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Eles no sabem que o sonho uma constante da vida to concreta e definida como outra coisa qualquer, como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso, como este ribeiro manso em serenos sobressaltos, como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam, como estas aves que gritam em bebedeiras de azul. eles no sabem que o sonho vinho, espuma, fermento, bichinho lacre e sedento, de focinho pontiagudo, que fossa atravs de tudo num perptuo movimento. Eles no sabem que o sonho tela, cor, pincel, base, fuste, capitel, arco em ogiva, vitral, pinculo de catedral, contraponto, sinfonia, mscara grega, magia, que retorta de alquimista, mapa do mundo distante, rosa-dos-ventos, Infante, caravela quinhentista, que cabo da Boa Esperana, ouro, canela, marfim, florete de espadachim, bastidor, passo de dana, Colombina e Arlequim, passarola voadora, pra-raios, locomotiva, barco de proa festiva, alto-forno, geradora, ciso do tomo, radar, ultra-som, televiso, desembarque em fogueto na superfcie lunar. Eles no sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida, que sempre que um homem sonha o mundo pula e avana como bola colorida entre as mos de uma criana. Antnio Gedeo
Teus olhos entristecem Nem ouves o que digo. Dormem, sonham, esquecem... No me ouves, e prossigo. Digo o que j, de triste, Te disse tanta vez... Creio que nunca o ouviste De to tua que s. Olhas-me de repente De um distante impreciso Com um olhar ausente. Comeas um sorriso. Continuo a falar. Continuas ouvindo O que ests a pensar, J quase no sorrindo. At que neste ocioso Sumir da tarde ftil, Se esfolha silencioso O teu sorriso intil. Fernando Pessoa, "Cancioneiro"