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ESTUPRO

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1.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O tipo está contido no art. 213 do Código Penal: “Constranger mulher à conjunção
carnal, mediante violência ou grave ameaça.” A pena: reclusão de seis a dez anos.

É, como se vê da descrição típica, uma espécie de constrangimento ilegal, porque


contém os mesmos elementos, mais o específico, que é a conjunção carnal.

O bem jurídico protegido é a liberdade sexual da mulher. A liberdade que ela tem
de escolher quando, como, onde e com quem exercerá sua sexualidade.

A sexualidade é um dos mais importantes atributos do ser humano, que só pode ser
exercida segundo a própria vontade da pessoa, qualquer pessoa.

A mulher recebe, no art. 213, a proteção contra as ações que se voltam para
compeli-la a aceitar a conjunção carnal, quando não for essa sua vontade.

Sujeito ativo é quem constrange a mulher ao ato sexual propriamente dito, a


conjunção carnal. Necessariamente haverá um sujeito ativo do sexo masculino para que
haja conjunção carnal, mas também a mulher pode constranger outra, para que um
homem mantenha, com ela, as relações sexuais a que se refere o tipo. O homem pode ser
inclusive o marido da vítima.

Sujeito passivo é, sempre, a mulher. Qualquer mulher, inclusive a prostituta, que


tem, tanto quanto qualquer mulher, a liberdade de decidir sobre sua sexualidade.

1.2 TIPICIDADE
2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

O caput do art. 213 contém o tipo fundamental.

As formas qualificadas pelo resultado, lesão corporal ou morte, são construídas pela
incidência das normas do art. 223. O art. 224 contém normas que tratam da presunção de
violência. O art. 9º da Lei nº 8.072/90 impõe acréscimo de pena para o estupro. E o art.
226 contém causas de aumento de pena.

1.2.1 Forma típica simples

1.2.1.1 Conduta

O núcleo do tipo é o verbo constranger, empregado com o sentido de forçar,


obrigar, compelir. É conduta comissiva, realizada, necessariamente, com o emprego de
violência ou grave ameaça. O agente impõe sua força, física ou moral, sobre a da vítima,
subjugando-a a sua vontade.

1.2.1.2 Elementos objetivos e normativos

Conjunção carnal é o coito vagínico, a introdução do pênis na vagina da mulher. É


a intromissão do órgão genital masculino no interior da cavidade vaginal, ou seja, no órgão
genital feminino.

É também chamada de cópula vagínica ou cópula vaginal. Outras denominações,


como ato sexual “normal”, relação sexual “normal” entre homem e mulher, traduzem,
evidentemente, um forte conteúdo de padronização da sexualidade como se todos os
demais atos inerentes à sexualidade humana devessem ser considerados anormais, o que
não se harmoniza com a compreensão da sexualidade como atributo da pessoa não
enquadrável em parâmetros de moralidade pública.

A conjunção carnal proibida é aquela obtida pelo agente com o emprego de


violência ou de grave ameaça. Violência é a força física atuando sobre o corpo da vítima,
através de lesões corporais ou vias de fato. Grave ameaça é a força moral imprimida
mediante promessa da causação de um mal grave. A ameaça há de ser grave, com
idoneidade para intimidar, sujeitando a vítima, não bastando, por isso, a promessa de
causar qualquer mal. Este deve ser intenso e forte, podendo ser lícito ou ilícito, porque a lei
não exigiu que fosse injusto, contentando-se com que seja grave.
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Se o agente precisa empregar força, física ou moral, é, obviamente, porque a vítima


não consente na conjunção carnal, por não ser de sua vontade, porque não é esse seu
desejo. Daí que seu dissenso é indispensável para a realização do tipo. Se a mulher não se
opuser à conjunção carnal, não há violação de sua liberdade.

A oposição da mulher ao ato sexual não precisa ser justificada, nem motivada.
Basta que ela não o queira. Seja porque não o quer com a pessoa do agente, seja porque
não quer naquele momento ou nas condições propostas ou sugeridas. Simplesmente
porque não quer, porque está em sua liberdade querer ou não, qualquer que seja a razão.

A mulher não está obrigada à conjunção carnal nem quando o agente é seu próprio
marido. As relações sexuais entre marido e mulher, companheiros em união estável,
concubinos, namorados ou noivos serão sempre, segundo o ordenamento jurídico
brasileiro, consentidas por ambos.

Se é um direito do outro não é, entretanto, absoluto e, por isso, não pode ser
exercido como imposição, mas como fruto do acordo de vontades. Nenhuma condição
especial ou característica própria de qualquer homem tem a força para criar, para ele, o
direito de impor sua vontade sexual sobre a da mulher.

Nem a prostituta está obrigada ao ato sexual com o cliente que, na casa de
prostituição, deseja realizá-lo. A liberdade da vítima sobrepõe-se a qualquer outro
interesse, ainda quando ela tenha se colocado habitualmente na posição de quem oferece o
corpo como mercadoria, disponibilizando-o, mediante pagamento, para quem quiser usá-
lo para satisfazer seus desejos sexuais. É que também a prostituta tem a plena liberdade de
exercer sua sexualidade apenas quando o desejar.

O simples fato de a vítima encontrar-se, voluntariamente, na companhia do agente


em ambientes adequados para a realização do ato sexual, como hotéis ou motéis, para onde
se locomoveu espontaneamente, não é suficiente para o reconhecimento de seu
consentimento. Não é porque aceitou o convite para ir ao motel que está obrigada a, ali,
manter relações sexuais com o namorado ou acompanhante porque, até mesmo quando o
desejava inicialmente, pode a mulher, por qualquer razão, geralmente inaceitável para o
agente, modificar sua atitude interna, inclusive quando pretende, simplesmente por mero
capricho, protelar a realização do encontro sexual. Nenhuma concessão pode ser feita,
quando se tratar da liberdade individual.

Esse comportamento, todavia, poderá ser levado em conta, como circunstância


favorável ao agente, no momento da fixação da pena-base.
4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

A oposição da mulher, indispensável para a realização do tipo, deve ser verdadeira


mas não precisa ser, necessariamente, heróica, revelada por atos inequívocos de resistência
física, caracterizando reação violenta. As pessoas são diferentes e cada uma reage segundo
ditam suas características comportamentais, seu temperamento. Há aquelas que, diante de
uma agressão inaceitável, como o é a de natureza sexual, não conseguem se opor com atos
defensivos, quedando praticamente inertes, tamanho é o poder da coação, capaz de
suprimir por completo, em seu íntimo, qualquer ação em sentido contrário.

Daí que não se deve, como no passado, exigir que a mulher tenha, efetivamente,
realizado lesões defensivas no corpo do agente ou, pelo menos, tentado se opor, fugindo,
debatendo-se contra o agressor, gritando por socorro ou tendo suas vestes rasgadas.

O que caracteriza o estupro é, portanto, a obtenção de conjunção carnal contra a


vontade da mulher, por meio de violência ou grave ameaça.

Como o fato se dá, quase sempre, na ausência de qualquer testemunha, a palavra da


vítima é, sempre, o mais importante meio de prova, todavia o julgador, para formar sua
convicção, levará em conta também outras circunstâncias que cercam o fato, como o local,
tempo, antecedentes fáticos e dos sujeitos, inclusive suas relações pessoais, motivações etc.

1.2.1.3 Presunção de violência

A violência, viu-se, é elemento constitutivo do tipo de estupro, sem o qual não se


perfaz, a não ser que tenha lugar grave ameaça. Indispensável porque deve existir por parte
da vítima o não-consentimento. Assim, já se disse, o não-consentimento da vítima é
elemento integrante do tipo de estupro.

Visando proteger determinadas pessoas, a norma do art. 224 do Código Penal


determina que, em relação a elas, a violência deve ser presumida, isto é, não precisa ter
existido, nem necessita ser provada. Diz a norma:

“Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de 14 (catorze) anos; b) é


alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por
qualquer outra causa, oferecer resistência.”

Quer a norma dizer que se alguém tiver conjunção carnal com uma mulher que
esteja numa das condições referidas terá agido com violência, mesmo quando não a tiver,
efetivamente, empregado. Claro que, se o agente tiver, efetivamente, empregado violência
ou grave ameaça contra uma pessoa nessas condições, haverá estupro, mas com violência
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real. Nesse caso a tipicidade é verificada diretamente, pela adequação imediata do fato ao
tipo básico do art. 213, sem o concurso da norma do art. 224.

O fundamento do preceito é que, nos dois primeiros casos, a vítima não tem
capacidade de consentir e no último não tem capacidade de resistir, embora pudesse
dissentir.

A violência não precisa ter acontecido, nem necessita ser provada, mas a
circunstância que autoriza sua presunção, sim, só será reconhecida quando evidenciada. Se
houve, realmente, violência ou grave ameaça, nem se analisam essas circunstâncias. Haverá
estupro, sem sombra de dúvidas, com violência ou grave ameaça.

1.2.1.3.1 Inconstitucionalidade do art. 224

É evidente que essa norma é inconstitucional. Viola o princípio da legalidade.


Ninguém pode ser punido senão quando pratica o fato descrito na norma incriminadora. O
tipo descreve um acontecimento real, em abstrato. O fato deve a ele se ajustar. O tipo de
estupro contém a violência como elementar. Ela deve ser real. Se não existiu não pode
haver estupro. Nem a lei pode mandar que seja presumida, porque aí o sujeito será punido
pelo que não fez, pelo que não aconteceu, por algo apenas imaginado na norma. Uma
ficção. Tanto que a doutrina a denomina violência ficta. Porque irreal. Imaginária.
Inexistente.

Demais disso, a responsabilidade subjetiva, indispensável para a imposição da


pena, decorre da realização de uma conduta violadora do preceito primário, não da
presunção de que o agente o infringiu. O agente deve ser punido pelo que fez, pelo fato
reprovável que praticou e que é proibido no interior do tipo, nunca porque se presumiu
que ele fez. A violência, por isso, não podia ser presumida em determinadas circunstâncias,
quaisquer que fossem ou sejam elas. Nenhuma norma penal incriminadora pode se
sustentar em presunções, apenas em acontecimentos reais.

Se, por outro lado, é necessário proteger as pessoas mencionadas no art. 224,
porque se pode, mesmo, entender que elas não têm capacidade de consentir ou de resistir,
ou nenhuma das duas capacidades, basta que o legislador, visando protegê-las, crie tipos
específicos, incriminando a conduta de quem com elas mantiver conjunção carnal ou
qualquer relação de natureza sexual. Basta proibir a prática de tais fatos e aí, sim, a norma
se conformará aos princípios da legalidade e da culpabilidade.
6 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

Dito isto, é necessário analisar as três hipóteses em que, tendo havido conjunção
carnal sem o emprego de violência ou grave ameaça, haverá estupro por violência
presumida.

1.2.1.3.2 Vítima não maior de 14 anos

A primeira causa de presunção da violência é não ser a vítima pessoa maior de 14


anos. Não ser maior de 14 anos significa não ter completado essa idade, o que acontece no
dia seguinte ao aniversário. No dia correspondente ao do nascimento a vítima apenas
completou 14 anos e por isso a violência ainda deve ser presumida, porque ainda não é
maior. Só no dia seguinte é que deve ser considerada maior de 14 anos.

Pessoas com essa idade, segundo o Direito, não têm a capacidade de consentir.
Quando consentem, seu consentimento é inválido.

É de todo óbvio que essa presunção não deve ser tida como absoluta, pois é certo
que há determinadas pessoas, com idade inferior a 14 anos, que têm perfeita capacidade de
consentir, daí que a presunção pode ser afastada, no caso concreto, quando ficar
demonstrado que a menor, por sua história de vida, por sua experiência pessoal, tinha
perfeito entendimento sobre as conseqüências de seu comportamento e, portanto, sabia e
podia decidir sobre a realização do ato sexual.

Tendo, pois, a vítima não maior de 14 anos a capacidade de consentir e de resistir,


não tendo havido, portanto, qualquer violência, real nem presumida, afastada estará a
tipicidade do fato.

A idade da vítima pode ser provada por todos os meios em direito admitidos, mas é
claro que a certidão de nascimento válida é a melhor das provas, a qual, todavia, pode ser
impugnada por meio de prova idônea, mormente quando não tenha sido feito o registro ao
tempo do nascimento dela constante.

A conjunção carnal com criança de tenra idade, de dois, três, cinco e até nove ou
dez anos, é, em realidade, obtida mediante violência real, impregnada na própria
realização do ato material, não sendo necessário o socorro da norma do art. 224, porque o
bom-senso impede se admita que ela tenha consentido na realização de um ato do qual não
tem a menor compreensão. A violência está ínsita no próprio ato sexual. A falta de
consentimento está implícita na absoluta incapacidade da criança. É estupro com violência
real.
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1.2.1.3.3 Vítima alienada ou débil mental

Também será presumida a violência quando a vítima é alienada ou débil mental, o


que ocorre quando ela se encontra numa situação equivalente à dos inimputáveis, de que
trata o art. 26 do Código Penal. Cuida-se, portanto, de pessoa que não tem, em virtude de
doença mental, desenvolvimento incompleto ou retardado, a plena capacidade de entender
e de se determinar.

Nessa situação, segundo entende a norma, a vítima não se encontra em condições


de prestar seu consentimento para o ato sexual, nem de se governar resistindo a ele.
Faltando-lhe capacidade de saber o que se passa não tem, por essa razão, possibilidade de
decidir livremente sobre sua realização. Presume-se, por isso, que a conjunção carnal
tenha sido obtida com a violência exigida pelo tipo.

Não basta que a vítima seja portadora de doença mental ou que tenha
desenvolvimento mental incompleto ou retardado. É indispensável que, por uma dessas
causas, não tenha a capacidade de entendimento ou de autogoverno, o que deverá ser,
necessariamente e para o reconhecimento da incidência da norma, devidamente
demonstrado através de exame pericial. A condição de alienada ou débil mental deve
implicar a total incapacidade de consentir ou de resistir.

Ademais, essa circunstância de natureza pessoal da vítima deve ser do


conhecimento do agente. É preciso que este saiba, verdadeiramente, que está mantendo
relações sexuais com uma mulher incapaz de dar seu consentimento ou de resistir a sua
prática. Caso o agente desconheça a circunstância a presunção é afastada, porque não é
absoluta.

A norma utiliza exclusivamente a forma verbal conhecia, equivalente a sabia, daí


que não se reconhecerá a presunção da violência quando o agente apenas “devia conhecer”
o estado da vítima. Exige-se, pois, por parte do agente, o conhecimento real e não apenas
potencial da debilidade ou alienação da mulher. Sem o conhecimento do agente, o fato será
atípico.

É evidente que há casos em que a alienação ou debilidade mental está à vista de


todos, revelando-se não só na aparência física, mas, principalmente, no comportamento
diferenciado da doente. Nessa situação, embora não se admita a incidência da norma
quando o agente não conhece, mas deveria conhecer a situação da vítima, não se pode ter
como séria sua simples afirmação no sentido de que não sabia da alienação ou debilidade
da vítima.
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1.2.1.3.4 Vítima incapaz de oferecer resistência

A última circunstância que leva à presunção de violência é a impossibilidade da


vítima, por qualquer outra causa, em oferecer resistência à conduta do agente.

Refere-se a norma a qualquer pessoa, de qualquer idade, portadora ou não de


qualquer enfermidade, a qual – nas circunstâncias em que ocorre o fato, por outra causa
que não as antecedentes – não se encontra em condições de reagir aos desejos do agente.
Ou porque está embriagada, dormindo, sob o efeito de anestesia, em coma profundo,
atravessando momento de extremada debilidade física que a impossibilita de movimentos
físicos, ou porque é portadora de grave deficiência física etc. Enfim, por uma causa
qualquer, a vítima não tem qualquer condição de repelir a ação do agente.

A relatividade dessa presunção é, tanto quanto as demais, indiscutível. Sua


demonstração deve ser feita por meio de prova robusta, não bastando a comprovação do
estado da vítima, mas, principalmente, de sua oposição à conjunção carnal, porque, mesmo
em determinados estados de impossibilidade de resistência, pode ter ela consentido no ato
sexual.

Sem a demonstração da incapacidade da vítima, e da ausência de seu


consentimento, o fato não se ajustará ao tipo do art. 213, porque aí não se poderá presumir
a violência.

1.2.1.4 Elementos subjetivos

O estupro é, obviamente, um crime doloso. Atua o agente, portanto, com a plena


consciência de sua conduta, que é a de constranger a mulher, compelindo-a, forçando-a, à
prática da conjunção carnal. Age com a vontade livre de introduzir o pênis na vagina da
vítima. Vontade de constranger e vontade de praticar conjunção carnal.

O dolo abrange, é certo, o dissentimento da vítima, sua oposição à pretensão do


agente.

Nas situações em que a violência é presumida o dolo do agente deve alcançar a


circunstância que autoriza a presunção, descrita no art. 224.

Se a vítima não é maior de 14 anos é essencial que o agente disso tenha


conhecimento, saiba que ela é menor. Há jovens de pouca idade, de 12 ou 13 anos, que por
sua compleição física, por seu desenvolvimento mental e, sobretudo, por seu
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comportamento social, aparentam idade bem superior a 14 anos.

É perfeitamente possível, nessas circunstâncias, que o agente, compreendendo mal


a realidade, imagine que vai ter, ou está tendo, conjunção carnal com mulher de idade
superior a 14 anos. Não se irá dizer que o homem, ao se relacionar com uma mulher jovem,
está obrigado a certificar-se sobre sua idade, a fim de não cometer o crime por presunção
de violência. Noutras situações é a própria mulher que, iludindo o homem, apresenta-se
como maior de 14 anos.

Errando o agente sobre a idade da vítima, que é elementar da circunstância do art.


224, a, há erro de tipo que, excluindo o dolo, exclui a tipicidade do fato. Ainda quando o
erro tiver derivado de negligência, o que acontece quando o agente poderia tê-lo evitado se
tivesse adotado as cautelas exigíveis aos homens muito prudentes, a tipicidade é afastada
porque não há estupro culposo.

1.2.1.5 Concurso de pessoas

Para existir estupro é necessária a conjunção carnal. De conseqüência,


indispensável que o homem seja seu executor.

Entretanto, nada impede que uma mulher seja autora intelectual de um estupro,
quando, por exemplo, contrata alguém para exercer a violência sexual contra uma rival.
Tendo o domínio da ação, por tê-la encomendado, será autora do crime.

Também pode uma mulher ser executora, em parte, do procedimento típico,


quando realiza os atos de coação sobre a vítima, subjugando-a, amarrando-a, por exemplo,
para que seu co-autor consiga executar a conjunção carnal.

Quando uma mulher apenas colabora para a execução de um estupro, dele será
partícipe, mas quando tenha realizado atos materiais de constrangimento ou dirigido,
intelectualmente, a ação típica, será co-autora.

Sua culpabilidade, em determinadas circunstâncias, poderá ser ainda maior que a


do executor, quando tiver, por exemplo, atuado por motivação torpe ou fútil.

1.2.1.6 Consumação e tentativa

A consumação acontece quando há introdução do pênis na vagina, a qual não


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necessita ser completa ou profunda, nem se exige que o agente tenha ejaculado ou que haja
rompimento da membrana himenal.

A tentativa é a execução inacabada do procedimento típico por circunstâncias


alheias à vontade do agente. O estupro, sendo crime material, exige a produção do
resultado, que se realiza com a participação do agente: a conjunção carnal. Sem início da
execução, não há tentativa.

O início da execução do estupro é o começo dos atos de constrangimento, por


violência ou por grave ameaça. A segunda fase do crime é a conjunção carnal.

Assim, haverá início de execução quando o agente realizar o primeiro ato violento
contra a vítima ou quando proferir ou realizar a primeira ameaça grave.

Não é necessário, para o reconhecimento da tentativa, que a vítima tenha sido


despida ou que tenha havido contato corporal. Claro que se isso acontecer, não havendo a
conjunção carnal, a tentativa fica ainda melhor demonstrada.

Sem que tenha havido contato corporal, o reconhecimento da tentativa de estupro


dependerá de prova inequívoca de que o agente pretendia a conjunção carnal, e não a
prática de outro ato libidinoso, que configuraria o crime do art. 214: atentado violento ao
pudor.

1.2.1.7 Desistência voluntária

No estupro pode o agente, após empregar violência ou grave ameaça e antes de


introduzir o pênis na vagina da mulher, desistir, por sua livre e espontânea vontade, de
continuar a execução do procedimento típico, que só se encerra quando da efetiva
conjunção carnal, daí que é possível reconhecer a desistência voluntária, respondendo o
agente apenas pelos atos que tiver praticado: o constrangimento, a violência ou a grave
ameaça.

Indispensável que a interrupção da execução seja por ato voluntário, o que não
acontece, por exemplo, quando o agente desiste de introduzir o pênis na vagina em razão
das dificuldades da penetração por ser o órgão genital da criança de pequenas dimensões.
Neste caso, impõe-se a certeza da tentativa. O mesmo quando ele deixa o local, sem
realizar a conjunção carnal, por causa dos gritos dados pela vítima.
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1.2.1.8 Acréscimo de pena

O art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90) determinou que a pena
cominada no caput do art. 213 será acrescida de metade, “estando a vítima em qualquer
das hipóteses referidas no art. 224” do Código Penal.

O art. 224, já mencionado, é o que se refere à vítima: (a) não maior de 14 anos; (b)
alienada ou débil mental, conhecendo o agente essa circunstância; (c) incapaz, por
qualquer outra causa, de oferecer resistência.

Assim, quando o sujeito ativo constrange, mediante violência ou grave ameaça,


mulher não maior de 14 anos, alienada ou débil mental ou incapaz, por qualquer motivo,
de resistir, a pena será de reclusão de 9 a 15 anos.

Este acréscimo de pena, entretanto, não pode ser aplicado na hipótese de violência
presumida. É que a violência presumida, por força do que determina o art. 224, constitui
elemento do tipo do art. 213.

Como não houve, na realização do fato, o emprego de violência, esta, elementar do


tipo, foi reconhecida por presunção. Esta circunstância – presunção de violência – é,
portanto, integrante do tipo. Substituiu a violência real exigida no art. 213. Foi, portanto,
considerada para que o fato real – em que não existiu de verdade – se ajustasse ao tipo.
Tendo sido levada em conta para se ter como realizado o tipo, não poderá ser considerada,
uma segunda vez, para impor um acréscimo da pena cominada.

Legislador e juiz devem obediência ao princípio da legalidade, de que é decorrência


o princípio do ne bis in idem, segundo o qual o mesmo pressuposto fático não pode servir
para mais de uma sanção punitiva, nem também para uma segunda agravação da pena. A
idade da vítima, sua alienação ou debilidade mental ou sua incapacidade de resistir – como
pressupostos fáticos – servem para a verificação da tipicidade, de que decorrem a
incriminação e a sanção punitiva. Não podem, por isso, servir, uma segunda vez, para
fundamentar o aumento da pena.

Há, ainda, infelizmente, Tribunais brasileiros decidindo no sentido da dupla


consideração da mesma circunstância, o que atende muito mais à sanha da mídia que
manipula a opinião pública em favor de maiores penas, do que à descoberta científica da
vontade do Direito.

Felizmente, a mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça1 é no


sentido de afastar, no caso de estupro com violência ficta ou presumida, o acréscimo de
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pena determinado pelo art. 9º da Lei nº 8.072/90, o qual somente incidirá nas hipóteses
de estupro com violência real ou grave ameaça e também nas formas qualificadas pelo
resultado, que se analisa a seguir.

1.2.2 Formas qualificadas pelo resultado

O art. 223 do Código Penal estabelece: “Se da violência resulta lesão corporal de
natureza grave: Pena – reclusão, de oito a doze anos. Parágrafo único. Se do fato resulta
a morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos.”

Lesão corporal de natureza grave é um dos resultados descritos nos §§ 1º e 2º do art.


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O caput do art. 223 exige que o resultado qualificador decorra da violência empregada
para a realização do crime. O parágrafo único, diferentemente, reporta-se à morte
decorrente do fato. O tratamento é, portanto, distinto.

Só incidirá a qualificadora do caput quando a lesão corporal de natureza grave tiver


sido causada pela violência empregada pelo agente para constranger a vítima à conjunção
carnal antes ou durante o transcorrer do procedimento típico. Lesões corporais simples ou
vias de fato são absorvidas pelo tipo básico, porque integram a própria violência.
Indispensável, também, o nexo causal entre os atos violentos e a lesão corporal grave sofrida
pela vítima.

A morte que qualifica o estupro, entretanto, pode ter sido causada tanto pela violência
empregada, quanto por outra causa eficiente e integrante do fato, como, por exemplo, a
grave ameaça feita por meio de arma que tenha desencadeado um enfarto na vítima ou a
ingestão da substância entorpecente que o agente, fraudulentamente, ministrou à vítima.
Mas, é óbvio, deve ter sido produzida por uma ação do agente, violenta ou não, que tenha
sido realizada com a finalidade de neutralizar a resistência da vítima, minando-lhe as forças,
para obter a conjunção carnal.

Não basta que exista nexo causal entre a violência e a lesão corporal ou entre o fato e a
morte. É preciso que, em relação a esses resultados qualificadores, tenha o agente se
comportado culposamente, isto é, com negligência, imprudência ou imperícia. É que, se o
agente tiver atuado com dolo quanto ao resultado mais grave – desejando-o ou aceitando-o
–, haverá concurso material ou formal imperfeito de dois crimes, estupro e lesão corporal
grave ou morte.
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Assim, o estupro com lesão corporal ou morte é um crime preterdoloso.

Determinou o art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos que a pena será acrescida de
metade quando a vítima não for maior de 14 anos, for alienada ou débil mental –
conhecendo o agente essa circunstância – ou não puder, por qualquer causa, oferecer
resistência.

Assim, será de 12 a 18 anos de reclusão se da violência resultar lesão corporal de


natureza grave na vítima que estiver numa das situações do art. 224. Se ela morrer em
decorrência do estupro a pena será de 18 a 30 anos.

Não é possível falar-se em estupro com violência presumida qualificado pelo


resultado. A lesão corporal grave ou a morte, como já se disse, deve resultar da violência ou
de algum meio empregado para minar a resistência da vítima. No estupro com violência
presumida, como é óbvio, a vítima não ofereceu resistência, até porque terá dado seu
consentimento, logo não é possível que sobrevenha qualquer dos resultados qualificadores.
De conseqüência, no estupro com violência ficta nem se fala em resultado qualificador,
nem em acréscimo da pena.

É evidente que se o agente, diante de uma pessoa nas condições do art. 224, emprega
violência ou grave ameaça não há presunção, mas violência real. Quando tem conjunção
carnal com uma criança de tenra idade a violência é real e, nesses casos, é certo que o
resultado qualificador terá decorrido da violência ou do fato.

1.2.3 Aumento de pena

Determina o art. 226 do Código Penal, com as modificações introduzidas pela Lei n°
11.106, de 28.03.2005, que a pena será aumentada em duas situações.

Haverá aumento de quarta parte, quando o crime é cometido com o concurso de duas
ou mais pessoas. O aumento incide não apenas quando mais de duas pessoas tiverem
executado o procedimento típico, mas também no caso em que haja apenas co-autoria
intelectual ou participação, bastando a observação do mínimo de duas pessoas.

Será aumentada de metade quando “o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio,


irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tem autoridade sobre ela”. A norma refere-se a agentes que tenham,
para com a vítima, uma relação de proximidade familiar ou de ascendência moral, como é o
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caso do professor, do mestre ou do instrutor, enfim, de todo que exerça alguma autoridade,
de fato ou de direito.

Se sobre o mesmo fato incidir mais de uma dessas causas de aumento de pena o juiz
somente aplicará uma delas, devendo as demais ser levadas em conta no momento da
fixação da pena-base como circunstância judicial.

O aumento incidirá em todos os casos. De estupro simples, com violência real ou


presumida e, ainda, nas formas qualificadas pelo resultado, inclusive sobre a pena já fixada
tendo em conta o acréscimo determinado pelo art. 9º da Lei nº 8.072/90.

1.2.4 Concurso de crimes e conflito aparente de normas

Possível o concurso material e formal e também a continuidade delitiva.

Se após o estupro o agente mata a vítima, para assegurar a impunidade do crime, há


concurso material com o homicídio qualificado. Se depois de estuprá-la subtrair coisas
alheias da casa, há concurso com furto ou roubo. O mesmo quando, concluído o crime
sexual, priva a vítima de sua liberdade, seqüestrando-a ou mantendo-a em cárcere privado.

Há concurso formal com o crime descrito no art. 130 quando o agente sabe ou deveria
saber que está contaminado de doença venérea. Se o agente, ao estuprar, deseja também a
morte da vítima ou a causação de lesões corporais graves, através da própria conjunção
carnal, o concurso será formal imperfeito com lesão corporal grave ou homicídio, porque
presentes desígnios autônomos, aplicando-se a pena cumulativamente segundo a regra do
concurso formal.

A continuidade delitiva pode ser reconhecida no caso de mais de um estupro,


inclusive contra vítimas diferentes, desde que realizados os pressupostos do art. 71 – nexo
de continuação, necessariamente, por harmoniosas condições de tempo, lugar e modo de
execução –, bem assim os de seu parágrafo único.

Se o agente, além de conjunção carnal, constranger a vítima à prática de outros atos


libidinosos, como a conjunção carnal ou o sexo oral, realizando, assim, também o tipo do
art. 214 – atentado violento ao pudor –, é inegável que deve ser reconhecida a
continuidade delitiva. São crimes da mesma espécie porque violam o mesmo bem jurídico:
a liberdade sexual. Crimes da mesma espécie, a meu ver, são aqueles que violam o mesmo
bem jurídico. São os crimes cujos tipos têm o mesmo objeto jurídico. A idéia de espécie
Estupro - 15

pressupõe a de gênero.

A norma do art. 71 não se referiu a crimes idênticos, preferindo empregar a expressão


crimes da mesma espécie. Mesma não significa única, idêntica, mas quer dizer
semelhante, parecida, análoga. Espécie é o conjunto de seres que têm a mesma essência,
porém com diferenças particulares. Têm os seres da mesma espécie a mesma substância, a
mesma essência, mas algumas diferenças que os distinguem uns dos outros da mesma
espécie. Os entes da mesma espécie integram um único gênero. Quisesse a lei que a
continuidade delitiva fosse aplicada para crimes que têm, integralmente, os mesmos
elementos, teria empregado a expressão crimes idênticos, utilizada nos arts. 69 e 70, ou
única espécie.

Crimes de mesma espécie são crimes que têm a mesma essência e essa está no bem
jurídico protegido. Os tipos de estupro e de atentado violento ao pudor descrevem
violações diferentes do mesmo bem jurídico: a liberdade sexual da pessoa. Essa é sua
essência, sua alma. Há diferenças, evidentemente, mas elas não alteram a substância de
serem, ambos os crimes, agressões à liberdade sexual.

Esse entendimento, entretanto, não é comungado por grande parte da doutrina e dos
Tribunais que vêem, nesses casos, concurso material de crimes.

O estupro contém o constrangimento ilegal, por isso o absorve. Absorve também as


lesões corporais leves e as vias de fato empregadas.

1.2.5 Crime hediondo

A Lei nº 8.072/90 – que definiu os crimes hediondos –, por sua imprecisão técnica,
permitiu o surgimento de dúvidas quanto à classificação do estupro como crime hediondo. Há
decisões dos Tribunais brasileiros, de todos os níveis e de várias unidades federadas,
abraçando os mais diversos entendimentos. Para uns só as formas qualificadas pelo resultado
estão incluídas entre os hediondos, outros entendem que também a figura simples, porém não
quando cometidos com violência presumida.

A norma do art. 1º, inciso V, da Lei dos Crimes Hediondos, é clara e precisa,
quando diz:

“São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-


lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou
16 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

tentados: (...) V – estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e
parágrafo único).”

Referiu-se, portanto, ao estupro simples, conforme consta da definição do art. 213,


e também ao estupro do art. 213 combinado com as formas qualificadas pelo resultado
previstas no art. 223, caput, que descreve a lesão corporal grave e também no parágrafo
único, onde está descrito o resultado morte. Referiu-se, portanto, ao estupro simples e
também aos estupros qualificados.

E o estupro com violência presumida?

Não há, no Código Penal, tipo de estupro com violência presumida. O único tipo de
estupro que existe é o do art. 213, o qual contém, como elementar, a violência real ou a
grave ameaça. Conquanto existam, no art. 224, normas que mandam presumir a violência
numa conjunção carnal, é de se ter que o fato por uma delas alcançado é adequado ao tipo
do art. 213, estupro. Essa adequação típica, que se faz por extensão, indiretamente, não
constitui um tipo diferente de estupro. O estupro simples é um só, com violência real ou
com violência presumida. Logo, também o estupro com violência presumida é crime
hediondo.

O que diz a jurisprudência? O Supremo Tribunal Federal1 e o Superior Tribunal de


Justiça2, em sua jurisprudência mais recente, consideram que todo e qualquer estupro,
simples, inclusive o com violência presumida, e qualificado pelo resultado, é crime
hediondo.

1.3 AÇÃO PENAL

Dispõe o art. 225 do Código Penal que a ação penal relativa aos crimes definidos nos
Capítulos I, II e III do Título VI, dentre os quais o estupro, é, em regra, de iniciativa privada,

1 DJ 29-11-2002. “ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. CRIME HEDIONDO.

REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO. O plenário desta Corte, ao julgar o HC nº 81.288, rel.
p/o Acórdão o Min. Carlos Velloso (sessão de 17.12.2001), firmou o entendimento de que o estupro e o atentado
violento ao pudor, mesmo nas suas formas básicas, em que não há lesão corporal de natureza grave ou morte,
constituem crimes hediondos, nos termos do art. 1º, inciso V e VI da Lei nº 8.072/90” (STF).

2 DJ 7-4-2003. HC 25321/SP: “A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de

que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, nas suas formas qualificadas ou simples, ou seja,
mesmo que deles não resulte lesão corporal grave ou morte, e ainda que praticados mediante violência
presumida, são considerados hediondos, devendo as suas respectivas penas serem cumpridas em regime
integralmente fechado, por aplicação do disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90” (STJ).
Estupro - 17

devendo ser promovida pela vítima ou por seu representante legal.

Ocorre que o estupro praticado com violência real ou grave ameaça é um crime
complexo. Há, no seio da Doutrina, respeitáveis posições no sentido de que o estupro não é
crime complexo porque não contém, em sua definição legal, a junção de dois ou mais tipos
penais, uma vez que não passa de uma espécie de constrangimento ilegal, com um
elemento diferenciador que é a conjunção carnal, a qual, como é óbvio, não constitui, por si
só, um delito. Assim, no estupro não há a reunião de dois ou mais tipos penais.

O Código Penal brasileiro trata da matéria no art. 101:

“Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que,
por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde
que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério
Público.”

Ora, se é o art. 101 que aponta para a construção do conceito de crime complexo, é de
ver que, nele, não se exige a junção ou reunião de dois tipos penais formando um terceiro. O
que o preceito menciona é a presença, num tipo penal, de fatos que sejam “elemento ou
circunstâncias (...) que, por si mesmos, constituem crime”.

Ora, a violência ou a grave ameaça contra a pessoa, elementares do tipo de estupro,


são fatos que, por si mesmos, constituem crimes. Aquela é a lesão corporal do art. 129, esta
constitui a ameaça, definida no art. 147. O tipo penal do estupro, se, em verdade, não
resulta da fusão, reunião ou junção de dois tipos penais, contém, inequivocamente, como
elemento, um fato – violência ou grave ameaça – que constitui outro tipo penal. Logo, o
estupro é crime complexo.

A propósito, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 608, segundo a qual “no
crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada”.

Já no estupro com grave ameaça, a ação penal não é de iniciativa pública


incondicionada, porque em relação ao delito de ameaça a ação penal é de iniciativa pública
condicionada à representação (art. 147, parágrafo único).

Com o advento da Lei nº 9.099/95 – que em seu art. 88 exige a representação do


ofendido para que o Ministério Público promova a ação penal no caso de crime de lesão
corporal leve –, não se poderá mais admitir a ação penal de iniciativa pública
incondicionada para os casos de estupro com violência real sem que decorra o resultado
18 – Direito Penal III – Ney Moura Teles

lesão corporal grave ou morte, porque aplicando-se o art. 101 do Código Penal ter-se-á que
o fato que integra o tipo de estupro – lesão corporal leve – é crime cuja ação penal é
pública, mas condicionada à representação.

A Súmula 608 do STF carece, pois, de revisão, para excluir o estupro cometido com
lesão corporal leve.

No estupro com violência presumida a ação penal é, em regra, de iniciativa privada.

De qualquer modo, seja o estupro com violência real ou presumida, será, de


iniciativa pública condicionada à representação, quando a vítima ou seus pais não estejam
em condições de suportar os custos processuais. Nesse caso, o Estado promoverá a ação
penal, necessitando, para tanto, da manifestação nesse sentido da vítima ou de seus pais
que, assim, não sofrerão qualquer prejuízo material. Essa norma está contida no § 1º,
inciso I, do art. 225.

A ação penal será de iniciativa pública incondicionada quando o estupro tiver sido
praticado com abuso do pátrio poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. Não
só quando o pai ou o padrasto, tutor ou curador tiver sido o agente, mas também quando
tenha contribuído para o estupro realizado por outro homem.

A norma do inciso II do § 1º do art. 225 não exige que aquele seja o agente, mas que
o estupro tenha sido cometido com abuso do pátrio poder ou do dever imposto pelo Direito
ao padrasto, tutor ou curador.

Quando o estupro é qualificado por lesão corporal grave ou morte a ação penal é de
iniciativa pública incondicionada porque, induvidosamente, no delito complexo está
integrado o resultado qualificador que constitui crime para o qual é prevista a ação de
iniciativa pública incondicionada.

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