. Embora sigam
a mesma orientacáo, é oportuno considerar cada qual de per si.

1. No século passado...

Apos a libertacáo dos escravos nos E.U.A. (guerra de


secessáo), os cidadáos de raca branca no Sul do País orga-
nizaram-se em sociedades secretas, destinadas a defender os
interésses dos homens brancos e impedir que os negros che-
gassem 'á qualidade de cidadáos norte-americanos, com direito
a sufragio ñas eleicóes políticas. Tais foram «A Liga Branca»,
«O Círculo Invisível», «As Faces Pálidas», «Os Cavaleiros da
Camelia Branca» e, como grupo mais importante, o «Ku Klux
Klan».

O Ku Kluz Klan foi fundado em 1865 em Pulaski (Es


tado de Tennessee), como clube de jovens. Estes descobriram
que os negros, supersticiosos como eram, tinham grande médo

— 265 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968, qu. 6

de certos trajes e ritos; por isto usavam ampia veste alva,


máscara sobre a face e praticavam ritos estranhos, que afu-
gentavam os negros. Em 1867 na Cidade de Nahville, orga-
nizou-se o primeiro Klan. A sociedade se espalhou por outros
Estados da Confederagáo norte-americana, chegando a contar
550:000 membros. Nos Estados do Sul-, quase todos os cida-
dáos brancos tomaram certa parte no movimento, fóssem
membros matriculados no mesmo ou nao.
A organizacáo do Klan copiava a de um grande Imperio
político:
O Sul do E.U.A. constituía o Imperio invisível, colocado sob o
«Grande Ciclope», General Forrest. Cada Estado da regiSo constituía
um Reino, sob a regencia de um «Grande Dragáo». Um conjunto de
Departamentos ou Condados «Countíes» dava origem a um «Domi
nio», sob um «Grande Tita». Cada Departamento era urna «Provin
cia» sob o seu «Grande Gigante». Por último havia os «Antros», sob
o respectivo cheíe. Os oficiáis da administracáo e do govérno do Klan
traziam títulos íantasistas como «Genios, Hidras, Furias, Goblins,
Falcóes do Norte, Magos, Monges, Turcos». Os simples membros da
entidade eram chamados «Ghouls».

As violencias cometidas pelo Ku Klux Klan deram motivo


a que o Govémo do Estado de Tennessee em 1869 declarasse
ilegal essa sociedade. Alguns membros do Movimento se reu-
niram antáo em bandos de anarquistas, que ameac.avam até
mesmo seus antigos companheiros de Klan. Em 1871-72, o
Congresso Federal norte-americano promulgou urna serie de
leis destinadas a reprimir a agáo do Ku Klux Klan e das
demais sociedades secretas no resto do pais, assegurando elei-
eóes legáis no Sul dos E.U.A. Foram entáo detidas algumas
centenas de membros do Klan. Todavía o éxito do Govérno
Federal foi efémero, pois o movimento de Ku Klux Klan pros-
seguiu suas atividades, conseguindo limitar os direitos dos
negros ñas eleicóes políticas.

2. No sáculo XX

A sociedade foi oficialmente ressuscitada com o nome


de «Cavaleiros de Ku Klux Klan» em 1915 na loealidade de
Atlanta (Estado da Georgia) pelo pastor metodista William
Joseph Simmons; sua existencia e seus direitos foram, sem
demora, reconhecidos pelo Govérno, Estadual da Georgia.
Assim legalmente instituida a Sociedade, Simmons dirigiu-
-se a toda a nacáo, declarando que Ku Klux Klan era urna
associagáo «mística, social, patriótica, benévola e de alta
classe», devotada ao dever sagrado de proteger as mulheres,
inspirada pelos conceitos da «Patemidade de Deus e da Fra-

— 266 —
QUE ÉOKU KLUX KLAN? 43

temidade do Homem», posta a servigo da «Supremacía Bran


ca»; em suma, o programa era «real Patriotismo» e «Ameri
canismo puro». A ésse tragos característicos dos Cavaleiros
de Ku Klux Klan se associavam oposigáo ao Catolicismo e
certo anti-semitismo. Em relagáo aos negros, o novo Klan
professava a hostilidade tradicional, visando impedi-los de
chegar á paridade de direitos com os brancos; em vista disso,
adotava boa parte do ritual do antigo Ku Klux Klan.
O movimento se desenvolveu rápidamente em seus pri-
meiros anos de existencia. Isto se explica principalmente por
dois motivos: a situagáo de guerra (1914-18) e pós-guerra
fomentava patriotismo e nacionalismo em nao poucos cidadáos.
norte-americanos. Além disto, os preconceitos de raga e reli-
giáo em muitos outros encontravam justificativa e est'mulo
ñas teorías do Ku Klux Klan. Foi nos Estados do Sul e do
Centro-Leste que o movimento mais se propagou, chegando
a contar quatro milhóes de membros em 1925.
A Sociedade em 1922, 1924 e 1926 conseguiu eleger, em
varios Estados, Senadores, Deputados e outros membros do
Govérno, controlando de certo modo a política local. Para
impor seus objetivos, recorreu a violencia e atentados. Em
1928 comecou a declinar a influencia do Klan ñas eleteóes do
país. Esta decadencia se deve provávelmente a abusos do
poder e desvíos moráis cometidos por alguns dos mais conser
vadores dos Cavaleiros; certos. líderes do movimento retiraram-
-se déle, denunciando abusos e corrupgáo ñas atividades do
Klan. O fundador da Sociedade, William Simmons, e seu prin
cipal colaborador, E. Y. Clarke, foram violentamente substi
tuidos pelo Dr. Hiram Wesley Evans, do Texas. Simmons
moveu entáo um processo judiciário contra seu sucessor, pro
cesso no decorrer do qual graves revelagóes foram feitas ao
público a respeito dos desmandos do Ku Klux Klan.
Em 1928 a Suprema Corte de Justiga dos E.U.A. inti-
mou a Sociedade a se conformar as prescrigóes da Constitui-
gáo norte-americana, que proibe sociedades secretas. A partir
de 1930, os Cavaleiros vivem em grupos locáis, principalmente
no Estado da Georgia, sofrendo duras represalias por parte
do Govérno.

Em última análise, o Ku Klux Klan representa fanatismo


nao sómente anti-cristáo, mas também anti-humanitário, que
nao poderá subsistir por muito tempo.

D. Estéváo Bettcncourt O.S.B.

— 267 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 102/1968

RESENIIA DE LIVROS

O dever da improvidencia, por Isabelle Riviére, prefacio de Ro


berto Alvina Correa. — Livraria AGIR Editora, Rio de Janeiro, 135
x 210 mm, 262 pp.
Isabelle Riviére é a viúva do grande escritor francés, católico
convertido, Jacques Riviére. Escreve sobre a imprevidéncia como
dever.
Á primeira vista, o livro pode parecer versar sobre problemas
de economía ou planejamento financeiro. Na verdade, é em outro
sentido que a autora entende o vocábulo «imprevidéncia»: toma-o
como o contrario de certo tipo de previdencia que vem a ser egoísmo,
íechamento da pessoa sóhre si mesma; quem vive nesta atitude, nao
tem olhos para ver o seu próximo; definha em si mesmo; pode pa
recer rico, mas na realidade é misérrimo.
Isabelle Riviére apregoa a necessidade de pensáronos no próximo
mais do que em nos mesmos, pois «há mais felicidade em dar do
que era receber» (At 20,35). Esta norma vale .nao sonriente no plano
material, onde o egoísmo pode produzir a injustica social, mas tam-
bém no plano espiritual: «Todo o ouro da térra nao tem o valor do
coracao humano». É necessário, portanto, que demos (pao, remedios,
dinheiro...) e que nos demos; dar amor ainda é melhor, em muitos
casos, do que dar bens materiais; nada vale tanto quanto urna perso-
nalidade humana que se entrega a outra em amor cristáo auténtico.
A autora discorre sobre o tema, valendo-se de numerosos textos
do S. Evangelho como também de sua rica experiencia da vida, o que
toma a leitura muito atraente.
«O dever da imprevidéncia» nao é um livro de estudos própria-
mente dito, mas de meditacáo ou leitura espiritual, merecendo ser
calorosamente recomendado.
E. B.

Acáo e Vida crista, por M. A. Levassor, Coleeáo «Cidade de Deus.»


— 10 — Livraria Duas Cidades, Sao Paulo, 130 x 185 mm, 179 pp.
O livro ácima dirígese aos leigos católicos chamados a exercer
apostolado no mundo (na verdade. todos sao chamados a exercé-lo,
como lembrava recentemente o Vaticano II no seu Decreto sobre o
Apostolado dos Leigos).
Súgere as grandes verdades que devem nortear a genuína ac/ao
dos católicos., É dos misterios de Páscoa e Pentecostés que esta se
deve. nutrir. Ó que quer .dizer: o apostólo ori?táo deverá ter consci-
éncia de que irradia a vida nova recebida de Cristo ressuscitado, e a
irradia segundo o vigor comunicado pelo Espirito Santo.
No decorrer do livro, Levassor aborda com acertó temas de atua-
lidade como «áfáo e contemplac.áo», «esperar contra toda esperanza»,
«o Espirito Santo e a Igreja missionária», «acáo e pobreza evangé
lica», «socializa c.üo».
Recomjenda-se o livro ao laicato católico, cuja atividade há de ser
continuacáo 'da obra de Cristo, e nao apenas filantropía.

E. B.

— 268 —
A RADIO TUPI DA GUANABARA

apresenta os programas

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

todos os domingos, das 6h 30min as 7 h, na palavra de

D. Estéváo Bettencourt. O. S. E.

«CONVERSA DE TRÍ3S MINUTOS»

de segunda a sexta-feira, as 6h 50min, por

monges de Sao Bento da GB


NO PRÓXIMO NÚMERO :

O pecado está mudando ?

lgre¡a em agonia?

A Infancia de Jesús segundo Sao Mateus

Homossexualismo e sen so cristáo

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

porte comum NCr$ 10,00


Assinatura anual |
porte aéreo NCr$ 15,00

Número avulso de qualquer mes e ano NCr$ 1,00

Número especial de abril de 1968 NCr$ 3,00

Colegio encadernada de 1957 a 1964 NCr$ 80,00

Índice Gerai de 1957 a 1964 NCr$ 7,00

Colecáo encadernada de 1967 NCr$ 15,00

índice de 1967 NCr$ 1,00


Encíclica cPopulorum Progresslo> NCr$ 0,50

Existe um depósito completo de «P.R.» a Rúa Real Grandeza


n* 108, Botafogo (GB), onde as pessoas interessadas poderío fazer
suas aqulslcoes e seus pedidos.
Bogamos a todos efetuem seus pagamentos com a possível
brevidade.

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