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14 Cultura “O que temos, no momento, é, digamos assim, ‘eu sei fazer’.

Olha como eu sei


dirigir? Olha como eu sei atuar? [...] Mas o todo não se completa.”
Trecho da crítica Desencontros de uma queda, de Aline Valim
Florianópolis, novembro de 2008

Crítica misteriosa põe


Carolina Faller Moura

anonimato em debate
Polêmica sobre a identidade da blogueira Aline Valim divide
opiniões e questiona qualidade da análise teatral catarinense
“O jogo com o público não aconte- güística Heronides Moura, conhecido realidade. E isso não ocorre apenas no
ce e a dramaturgia do espetáculo não como Heron. Até o blog de Sara Kane, teatro, mas na música e na literatura
se revela”, comenta Aline Valim na inativo há mais de um ano, voltou a também”. Andrey e a Baba é umas das 14 bandas associadas e ganhou visibilidade no Clube da Luta
crítica Desencontros de uma queda. receber postagens. Aline Valim, centro Críticos locais conhecidos, como
Publicado no Diário Catarinense de 13
de setembro de 2008, o texto é sobre o
da polêmica, parou de escrever para o
jornal e seu blog foi removido.
Edélcio Mostaço e Eliane Lisboa, não
escrevem mais para os jornais catari- Clube da Luta quebra os limites
do Célula e vai parar na MTV
monólogo Simulacro de uma Solidão, nenses e não foram substituídos por
dirigido por Jefferson Bittencourt e Crítica em crise novos profissionais. “De fato, se hou-
protagonizado por Marisa Naspolini. Para dar novo fôlego à discussão, vesse incentivo à formação de críticos
Valim fala da composição de cena, do o poeta Marco Vasques – que estimu- ou ao exercício do debate artístico, Na cortina de plástico que dá para membros. Agora, veio a parceria com
jogo de luzes e da atuação de Naspoli- la o mistério das identidades de Valim fenômenos como Valim e Kane não te- o banheiro, a proposta: “o Clube da a MTV. A idéia é veicular, nos intervalos
ni e ressalta alguns aspectos em que a e de Kane – organizou no dia 3 de riam atingido proporções exageradas”, Luta não convida, convoca”. Enquan- comerciais, vinhetas sobre o Clube, que
peça, em sua opinião, deveria ser me- outubro um encontro entre escritores completa Moura. O professor Stephan to o show não começa, o telão distrai e também será mencionado pelos VJ’s. O
lhorada. Diretor e atriz fizeram questão e intelectuais no bar do Centro Inte- Baumgärtel, que leciona a disciplina o caça-palavras estampado na parede evento será divulgado, enquanto pre-
de responder à crítica e revelaram que grado de Cultura (CIC), o Café Matisse. de crítica cultural no curso de Artes diverte os curiosos. As bandas da noi- enche a programação da emissora. “Já
Aline Valim não passa de um pseudô- Juliana Sakae Cênicas da Universidade do Estado de te são três das 14 associadas ao Clube temos o contrato, que será feito em for-
nimo. Até o fechamento desta edição, Santa Catarina (Udesc), aponta uma da Luta. Pop rock, reggae, rock ‘n roll, ma de permuta”, diz Marcinho. Uma
sua identidade continuava gerando das causas do problema. “Falta interes- MPB, rock com peixe frito e funk, uni- das vinhetas está pronta, esperando o
especulações. se da mídia local em fazer uma cober- dos pelo ideal da música independente. fim das negociações para entrar no ar.
Na semana seguinte à publicação tura cultural de qualidade”, afirma. Já A idéia tem dado certo. O Clube, que Questionado se a aparição no canal
da crítica, veio a repercussão. O arti- Amílcar Neves acredita que a falta de já é até tema de debate acadêmico, se de TV não seria uma submissão à in-
go Sobre ética e crítica em tempos de profissionais na área seja graças à vai- apresentou em grandes eventos no es- dústria cultural que contraria o ideal
internet, de autoria de Bittencourt e dade que prejudica as relações entre os tado – como o Planeta Atlântida e o de independência das bandas, Ulysses
Naspolini, contestou a função social envolvidos na produção de um espetá- Festival de Outono de Florianópolis – e Dutra – guitarrista da Coletivo Ope-
da crítica anônima, desqualifcando o culo e os críticos. também em Porto Alegre, Rio de Janei- rante – afirma que o Clube viu na pro-
discurso de Valim e de outra blogueira, Valim criou um novo blog (www. ro e Curitiba. Agora, a aposta é uma posta da MTV uma chance de atingir
Sara Kane, também um pseudônimo. dossievalim.blogspot.com). Após a re- parceria com a MTV. maior público.
Kane publicou críticas teatrais em seu percussão do caso, resolveu fazer uma Sexta-feira não é noite de cover. A No dia 28 de outubro, o debate
blog entre setembro de 2006 e setem- compilação do conteúdo que a envol- idéia de unir grupos de música autoral Produção e circulação da música in-
bro de 2007 e também foi responsá- veu e publicou em seu espaço virtual. em Florianópolis foi de Márcio Costa, dependente em Santa Catarina, reali-
vel por animosidades no meio teatral Críticas e polêmicas parecem estar fora guitarrista da Tijuquera. Marcinho, zado na Universidade Federal de Santa
catarinense. A partir de então, atores, dos objetivos deste novo capítulo, pelo inspirado no Movimento Popular Ca- Catarina (UFSC), abordou o Clube nas
diretores, escritores, estudantes, críti- menos por enquanto. Mas quem mais rioca, importou a idéia para a ilha em discussões. André Guesser, um dos or-
cos e professores se posicionaram em Discussão ganhou força com camisetas tem a perder com esta falta é o público setembro de 2006 e fundou o Clube da ganizadores do evento, estava entre os
relação à polêmica: de um lado, há leigo, segundo o mineiro Sábato Ma- Luta, realizado inicialmente no Fios & convidados. “Floripa está vivendo seu
quem defenda o anonimato como refú- No local, a venda de camisetas com os galdi, respeitado nacionalmente por Formas, antigo salão de cabeleireiro melhor momento de música indepen-
gio para a irresponsabilidade de quem dizeres “Eu sou Aline Valim” e “Vá ao seus sessenta anos de experiência como embaixo da Ponte Hercílio Luz. Em dente”, considerou o guitarrista da Sa-
critica; de outro, há quem pense que teatro com Aline Valim” mostravam crítico teatral. Para ele, “a crítica bem janeiro deste ano, foi para o Núcleo Cé- mambaia Sound Club.
o importante é o discurso da crítica, e que a questão não se concentrava mais elaborada enriquece culturalmente o lula Cultural, que também é palco de O estudante Fernando Barbosa fre-
não seu autor. na identidade secreta da crítica. O pro- espectador”. Ao ser questionado sobre a outros eventos, no bairro João Paulo. qüenta o Célula e o define como o lugar
A discussão ganhou espaço nas pá- fessor Moura explica: “A situação atual questão do anonimato, Magaldi é taxa- Os ingressos custam R$5 ou, após às mais alternativo da cidade. “É para a
ginas do caderno de cultura do DC nas só denota a crise pela qual a crítica tivo : “É uma sem-vergonhice”. 23h, R$10. Com capacidade para 350 galera que não se enquadrou no siste-
semanas seguintes, com textos do escri- cultural local vem passando, e esse epi- pessoas, o faturamento médio da casa é ma de música eletrônica e enlatada”. O
tor Amílcar Neves e do professor de lin- sódio foi para atentar as pessoas para a Reportagem de Celso Rondon Filho de R$1500 por noite. Mas, para as ban- vocalista e guitarrista de uma de suas
das, nada de cachê. O dinheiro paga os bandas preferidas, o Vina do Da Caver-

Professores discutem estruturação da custos de cerca de R$500 e o restante


vai para a divulgação. “Não ganhamos
nada. É como uma cooperativa, cada
na, diz que além do preconceito con-
tra a música autoral, falta educação
musical. “O pessoal está acostumado a

crítica e a necessidade de base teórica um contribui com a sua platéia”, diz


Vina, do Da Caverna. O grupo saiu da
garagem quando entrou para o Clube,
ouvir música de fora e não valoriza a
própria”, lamenta.
Em reuniões semanais, os inte-
Além do anonimato, a polêmica em conceituais, a crítica se constrói em três flexão sobre o valor artístico da obra. mas ainda não vive de música, como a grantes planejam a construção de um
torno de Aline Valim desencadeou deba- momentos: apresentação do espetáculo, Os currículos dos cursos de Artes Cê- grande maioria das bandas associadas, escritório para o Clube e dividem fun-
tes sobre a formação do crítico cultural. análise técnica e, por fim, argumenta- nicas da UFSC e da Udesc, com respec- formadas por músicos de 20 a 50 anos. ções, como produção artística, vendas e
A discussão aborda a diferença entre a ção sobre a função social e relevância da tivas 60h e 36h dedicadas ao ensino da Algumas começam a chegar perto des- contabilidade. “O próprio nome Célula
crítica de opiniões e “impressões pesso- obra. Todas devem ser baseadas em prin- crítica teatral, mostram que a formação se ideal. É o caso da Aerocirco e da Mal- é uma metáfora de uma estrutura que
ais”, como foram qualificados alguns dos cípios estéticos e expor a discussão que a de críticos é um objetivo secundário. O tines, finalistas do programa Gassound se organizou, criou limites”, explica Zé
textos da autora. Apesar de não invalidar peça se propõe a trazer. Pode concordar professor de lingüística Heronides Moura da Rede TV!. da Silva, guitarrista da Andrey e a Baba
a opinião de Valim, a qualificação expõe ou não com seu conteúdo e, ainda assim, considera que há falta de interesse dos Na internet, o Clube da Luta é co- do Dragão de Komodo.
a falta de base teórica em suas críticas. avaliar que o espetáculo cumpriu seu ob- alunos em exercer a crítica, por ser uma nhecido. No site Myspace, foi desta-
Stephan Baumgärtel, professor de crí- jetivo. O mais importante é que a crítica atividade de risco e sempre sujeita a re- que das cenas locais do Brasil e a co- Luisa Frey com reportagem de
tica cultural na Udesc, diz que, em termos promova o debate estético, ou seja, a re- presálias. (C.R.F.) munidade do Orkut tem mais de mil Márcio Barcellos

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