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Titulo:
(um olhar sobre a obra Antífona)
Autor: orlando rocha
(sub. conversando comigo)
O que chamou a atenção, ficando claro para mim, não foi o hermetismo no poema em
si, mais sim, um hermetismo velado, indicativo, como se a obra toda fosse um mapa
a ser seguido, com fases e períodos a serem percorridos milimetricamente, levando-
me a crer, se tratar de um texto fortemente relacionado com a alquimia da idade
media.
Fiquei a pensar a obra, igual a um cubo mágico de números, (em voga na década dos
anos setenta), e confesso, foi para mim um grande sofrimento este período de
tempo. O que me levou a seguir adiante foi a certeza, de que existia uma chave
para abrir este cofre hermético.
Porque tinha esta certeza?
Quando alguém se propõe a publicar uma obra hermética, este alguém deixa alguma
chave para que possamos abri-la, senão, não a publicaria.
Algumas palavras embutidas em seus quarenta e quatro versos (hora formando frases
subliminares, hora dando a impressão de vagarem solitarias, despretensiosas), me
levavam a ter esta certeza.
Quando penso um texto como este, (rico em metáforas e sublimações), procuro ler
nas entrelinhas, e extrair das entrelinhas o máximo possível de informações que
facilitem o estudo. As entrelinhas geralmente nos indicam o sentido a seguir, caso
o texto seja codificado por vontade própria ou algum elemento alheio a obra.
Se toda a obra partisse deste ponto, então eu estaria com a chave nas mãos.
Será?
Bem ao menos faria sentido, o ovo ou a obra alquímica sendo fecundada pela
quintessência no começo da Opus alquímica,(por isso o verbo fecundai). Para mim
estaria começando a fazer sentido, seria um pequeno e tênue raio de luz no
desvendar hermético.
Por isso, toda a invocação inicial, (todos os alquimistas da idade média faziam
uma invocação inicial, antes da Opus, para que o trabalho corresse bem, para que
Deus orientasse a Opus, para que a obra obtivesse o devido sucesso, etc.).
Sobre a Via do trabalho alquímico: Uma via úmida na alquimia, (é a via mais nobre
na execução dos trabalhos, como o seu nome indica é feita por meios úmidos,
líquidos ou salinos que normalmente compõe o dissolvente da matéria também
conhecido por “fogo secreto”), também é a mais demorada. Temos que levar ainda em
consideração, o tempo com os trabalhos preliminares para a preparação do sujeito
(dragão vermelho), dos sais que serviam como fundente e ainda a escolha criteriosa
do seu acólito. Vinte e oito meses filosóficos, (é o tempo que durava em geral um
trabalho por esta via), era muito tempo desperdiçado, caso não atingisse os
objetivos desejados. Existem ainda outras vias para os trabalhos, porem, por causa
dos perigos de explosão, intoxicação, etc. a via úmida era mais usada, mesmo que
demorasse um pouco mais, era mais segura.
Como as invocações iniciais falam de neves, neblinas, formas vagas fluidas, de
luares (o orvalhos usado para umedecer a matéria prima, provem da lua, e dos
astros, afirmam os alquimistas) por tudo isso e o fato das sete últimas estrofes
terem quatro versos cada, e sete vezes quatro são vinte e oito (uma clara
indicação aos vinte e oito meses filosóficos da via úmida), acredito ser a via
úmida a escolhida para a grande Opus no referido texto.
Se as quatro primeiras estrofes são invocações para inicio da Opus, então sobravam
as sete últimas estrofes para a elaboração da obra, no poema repensado.
Seria possível o autor estar indicando ao seu leitor, alguma linha investigatória
com estas palavras?
“Ora, lê, relê, trabalha e encontraras”, dizia o sábio no seu, Mutus Liber.
Se minha linha de raciocínio estivesse certa, alguém que elaborasse algo tão
complexo e belo como este texto, criptografaria o texto por inteiro, deixando-o
quase impenetrável.
É obvio, se o autor não quisesse que alguém decifrasse o hermético trabalho, ele
não deixaria pista.
Para que meu trabalho seja melhor compreendido, falarei primeiro o que eu chamo de
parte externa do texto, tentando demonstrar que alguns trabalhos têm até odores,
dependendo da realidade que foram concebidos e lidos.
Por exemplo; quando digo que uma determinada cena se passa numa estrebaria, e que
alguns cavalos habitavam o local já há algum tempo, é fácil imaginar o odor de
estrume e urina animal, e o suor dos referidos cavalos (tem odor apenas para quem
já teve alguma experiência deste tipo), isso se da, devido ao fato da nossa
memória ser visual.
Comecei pelas rimas da primeira e ultima estrofe, as rimas (Abba [primeiro verso],
e abba [ultimo verso]), as outras nove estrofes internas são (abab). Estaria a
estrofe inicial e ultima fechando todo o texto inserido no núcleo?
Seria proposital?
A meu ver, uma obra como essa, deve ser pensada como alguma coisa a mais do que o
simples exposto nas linhas, justamente por seus conceitos abstratos que o rege.
Fazendo uma analogia entre estas ações e alguns estágios nas operações de uma Opus
Alquímica, encontrei varias coincidências e situações concernentes, acreditando
assim, na natureza alquímica do texto.
Queria descrever a forma, nada acadêmica, (não sou muito bom em academicismo), que
usarei para analisar este texto de Cruz e Sousa. Esta descrição é para que me faça
melhor entender, por se tratar de assunto complexo, de conceitos, e muitas vezes
noções abstratas.
Descrição:
Vou fazer todas as observações dentro das linhas, linha por linha, estrofe por
estrofe. Terminando estas observações, vou inserir algum texto para entrar em
concordância, estas concordâncias ajudarão o leitor a entender os princípios
usados para o meu olhar sobre a obra.
Exemplo:
Uma estrofe, um verso, e anotarei todas as observações que estiverem ao meu
conhecimento, e que achar pertinente, logo abaixo, nestas observações eu
explicarei os prováveis sentidos dos símbolos, sendo eles matérias primas ou ações
do processo alquímico, situações, etc.. Enfim o máximo de informações que ajudem a
entender melhor este texto.
Antífona
João da Cruz e Sousa
(Um outro olhar sobre a obra)
1 estrofe.
Ó formas alvas, brancas, Formas claras
-No início da obra (Opus Alquímica), após o alquimista separar toda a matéria
prima (preliminares para a preparação do sujeito [dragão vermelho], dos sais que
serviam como fundentes e ainda a escolha criteriosa do seu acólito), preparar seu
laboratório, o fogo vulgar, etc., ele entrava num período de meditação
(meditatio). Este meditatio era um diálogo Interno do alquimista, (com alguém
invisível), como na invocação da Divindade, ou comunhão com o próprio eu, ou com
seu anjo guardião. Esta invocação era necessária, devido aos perigos que as Opus
ofereciam, as vezes com grandes explosões. Para que tudo corresse de acordo,
devido ao grande tempo destinado aos trabalhos, etc..
-Formas alvas, brancas, (um apelo aos espíritos, ou anjos guardiões iluminados),
--Formas claras, (fase da meditação em que ele identifica o ser que iluminará e
protegerá a Opus), as Formas estão claras agora. Nesta fase também, o Artista
Alquímico organiza e passa em mente todo o processo.
2 estrofe.
Formas do Amor, constelarmente puras,
-A união por amor, prepondera em qualquer Opus Alquímica, é a energia que une dois
princípios (dois materiais), transformando-os em uno. Simbolicamente é descrito
como o casamento do Sol e da Lua, do enxofre e do mercúrio, do Rei e da Rainha, do
Céu e da Terra, todos vem da mesma origem, (tabua esmeraldina). É o hermafroditos,
esta união.
3 estrofe.
Indefiníveis musicas supremas,
-Mozart foi um grande conhecedor da obra alquímica, lia com freqüência As Bodas
Alquímicas de Cristian Rosenkreutz, escrito por volta de 1616, dizem alguns que A
Flauta Mágica, (composta por Mozart, e apresentada pela primeira vez em 1791), é
explicação de uma obra alquímica através da musica, do inicio ao fim.
-Sobre Mozart, Cruz e Sousa escreveria no poema “Poesia”, publicado em O Livro
Derradeiro, deixando claro o que ele pensava do compositor, isso é, como um grande
mestre.
“Da arte de Mozart vós sois grandes romeiros.
Lutais como nas vagas o triste palinuro,
Os olhos tendes fitos na glória que dá brilho
No livro tricolor e ovante do futuro”.
4 estrofe.
Visões, salmos e cânticos serenos
-"Cânticos que ressonam na noite, como serpentes rodeantes de bravura; dossel de
fina gaze, transfiguram um solene ritual deste poder".
Parágrafo extraído do livro; “Alquimia” Introdução ao simbolismo, de Maria-Louise
Von Franz.
(para um melhor entendimento deste verso, ler Psicologia e alquimismo de
C.G.Jung).
5 estrofe.
Infinitos espíritos dispersos,
-Calcinatio
-Se anteriormente o poeta havia pensado no mercúrio (matéria volátil) e enxofre
(combustível, corrosivo, que faz os metais irradiarem), no orvalho (elemento
umidificador), no sal (arsênio). Neste estagio ele pensa no. solve et coagula, é
essencial separar as matérias (infinitos espíritos), purificar e unir (os
dispersos).
6 estrofe.
Do sonho as mais azuis diafaneidades
-solutio
-Azuis diafaneidades referem-se à Flor Azul, (azul transparente).
-Novalis escolhe a Flor Azul como o símbolo da transformação alquímica do mundo.
Ela é mencionada por Ofterdingen e foi comentada no tratado alquímico Pandora
(1582) de Reussner, no qual se encontra uma gravura representando três flores
reunidas por uma haste comum, plantada no ovo hermético contendo o Ouroboro. A
flor vermelha simboliza o ouro, a flor branca, a prata e a flor azul, a sabedoria
(flos sapientum), é de um azul transparente.
7 estrofe.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
-coagulatio
-O orvalho vem dos astros, da lua, do céu dizem os alquimistas, ele molha,
hidrata, umedece. Ao contrario do que muitos acreditam, o orvalho é amarelo.
Sonoramente, luminosamente.
-Entrando em concordância com o verso anterior. Ao se inserir o enxofre alquímico,
faz-se o som característico e uma grande luminosidade.
-Esta é uma hora de grande perigo de explosão.
8 estrofe.
Forças originais, essência, graça
-sublimatio
-Sublimação. Nesta fase começa a preparação do enxofre divino.
-Antes de acrescentar a essência necessária a Opus, o Artista faz uma invocação às
Forças originais (forças originais no caso é a natureza, a natureza é a alma do
local alquímico, é a própria alma da alquimia).
-Acrescenta a essência e admira extasiado a reação, esta reação é acompanhada de
muita graça.
-É a vida se manifestando.
9 estrofe.
Cristais diluídos de clarões álacres,
-mortificatio
-Fermentação. Aparece nesta fase o mercúrio enxofrado.
-Alguns cristais (sais), são inseridos e diluídos ao trabalho, e promovem
luminosidades alegres (clarões álacres), alegre também é a alma do alquimista com
a Opus decorrendo dentro do determinado.
10 estrofe.
Flores negras do tédio e flores vagas
-putrefatio
-A flor na simbologia é a Alma em sua forma e o porvir primaveril em sua essência,
como nesta altura da arte, (estamos no vigésimo primeiro mês), esta fase
representa uma espera, onde existe apenas a incerteza, é uma fase muito critica.
11 estrofe.
Tudo! Vivo e nervoso e quente e forte,
-coniunctio
-Exaltação, o mercúrio finalmente fecundo pelo Sagrado.
-Chegou a hora do artista orar por sua esposa amada, e servir-se dos milagres da
Opus.
- É a ultima fase, a morte.
Concluindo:
A meu ver, esta Grande Obra refere-se a Alquimia Espiritual, em nenhum momento
notei no texto alguma referencia a procura do ouro físico, e sim a procura do Ouro
Alquímico, e evolução espiritual. Os conceitos alquímicos de Elixir da Longa Vida,
Pedra Filosofal, Pedra Cúbica, Cornucópia da Abundância etc. passavam longe da
elevação do espírito. Na Alquimia Espiritual o Artista almejava a transmutação da
Alma, e não de elementos grosseiros como se acredita na atualidade. Cruz e Sousa
usa constantemente expressões como, alvas, formas brancas, iluminadas, fazendo
referencia ao sol de ouro, onde as formas são de uma brancura e clareza impar,
onde tudo é iluminado.
Existem controvérsias com referencia a outros olhares desta obra.
Estas controvérsias são de extrema importância ao meu entender, eu não acreditaria
na verdade de propósitos referente a qualquer obra, onde todos aceitassem sem
qualquer restrição, tal obra seria imposta de alguma forma, e as imposições a meu
ver, são prejudiciais para o exercício do livre pensar, e livre expressar.
ANTÍFONA
Autor: João da Cruz e Sousa
Publicada no livro: Broquéis-1883.
a obra NTÍFONA, POR CRUZ E SOUSA