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MATISSE, Musique
Quando as palavras teimam em não sair e os receios de se dar a conhecer são pesados
demais, é a música que abre portas para todos aqueles que sempre julgaram não ter
saída. Mariana, Pedro, Sofia e Rute são quatro jovens adolescentes que encontraram na
musicoterapia uma ajuda valiosa para os seus problemas. Com idades entre os doze e os
dezasseis anos, sofrem de deficiências mentais várias e revelam problemas de
comportamento, razões que os levaram a fechar-se sobre si, acabando por voltar costas a
um mundo que nem sempre os aceita.
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GRANDE REPORTAGEM
Uma das mais valias da musicoterapia reside no facto de esta forma de expressão não-
verbal não se limitar a usar os sons, a música e o corpo. Esta arte terapia pode aparecer
associada a outras expressões, sejam elas plásticas, escritas, gestuais ou teatrais. Aliás, a
estratégia das técnicas associadas é muito usada em sessões individuais ou de grupo.
Natália, a actual estagiária em musicoterapia na escola, admite aplicar esta estratégia
regularmente nas sessões colectivas, e «o resultado é um diálogo sonoro de que os
miúdos gostam imenso, mesmo os mais tímidos.»
Na opinião de Backer, o método mais usado na Europa é o das técnicas activas, muito
úteis para estimular o diálogo e a comunicação, bem como para evidenciar perturbações
psíquicas ou emocionais. Neste tipo de sessão, as crianças são convidadas a usar voz e
percussões corporais ou então instrumentos simples. Em certas ocasiões são elas
próprias que constroem e adaptam esses instrumentos consoante as suas necessidades.
Esta terapia activa funciona na base da improvisação ou da imitação, com vista à
criação musical e/ou sonora.
Por outro lado, existem técnicas receptivas baseadas na escuta de obras musicais, cujo
objectivo é proporcionar estados de relaxamento, inspiração ou criatividade. Convém
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sublinhar que, apesar da designação, este processo terapêutico não implica passividade
por parte dos frequentadores das sessões, pois exige deles o funcionamento simultâneo
dos sentidos, dos afectos e da inteligência. Enquanto não é avaliada a vida musical de
cada uma das crianças, Margarida e Natália planificam as actividades de modo a agradar
a todas elas, o que pressupõe um risco. Natália relembra as dificuldades que surgem
pontualmente «quando elas não gostam de uma música, não mudam de ideias e se
recusam a participar».
Esta última declaração vai ao encontro do pensamento de Even Ruud que alerta para a
necessidade de distinguir claramente entre a musicoterapia ortodoxa e científica, de uma
outra mais especulativa que os media costumam divulgar e que não passa de new age
trend. «Não me venham dizer que a musicoterapia é uma medicina alternativa»,
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Está comprovado que não basta um diagnóstico musical dos pacientes para fazer
musicoterapia. E mesmo esse processo é bastante complicado, na medida em que exige
cuidado com traumas e problemas emocionais que, à partida, não saltam à vista do
terapeuta. Segundo Margarida e Natália, a melhor maneira de começar o trabalho com
as crianças é partir dos sons e melodias que lhes são familiares e agradáveis, para depois
a educar a audição de novas sonoridades.
Para o nórdico Even Ruud, a musicoterapia deve representar um esforço para aumentar
as possibilidades de acção dos indivíduos, de modo a que estes possam ter mais
qualidade de vida. E tem-se caminhado nessa direcção quer através da música na
terapia, quer pela música como terapia. Sobretudo nos últimos 50 anos a musicoterapia,
à semelhança das restantes artes terapias, tem vindo a ganhar uma maior credibilidade
em termos científicos. Em Portugal, é de louvar o trabalho desenvolvido durante a
segunda metade da década de 90 por pessoas dedicadas de corpo e alma a esta causa.
Entre elas, Fernanda Prim, a primeira presidente da Associação Portuguesa de
Musicoterapia.
Os resultados desta técnica inovadora estão à vista um pouco por todo o país em
escolas, hospitais, associações e centros de apoio. Em Coimbra, a Associação de
Paralisia Cerebral de Coimbra conta com um caso reconhecido de sucesso. Trata-se dos
“5ª Punkada”, uma banda constituída por alunos da instituição, sob a orientação do
musicoterapeuta Francisco Borges, que entretanto faleceu. No decorrer da Capital
Nacional da Cultura 2003, estes jovens tiveram a oportunidade de subir ao palco e
mostrar os seus dotes musicais a um «país de analfabetos musicais», como diria o
maestro Virgílio Caseiro.
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Musicoterapia em Portugal
Depois de décadas na ignorância, finalmente a musicoterapia é do conhecimento geral
dos portugueses e a sua aplicação terapêutica tem sido bem recebida em centros
hospitalares e instituições.
Margarida Azevedo concluiu na sua tese que, em 1998, esta técnica terapêutica já era
aplicada em cerca de 1/3 das instituições. Apesar de auxiliar o tratamento de inúmeros
distúrbios e patologias, a musicoterapia tem sido usada quase exclusivamente no
tratamento de doenças e deficiências mentais.
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As artes terapias alcançam uma posição de destaque quando são postas em prática em
hospitais ao serviço da psiquiatria. Inicialmente, tratava-se apenas de uma estratégia
para combater a solidão dos doentes mas, a partir da 1ª Grande Guerra, estas terapias
assumiram-se como instrumento de diagnóstico e compreensão das doenças mentais.
Personalidades europeias como Freud e Jung foram essenciais para o aparecimento de
novas correntes psicológicas integradoras das artes como terapia. Os EUA foram os
pioneiros da musicoterapia, com os primeiros programas universitários a datar da
década de 40 do século XX.
Contra-indicações
A música nem sempre provoca melhorias na regulação do humor dos indivíduos. Em
termos práticos, uma melodia tanto pode activar sentimentos positivos como negativos;
tudo depende da situação emocional da pessoa envolvida. Portanto, não é de estranhar
que se registem casos de violência ou suicídio supostamente motivados por certo tipo de
música.
O tema tem sido muito debatido por psiquiatras, como Carlos Brás Saraiva e José Pio de
Abreu, mas ainda não há conclusões objectivas para esta questão. Segundo um estudo
recente de Cláudia Borralho, é muito provável que a música de Beethoven desperte
ideias depressivas ou até mesmo suicidas nos ouvintes. Tal descoberta enfraquece os
comuns argumentos da má influência de géneros musicais como o metal, o punk ou o
rap.
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Margarida Azevedo, professora e musicoterapeuta, defende que não está provado que
estilos de música mais agressivos actuem indiscriminadamente segundo uma lógica
directa de causa-efeito. No entanto, admite que são adolescentes as vítimas mais
prováveis dessa influência negativa, por ainda estar em curso o processo de formação da
sua identidade pessoal.
Contudo, há casos em que as reacções negativas passam por factores de outra ordem. É
o caso da chamada epilepsia musicogénica, em que os doentes sofrem ataques
epilépticos, resultantes da intolerância a determinadas melodias ou sons, sem que se
saiba ao certo qual a componente responsável pela reacção patológica.