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Efeitos Sísmicos nas Construções Pré-Fabricadas - Caso Particular de Depósitos

Júlio Appleton
Nuno Travassos
A2P Consult, Lda; Consultores da Civibral para depósitos pré-esforçados.

1. INTRODUÇÃO

A solução de cascas cilíndricas pré-esforçadas em depósitos ou silos é a concepção mais


adequada e que pode conduzir às soluções mais económicas e com mais qualidade. A
solução mais corrente é a de aplicar o pré-esforço circunferencial com a casca
simplesmente apoiada na laje de fundo. Esse pré-esforço é calculado por forma a
introduzir pré-compressões que compensem as tracções geradas posteriormente pela
pressão hidrostática ou impulso dos materiais ensilados. Desta forma elimina-se a
fendilhação na estrutura. A parede da casca mantém-se não monolítica com a laje de
fundo. Nos depósitos cobertos também normalmente não se interliga a laje com a parede
da casca, sendo essa laje apoiada através de aparelhos de neoprene.

Os autores tiveram a oportunidade de realizar um trabalho de consultoria para a Civibral


estudando a adaptação para Portugal do sistema de depósitos Muleby. Esse estudo
envolvia a verificação da satisfação dos requisitos regulamentares portugueses e em
particular da adequação desta solução para as zonas de maior risco sísmico.

Os depósitos do sistema Muleby, representados em Portugal pela Civibral, são realizados


com base na pré-fabricação de aduelas com cerca de 1.50 m de largura, pré-tensionadas
na direcção vertical e pós-tensionadas após montagem in situ.

O sistema foi estudado por forma a que os moldes dos painéis sejam aplicáveis para
diâmetros de depósitos de 10 a 30 metros e alturas de 3 a 6 metros, sendo de referir a
concepção geométrica dos moldes e juntas e o controlo de qualidade da execução.

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A laje de fundo é executada in situ e a laje de cobertura quando necessária é usualmente
realizada com recurso a pré-fabricação.

Após montagem das aduelas e aplicada a pós-tensão é executado um anel circunferencial


em betão armado na ligação da parede à laje de fundo. Admite-se assim que para as
pressões hidrostáticas sismos e outras acções variáveis os deslocamentos horizontais da
base da parede estão restringidos e a rotação de flexão está livre ou parcialmente
restringida.

Esta comunicação refere-se aos estudos sísmicos realizados para estes depósitos.

Fig. 1.1

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2. EFEITOS SÍSMICOS EM DEPÓSITOS

2.1. Generalidades

Os métodos analíticos da hidrodinâmica, como o que adiante se apresenta, permitem a


quantificação das acções sísmicas correspondentes à massa líquida armazenada nos
reservatórios. Para além da acção sísmica decorrente desta massa, haverá ainda a
considerar, no caso de reservatórios total ou parcialmente enterrados, o efeito sísmico do
terreno envolvente, o qual pode ser quantificado por exemplo com recurso ao Método de
Mononobe-Okabe. Acresce ainda a consideração acção sísmica correspondente à massa
estrutural.

O método que se apresenta permite a quantificação das sobrepressões resultantes da


acção sísmica, as quais acrescem às pressões (impulsos) contabilizados na situação
estática.

Na análise das sobrepressões hidrodinâmicas que se geram em reservatórios em betão


armado ou em betão armado pré-esforçado assentes no terreno, recorre-se às equações
gerais da Hidrodinâmica adoptando as seguintes hipóteses simplificativas:

a) O fluído é desprovido de viscosidade


b) as paredes do reservatório são consideradas rígidas
c) o número de Reynolds é suficientemente pequeno para que se possa considerar o
regime não turbulento
d) o fluído é considerado incompressível

Destaca-se esta última. Resultados obtidos por diversos autores permitem concluir que o
erro decorrente da não consideração da compressibilidade da água não é superior a 4%.

Relativamente à superfície da massa liquida, deverá referir-se que pode ser importante
para reservatórios correntes a consideração do efeito das ondas que se geram em

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resultado da excitação devida a um sismo, já que pode aumentar de forma não
desprezável as pressões hidrodinâmicas.

2.2. Modelo de Cálculo

2.2.1. Modelo de cálculo para os efeitos dos sismos na massa líquida

De entre os diversos modelos de cálculo disponíveis, aborda-se o método de Housner, o


qual permite uma aplicação prática apesar de bastante elaborado. Este modelo apresenta
ainda duas hipóteses particulares para além das anteriormente já indicadas. Assim este
modelo admite que os reservatórios estão rigidamente ligados ao terreno de fundação e
que por consequência se movem com aceleração igual à do solo. Para além disso é
considerada apenas a existência de aceleração na direcção horizontal.

Analisam-se em seguida as formulações propostas para reservatórios cilíndricos.

A resultante das sobrepressões hidrodinâmicas, devidas à acção sísmica, é decomponível


em duas parcelas. A devida à impulsão (designada sobrepressão de impulsão – Fhi ) e a
devida à formação de ondas (designada sobrepressão de oscilação – Fha ). O modelo de
Housner considera separadamente estes dois efeitos.

Neste modelo a resultante das sobrepressões hidrodinâmicas sobre as paredes do


reservatório pode ser calculada considerando uma massa fictícia Mi rigidamente ligada às
paredes do reservatório à altura Hi e uma massa fictícia Mo, elasticamente ligada às
paredes do reservatório com rigidez K, aplicada à altura Ho. A primeira destas massas
refere-se às sobrepressões de impulsão, sendo a segunda relativa às sobrepressões de
oscilação (Fig. 2.1). Todavia a soma destas massas não é igual à massa da água contida
no depósito (M), tratam-se apenas de massas fictícias como referido.

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As formulações seguintes referem-se apenas às dimensões mais correntes, como é o caso
dos depósitos da Civibral, correspondentes a uma relação H < 1.5R, sendo H a altura de
líquido retido e R o raio do reservatório.

Fig. 2.1

a) Sobrepressão de impulsão

A sobrepressão de impulsão (aumento de pressão hidrostática) é dado por

Fhi = am Mi
com
 R
tanh  3 
Mi =  H
M
R
3
H
sendo que:
am – aceleração máxima do terreno a(t) = am sen(wt), com am = β / g
a(t) – aceleração do terreno em função do tempo
M – massa de liquido no interior do reservatório
Fhi – força de inércia associada à massa Mi
βo – coeficiente sísmico de referência
g – aceleração da gravidade
Ho e Hi – pontos de aplicação das massas fictícias

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A massa do líquido (M) armazenado é igual a
M = ρ π R2 h
em que
ρ - massa específica do líquido

A distribuição, radial em altura, das sobrepressões de impulsão (Fig. 2.2) é dada pela
expressão:

 z 1  z 2    R 
p i = ρ a m h 3  −    (cos α )  tanh  3 
 H 2  H     H 

Fig. 2.2

b) Sobrepressão de oscilação

A sobrepressão de oscilação (aumento de pressão hidrostática) é dado por

Fho = 1.2 Mo g θmáx


com
 27 H 
tanh  

 8 R M
M i = 0.586
27 H
8 R

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c) Ângulo máximo de oscilação

O valor do ângulo máximo de oscilação (Fig. 2.3) é dada por

θmáx = 0.83 Sa / g
sendo que
Sa – ordenada do espectro de resposta do sismo correspondente à frequência
fundamental angular (wo)
f – frequência fundamental circular f = wo / (2 π)

d) Altura máxima atingida pela oscilação

A altura máxima da onda acima do nível do líquido em repouso (Fig. 2.3) é dado por

0.408 R
l máx =
 g   27 H 
 − 1 tanh  
w θ
2  8 R 
 o máx R   

Fig. 2.3

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e) Frequência do modo de vibração fundamental do líquido

A frequência fundamental do líquido é dada por

g 27  27 H 
wo =
2
tanh  
R 8  8 R

De salientar que para depósitos cilíndricos de dimensões correntes, as sobrepressões de


oscilação são praticamente nulas e por consequência podem ser desprezadas.

2.2.2. Modelo de cálculo para os efeitos do sismo devido à massa estrutural

O efeito da acção sísmico devida à massa estrutural conduz à seguinte resultante:

SE1K = β G
sendo
α
β - coeficiente sísmico β = β o
η
βo - coeficiente sísmico de referência
α - coeficiente de sismicidade
η- coeficiente de comportamento
G - peso total dos elementos estruturais elevados

3. VERIFICAÇÃO DA SEGURANÇA

Na ausência da regulamentação nacional especifica para depósitos adoptaram-se as


indicações gerais do REBAP para estruturas pré-esforçadas e as indicações dos
Eurocódigos 2 e 8, parte 4, relativas a depósitos.

Assim verificaram-se as seguintes condições de segurança:

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- Estados limites de utilização
Estado limite de descompressão, para as combinações raras de acções (depósito cheio)
Estado limite de tensão máxima de compressão limitada σ < 0.45 fck, para a
combinação rara de acções (depósito vazio e impulso de terras)

- Estados limites últimos


a) Sem acção sísmica

Sd1 = γg SG + γp SP + γq1 SIw + γqi ψo SQi


γg = 1.0 ou 1.35; γp = 1.0; γq1 = 0 ou 1.2; γqi = 0 ou 1.5

b) Com acção sísmica

Sd2 = 1.0 SG + 1.0 SIh + (1.0 ou 0.0) SIat + 1.5 (SE1 + SE2)
em que
SG - representa os efeitos das acções permanentes
SIh - representa os efeitos dos impulsos hidrostáticos
SE1 - representa os efeitos dos sismos (massa liquida)
SE2 - representa os efeitos dos sismos (massa estrutural)
SIat - representa os efeitos dos impulsos de terras
Sqi - representa os efeitos de outras acções variáveis (∆T, …)

4. EXEMPLOS

Na Fig. 4.1 apresenta-se a discretização de elementos finitos adoptada para a análise dos
depósitos.

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Fig. 4.1

Nas Fig. 4.2 e 4.3 apresentam-se, para um depósito de diâmetro de 10 m e de altura de


3 m ,os esforços devidos à acção dos sismos (massa liquida e massa estrutural).

ALINHAMENTO 13 ALINHAMENTO 13

3.00 3.00
DIST. AO FUNDO

DIST. AO FUNDO

2.50 2.50
2.00 2.00
SAP90
1.50 SAP90 1.50
1.00 1.00
0.50 0.50
0.00 0.00

-5.00 0.00 5.00 10.00 15.00 20.00 25.00 30.00 -0.20 -0.15 -0.10 -0.05 0.00
F11 M11

ALINHAMENTO 13 ALINHAMENTO 13

3.00 3.00
DIST. AO FUNDO

2.50 2.50
DIST. AO FUNDO

2.00 SAP90 2.00


SAP90
1.50 1.50
1.00 1.00
0.50 0.50
0.00 0.00

-4.00 -3.00 -2.00 -1.00 0.00 1.00 -0.50 -0.40 -0.30 -0.20 -0.10 0.00
F22 M22

F11 e F22 em kN e M11 e M22 em kNm


Fig. 4.2

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ALINHAMENTO 13 ALINHAMENTO 13

3.00 3.00

DIST. AO FUNDO

DIST. AO FUNDO
2.50 2.50
2.00 2.00 SAP90
SAP90
1.50 1.50
1.00 1.00
0.50 0.50
0.00 0.00

-1.00 0.00 1.00 2.00 3.00 4.00 -0.02 -0.015 -0.01 -0.005 0
F11 M11

ALINHAMENTO 13 ALINHAMENTO 13

3.00 3.00
2.50 2.50

DIST. AO FUNDO
DIST. AO FUNDO

2.00 2.00
SAP90 SAP90
1.50 1.50
1.00 1.00
0.50 0.50
0.00 0.00

-1.20 -1.00 -0.80 -0.60 -0.40 -0.20 0.00 -0.05 -0.04 -0.03 -0.02 -0.01 0.00
F22 M22

Fig. 4.3
Nas Fig. 4.4 e 4.5 apresentam-se para um depósito de 30 m de diâmetro e 6m de altura os
esforços devidos à acção dos sismos.
ALINHAMENTO 135 ALINHAMENTO 135

6.00
6.00

5.00
5.00

4.00
4.00
DIST. AO FUNDO
DIST. AO FUNDO

SAP90 3.00 SAP90


3.00

2.00 2.00

1.00 1.00

0.00 0.00
-150.0 -100.0 -50.0 0.0 50.0 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8
F11 M11

ALINHAMENTO 135
ALINHAMENTO 135

6.00 6.00

5.00 5.00

4.00
DIST. AO FUNDO

4.00
DIST. AO FUNDO

3.00 SAP90 3.00 SAP90

2.00 2.00

1.00 1.00

0.00 0.00

-2.0 0.0 2.0 4.0 6.0 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5
F22 M22

Fig. 4.4

11
ALINHAMENTO 103 ALINHAMENTO 103

6.00 6.00

5.00 5.00

4.00 4.00

DIST. AO FUNDO

DIST. AO FUNDO
3.00 SAP90 3.00 SAP90

2.00 2.00

1.00 1.00

0.00 0.00
-2.00 0.00 2.00 4.00 6.00 8.00 10.00 12.00 -0.05 -0.04 -0.03 -0.02 -0.01 0.00
F11 M11

ALINHAMENTO 103
ALINHAMENTO 103

6.00
6.00

5.00 5.00

4.00 4.00
DIST. AO FUNDO

DIST. AO FUNDO
3.00 SAP90 3.00 SAP90

2.00 2.00

1.00 1.00

0.00 0.00
-1.50 -1.00 -0.50 0.00 -0.15 -0.10 -0.05 0.00
F22 M22

Fig. 4.5

Do estudo efectuado extraíram-se as seguintes conclusões:

a) Verificou-se que a relação entre a resultante da sobrepressão de impulsão Fhi e a


pressão hidrostática Rh é da ordem de 25% (Fhi / Rh) no caso do depósito de 3 m de
altura e 10 m de diâmetro e 18% no caso do depósito de 6 m e 30 m de diâmetro.
b) Verificou-se ainda que o efeito da acção sísmica associada à massa estrutural não
deve ser desprezado, embora seja inferior ao associado à massa líquida.
c) Para estas dimensões de depósitos é desprezável o efeito da sobrepressão de
oscilação.

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5. REFERÊNCIAS

REBAP - Regulamento de Betão Armado e Pré-Esforçado


RSA - Regulamento de Segurança e Acções
Eurocode 2: Design of concrete structures - Part 4: Liquid retaining and containment
strutures - Env 1992-4: 1998
Eurocode 8: Design of structures for earthquake resistance - Part 4 : Silos, tanks and
pipelines - Env 1998-4: 1997
J, Matos e Silva - Análise Sísmica de Reservatórios de Água Assentes no Terreno,
Revista Portuguesa de Engenharia de Estruturas (RPEE) Ano X (1989) nº 29
J. Pereira - Estudo do Comportamento de um Reservatório em Betão Pré-Esforçado sob a
Acção de um Sismo, Relatório LNEC, Lisboa, 1968
A. Guerrin - Traité de Béton Armé - Réservoirs, Chateaux d'Eau et Piscines, Tome VI,
Dunod, 1972
J. Matos e Silva - Depósitos Cilíndricos Assentes no Terreno, Revista Portuguesa de
Engenharia de Estruturas (RPEE) Ano II (1979) nº 4
VSL - Concrete Storage Structures, Maio 1983
Recommended Practice for Precast Prestressed Concrete Circular Storage tanks - PCi
Journal, V 32, nº 4, July-August, 1987
Standart Practice for Design and Construction of Concrete Silos and Stacking Tubes for
Storing Granular Materials (ACI 313-91) - ACI, 1991
Fluid/Structure Interaction during Seismic Excitation, ASCE
P. Layraugues - Le Calcul Précis des Réservoirs Cylindriques, SEBTP, 1995

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