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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

MATRIMÔNIO, MIGRAÇÃO E HOMOGAMIA NA BELÉM DO


ENTRE-SÉCULOS (1995-2006)

BRENO RODRIGO DE OLIVEIRA ALENCAR

Orientadora: Profª. Drª. Cristina Donza Cancela

Belém/Pará
2008
2

Universidade Federal do Pará


Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Ciências Sociais
Rua Augusto Corrêa, 01, Guamá
CEP 66075-110 Belém-Pará-Brasil
www.ufpa.br
3

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ


INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

MATRIMÔNIO, MIGRAÇÃO E HOMOGAMIA NA BELÉM DO ENTRE-


SÉCULOS (1995-2006)

BRENO RODRIGO DE OLIVEIRA ALENCAR

Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado à faculdade de
Ciências Sociais do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas como
requisito para a obtenção do grau
de bacharel em Ciências Sociais
com ênfase em Antropologia.

Orientadora: Profª. Drª. Cristina Donza Cancela

Belém/Pará
2008
4

Dados Internacionais de catalogação-na-publicação (CIP)


Alencar, Breno Rodrigo de Oliveira.
Matrimônio, migração e homogamia na Belém do entre-séculos
(1995-2006)/Breno Rodrigo de Oliveira Alencar: orientadora Cristina Donza
Cancela. 2008.
128 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) - Universidade Federal
do Pará, Faculdade de Ciências Sociais, Curso de Ciências Sociais.

1. Casamento – Belém (PA). 2. Casamento – Belém (PA) – Aspectos


religiosos – Igreja católica
CDD – 306.81
5

BRENO RODRIGO DE OLIVEIRA ALENCAR

MATRIMÔNIO, MIGRAÇÃO E HOMOGAMIA NA BELÉM DO


ENTRE-SÉCULOS (1995-2006)

Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado à faculdade de
Ciências Sociais do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas como
requisito para a obtenção do grau
de bacharel em Ciências Sociais
com ênfase em Antropologia.

Data da Aprovação: ____ de Janeiro de 2008.

Conceito:____________________

Banca Examinadora:

_________________________________- Orientadora
Profª. Drª. Cristina Donza Cancela
Doutora em História/UFPA

_________________________________-Examinadora
Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão
Doutora em História/UFPA
6

Dedico esta obra àqueles que com


lágrima, suor e sangue partilham da
permanente busca pela realização e
felicidade, e em especial à Julliana
Barros, por existir.
7

AGRADECIMENTOS

Esta é a parte que me cabe neste estudo. É também aquela que já esperava
desde o início. Valho-me dessa honra para concluí-lo agradecendo, primeiramente, a
essa força sobrenatural que não sei de onde vem e nem o que quer, mas que todo dia
me exige forças e empenho, para que de pé caminhe e siga em frente nesta
desbravadora jornada que é a vida, e também a pessoas estimáveis que contribuíram
indubitavelmente para a minha chegada nesta fase.
Ao meu pai Francilton, pela sua capacidade em me estimular a pensar que os
obstáculos impostos pela experiência de viver são importantes muros que eu adoro
derrubar. À minha mãe Lisete pelo investimento em minha formação pessoal e as
duras bravatas que travamos para tornar nossos sonhos realidades possíveis.
À minha tia Zelma e meu tio Itamar pela generosidade, o crédito conferido e o
colchão macio nos finais de semana.
Aos meus avós “postiços” Bruno e Laurita que, às vezes, no silêncio de seus
atos me deram as mais importantes lições da vida.
A minha avó Ziulália e ao meu bisavô Pedro Barbosa que onde quer que
estejam (e sei que estão bem) me geram força quando os abraços rareiam por aqui.
Aos meus irmãos Wilson, William, Wilkins, Julliana, Leilton, João Paulo e
Paula Fernanda pelo amor que nos une e me faz atuar procurando ser espelho.
À minha orientadora Cristina que com a sua jovialidade intrínseca e o sorriso
permanente soube confiar no meu trabalho entendendo que isto é parte constitutiva
da amizade que nascera entre nós.
Às secretárias das paróquias e aos seus respectivos párocos pela concessão dos
livros de casamento e dos espaços onde foram realizadas as pesquisas.
Aos meus colegas do curso de Ciências Sociais, sem distinção, que foram todos
importantes na elaboração de minha personalidade acadêmica, principalmente os
que sentaram ao meu lado e curtiram a inesquecível brisa do Rio Guamá.
À Alice Maria pela confiança e carinho que há entre nós, mas, sobretudo por
seu companheirismo que me estimula a buscar excelência em tudo que faço.
8

Aos amigos do PET-Ciências Sociais que se tornaram uma segunda família e


me fizeram ver que a vida dedicada à academia traduz a nossa identidade
universitária.
E em especial ao amigo Professor Dr. Samual Sá, por ser um tutor ativo que
além de escapar da burocracia existente tem um abraço que sistema algum deleta.
Agradeço também àqueles que esqueci ou que não procuro lembrar, mas que
de alguma forma acabaram exercendo alguma influência em minhas escolhas
pessoais e profissionais.
9

“Todo casamento é um encontro dramático entre a


natureza e a cultura, entre a aliança e o parentesco...
Já que se deve ceder à natureza para que a espécie se
perpetue e com ela a aliança social, é necessário ao
menos negá-la ao mesmo tempo em que acedemos a
ela”.
(Lévi-Strauss).
10

RESUMO

O casamento em Belém é tema ainda pouco investigado na historiografia brasileira. Pensando


nisso é que este trabalho destina-se a entender a forma com a qual se organizam os
casamentos católicos ocorridos na cidade de Belém no período entre 1995 a 2006. A fonte de
dados utilizada para a sua elaboração se refere ao projeto de pesquisa “Casamento e famílias
em uma capital amazônica: estrutura e valores (Belém, 1995-2005)”. Através da mesma foi
possível analisar os registros de casamento das paróquias de São Pedro e São Paulo,
localizada no bairro do Guamá, de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, situada na
Pedreira, e de São Francisco de Assis, no bairro de São Brás. Nele o que se busca é a
discussão sobre a configuração das alianças estabelecidas nesta capital, tendo em conta a
preocupação com o perfil do matrimônio, sua a estrutura e a dinâmica demográfica existente
nos bairros no que se refere à migração e o período da vida em que os nubentes casam.
Destarte a ênfase sobre estas informações incidiu sobre as formas como os habitantes de
Belém vivenciam seus arranjos e também sobre as formas como selecionam seus parceiros
conjugais. Neste sentido leva em conta a maneira como estão inseridos os indivíduos no
conjunto das manifestações que envolvem o casamento e a forma como os mesmos, a partir
desse fenômeno, traduzem as escolhas sociais as quais são submetidos quando buscam a vida
conjugal.

Palavras-chave: 1.Casamento católico. 2. Migração. 3. Homogamia


11

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Freqüência dos casamento ocorridos nas paróquias segundo o dia do casamento.
Gráfico 2: Faixa etária dos nubentes ao casar.
Gráfico 3: Idade ao casar. Paróquia de SPSP.
Gráfico 4: Idade ao casar. Paróquia de NSCA.
Gráfico 5: Idade ao casar. Paróquia de SFA.
Gráfico 6: Distribuição dos nubentes segundo faixa etária e origem. Paróquia de SPSP.
Gráfico 7: Distribuição dos nubentes segundo faixa etária e origem. Paróquia de NSCA.
Gráfico 8: Distribuição dos nubentes segundo faixa etária e origem. Paróquia de SFA.
Gráfico 9: Distribuição dos nubentes nas paróquias segundo a faixa etária e origem.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Demonstrativo anual dos casamentos ocorridos em Belém (1999-2004).


Quadro 2: Distribuição percentual dos nubentes segundo o sexo e a faixa etária.
Quadro 3: Distribuição dos nubentes segundo o estado, região e país de origem.
Quadro 4: Distribuição dos casamentos na paróquia de SPSP - Guamá segundo o local de
residência dos nubentes (1995-2006).
Quadro 5: Distribuição dos casamentos na paróquia de NSCA - Pedreira segundo o local de
residência dos nubentes.
Quadro 6: Distribuição dos casamentos na paróquia de SFA – São Brás segundo o local de
residência dos nubentes.
Quadro 7: Distribuição dos nubentes segundo local de moradia em relação à paróquia. SPSP
Quadro 8: Distribuição dos nubentes segundo local de moradia em relação à paróquia. NSCA
Quadro 9: Distribuição dos nubentes segundo local de moradia em relação à paróquia. SFA

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Número de casamentos e porcentagem de dados válidos para cada uma das variáveis
segundo as paróquias. Belém, 1995 a 2006.
Tabela 2: Densidade demográfica do município de Belém: (2000-2005).
Tabela 3: Anos de estudo dos responsáveis pelos domicílios particulares permanentes
(Guamá).
12

Tabela 4: Domicílios particulares permanentes, por existência de banheiro ou sanitário e tipo


de esgotamento sanitário (Guamá).
Tabela 5: Anos de estudo dos responsáveis pelos domicílios particulares permanentes
(Pedreira).
Tabela 6: Domicílios particulares permanentes, por existência de banheiro ou sanitário e tipo
de esgotamento sanitário (Pedreira).
Tabela 7: Anos de estudo dos responsáveis pelos domicílios particulares permanentes (São
Brás).
Tabela 8: Domicílios particulares permanentes, por existência de banheiro ou sanitário e tipo
de esgotamento sanitário (São Brás).
Tabela 9: Demonstrativo anual dos casamentos ocorridos no município de Belém (1999-
2004).
Tabela 10: Freqüência dos casamentos ocorridos nas paróquias segundo o ano (Belém, 1995-
2006).
Tabela 11: Freqüência dos casamentos ocorridos nas paróquias segundo o mês.
Tabela 12: Freqüência dos casamentos ocorridos nas paróquias segundo o dia da semana.
Tabela 13: Faixa etária os nubentes ao casar.
Tabela 14: Média de idade de homens e mulheres.
Tabela 15: Perfil dos matrimônios quanto à idade dos nubentes.
Tabela 16: Distribuição dos nubentes segundo o sexo e a faixa etária.
Tabela 17: Origem dos nubentes.
Tabela 18: Origem dos nubentes segundo as paróquias.
Tabela 19: Origem dos nubentes segundo as meso-região do Estado do Pará.
Tabela 20: Migração intra-estadual do Estado do Pará. 1981-1991.
Tabela 21: Origem dos nubentes interestaduais e estrangeiros por paróquia.
Tabela 22: Taxa média geográfica de incremento anual da população, no município de Belém
– 1940/2000.
Tabela 23: População residente, segundo estado de nascimento e Região, na cidade de Belém
(PNAD – 2004).
Tabela 24: Distribuição dos nubentes segundo a origem e a faixa etária.
Tabela 25: Estrutura das alianças segundo a origem e o sexo dos nubentes.
Tabela 26: Principais tipos de alianças segundo a origem dos nubentes e paróquias.
Tabela 27: Estrutura das alianças envolvendo nubentes da capital e migrantes do interior.
Tabela 28: Estrutura das alianças envolvendo pessoas da capital e migrantes nacionais.
13

Tabela 29: Local de residência dos nubentes em relação à paróquia de SPSP, segundo o sexo.
Tabela 30: Distribuição dos nubentes da paróquia de SPSP entre os principais logradouros do
bairro do Guamá segundo a proporção de ocupação dos mesmo.
Tabela 31: Local de residência dos nubentes em relação à paróquia de NSCA, segundo o
sexo.
Tabela 32: Distribuição dos nubentes da paróquia de NSCA entre os principais logradouros do
bairro da Pedreira segundo a proporção de ocupação dos mesmos.
Tabela 33: Local de residência dos nubentes em relação à paróquia de SFA, segundo o sexo.
Tabela 34: Distribuição dos nubentes da paróquia de SFA entre os principais logradouros do
bairro de São Brás segundo a proporção de ocupação dos mesmos.
Tabela 34: Distribuição de casamentos comunitários e proporção dos mesmos em relação à
amostra geral por paróquia e bairro.

LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Área urbana do município de Belém.


Mapa 2: Bairro do Guamá no contexto metropolitano de Belém.
Mapa 3: Bairro da Pedreira no contexto metropolitano de Belém.
Mapa 4: Bairro de São Brás no contexto metropolitano de Belém.
Mapa 5: Estado do Pará e suas meso-regiões.
Mapa 6: Distribuição espacial dos homens que contraíram matrimônio na paróquia de São
Pedro e São Paulo.
Mapa 7: Distribuição espacial das mulheres que contraíram matrimônio na paróquia de São
Pedro e São Paulo.
Mapa 8: Distribuição espacial geral dos nubentes que contraíram matrimônio na paróquia de
São Pedro e São Paulo
Mapa 9: Distribuição espacial das mulheres que contraíram matrimônio na paróquia de Nossa
Senhora da Conceição Aparecida.
Mapa 10: Distribuição espacial dos homens que contraíram matrimônio na paróquia de Nossa
Senhora da Conceição Aparecida.
Mapa 11: Distribuição espacial geral dos nubentes que contraíram matrimônio na paróquia de
Nossa Senhora da Conceição Aparecida.
Mapa 12: Distribuição espacial das mulheres que contraíram matrimônio na paróquia de São
Francisco de Assis.
14

Mapa 13: Distribuição espacial dos homens que contraíram matrimônio na paróquia de São
Francisco de Assis.
Mapa 14: Distribuição espacial geral dos nubentes que contraíram matrimônio na paróquia de
São Francisco de Assis.

LISTA DE DESENHOS
Desenho 1: Distribuição dos nubentes em relação à paróquia de SPSP - Guamá, segundo a
localização no espaço urbano.
Desenho 2: Distribuição dos nubentes da paróquia de SPSP segundo a distância entre as suas
residências.
Desenho 3: Distribuição dos nubentes em relação à paróquia de NSCA - Pedreira, segundo a
localização no espaço urbano.
Desenho 4: Distribuição dos nubentes da paróquia de NSCA – Pedreira segundo a distância
entre as suas residências e distância média entre estas.
Desenho 5: Distribuição dos nubentes em relação à paróquia de SFA - São Brás, segundo a
localização no espaço urbano.
Desenho 6: Distribuição dos nubentes da paróquia de SFA - São Brás segundo a distância
entre as suas residências.

LISTA DE SIGLAS

SPSP: Paróquia de São Pedro e São Paulo

NSCA: Paróquia de Nossa Senhora da Conceição Aparecida

SFA: Paróquia de São Francisco de Assis

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

AEMB: Anuário Estatístico do Município de Belém


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................................... 03

Capítulo I - TRAJETÓRIAS PARA A PESQUISA............................................................. 08


1.1 Do estalo ao Eu intersticial ........................................................................................ 09
1.2 Metodologia de Investigação ..................................................................................... 16
1.2.1 Interdisciplinaridade .......................................................................................... 16
1.2.2 As Fichas de Casamento ................................................................................... 17
1.2.3 Qualidade dos Dados ........................................................................................ 19
1.2.4 Ética e (contra)tempos da pesquisa ................................................................... 21
1.2.5 Procedimentos adotados para observação da homogamia ................................ 22

Capítulo II – ESPAÇOS.......................................................................................................... 28
2.1 Os espaços urbanos onde ocorreram os casamentos................................................... 29
2.1.1 Belém................................................................................................................. 29
2.1.2 Guamá (Paróquia de São Pedro e São Paulo).................................................... 32
2.1.3 Pedreira (Paróquia de Nossa Senhora da Conceição Aparecida)....................... 36
2.1.4 São Brás (Paróquia de São Francisco de Assis)................................................. 39

Capítulo III – TEMPOS.......................................................................................................... 45


3.1 A freqüência dos casamentos...................................................................................... 46
3.1.1 Os anos do casamento........................................................................................ 46
3.1.2 Os meses do casamento...................................................................................... 49
3.1.3 Os dias da semana.............................................................................................. 50
3.2 Com que idade estamos casando?............................................................................... 52
3.2.1 Faixa etária dos nubentes................................................................................... 52
3.3 Idade ao casar segundo paróquia e bairro................................................................... 56
3.3.1 São Pedro e São Paulo-Guamá........................................................................... 56
3.3.2 Nossa Senhora da Conceição Aparecida-Pedreira............................................. 57
3.3.3 São Francisco de Assis-São Brás....................................................................... 57
3.4 Homogamia etária....................................................................................................... 59

Capítulo IV-MIGRAÇÃO E ORIGEM................................................................................. 61


2

4.1 Teorias sobre migração e origens dos nubentes.......................................................... 62


4.2 Migrantes quanto à origem em relação à meso-região do estado do Pará.................. 70
4.3 Migrantes quanto à origem em relação aos outros estados e regiões da federação e
74
também do exterior.....................................................................................................
4.4 Relação entre origem e faixa etária dos nubentes....................................................... 83

Capítulo V-ESTRUTURA DAS ALIANÇAS E HOMOGAMIA NA CIDADE................ 93


5.1 Estrutura das Alianças ............................................................................................... 94
5.1.1 Homogamia em relação à origem...................................................................... 94
5.1.2 Os casamentos heterogâmicos........................................................................... 97
5.1.3 Homogamia em relação à moradia..................................................................... 100
5.2 Estrutura das alianças por bairro................................................................................. 101

5.2.1 São Pedro e São Paulo – Guamá........................................................................ 101


5.2.2 Nossa Senhora da Conceição Aparecida – Pedreira.......................................... 105

5.2.3 São Francisco de Assis - São Brás..................................................................... 108

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................. 114

REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 117

ANEXOS................................................................................................................................... 119
3

APRESENTAÇÃO
4

Existem momentos na vida em que homens e mulheres deparam-se com a necessidade


de uma escolha: a partilha ou não do cotidiano via conjugalidade. Para o cientista social que
analisa tal fato à luz das dinâmicas envolvendo um grupo em particular ou vários através de
suas interações, esta escolha, que vem a ser definida pela instituição do casamento, adverte-
nos sobre um fenômeno que marca um importante passo dado pelos seres humanos em
direção a vida social. Fenômeno que, aliás, chega a ser considerado trivial entre determinados
grupos sociais. Para Gonçalves 1 atribuir ao tema tal trivialidade é de “um caráter peculiar na
medida em que, de certo modo, todos somos (ou nos consideramos) ‘autoridades’ no assunto
e, portanto, sempre temos algo a dizer [...]”.

O privilégio de estudá-lo, contudo, requer um estranhamento que sem dúvida descarta


qualquer possibilidade de torná-lo trivial ou mesmo comum. Pretende-se observa-lo deste
ponto de vista, sobretudo como um fenômeno marcado pelas singularidades da vida
individual, mas também por ser um importante recorte do universo social que envolve espaço-
temporalmente os habitantes da cidade de Belém no Estado do Pará. Neste sentido é
importante iniciar o trabalho destacando a categoria casamento como sendo um vínculo
estabelecido entre duas pessoas mediante o reconhecimento governamental, religioso ou
social 2 e que pressupõe uma relação interpessoal de intimidade, cuja representação
arquetípica são as relações sexuais.

Esta definição, porém não pretende ser a síntese dos múltiplos significados atribuídos
ao fenômeno do casamento, uma vez que este sofrera ao longo de sua trajetória importantes
mutações que podem ser iniciadas com a escolha do(a) parceiro(a) e sofrer as influências da
parentela. Para a escolha do cônjuge estes processos importam para na hora de compreender a
dinâmica atribuída pelos indivíduos ao seu papel e função diante da família, inicialmente, e
por conseqüência no interior de grupos mais amplos (amigos, vizinhança, etc). Algumas
dessas mutações tornaram-se importantes fontes de discussão e hoje são vistas tanto pela
ciência (psicologia, sociologia, demografia, história, antropologia) como em meio ao
conhecimento popular sob diferentes ópticas.

1
GONÇALVES, T. A. E o casamento, como vai? Um Estudo da conjugalidade em camadas médias urbanas.
(Dissertação) Mestrado em Antropologia Social. Belém: UFPA, 2000.
2
O reconhecimento social do casamento como elemento de estudo para as Ciências Sociais, reflete a atenção
dada ao grande número de uniões consensuais ocorridas no Brasil, um fenômeno com poucas chances de ser
estatisticamente analisado, devido ser muito dinâmico e não estar entre as três categorias de casamento
monogâmico formalmente reconhecidas pelo Direito Civil brasileiro: religioso (de caráter sacramental: Direito
Canônico), civil (estabelecido por Decreto) e religioso com efeito civil.
5

Empenho-me neste trabalho a discutir o casamento como um viés interpretativo da


cultura humana, seja por que através dele é possível observar a manifestação mais singular do
desenvolvimento de uma sociedade — a união dos indivíduos —, seja por que constitui uma
das principais unidades responsáveis pelo seu processo de reprodução 3. Cultura que não é um
conceito no qual devemos nos apoiar para identificar tal ou qual grupo, mas sim uma lente
que possibilita decifrar todo um sistema articulado de significados e que por isso nos ajudam
a compreender dinâmicas e transformações pelas quais passam uma ou várias sociedades em
diferentes locais e períodos da história, cujo surgimento, preservação e aprimoramento, se dá
através da comunicação e troca.
O presente estudo também se justifica pelo interesse em propiciar um maior
conhecimento sobre o atual contexto da sociedade belenense, tão marcada pela experiência
imigratória. Assim o que se aborda é a reprodução estritamente demográfica de sua população e
também da reprodução social, no sentido de que o processo de seleção dos nubentes revela
opções, preferências e também possibilidades (restrições e oportunidades) de determinados
grupos.
Por ser bolsista de iniciação científica do CNPQ e estar inserido na linha de pesquisa
“Cidade, Aldeia e Patrimônio” através do projeto “Casamento e famílias em uma capital
amazônica: estrutura e valores (Belém, 1995-2005)” 4 da Dr. Cristina Cancela enfatizo meu
estudo sobre a e na cidade. Observo para este fim o universo urbano de Belém, como espaço
de ação dos sujeitos e também do que pode ser considerado fenômeno matrimonial 5, que se
caracteriza por um determinado número de casamentos socialmente reconhecidos envolvendo
nubentes de uma determinada área em um período específico.
Pretendo viabilizar este trabalho considerando pertinente a evolução do termo
conjugabilidade enquanto um elemento importante para o estudo da família e do parentesco,
do ponto de vista da antropologia, sobretudo no que diz respeito à escolha do/a parceiro/a, o
que pode ser entendido à luz do universo matrimonial. Tratarei especificamente do período de

3
Neste sentido levar em consideração as produções interdisciplinares da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais (ABEP). Cf. GOLDANI, A. M. M.; WONG, L. R. Padrões e tendências da nupcialidade no
Brasil. In: Anais do II Encontro Nacional de Estudos Populacionais (ABEP), v. 1, 1980, pp. 343-415 e XAVIER,
I. B. A nupcialidade em família faveladas. In: Anais do V Encontro Nacional de Estudos Populacionais (ABEP),
v. 2, 1986, pp. 965-981.
4
CANCELA, C. D. “Casamento e famílias em uma capital amazônica: estrutura e valores (Belém, 1995-
2005)”. Projeto de Pesquisa vinculado ao Programa de Auxílio ao Recém-doutor (PARD). Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas/ Universidade Federal do Pará, Belém. Em desenvolvimento.
5
A idéia de usar esta expressão surgiu durante a elaboração da apresentação dos resultados preliminares da
pesquisa quando de minha participação na disciplina do mestrado do Programa de Pós Graduação em Ciências
Sociais da UFPA “Tópicos Temáticos: Métodos e Técnicas em Pesquisa Antropológica e Direito” ministrada
pela Prfª. Dra. Jane Felipe Beltrão.
6

transição entre os séculos XX e XXI, mais precisamente dos matrimônios católicos ocorridos
entre 1995 e 2006.
Portanto, as questões levantadas e os dados apresentados auxiliam o processo de
interpretação de uma especificidade da cultura urbana, aquela envolvida pelo fenômeno do
casamento, sobretudo no que diz respeito à relação que o mesmo estabelece com os dados
referentes à mobilidade espacial dos nubentes. Neste sentido pretende-se dialogar com uma
literatura que favoreça uma intervenção interdisciplinar sobre o objeto investigado.
A base empírica do trabalho é constituída por um conjunto de 1635 (mil seiscentos e
trinta e cinco) registros de matrimônio católico, todos ocorridos no período citado acima.
Estas informações foram levantadas nos assentos de matrimônio existentes nas secretarias das
paróquias de São Francisco de Assis (SFA), localizada no Bairro de São Brás, Nossa Senhora
da Conceição Aparecida (NSCA), localizada no bairro da Pedreira e São Pedro e São Paulo
(SPSP), localizada no Guamá 6.
O trabalho neste sentido se compõe de oito partes incluindo esta Apresentação cinco
capítulos, as Considerações Finais e os Anexos.
O Capítulo I aborda o processo de inserção na pesquisa e a formação da personalidade
de pesquisador em meio as contingências do campo acadêmico vivenciadas pelo autor, assim
como as metodologias utilizadas para a realização da investigação.
O Capítulo II analisa os espaços dos bairros onde ocorreram os casamentos, de acordo
com as paróquias localizadas em seu interior. Para cada bairro estudado foram utilizadas
informações censitárias relativos à sua composição demográfica, distribuição de renda,
instrução e urbanização.
O capítulo III procura entender o tempo dos casamentos a partir da sua freqüência em
relação aos anos, meses e dias da semana em que ocorreram. Nele é também analisada a idade
dos nubentes segundo o sexo e de acordo com as faixas etárias correspondentes.

6
É importante considerar que o levantamento do material realizado para a execução do Projeto de Pesquisa e
analisado neste trabalho diz respeito única e exclusivamente aos registros religiosos da Igreja Católica. Este foi
também um procedimento adotado por CANCELA, C. D. Casamento e relações familiares na economia da
borracha (Belém, 1870-1920). (Tese) Doutorado em História Econômica. São Paulo: Universidade de São Paulo
(USP), 2006. Para que não se imponha uma interpretação anacrônica em relação ao seu estudo é necessário
admitir que atualmente o prestígio do casamento religioso feito pela Igreja Católica se esvaeceu, embora ainda
faça parte dos planos de sua população. Competem com ele outras formas aliança que, embora não sejam
admitidas enquanto "oficiais" para um ou outro segmento, são significativos indícios das mudanças promovidas
pelo processo de secularização imposto pelo Estado republicano através do casamento civil (Decreto nº 181, de
24 de janeiro de 1890), pela ampliação da presença de outras formas de manifestação religiosa e pelo aumento de
uniões consensuais (que se instituem ora pela ausência de recursos econômicos capazes de custear o rito, ora
pela sua re-significação no interior de certos grupos e relações sociais).
7

O Capítulo IV busca interpretar a migração existente em Belém através da origem dos


nubentes segundo as paróquias em que estes casaram. Também é discutida a relação existente
entre as informações obtidas como resultado desta análise e a faixa etária do nubente.
O Capítulo V encerra a interpretação sobre os registros de casamento analisando a
estrutura das alianças do ponto de vista da homogamia em relação à origem e ao local de
residência dos nubentes.
As considerações finais têm por objetivo discutir as informações obtidas e estabelecer
relações entre elas que contribuam para interpretar a dinâmica matrimonial existente no
espaço urbano de Belém.
8

CAPÍTULO I
TRAJETÓRIAS PARA A PESQUISA
9

1.1 DO ESTALO AO EU INTERSTICIAL


Ao longo dos anos de graduação é-nos muito firmemente cobrado método e
imparcialidade diante dos fatos que investigamos, ainda que isso seja difícil de se constituir na
sua totalidade, posto que entre o nós e a pesquisa sempre haverá os imponderáveis.
A imponderabilidade do ato de pesquisa, por ventura, impõe sobre nós um espírito de
curiosidade inalienável. Comparei meu caso àquele etnografado por Malinowski, quando o
mesmo parte em direção a uma terra longínqua e desconhecida da literatura científica (as ilhas
Trobriand, no sul do Pacífico ocidental). Aquele espaço fazia parte apenas dos interesses do
Império Britânico, mas também contribuiu para promover uma revolução metodológica no
campo da antropologia. Este polonês efetuou um estudo até então inimaginável para a
antropologia da época, sobre a realidade dos “nativos” a partir de seu locus de ação com base
na ousada experiência de campo. Contudo ele, que hoje vem a ser considerado fundador do
método etnográfico e um dentre os clássicos da literatura antropológica e membro imponente
(embora criticado) deste Partenon científico, devido à rica abrangência e disseminação de sua
obra acerca do método funcionalista, fora execrado por seus pares tanto na London School of
Economics quanto em Oxford e Cambridge. Teve também fatídica experiência de encontrar
seu nome relacionado aos de romancistas de sua época, algo que abominava 7.
Embora tenha sido execrado por minha família por, não só, ter escolhido o curso de
Ciências Sociais como ser um profissional que “ninguém sabe o que faz”, não desanimei, e
em vez de ir para muito distante afastando-me das criticas, resolvi ficar e olhar para o lado
buscando me ver no que via. Contudo isso requeria um distanciamento semelhante ao que fora
efetuado pelo Professor Malinowiski. Observei “daí e daqui” que o espaço de atuação-
vivência do qual o pesquisador em formação faz parte é um ambiente recheado de símbolos e
um importante assunto a se investigar, já que o faz atrever-se a caminhar entre dois mundo (o
seu e o dos outros). Dessa ambígua forma de ver o mundo é que me disponho a considerar que
há um investimento pessoal por parte do iniciado a formar uma outra identidade, a do
pesquisador.
Sobre isto é relevante considerar que a experiência de mirada científica sobre a
realidade local, inclusive do grupo no qual o pesquisador encontra-se inserido, é fruto ainda
da própria história de desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil, e neste sentido, de uma
ciência em constante construção, que problematiza os seus objetos de pesquisa sobre uma

7
Para que se possa obter uma melhor compreensão do contexto institucional no qual se desenvolveu a obra de
Malinowski pesquisar KUPER, Adam. Antropólogos e Antropologia. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978;
para entender as críticas a Malinowski ver KUPER, Adam. Histórias Alternativas da Antropologia Social
Britânica. Etnográfica, Vol. IX (2), 2005, pp. 209-230.
10

base epistemológica formulada a partir de inúmeras experiências de vida, incluindo aí a


acadêmica. Portanto, falar de casamento ou família de um ponto de vista cuja crença científica
exige neutralidade e objetividade é atirar nos próprios pés, visto que a identidade do
pesquisador, as escolhas teóricas e, sobretudo o seu inconsciente está envolvido pelo contexto
do qual fala e pensa. Apropriar-se desta noção é promover a compreensão dos modelos de
análise, que embora possam ser lentes produzidas por métodos científicos para analisar certas
realidades são também resultado de distintas formas de lapidação, e que podem envolver
gostos, preferências, valores, visões de mundo. Um exemplo evidente disto é o próprio caso
de inserção e desenvolvimento da Antropologia no Brasil.
Ao contrário do que havia ocorrido na Europa, e também nos Estados Unidos com os
herdeiros do método de Boas, o estabelecimento de uma ciência antropológica brasileira, se
deu pela sua capacidade de olhar os outros a partir do seu próprio contexto territorial, quer
sejam grupos “tradicionais” e até mesmo urbanos, portanto a partir de um olhar pra dentro,
diferentemente daquilo que nossos “ancestrais” fizeram, quando investigavam seus “objetos”
através de pesquisas no além-mar. Surgiu daí um paradigma epistemológico que influencia a
observação do campo de estudos da antropologia brasileira que considero estruturado segundo
a paráfrase “Antropologia de fundo de quintal” 8.
Dentre os autores que me possibilitam enfatizar esta observação está o trabalho de
Viveiros de Castro denominado “O campo na selva visto da praia”9 em que o mesmo analisa a
existência de uma antropologia brasileira como parte do processo de desenvolvimento da
ciência no Brasil, isto é, importação de intelectuais europeus na década de 30, que além de
contribuírem para a fundação da Universidade de São Paulo também aproveitavam um
oportunidade para fugir da Grande Guerra, como Donald Pierson, Radclif-Brown, Lévi-
Strauss, Roger Bastide, entre outros, e a constituição de uma antropologia no Museu Nacional
do Rio de Janeiro preocupada com o processo de extermínio dos grupos tradicionais, que
ainda sobreviviam ao contato com o Estado e os valores cristão-ocidentais do homem branco,
e que com o Professor Roberto Cardoso de Oliveira passa a ser considerado como fricção

8
A primeira vez que utilizei este termo foi durante a palestra “Trajetórias em Antropologia” proferida pelo
professor Doutor Roque de Barros Laraia, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFPA (25.09.2007).
Questionei-o sobre a trajetória da antropologia no Brasil e no que ela se diferenciava das outras ocorridas tanto
nos Estados Unidos quanto na Europa, a saber, precursoras de “Africanismos, Oceanismos, Orientalismos”, que
se diferenciavam da Antropologia Brasileira considerada por Viveiros de Castro (1992) como estrutural-
culturalista, já que apresentava ao contexto antropológico mundial pesquisadores que investigavam as suas
próprias contingências.
9
Artigo publicado na Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 170-190 e está
disponível no site http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/103.pdf.
11

interétnica 10. Além disso, há de se considerar que o valor e sentido da ciência no território
brasileiro sofre com as idiossincrasias de classe e com o próprio processo de formação de uma
cultura intelectual, que é tão restritiva e desigual quanto a econômica, de tal forma que há um
paralelo entre ambas capaz de classificar o Brasil tanto como dependente quanto marginal em
relação aos grandes centros financeiros e de prestigio intelectual do planeta.
Destarte, considero que minha experiência de vida como brasileiro que desenvolve,
através da educação um alpinismo social, está envolvida por essas idiossincrasias, e muitas
outras, que por sinal revelam não só o campo e seu labirinto, mas os conflitos históricos pelos
quais os sujeitos, que almejam partilhar com dignidade da vida intelectual migrando das
camadas mais pauperizadas da população, tem de passar até alcançar seus objetivos.
Um ponto chave desse trabalho e que considero pertinente quando relacionado à
problemática em discussão é a própria abordagem que dou ao termo “migrar”. Sou migrante
e, sobretudo, um migrante filho de nordestinos e rurais que percebeu haver a existência de
uma transferência de valores, idéias, gostos e sentidos para a metrópole, que não só
representava o meu olhar quando mudei de Castanhal com mala e sanfona 11 para Belém, mas
o de um grupo estereotipado e generalizado, os nordestinos. As minhas primeiras impressões
ao entrar em contato com a população da cidade é a de que estes são vistos como retirantes e
inconvenientes grupos migratórios, assim como protagonistas do cenário envolvendo a cidade
e o país principalmente no que diz respeito a pobreza, a marginalidade e a violência.
Por ter sido exotizado por meus colegas no início do curso devido a fala, o traje e o
comportamento “diferente” fui seduzido pelo tema da identidade do migrante tendo, inclusive,
recebido o convite para apresentar um breve estudo sobre este fenômeno na Assembléia
Legislativa do Estado do Pará. Mas a aproximação com o ambiente político e os conflitos que
este encerra dentro de um curso onde “não se pode ser um sem ser inimigo” me afastaram de
um aprofundamento nesta discussão, muito embora insistisse por entender os seus efeitos
sobre a população nordestina que habita a cidade.

10
CARSODO DE OLVEIRA considera fricção interétinica “o contato entre grupos tribais e segmentos da
sociedade brasileira, caracterizados por seus aspectos competitivos e, na maioria das vezes, conflituiais,
assumindo esse contato muitas vezes em proporções ‘totais’, envolvendo toda a conduta tribal e não tribal que
passa a ser moldada pela situação de fricção interétnica. Entretanto, essa ‘situação’ pode apresentar as mais
variadas configurações (...) Desse modo, de conformidade com a natureza sócio econômico das frentes de
expansão da sociedade brasileira, as situações de fricção apresentarão aspectos específicos” (CARDOSO DE
OLIVEIRA, R. “Problemas e hipóteses relativos à fricção interétnica”. In: A sociologia do Brasil Indígena. Rio
de Janeiro: Tempo Universitário, 1978. )
11
O uso desta expressão se dá pelo contraste com o habitualmente ouvido na cidade de Belém onde se enfatiza
que uma mudança envolve a cuia (artefato utilizado principalmente para tomar o tacacá, prato típico da região, e
banhar-se) : “mudar de mala e cuia”. Castanhal dista cerca de 70Km da capital, Belém.
12

Iniciei por causa disso o que considero minha carreira acadêmica de pesquisador
esboçando alguns estudos sobre as práticas e representações dos feirantes da Feira da Prainha
(localizada no bairro do Entroncamento, em Belém) durante o processo de transferência de
patrimônio familiar (bancas, barracas, clientes, ponto, crédito). Percebia que haviam muitos
migrantes nordestinos ou filhos de migrantes. Daí o estalo. Contudo, fui orientado a
desenvolver um artigo sobre a temática “espacialidade”, descrevendo, à maneira geertziana 12
(etnografia com base numa descrição densa) todo o seu ambiente, o complexo organizacional
que a engendrava, a estrutura das barracas, os hábitos e performances dos feirantes, clientes e
passantes, suas falas e toda uma teia de significados que somente após o desfecho do trabalho
comecei a entender.
Dessa experiência tive o mérito, e por que não dizer a honra, de estar em meu primeiro
congresso acadêmico 13. Dali em diante não só me encontrei no campo, como também vi que o
mesmo a cada dia me encontrava e me envolvia, e passei desde então a ser orientado pelo
desejo de participar, escrever, apresentar, e principalmente desafiar o medo que toma conta de
nossos espíritos e corpos ao longo da graduação.
Embora não possuísse uma bolsa e sofresse com os imponderáveis do cotidiano
acadêmico, como a falta de recursos para obtenção de livros e/ou apostilas, a inacreditável
deficiência da Biblioteca Central em fornecer livros (isso quando possuía) capazes de
auxiliarem-me na realização de minhas pesquisas, os conflitos existenciais que as leituras
provocam em nosso ser e na forma com que passamos a ver o mundo “lá fora”, procurava
compensar desafiando tais obstáculos e com muita criatividade inserindo o novo em minhas
primeiras análises sociológicas. Um desses empreendimentos merece uma breve citação por
ter ocorrido durante o contexto da disciplina Didática Geral 14, do qual era o único aluno de
Ciências Sociais de uma turma absolutamente formada por graduandos do curso de música.
Naquela ocasião foi-nos recomendado como requisito para a avaliação final o
desenvolvimento de uma aula sobre um tema da área em que estávamos nos formando e que
poderia ser aleatoriamente escolhido por nós. Tendo levado em conta a necessidade por

12
GEERTZ, C. Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura. In: GERTZ, C. A interpretação
das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
13
Tratasse do Primer Congreso Latinoamericano de Antropologia ocorrido em Rosário, Argentina (2005), no
qual apresentei o artigo “‘O meu pedaço é na Prainha’: conflitos e espacialidades de uma feira paraense” no
Grupo de Trabalho “Mercados e cidades: conflitos de urbanidades e concepções do público na especialização das
práticas sociais e econômicas” e que foi coordenado pelos professores Marco Antonio da Silva Mello (UFF) e
Luis Roberto Cardoso de Oliveira (UnB).
14
Disciplina ministrada pela saudosa professora Dra.Wilma Baia Coelho a quem devo com muita satisfação
meus mais sinceros agradecimentos, uma vez que fora ela quem pela primeira vez me mostrou o real sentido das
palavras determinação e competência.
13

traduzir o que sabia sobre música resolvi, caprichosamente, falar de Mozart e do Jazz.
Consegui, embora estivesse apreensivo sobre a avaliação que a professora faria sobre tal feito,
e conquistei importantes amizades com aqueles alunos, que embora expressassem não
compreender o que de fato eu estudava terminaram por me mostrar que a interdisciplinaridade
é algo fundamental em nossa formação acadêmica. Interdisciplinaridade essa que procurei
transferir para o presente trabalho não só através da metodologia aplicada, mas também da
valorização às categorias e conceitos de áreas afins.
No entanto, tomar consciência disso demorou tempo. Entender-me diante do campo
era dialogar com seus obstáculos e isso só foi possível após algumas frustrantes tentativas 15
de inserção em linhas de pesquisa da Universidade Federal do Pará. Talvez essa insistência
por tentar forçou-me a compreender que uma seleção para pesquisa representava um objetivo
pessoal. Após entender que um objetivo deste porte requer alguns abandonos e deixas, refleti
sobre a possibilidade de trabalhar com um tema assaz novo em minha trajetória acadêmica:
casamento e família. Havia sido, nesta ocasião, selecionado para o projeto “Casamento e
família em Belém: estrutura e valores (1995-2006)” da Prof. Dra. Cristina Donza Cancela. A
experiência de pesquisa “oficial” trouxe á tona não mais uma curiosidade por descobrir, mas
por tentar entender, como diria Geertz, que diabos as pessoas (incluindo eu) acham que estão
fazendo 16. Daí em diante passei a perceber como era vasto e distante o novo mundo em que
aportava.
Com o aparecimento da oportunidade de trabalhar com esta pesquisa surgiram as
seguintes indagações: será que eu tenho alguma coisa haver com esse tema? Será que eu vou
dar conta? O que eu entendo por casamento e família? Algumas questões envolvendo estas
problemáticas requerem uma análise para além do eu intersticial por que dizem respeito ao
método e a teoria pesquisada, e isto ocorrerá no capítulo em que abordo a metodologia de
pesquisa.
Em seguida a seleção fui “apresentado” à área. Iniciei as leituras recomendadas, assim
como uma profunda reflexão sobre o tema. Minha primeira pergunta naquele momento foi:
por que as pessoas casam? Algumas respostas encontrei nos livros, outras foram surgindo
com as conversas que estabelecia com amigos e parentes, contudo as mais significativas
15
Para ser mais claro, obtive algumas oportunidades nada confidenciáveis que foram abruptamente necessárias
para que eu, enquanto um aluno disposto a penetrar o mundo científico, entende-se o campo acadêmico como um
espaço político envolvidos por conflitos de poder, onde as pessoas que transitam por ele estão envolvidas
também por seus respectivos interesses pessoais. Essa compreensão foi necessária para que eu, tolo, aguçasse
meus sentidos em relação à elas, separando, assim, o joio do trigo na hora de realizar minhas escolhas
intelectuais.
16
GEERTZ, C. Do ponto de vista dos nativos. In: O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa.
Petrópolis, Vozes, 1997.
14

obtive quando num curto período de tempo pude vivenciar todo o processo matrimonial
envolvendo dois parentes patrilineares .
É necessário que se diga que ambos os matrimônios envolviam famílias de migrantes
que se caracterizam primordialmente pela realização (e valorização) de uniões matrimoniais
entre grupos familiares das classes médias da capital, Belém, e da cidade de Castanhal. Casar,
naquele contexto, significava um contrato que, de acordo com minha observação e as falas
dos envolvidos ao longo de todo processo do consórcio, favorecia economicamente tanto os
pares quanto os interesses das suas famílias; isto por que pela legalidade do acordo firmado
garantiam a manutenção de determinados bens materiais e simbólicos, expansão da rede de
aliança, assim como a geração de novos “lucros 17” através desta relação. O cenário
econômico em que atuam as famílias diz respeito a setores comerciais, como supermercado,
consórcio e venda de carros, boutique e madeireira.
Em uma das ocasiões envolvidas pelo rito matrimonial percebi que o pai do noivo,
depois de arrumado e pronto para ir à capela onde ia ser realizada a cerimônia, respirou
profundamente e, levantando seu olhar para o teto, praguejou: “agora tá na hora de eu
entregar o burro pra carga”. Esta fala marcou uma importante fase da pesquisa, isto é, a de
interpretar o casamento como uma categoria utilizada para legitimar a união entre indivíduos
e seus respectivos grupos de filiação, ou seja, famílias.
Percebi com isto que “o dar conta” ou “ter algo a ver” com o trabalho (minhas
preocupações iniciais) sofria de perguntas erradas. A questão principal é “que oportunidades
e obstáculos o campo cria em meu desenvolvimento intelectual e pessoal?”.
Do lado intelectual pesa a tradição do método, ou seja, só vou compreender o campo
lendo, questionando, refletindo, indo a campo e, particularmente, escrevendo. Já do lado
pessoal que não se define sem a estreita relação com o anterior pesa a relação com os outros, e
neste caso com as outras, que num ou noutro momento apresentam-se declaradamente
surpresos com o fato de um homem estudar e principalmente se interessar pela temática
gênero! Não é interessante para o trabalho destacar o conflito existente nesta área, onde não
só as muitas autoras mais o meio acadêmico em si acabam deixando claro o sectarismo
envolvendo os sexos, mas é importante que se destaque a sua relevância envolvendo meu

17
Considerar que existem lucros com o casamento não é atribuir um desfecho utilitarista para a relação de
casamento nem atribuir-lhe um sentido econômico — embora seja possível e difícil negar —, mas é considerar
que existem ganhas e perdas. Em ambos os casos ficou claro (apesar de não se ter produzido nenhuma descrição
densa em relação ao assunto) que casar proporcionava um lucro já que atendia necessidades específicas de
ampliação da rede de relações comerciais assim como de auto-afirmação das famílias e dos seus interessados
diretos, os noivos.
15

crescimento pessoal e por conseqüência aqueles que num mundo machista e violento me
cercam e vêem minhas idéias como uma coisa “boa para pensar”.
16

1.2 METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO


Identificar, qualificar, discutir a obtenção dos dados e sua instrumentalização fazem
parte desta sessão. Nela encontra-se enfatizado o procedimento utilizado durante a coleta e
organização dos mesmos, assim como as circunstâncias que nos levam a crer que para além
de uma pesquisa objetiva, cujo propósito principal fora a de realizar um levantamento
estatístico, este processo não poderia ocorrer sem uma flexibilização no olhar, no ver, no
entender que os valores, números e estratégias de interpretação dos mesmos estão marcados
pela trajetória percorrida dentro da pesquisa e que muitas das vezes estão envolvidos por uma
reflexão interior, por uma objetividade recheada de interesses subjetivos. Discorre-se também
sobre a pesquisa bibliográfica realizada e as metodologias que nortearam a compreensão
teórica sobre o assunto.

1.2.1 Iinterdisciplinaridade
Para dar conta da discussão é importante destacar que a intenção de trabalhar
interdisciplinarmente não é a de abordar o tema pegando um pouco disso, um pouco daquilo,
misturar bem (ou mal) e, “voilá, eis um trabalho interdisciplinar!” Mas sim evidenciar a
exuberância do objeto e a sua capacidade em promover um diálogo entre áreas que embora
atuem na disciplina de suas especificidades possuem pontos em comum. Levando em
consideração a problemática proposta por Burity 18 sobre este procedimento afirma-se que as
contribuições de um trabalho deste tipo envolve 1) a integridade e especificidade "originais"
das disciplinas utilizadas quando objetiva contribuir num campo que lhes é estranho, porém a
partir de seu próprio "jeito de ser", chamando a si a hegemonia do discurso sobre o objeto; 2)
a capacidade de misturar abordagens e técnicas de investigação "pertencentes" a disciplinas
distintas, como possibilidade de perceber a complexidade do objeto (ou de sua inserção no
real) e a necessidade de adequação da metodologia e teoria às mudanças historico-sociais; 3) a
possibilidade de retomada do projeto totalizante da ciência como reveladora da racionalidade
intrínseca do real - a interdisciplinaridade repondo a idéia de um super- ou meta-discurso
sobre o real que consegue apreendê-lo em todas as suas particularidades e reentrâncias; 4) a
identificação de novos objetos, novas questões e novas abordagens, que constituiriam um
terreno irredutível ao "próprio" de cada disciplina, requerendo das mesmas que se descentrem,
ou se pluralizem, para darem conta do novo; e 5) a estratégia de questionamento da lógica

18
BURITY, J. A. Interdisciplinaridade, discurso e diálogo. In.: Anais do Simpósio Interdisciplinaridade em
questão. Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 1998, pp. 53-81.
17

disciplinar e dos arranjos institucionais por ela produzidos, que opera a partir de um lugar
disciplinar, sem contudo deixar de fazer-lhe violência, expandindo e contraindo suas margens
de modo a produzir efeitos políticos no campo do saber (tanto o campo coberto pelo saber
quanto as instituições que velam pela produção do saber) 19.
O primeiro efeito desta perspectiva diz respeito à coleção dos dados, isto por que o
método utilizado, ou seja, o levantamento dos registros paroquiais é um tipo de procedimento
que assemelha-se ao método elaborado pela Demografia Histórica, ciência que desponta na
metade do século XX quando Goubert organiza um estudo sistemático de demografia sobre o
contexto francês do século XVII, tendo como base os registros eclesiásticos de batizados,
casamentos e óbitos. Esta iniciativa foi posteriormente adaptada por Henry, que desde então
passou a ser considerado o mentor do método de reconstituição de famílias. Sua proposta
inicial era desenvolver um método minucioso de levantamento e análise dos antigos registros
com a finalidade de transformá-los em dados demográficos básicos sobre micropopulações.
Havia proposto, pois, uma coleta individual por ato e o posterior cruzamento das
informações 20. No entanto pelas características que marcam o desenvolvimento da pesquisa e
a elaboração deste trabalho não serão realizadas as reconstituições de famílias, mas apenas
utilizado o sistema de coleta das informações elaborado por estes autores.

1.2.2 As Fichas de Casamento


Ao abordarmos o levantamento dos dados estamos exigindo esforços para a
compreensão do processo de coletagem dos mesmos. Para isto é necessário que se trate
previamente das “Fichas de Casamento”, o instrumento de trabalho que fora confeccionado
para a realização da pesquisa no local onde são analisados os Livros de Casamento, isto é nas
secretarias das paróquias 21.

19
BURITY, Joanildo. op. cit. pp. 16-8
20
Para uma análise pontual envolvendo os conceitos, os métodos de coleta de dados e a história de formação da
Demografia Histórica tanto na Europa como no Brasil ver MARCÍLIO, M. L. (org.). Demografia histórica:
orientações técnicas e metodológicas. São Paulo: Pioneira, 1977. Sobre o levantamento dos registros paroquiais
e a técnica de reconstituição de famílias ver HENRY, Louis. O levantamento dos registros paroquiais e a
técnica de reconstituição de famílias, nesta mesma coletânea (pp. 41-63). A discussão sobre o método utilizado
por Henry é feita por SCOTT, A. S. V. & SCOTT, D. Cruzamento Nominativo de Fontes: desafios, problemas e
algumas reflexões para a utilização dos registros paroquiais. In: Anais do XV Encontro Nacional de Estudos de
População (ABEP). Caxambu / Minas Gerais, setembro de 2006. É preciso salientar que, embora a metodologia
de reconstituição de famílias de L. Henry não seja utilizada neste trabalho, ela serve como referência na
abordagem do tema, uma vez que este pesquisador é considerado o mais expressivo expoente deste tipo de
análise demográfica.
21
As secretarias as quais cito são espaços destinados à visita e consulta dos livros de casamento, batismo, etc.
por parte da comunidade. Em alguns dos casos (paróquia de São Pedro e São Paulo) a secretaria por ser o mesmo
espaço de trabalho das secretárias, o tornava pequeno para a realização do levantamento dos dados, neste caso a
pesquisa se dava no gabinete do pároco.
18

As fichas possuem campos que devem ser preenchidos com os seguintes dados:
a) Igreja ou paróquia da qual o Livro de Casamento pertence;
b) Data do casamento;
c) Local onde foi realizada a cerimônia;
d) Se fora ou não um casamento in extremes 22;
e) Se fora não um casamento com efeito civil;
f) Nome dos noivos;
g) Condição dos noivos (se solteiro ou viúvo) 23;
h) Idade dos noivos;
i) Atividade dos noivos;
j) Nome do pai e da mãe dos noivos;
l) Origem dos noivos;
m) Local e igreja onde foi realizado o batizado dos noivos;
n) Moradia dos noivos; e
o) Observação 24.
Este procedimento foi adotado por Cancela 25 e Conceição 26 . A primeira fundamentou
sua análise a partir dos registros matrimoniais elaborados entre as décadas de 1870 a 1930 na
cidade de Belém/PA e o segundo abordou as Habilitações de casamento da cidade de São
Carlos/SP produzidas entre os anos de 1890 e 1939. Muitos mecanismos de organização e
seleção do material compilado utilizados neste trabalho se assemelham aos que estes autores
utilizaram em suas abordagens, o que em geralprovocou a comparação dos resultados obtidos
e com isto a observação de algumas nuances envolvendo a qualidade dos dados 27.

22
É um termo que se refere ao casamento realizado entre pessoas das quais uma encontra-se sob risco de morte
ou em estado de decrepitude. Em geral são realizados em hospitais ou na própria casa dos indivíduos e ocorrem
conjuntamente com a entrega da extrema-unção.
23
Ao longo da pesquisa observou-se a necessidade de inclusão do termo “divorciado” devido este aparecer em
muitos registros analisados.
24
Este campo em geral é utilizado para anotar certos eventos ou atos ocorridos durante o processo de registro do
casamento no Livro de Casamento, tais como “casamento anulado”, “apresentaram o registro civil de
casamento”, “casados no civil em...”, “eram vizinhos”, etc. Serve também para designar se os nubentes moravam
ou não juntos, o que dá para ser definido comparando as moradias de ambos.
25
CONCEIÇÃO, S. Imigração e casamentos: ocaso de São Carlos (1890 a 1939). (Dissertação) Mestrado em
Ciências Sociais. São Carlos: UFSCar, 2004.
26
CANCELA, C. D. op. cit.
27
Genericamente, quando tratamos da qualidade dos dados de uma pesquisa de levantamento de dados, tal como
esta, devemos ter em mente que a qualidade das informações fornecidas e anotadas dependem, e muito, da
pessoa que preenche os documentos e da condição social das pessoas que estão se casando.
19

1.2.3 Qualidade dos Dados


Embora existam campos destinados ao preenchimento do que lhe cabe em tese, não
são raras as ocasiões em que grande parte do observado não correspondem necessariamente
ao que se previa obter. Por razões que nos escapam à interpretação fica clara algumas
diferenças entre uma paróquia e outra, sobretudo no que diz respeito a condição e local de
moradia dos noivos. Contudo no que tange aos dados relativos às informações gerais como
data, local da cerimônia, tipo de casamento (religioso com efeito civil ou não) e nome dos
noivos, dados inevitavelmente necessários, houve uma preocupação significativa em deixá-los
expressos em sua totalidade.
20

Tabela 1: Número de casamentos e porcentagem de dados válidos para cada uma das variáveis
segundo as paróquias. Belém, 1995 a 2006.
 

Paróquias SFA NSCA SPSP


Número de casamentos 840 491 304
Data do casamento 100% (840) 100% (491) 100% (304)
Local do casamento 100% (840) 100% (491) 100% (304)
Casamento com efeito civil 100% (840) 100% (491) 100% (304)
Nome do noivo 100% (840) 100% (491) 100% (304)
Nome da noiva 100% (840) 100% (491) 100% (304)
Condição do noivo 52% (435) 38% (319) 13% (41)
Atividade do noivo 6% (53) 0% (0) 0% (0)
Idade do noivo 100% (840) 100% (491) 100% (304)
Nome do pai do noivo 95% (797) 91% (448) 90% (273)
Nome da mãe do noivo 99% (839) 100% (491) 100% (304)
Origem do noivo 95% (796) 99% (487) 99% (303)
Local de batizado do noivo 85% (712) 95% (466) 89% (271)
Igreja (onde ocorreu o batizado do noivo) 75% (629) 88% (432) 71% (217)
Moradia do noivo 49% (414) 98% (484) 99% (301)
Condição da noiva 52% (435) 65% (318) 13% (38)
Atividade da noiva 5% (42) 0% (0) 0% (0)
Idade da noiva 99% (838) 99% (489) 99% (301)
Nome do pai da noiva 94% (793) 92% (454) 90% (273)
Nome da mãe da noiva 99% (833) 100% (491) 100% (304)
Origem da noiva 91% (763) 99% (485) 99% (302)
Local de batizado da noiva 85% (712) 97% (477) 91% (278)
Igreja (onde ocorreu o batizado da noiva) 79% (664) 91% (449) 78% (236)
Moradia da noiva 42% (352) 65% (320) 99% (301)
Fonte: Livros de casamento das paróquias São Francisco de Assis, Nossa Senhora da Conceição
Aparecida e São Pedro e São Paulo (Belém, 1995-2006).

Em diversas oportunidades foi possível constatar uma grafia ilegível, em outras


alguns dados suprimidos favoreciam a interpretação de que, pela freqüência, queriam
dizer mais do que absolutamente não constar, como por exemplo, em relação ao “Nome
do Pai”. A ausência do preenchimento desse item pode estar indicando que a filiação
paterna dos nubentes é algo desvalorizado entre os respectivos grupos que habitam os
21

bairros quer por se tratarem de filhos nascidos ilegitimamente, quer pelo abandono
realizado pela população masculina. A paróquia de São Pedro e São Paulo localizada no
bairro do Guamá neste sentido apresentou um índice que margeia os 10% tanto em
relação ao pai do noivo quanto da noiva 28.
Alguns dados, em contrapartida, eram aparentemente dispensáveis, sobretudo no
que se refere às mulheres, o que dá margem a interpretação de que estas informações
são pensadas como menos relevantes do que as referentes a população masculina. É o
caso de um dos Livros de Casamento da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição
Aparecida, na Pedreira, cujas informações relativas às nubentes do sexo feminino
passaram a ser desconsideradas a partir da abertura do novo livro de casamento, em
outubro de 2002. Havia nele apenas espaço para inclusão do nome. Este também foi o
único em que encontrou-se um espaço destinado a inclusão do novo nome da noiva, isto
é, aquele em que é exigida a alteração do seu nome em função do casamento 29.

1.2.4 Ética e (contra)tempos da pesquisa


Vale frisar que em nenhuma das ocasiões do trabalho será citado o nome ou
sobrenome de qualquer um dos nubentes ou seus pais. Isto, por sinal, foi ao longo da
pesquisa um dos elementos que mais atrasou a sua realização, devido ser, do ponto de
vista dos párocos, um impeditivo ético, já que envolvia a identidade dos cônjuges. Em
todas as ocasiões nas quais fui designado para estabelecer contato com os/as
secretário/as das respectivas paróquias percebi o procedimento “chá de cadeira” — era
solicitado que eu esperasse o pároco responsável analisar a questão (isso poderia
demorar dias ou semanas) —, que se estendia ainda mais quando solicitava emergência
na liberação do espaço para pesquisar os Livros de Casamento.
Neste sentido o tempo da pesquisa fora um elemento que mereceu sua devida
atenção, já que, pelas circunstâncias de trabalho e desenvolvimento da investigação,

28
As ausências do nome do pai se reproduzem nos dados relativos às outras duas paróquias só que em
menor escala. Para a paróquia de São Francisco de Assis, localizado em São Brás, o índice analisado
chegou a 4%; já em relação à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Pedreira, tal índice
alcançou os 6%. Vale frisar que em apenas nove casos do total geral da amostra foi constatada a ausência
do nome da mãe.
29
Nestes casos podem ocorrer dois processos: 1) o nome da noiva (por exemplo, Maria Eduarda da Silva
Teixeira) tem substituído o sobrenome referente à mãe (Teixeira) pelo sobrenome referente ao pai do
noivo (se neste caso for, por exemplo, Rafael Andrade de Albuquerque), o que a tornaria Maria Eduarda
da Silva Albuquerque; 2) Houve também casos em que, se apropriando dos mesmos exemplos, foi
possível observar a inclusão do sobrenome do noivo referente ao seu pai ao nome da noiva. Aludindo o
exemplo anterior a mesma nubente passaria então a se chamar Maria Eduarda da Silva Teixeira
Albuquerque. (Os nomes são fictícios).
22

enfatizava-se uma reunião de informações capazes de contemplar as obrigações


institucionais (relatório parcial, monografia) e também o interesse pela comparação de
seus resultados. Percebeu-se que em média eram despendidas cerca de três a quatro
semanas para a realização do levantamento dos dados e o mesmo tempo também para a
sua digitalização no banco de dados.
Embora seja possível reconhecer que a atitude dos clérigos seja absolutamente
compreensível, já que envolvia a identidade das pessoas que casaram, a
responsabilidade pela apropriação destes itens se fazia necessária na medida em que
ajudava a dar consistência ao banco de dados. Posteriormente, a credibilidade conferida
através deste procedimento ajudou a aproximar a pesquisa das paróquias 30, e fez com
que os responsáveis pela documentação indicassem o menor “caminho das pedras” para
conseguir realizar o levantamento das informações nas outras paróquias.
Passando da “experiência próxima” 31, que contribuiu para entender as regras do
campo religioso no que diz respeito a gerência desta documentação e as estratégias de
flexibilizar e administrar a metodologia de coleta dos dados, verifica-se a necessidade
de entender os procedimentos adotados durante a investigação para manipular as
informações colhidas.

1.25 Procedimentos adotados para observação da homogamia


Primeiramente considerar a migração como temática central é defini-la. Neste
sentido teve-se em mente que esta é uma variável que dá condições de perceber a
movimentação dos sujeitos no espaço tanto em suas dimensões macro (intra-estadual,
interestadual e internacional) como micro (metropolitana e entre bairros da mesma
cidade). Em capítulo posterior destinado a sua problematização verificar-se-á seu uso e
o aporte teórico necessário para entendê-lo. Por enquanto basta que nos reportemos a
Bassanezi na medida em de acordo com a sua compreensão “o termo indica a não

30
Vale lembrar que depois de coletadas e organizadas as informações num banco de dados, elaborou-se
um arquivo digital em formato de CD-r que posteriormente foi devolvido para as paróquias.
31
Termo utilizado por Geertz para designar uma relação que se mantém com os informantes e que leva ao
risco de elaborar um detalhismo que nos afoga em miudezas e pode nos deixar preso a um emaranhado
vernacular (GEERTZ, C. Do ponto de vista dos nativos. In: O saber local: novos ensaios em
antropologia interpretativa. Petrópolis, Vozes, 1997). Aqui vale uma reflexão sobre a natureza dos
informantes, uma vez que a experiência de trabalho com os livros levou a observação de signos que além
de serem a expressão de uma cultura simbólica são também índices de inúmeros contextos comunicativos,
portanto de pessoas que deixaram expressas em grafemas o significado de uma relação. Considerar-los-ei
como sistemas de representação visual, aos moldes do que indica RIBEIRO, B. G. “A linguagem
simbólica da cultura material. Introdução". In: RIBEIRO, Berta. (org.). Suma Etnológica brasileira vol.
3. Petrópolis, Vozes/Finep, 1987a; para a autora estes sistemas, na sua qualidade de código cultural, são
mecanismos de ordenação e comunicação da experiência culturalmente determinada.
23

coincidência entre o local de residência e o de nascimento de um determinado


sujeito” 32. Neste sentido, busca-se observar as alianças matrimoniais envolvendo
migrantes do interior do estado, de outras regiões do Brasil, de outros países e também
de Belém, destacando a presença de casamentos homogâmicos, ou não, entre estes.
Antes de avançar é preciso problematizar esta questão. O fato de existir uma
mobilidade espacial tendo em conta apenas à origem pode nos levar ao engano
interpretativo, se aí não ficar claro que quando se trata de uma análise sobre a origem
estar-se a considerar o local de nascimento dos nubentes registrados no ato do
matrimônio, embora seja coerente pensar que quem nasce num determinado espaço e
nele casa não necessariamente habitou o mesmo durante este período. Alguns casos que
não mereceram um destaque estatístico, mas sim analítico com vistas à
problematização, demonstram que determinadas pessoas nascem, por exemplo, em
Belém, são batizados em outras localidades, e vem a contrair casamento com pessoas do
exterior, inclusive apresentando o mesmo local de moradia do/a nubente no registro de
casamento. O que importa saber nestes casos não é se estes indivíduos migraram
permanentemente, mas sim que são indivíduos que, de acordo com os critérios adotados
exclusivamente para esta análise, são considerados habitantes de Belém, que ai
nasceram e posteriormente se casaram. Outro ponto importante a se destacar e que
corrobora a impressão de uma lacuna aberta pelo próprio método é o de identificação de
redes matrimoniais envolvidas por grupos de origem 33. Ele não leva em consideração as
gerações precedentes. O que implica reconhecer de acordo com Aguiar 34 que os
nubentes, embora tenham nascido em Belém, podem ser filhos de migrantes.
Em relação ao conceito de migração, que é um ponto relevante para entender a
mobilidade dos nubentes, adotou-se a perspectiva de que o mesmo pode tanto abranger
grandes deslocamentos, a exemplo do que ocorre entre regiões de um país ou estado,

32
BASSANEZI, M. S. C. B. Migrantes no Brasil da segunda metade do. século XIX. In: Anais do XII
Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP). Caxambu / Minas Gerais, outubro
de 2000, p. 1.
33
Para entender o conceito de rede matrimonial com base na origem é fundamental que se perceba o
nubente que casou em uma localidade, mas nasceu em uma outra como fruto de um sistema migratório
que exige dele uma seletividade marcada por códigos de identidade. Segundo MATOS & BRAGA as
análises sobre a formação de redes deste tipo “devem considerar o migrante não somente por seus
atributos pessoais ou intenções individuais, mas sim como uma entidade dotada de relações que se
conecta a outros conjuntos definidos por laços de parentesco, amizade, conhecimento, trabalho. Nesta
perspectiva, os movimentos populacionais são, também, a expressão das possibilidades criadas por um
conjunto de relações [sobretudo de identidade] nas quais o individuo se insere” (MATOS, R.; BRAGA, F.
Redes Sociais, Redes Territoriais e Migrações. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais
(ABEP), Caxambú /Minas Gerais, Setembro de 2004, p.4).
34
AGUIAR, K.S. “Arigó casa com arigó”: casamento e família entre os migrantes cearenses em
Santarém-Pará. (Dissertação) Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Belém: UFPA. No prelo.
24

como migrações fortuitas ocorridas no interior da zona urbana. Isto pode ocorrer entre
regiões ou vias distintas do bairro ou entre bairros da mesma cidade ou das cidades que
compões a zona metropolitana. O problema no caso do casamento está em saber para
onde vão os nubentes depois de casados, mas isto, pelo que se verá em capitulo
posterior, será menos importante (ao menos neste trabalho) do que descobrir como estão
inseridos os indivíduos em meio aos fluxos realizados no interior do espaço urbano de
Belém.
Excluindo-se as nuances e as deixando clara como evidentes questões a serem
discutidas em trabalhos posteriores é que se torna necessário destacar que a metodologia
utilizada refere-se única e exclusivamente a uma sistematização de dados seriais
relativos a esta origem e ao local de moradia, que vale repetir, não foram itens criados
para a pesquisa, mas sim um dado contido nos livros de casamento 35.
Ao longo da pesquisa foram realizados dois procedimentos para esta
sistematização: um direto, através de digitalização das informações contidas nos livros
de casamento no banco de dados Aplicativo Microsoft Access 2003, e outro indireto,
devido estas informações terem sido, num primeiro momento, transcritas manualmente
para as “Fichas de Casamento” que ao término, reunidas, permitiram, num segundo
momento, sua digitalização no mesmo banco de dados. Todo este mecanismo facilitou o
passo seguinte, isto é, permitiu que fosse realizado um “vínculo” entre os programas
Aplicativo Microsoft Access 2003 (a base de dados utilizada para sistematizar os
registros) e a Planilha Microsoft Excel 2003. A intenção foi adequar as informações aos
objetivos da pesquisa: instrumentalização dos índices e os índices de mobilidade dos
nubentes na intenção de compreender a estrutura do casamento tanto no que diz respeito
ao local de nascimento dos noivos como aos espaços de moradia no interior da cidade,
procurando investigar a presença de migrantes em ambos os casos e a possível
existência de uma homogamia em suas alianças matrimoniais.
Para que isso se tornasse compreensível os nubentes foram classificados a partir
dos registros obtidos nos livros de casamento, segundo a naturalidade e o local de
moradia. Dessa forma tal classificação segue o interesse por entender a dinâmica de
mobilidade espacial dos nubentes, e ao mesmo tempo as relações que isto encerra entre

35
É necessário afirmar que estes procedimentos dão suporte a uma metodologia especifica da área de
demografia histórica com base na reconstituição de famílias, na medida em que se busca interpretar
“séries de dados [...] como indicadores de determinadas relações sociais e padrões culturais” (NADALIN,
S. O. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas: Associação Brasileira de Estudos
Populacionais (ABEP), 2004. p.71.).
25

ocupação sócio-espacial das regiões limítrofes ou áreas mais afastadas em relação às


paróquias e a freqüência de casamento dos (e entre os) migrantes ou naturais nestas
áreas.
Os nubentes foram distinguidos, portanto, da seguinte maneira:
• Em relação à origem:
a) Belém ou capital: indivíduos identificados segundo a sua origem em relação à
capital do Estado do Pará.
b) Interior (PA): indivíduos identificados segundo a sua origem em relação ao
interior do Estado do Pará. Esta área é identificada no trabalho a partir das seis
mesorregiões que a compõem, da seguinte forma:
b.1) Meso-região do Baixo-amazonas;
b.2) Meso-região do Marajó;
b.3) Meso-região Metropolitana de Belém (exceto Belém);
b.4) Meso-região Nordeste;
b.5) Meso-região Sudeste;
b.6) Meso-região Sudoeste.
c) Nacional: indivíduos cuja origem não se encontra identificada pelos mesmos
critérios dos termos anteriores, já que evidencia os migrantes oriundos de outros estados
da Federação.
d) Estrangeiro: indivíduos oriundos de outros países.
e) Não declarados/não identificados: casamentos em que pelo menos um dos
indivíduos não possui origem declarada ou que não foi possível identificar (quer pela
grafia de quem redigiu a informação na ata, quer pela ausência de informações
suficientes para identificar um determinado lugar ou área geográfica 36).
• Em relação ao local de moradia:
a) Bairro: residentes no bairro em que está localizada a paróquia onde foi
relaizado o casamento.

36
É importante considerar que não só o Estado do Pará como outros Estados da federação apresentam
regiões habitadas que são definidas como vilas, comunidades, colônias e que muitas das vezes não são
interessantes para quem vai lavrar um determinado documento. Às vezes procura-se a cidade mais
próxima desta localidade como referência para indicar o local de moradia das pessoas. O contrário
também acontece, isto é, identifica-se o lugar, mas não são dadas as referências capazes de identificá-los
nos mapas sem que para isto seja necessário recorrer a uma análise “microscópica”. Há também casos em
que duas cidades possuem o mesmo nome e por circunstâncias que não são possíveis de identificar
deixam de apresentar uma referência relativa ao estado da federação à qual pertencem. Para diminuir o
índice de lacunas referentes a esta informação foi necessário recorrer ao sistema Google Search, ao
programa Google Earth, ao site dos Correios e ao catálogo telefônico Listel, os mesmos utilizados para
identificar os locais de moradia dos nubentes.
26

b) Região Limítrofe: residentes dos bairros que fazem fronteira com o bairro
onde está localizada a paróquia;
c) Cidade: residentes de outros bairros da cidade de Belém;
d) Zona Metropolitana: residentes das cidades que compõem a região
metropolitana de Belém;
e) Outras cidades, estados e países: residentes em áreas que não se identificam
com as anteriores;
f) Não declarados/não identificados: moradias não registradas ou que não
permitiram ser identificadas.
Através destas classificações é possível visualizar a distribuição das redes
matrimoniais influenciadas pela variável “origem” e “moradia”. Porém, de acordo com
a advertência de Levy & Pagliaro qualquer uma dessas classificações onde se propõe o
estabelecimento de áreas “seja região, seja microrregião, seja estado, para estudo de
certos dados demográficos globais, acarretam problemas de análise”. Segundo estas
autoras “[m]uitas vezes a partir de efeitos líquidos de processos contraditórios, se obtém
índices globais idênticos para situações que diferem radicalmente em seus aspectos
específicos”. Foi pensando nisso que a classificação sugerida não se restringiu apenas a
uma análise em conjunto, mas também segundo um recorte por bairros.
Tal processo permitiu que se atribuísse ao modelo investigativo à noção de
“homogamia 37 geográfica”, que surge de acordo com a necessidade de interpretar as
alianças surgidas a partir da associação estabelecidas entre os indivíduos tendo por
referência o espaço.
Como não houve a oportunidade de obter acesso a entrevistas, quer pelo tempo
escasso devido o dispendioso trabalho de elaboração do banco de dados ou por que isto
não correspondia aos objetivos pontuais desta fase da investigação, procurou-se
interpretar os nubentes em meio a esta homogamia tendo em vista que as suas escolhas
matrimoniais podem ser influenciadas não só pela origem comum mas também pela
idade e local de moradia. Assim é que foi produzida um reflexão sobre os diferentes
tipos de aliança (homogâmica ou heterogâmica) estabelecidas. Este procedimento
demandou fôlego, pois previa o cruzamento de diversas informações e a produção de
inúmeros gráficos e tabelas. A elaboração das mesmas resultou naquilo que

37
Vale ressaltar que o termo homogamia reflete uma “preferência dada em certos grupos ao casamento
com indivíduos da mesma raça, nacionalidade, classe, religião, profissão, etc” (NADALIN, S. O. A
demografia numa perspectiva histórica. Belo Horizonte: Abep, 1994).
27

posteriormente servirá como base para entender a influência da migração no contexto


dos três bairros analisados e a sua (possível) relação com os tipos de casamento
ocorridos.
Paralelamente a este processo foi que se recorreu ao “reconhecimento do
campo”, isto é, da área de trabalho que envolve os estudos de casamento e de migração.
Como pode ser observado dois tipos de procedimento foram destacados até o presente
momento: o demográfico (coleta seriada de dados relativos a fontes oficias, neste caso,
atas de matrimônio) e o estatísticos (organização, interpretação matemática e
diagramação das informações colhidas). Portanto, é necessário indagar sobre o critério
subjetivo adotado para que interdisciplinarmente fosse possível tornar compreensível os
dados objetivos.
Com base nos escopo do projeto de pesquisa e das orientações recebidas para
desenvolvê-la é que foi realizado um levantamento bibliográfico prelimina, com a
intenção de identificar os principais trabalhos envolvendo os estudos sobre o casamento
e a migração, assim como os seus principais autores. Após este procedimento foi
realizado uma compilação do acervo bibliográfico disponível, o que incluiu livros,
periódicos, revistas e sites de internet. A função disto era permitir posteriormente que,
além de orientar a localização de um título a ser lido fosse possível organizar a ordem
de execução de tal ou qual tarefa. Esta ordem era imprescindível para a realização dos
fichamentos 38.
À posse deste material é que foram estabelecidas as relações entre as
informações colhidas junto aos registros de casamento. Isto acabou provocando uma
série de inquietações entorno das condições de interpretação do trabalho. Neste sentido
não só as tabelas foram imprescindíveis como também evidenciaram a recorrência de
alguns fenômenos que, talvez isolados, não permitiriam nenhum avanço sobre o terreno
dos números e índices de casamento Belém. Sendo assim necessitou-se recorrer as
fontes censitárias e aos registros sobre os espaços urbanos nos quais estão localizadas as

38
Embora haja a possibilidade de concordar com o uso do termo não manifesto um compromisso pela sua
defesa, uma vez que o mesmo é empregado na academia sem que os seus usuários se reportem ao
significado da palavra “fichamento”. Para problematizar esta questão Lakatos & Marconi desenvolvem o
conceito de “ficha”, e dizem que o mesmo tem por função receber a descrição do material analisado (quer
seja bibliográfica, citação, resumo ou de conteúdo, esboço, comentário ou analítica). Por tanto o
pesquisador elabora e utiliza fichas, já “fichamento” é o ato de fazer as fichas (LAKATOS, E.M.;
MARCONI, M. A. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1989). Contudo durante a pesquisa foi
desenvolvida uma estratégia que remonta aos anos de graduação que ainda não pude identificar nos
manuais de metodologia e que ocorre com o exercício de fichamento do livro, absorvendo com isso as
interpretações surgidas na ocasião da leitura e inseridas em espaços destinados a este procedimento, que
se denomina “mapa conceitual”.
28

paróquias. A intenção deste procedimento era adequar as observações obtidas com a


análise dos registros de casamento com as informações sobre a demografia, localização
geográfica, nível de escolaridade, nível de renda, rede de abastecimento de água e de
saneamento básico dos respectivos bairros habitados pelos nubentes.
Destarte, dar conta deste processo é ter em mente que todos os elementos
destacados, pela estrutura e posição que ocupam na pesquisa, são aspectos de uma
metodologia que busca assenhorear-se de uma realidade que exige esforços para uma
interpretação interdisciplinar.
29

CAPÍTULO II
ESPAÇOS
30

2.1 OS ESPAÇOS URBANOS ONDE OCORRERAM OS CASAMENTOS


Neste capítulo serão apresentados os espaços onde ocorreram os casamentos.
Iniciarei minha discussão tratando a cidade de Belém como universo desses
acontecimentos e posteriormente analisarei cada uma dos bairros e suas respectivas
paróquias onde os mesmos ocorreram. O método utilizado deriva de uma análise sobre
as fontes censitárias produzidas por órgãos especializados em demografia. Meu foco
incide sobre a estrutura da ocupação e urbanização, o nível de renda e o grau de
instrução da população que habita os bairros. Ao final buscarei analisar as
singularidades dos resultados obtidos com a intenção de relacioná-las a partir de um
ponto de vista comparativo.

2.1.1 Belém
Por estar inserida às margens da maior bacia hidrográfica do mundo, a do
Amazonas, e ser considerada a maior cidade da região Norte brasileira, Belém, com
seus círios, festejos e santos, é um dos principais eixos de interlocução entre as regiões
sul, sudeste, nordeste e centro-oeste do país. Segundo o AEMB Belém possui uma área
territorial de 1.065,30 Km² e é ocupada atualmente por uma população de cerca de 1
280 614 habitantes, dos quais 608 253 são homens e 672 361 são mulheres 39.
Tendo em conta este perfil é que podemos considerar esta capital como uma das
metrópoles mais densamente ocupadas do Brasil, sobretudo por que o seu índice de
densidade demográfica, que é de 1 301,49 hab./km², tem variado em cerca de 8% 40 nos
últimos cinco anos e encontra-se na faixa limite entre 200 hab/km² a 12 901,465
hab/km² calculada pelo IBGE quando este refere tal estudo as grandes metrópoles
brasileiras. Aliás, no período entre 1991 e 2000 a população de Belém, segundo

39
ANUÁRIO ESTATÍSTICO DO MUNICÍPIO DE BELÉM, v. 11, 2006 – Belém: Secretaria Municipal
de Coordenação Geral do Planejamento e Gestão, 2006.
40
Tabela 2: Densidade demográfica do município de Belém: (2000-2005)
ANOS DENSIDADE(hab./km²)
2000 1 196,72
2001 (1) 1 244,36
2002 (1) 1 241,61
2003 (1) 1 259,93
2004 (1) 1 301,49
2005 (1) 1 301,49
FONTE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
Elaborado: SEPOF/DIEPI/GEDE
(1) População estimada.
31

Baeninger (apud Pasternak e Bógus) 41, cresceu a uma taxa de 3,4% a.a., uma das
maiores do país. Esse crescimento foi, sobretudo incrementado pela imigração ocorrida
desde a década de 1970 em seu interior 42.
Deve-se considerar, contudo, que os dados sobre densidade não pretender tornar
homogêneo o espaço em questão, uma vez que o Guamá, para citarmos como exemplo,
embora seja o bairro mais populoso da cidade por conta dos seus 102 124 habitantes,
possui uma demografia muito diferente daquela observada em bairros como o Curió-
Utinga, cuja área é sete vezes maior que a sua (29 897,06 Km² versus 4 127,78 Km²),
muito embora possua uma população de apenas 18 892 habitantes.

41
PASTERNAK, S.; BOGUS, L. M. M. Migração na metrópole. São Paulo Perspec., São
Paulo, v.19, n.4, 2005.
42
BRITO, F. O deslocamento da população brasileira para as metrópoles. Estudos Avançados, 20 (57),
2006
32

Mapa 1: Área urbana do município de Belém


33

Ressaltar neste ínterim a observação sobre os espaços onde foram realizados os


casamentos ajuda a pensar a forma de distribuição da população investigada, assim
como o meio social em que estes indivíduos são socializados. Isso permite considerar
que os mesmos traçam suas trajetórias individuais marcados por essa relação com o
bairro em que possivelmente casam e posteriormente residem. Neste sentido, quais
elementos nos ajudam a interpretar esse processo de socialização? Até que ponto o
ambiente social em que estão inseridos os indivíduos influenciam as suas trajetórias e
contribuem para as suas escolhas matrimoniais?
O que segue neste capítulo, portanto, diz respeito à contextualização sócio-
espacial dos três bairros nas quais estão localizadas as paróquias selecionados para a
realização da pesquisa (a saber São Pedro e São Paulo, no Guamá, Nossa Senhora da
Conceição Aparecida, na Pedreira e São Francisco de Assis, em São Brás). Nele serão
enfatizados os dados censitários obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e
Etatística (IBGE). O que se prioriza com eles é a observação de suas
dinâmicasdemográficas, muito embora seja possível considerar que suas histórias
formativas nos escapam e se diferenciam justamente por que se traduzem pela
informalidade do cotidiano e que requereriam uma investigação em profundidade.

2.1.2 Guamá (Paróquia de São Pedro e São Paulo)


34

A paróquia de São Pedro, que registrou 304 casamentos entre 1995 e 2006, está
localizada no bairro do Guamá, o mais densamente povoado da cidade, concentrando
em seu interior 102 124 mil habitantes, ou 8% da população de Belém. Segundo o
Anuário Estatístico do Município de Belém 43 (AEMB) sua população encontra-se
distribuída entre 52 084 homens e 49 040 mulheres.
Este bairro está situado às margens do rio de mesmo nome e faz fronteira com os
bairros da Condor, Cremação, Universitário, Terra-Firme, Canudos e São Brás. Possui
área de 4 127,78 Km². Em termos geográficos é o mais importante do chamado Distrito
Administrativo do Guamá, muito embora do ponto de vista urbanístico seja um dos que
menos é alcançado pelas ações da municipalidade.
É um bairro com poucas ruas asfaltadas em relação à sua extensa área
geográfica, por sinal somente aquelas pelas quais circulam carros e ônibus em direção á
sua agitada feira ou à Universidade Federal, como a Bernardo Sayão, Barão de Mamoré
e José Bonifácio; as outras vias, em geral distribuídas entre passagens e vilas, recebem
apenas uma camada superficial de pinche ou piçarra. A área em que está localizado o
bairro, aliás, por possuir grande quantidade de córregos e canais e forçar a sua
população a construir passarelas de madeira, apresenta dados de infraestrutura urbana
que abrangem a métrica das pontes existentes em seu interior e que chegam a ocupar
cerca de 1 063,2 m² de sua área territorial.
De sua população total, 19 425 habitantes são responsáveis pelos domicílios
particulares; o valor do rendimento nominal médio mensal dessas pessoas é de R$ 555,
24. O que indica uma população com renda média de pouco mais de um salário
mínimo 44.
Do ponto de vista educacional o Guamá é um bairro que concentra um
percentual significativo de população analfabeta, ou seja, 11,3%. Os 88,7% da
população com mais de 5 anos de idade alfabetizada encontram-se assim distribuídos:

43
AEMB, p.119.
44
O salário base tomado como mínimo é o de registro em carteira, que equivale em moeda corrente a R$
380,00.
35

Tabela 3: Anos de estudo dos responsáveis pelos domicílios particulares


permanentes (Guamá)
Grupos de anos de estudo
Sem
TOTAL instrução 1a3 4a7 8 a 10 11 a 14 15 anos Não
e menos de anos anos anos anos ou mais determinado
1 ano

22 138 1 871 4 061 7 211 3 971 3 930 1 075 19

100% 8,5% 18,3% 32,6% 17,9% 17,8% 4,9% -

FONTE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Censo Demográfico 2000

Esta tabela indica que grande parte da população alfabetizada do Guamá possui,
em cerca de 32,6%, entre 4 e 7 anos de estudo, o equivalente ao ensino fundamental 45.
As pessoas sem instrução e com menos de 1 ano de estudo representam 8,5%. Cerca de
18,3% da população possui entre 1 a 3 anos de estudos. Com 8 a 10 anos de estudo
estão 17,9% da população, percentual semelhante (17,8%) da população que possui
entre 11 e 14 anos de estudo. Sendo assim menos de 5% dos habitantes alfabetizados do
Guamá possui 15 anos ou mais de estudo. Este contexto educacional indica uma
população com nível instrucional relativamente baixo.
No que diz respeito à infra-estrutura urbana, o que já foi destacado
anteriormente, o bairro do Guamá está imerso numa grande bacia hidrográfica formada
por córregos, canais e igarapés. Um dos mais importantes é o que margeia a Avenida
Bernardo Sayão em toda a sua extensão. Por ali, além de circular boa parte da
população que habita o bairro, verifica-se o despejamento de grande quantidade dejetos
produzidos ora pelas residências que ocupam a sua margem ora pela rede de drenagem
que envolve o bairro. Podemos ter noção do saneamento da região tomando como fonte
para análise a seguinte tabela:

45
Os níveis de escolaridade se farão medidos pelo previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (n°
9394/96) através do seu artigo 21. Segundo este a educação escolar compõe-se de: I-educação básica,
formada pela educação infantil, ensino fundamental [antigo primeiro grau] e ensino médio [antigo
segundo grau]; e II-educação superior). Brasil. Lei nº 9.394 – 20 dez. 1996, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB). Disponível no site http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf
36

Tabela 4: Domicílios particulares permanentes, por existência de banheiro ou


sanitário e tipo de esgotamento sanitário (Guamá).
Tinham banheiro ou sanitário Não
tinham
Total Tipo de esgotamento sanitário banheiro
Total
nem
sanitário
Rede geral Fossa Fossa Rio, lago Outro
Vala
de esgoto séptica rudimentar ou mar escoadouro
ou pluvial

22 138 21 415 2 378 12 325 3 314 2 474 591 333 723


100 97% 10% 56% 15% 11% 3% 2% 3%
FONTE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/ Censo Demográfico 2000

Ela indica a existência de um comprometimento nas condições de saneamento


básico do bairro; por exemplo, a rede pública de esgotamento sanitário (rede geral de
esgotamento ou pluvial) é responsável por apenas 10% da drenagem dos materiais
sólidos e líquidos produzidos pela sua população; 56% das casas dependem de uma
fossa séptica e 15% dependem de fossas construídas rudimentarmente. Os esgotamento
com base em valas a céu aberto, rios e igarapés, outros tipos de escoadouro e até a
ausência de banheiros e sanitários representam juntos cerca de 18% do total de meios
capazes de indicar uma infra-estrutura sanitária higienicamente comprometida.
A pesquisa também permitiu identificar através do sistema de abastecimento de
água do bairro 46 que cerca 95,7% de domicílios possuem rede hidráulica canalizada,
muito embora ainda seja possível observar também a presença de 4,3% de habitações
que possuem poço, nascentes ou outras fontes de abastecimento em seu interior 47.

46
AEMB, p. 172.
47
Há de se considerar que a presença do poço é um indicativo ambíguo de urbanização, visto que pode
tanto revelar a existência de um sistema rudimentar de abastecimento, como no caso de domicílio que
“puxam água do poço” através de baldes ou latas d’agua, como também evidenciar a presença de um
sistema hidráulico-elétrico de sucção de água dos lençóis freáticos através de bombas instaladas em poços
de “barreira” ou “artesiano”.
37

2.1.3 Pedreira (Paróquia de Nossa Senhora da Conceição Aparecida)

O bairro da Pedreira, onde está localizada a paróquia de Nossa Senhora da


Conceição Aparecida e em que foram encontrados registros de 491 casamentos, é
conhecido pela população de Belém como “o Bairro do Samba e do Amor”. É também
dentre os estudados nesta pesquisa o mais afastado da região de ocupação inicial da
cidade 48. Faz fronteira com os bairros do Marco, Fátima, Umarizal, Telégrafo,
Sacramenta e Souza e possui uma área com cerca de 3 724,61Km² ocupada por uma
população de 69 067 habitantes, dividida entre 32 027 homens e 37 040 mulheres
É um bairro que apresenta forte expressão de urbanização, com áreas verdes e
rotas de acesso ao centro da cidade, como as avenidas Pedro Miranda e Duque de
Caxias. Esta última comumente denominados pelos habitues do bairro e da cidade como
simplesmente “Duque” possui ao longo de seu percurso aquilo que atualmente vem
sendo conhecido como “corredor ecológico”, devido envolver um amplo canteiro
arborizado em toda a sua extensão. Apresenta Feiras, um sambódromo (Aldeia Cabana),
igrejas, supermercados e uma sensível expansão vertical, que se expressa através da
construção (que ainda não se compara às observadas na região central da cidade) de
inúmeros edifícios e lojas de departamentos.

48
Está área inicial da cidade é representada pelos bairros da cidade Velha e da Campina, que foram os
primeiros a serem ocupados quando da invasão e colonização de Belém a partir de 1616.
38

Ao contrário do que ocorre no Guamá este bairro possui grande parte de suas
vias, incluindo as de menor circulação, asfaltadas. Os canais, como os da Pirajá são
canalizados, e resultam do processo de macro-drenagem da Bacia do Una ocorrida ao
longo da década de 1990.
As 14 893 pessoas que habitam o mesmo e são responsáveis pelos domicílios
particulares permanentes possuem uma renda nominal média de R$ 982,57, isto é, cerca
de mais de dois salários mínimo. Sua população conta com 94% de pessoas
alfabetizadas e 6% de analfabetos com cinco anos ou mais de idade. Os alfabetizados
encontram-se destacados da seguinte forma:

Tabela 5: Anos de estudo dos responsáveis pelos domicílios particulares


permanentes (Pedreira)
Grupos de anos de estudo
Sem
instrução
TOTAL 1a3 4a7 8 a 10 11 a 14 15 anos Não
e menos
anos anos anos anos ou mais determinado
de
1 ano

16339 613 1778 3978 2742 4864 2342 22

100% 3,7% 10,9% 24,3% 16,8% 29,8% 14,3% 0,2%

FONTE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Censo Demográfico


2000

As informações contidas na tabela acima e referentes aos grupos de anos de


estudos dos habitantes do bairro da Pedreira indicam que a maioria da população, cerca
de 29,8%, possui entre 11 e 14 anos de estudo, ou algo equivalente ao ensino médio
atual. Não muito distante disso estão os cerca de 24,3% de pessoas que possuem entre 4
e 7 anos de estudo. Cerca de 16,8% possuem entre 8 e 10 anos de estudo e 10,9% entre
1 e 3 anos. Com 15 anos ou mais de estudos estão cerca de 14,3% desta população, algo
cerca de três vezes maior do que o observado no bairro do Guamá. Em relação às
pessoas sem instrução ou com menos de 1 ano de estudo verificou-se dentre população
analisada um percentual de cerca de 3,7%. Percebe-se assim que a população que habita
este bairro possui um nível de instrução maior do que aquele observado junto a
população habitante do Guamá.
39

No que se refere ao esgotamento sanitário presente no bairro da Pedreira em


comparação com os dados obtidos junto ao contexto urbano do Guamá constatou-se que
este é um espaço consideravelmente atendido pela rede pública de saneamento, muito
embora seja possível verificar ainda a presença de meios alternativos para solucionar os
problemas da falta de infra-estrutura sanitária. A tabela a seguir indica os dados que
correspondem a esta afirmação.

Tabela 6: Domicílios particulares permanentes, por existência de banheiro ou


sanitário e tipo de esgotamento sanitário (Pedreira).

Tinham banheiro ou sanitário Não tinham


banheiro
Tipo de esgotamento sanitário nem
Total
sanitário
Total
Rede Fossa Fossa
Vala Rio, lago Outro
geral séptica rudimentar
ou mar escoadouro
de esgoto
ou pluvial
16 339 16 104 6 485 7 297 874 1 202 6 240 235
100% 98% 40% 44% 5% 7% - 2% 2%
FONTE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/ Censo Demográfico 2000

Nela é possível observar que, embora a grande parte dos domicílios particulares,
cerca de 44%, possuam fossas sépticas estas estão integradas a um sistema de esgoto
que atende 40% dos domicílios particulares existentes no bairro. Contudo fossas
rudimentares, valas, rio, lago, mar ou outro tipo de escoadouro e a ausência de banheiro
ou sanitário, juntos, ainda correspondem a 16% dos meios alternativos de evacuação
dos dejetos produzidos pela população que habita o bairro.
Tomando nota do que ocorre no Bairro do Guamá o que se observa na Pedreira é
uma diferença urbanística no sentido da melhoria dos quadros de esgotamento sanitário
dos domicílios, justamente por que neste último observa-se a presença acentuada de
uma rede geral de esgoto e fossas sépticas.
No que tange o abastecimento de água dos domicílios do Bairro verifica-se que o
mesmo é canalizado em cerca de 86,3% das residência, enquanto apenas 13,7% dos
domicílios é abastecido por meio de poços, nascentes ou outras formas de captação e
distribuição de água 49.

49
Informação retirada do AEMB, p.173).
40

2.1.4 São Brás (Paróquia de São Francisco de Assis)

A paróquia de São Francisco de Assis que contém registrados 840 casamentos


entre os anos de 1995 e 2006 nos Livros de Casamentos está localizada no bairro de São
Brás. Este é o único da capital a fazer fronteira com sete bairros, a saber, Fátima,
Marco, Canudos, Guamá, Cremação, Nazaré e Umarizal. Possui em seu interior o único
Terminal Rodoviário da cidade e que é a porta de entrada e saída da população que nela
chega. Dali surge a principal via de acesso à Belém, a Avenida Almirante Barroso,
antiga Tito Franco, que outrora abrigou os trilhos da antiga Estrada de Ferro Belém
Bragança e que atualmente faz parte de um complexo arquitetônico formado pela antiga
estação, pela estrutura de ferro Caixa D´água, em estilo eclético e art nouveau, e
também o Memorial Magalhães Barata em estilo mais contemporâneo.
Diariamente é possível observar no entorno deste terminal uma aglutinação
populacional expressiva, constituída, sobretudo, de pessoas que pendulam entre
áreas/bairros/cidades da região metropolitana ou do interior como Ananindeua, Santa
Bárbara, Benevides, Icoaraci, Tapanã, Benguí, Satélite, Santa Izabel ou Castanhal, para
trabalhar ou estudar na área comercial ou em bairros centrais da capital. Percebe-se
assim que este é um bairro envolvido por um intenso fluxo de pessoas, e inconstante, já
que se alterna entre espaço residencial e de circulação.
41

Segundo as informações contidas no AEMB a população de São Brás é da monta


de 19 881 habitantes, subdivididos em 8622 homens e 11259 mulheres.
Sua área é de 1 623,36 Km², das quais uma grande parcela, visualmente, é
asfaltada e assistida pela mucipalidade. O mesmo vem ao longo dos últimos anos
sofrendo um processo expansivo de verticalização devido à construção de inúmeros
edifícios residenciais e prédios comerciais. Possuí feiras, galeria comercial, praça,
restaurantes, lojas de departamentos, parque, escolas, estádios, faculdades particulares,
etc. Estes espaços são habitados por uma população que possui uma renda nominal
média de cerca de R$ 2 290,69 50, ou seja, sua população possui um salário mensal
médio de cerca de 6 salários mínimos.
A elevada taxa de rendimento da população que habita São Brás se deve em
grande parte ao nível de escolaridade de sua população. Esta apresenta um índice de
alfabetização de cerca 97%, enquanto que os não-alfabetizados somam apenas 3%.
Observado a tabela a seguir que enfatiza o nível de instrução dos habitantes do bairro
foi possível chegar as seguintes conclusões:

Tabela 7: Anos de estudo dos responsáveis pelos domicílios particulares


permanentes (São Brás)

TOTAL Grupos de anos de estudo


Sem
instrução 1a3 8 a 10 11 a 14 15 anos Não
4 a 7 anos
e menos de anos anos anos ou mais determinado
1 ano

5040 35 170 804 560 1763 1698 10

100% 0,7% 3,4% 16,0% 11,1% 35,0% 33,7% 0,1%


FONTE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Censo Demográfico
2000

Uma significativa parcela da população que habita o bairro de São Brás (cerca
de 35%) possui de 11 a 14 anos de estudo, proporção ligeiramente superior àquela com
nível instrucional que possui 15 ano ou mais de anos de estudo (33,7%). 16% possuem
de 4 a 7 anos de estudo, 3,7% estão concentrados no intervalo de 1 a 3 anos de estudo e

50
Em São Brás as pessoas com rendimento e que são responsáveis pelos domicílios particulares
permanentes são representados por 4.774 habitantes.
42

a penas 0,7% da população habitante do bairro não possui instrução ou menos de 1 ano
de estudo. Neste sentido obtém-se a informação de que sua população possui o mais
elevado nível de instrução dentre os bairros até aqui investigados.
Passando à ênfase sobre os recursos urbanísticos de esgotamento existentes no
bairro de São Brás observamos a singularidade de que neste bairro há uma grande
quantidade de domicílios com rede de esgoto ou fossa séptica, o que revela a ocorrência
de um elevado padrão de higienização do espaço privado e também público, também
por que é inexpressiva a presença de valas ou fossas rudimentares. A tabela e as
informações a seguir permitem dar conta destas considerações.

Tabela 8: Domicílios particulares permanentes, por existência de banheiro ou


sanitário e tipo de esgotamento sanitário (São Brás).

Tinham banheiro ou sanitário Não


tinham
Tipo de esgotamento sanitário banheiro
nem
Total
Total sanitário
Rede geral Fossa Fossa Rio, lago Outro
Vala
de esgoto séptica rudimentar ou mar escoadouro
ou pluvial

5 040 5 031 3 214 1 483 132 196 - 6 9

100% 99,8% 63,8% 29,4% 2,6% 4% - - 0,2%

FONTE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE/ Censo Demográfico 2000

Pelo que se vê 63,8% dos domicílios estão integrados à rede pública de


esgotamento sanitário, 29,4% possuem fossa séptica e menos 7% evacuam seus dejetos
através de meios alternativos como fossas rudimentares e valas. Dos três bairros
analisados até o presente momento este é o único que não possui escoamento sanitário
por meio de rios, lagos ou outro tipo de escoadouro o quede fato se deve a ausência
desses recursos em seu interior. Este bairro também foi o único a apresentar o menor
número de domicílios sem sanitário ou banheiro.
No que diz respeito ao sistema de abastecimento de água do bairro de São Brás
foi possível observar que 87% dos domicílios contam com sistema hidráulico e
43

canalizado, enquanto apenas 13% são servidos por poços, nascentes ou outras formas de
abastecimento.
***
Ao analisar a estrutura sócio espacial dos bairros no que diz respeito à
demografia, renda, nível instrucional e rede de esgotamento sanitário e de
abastecimento de água foi possível observar a estrutura demográfica e o contexto
urbano em que estão inseridas as paróquias, e neste sentido verificaram-se algumas
semelhanças e muitas diferenças.
Observou-se, por exemplo, que o Guamá não só é o maior dentre os três bairros
como também é o mais populoso e o mais densamente povoado. O bairro da Pedreira
intercala-se entre este e o de São Brás por possuir tanto a segunda maior área como ser
habitado pela segunda maior população dentre os três bairros analisados. Sendo assim, o
bairro de São Brás é tanto o menor como o que possui o menor número de habitantes.
Tendo em conta que “as informações censitárias referentes à renda familiar
permitem uma caracterização mais incisiva das condições de vida da população
urbana” 51 observou-se que São Brás possui a população com o maior rendimento
nominal médio, que chega a ser 2,3 vezes maior que o da população da Pedreira e 4,1
vezes maior que a dos que habitam o bairro do Guamá. Neste sentido a população da
Pedreira possui renda superior cerca 1,7 vezes maior que a do bairro do Guamá. Assim
é possível perceber que dos três bairros destacados São Brás é o que possui melhor nível
de renda, a Pedreira é o segundo e o Guamá o último.
No que tange a educação observou-se que a maior concentração de população
analfabeta está situada no bairro do Guamá e que esta é dobro da população analfabeta
existente no bairro da Pedreira e 3,7 vezes maior do que esta existente no bairro de são
Brás.
Dentre os dados referentes à população escolarizada nota-se a elevada taxa de
pessoas sem instrução ou com menos de 1 ano de estudo habitando o bairro do Guamá
que chegar a ser 2 vezes maior que os que com esta condição habitam o bairro da
Pedreira e 12,1 vezes maior dentre aqueles que habitam São Brás.
Em relação à população que possui de 1 a 3 e 4 a 7 anos de estudo, o que seria
equivalente ao ensino fundamental, observa-se que as maiores concentrações de
população com este nível de instrução habita o bairro do Guamá, por sinal, representam

51
MARTINE, G.; TURCHI, L. A urbanização da Amazônia: realidade e significado. In. Anais do VI
Encontro de Estudos Populacionais (ABEP). Olinda,1988, v.2, p.161-190.
44

a metade da população analisada (50,6%). Em posição intermediária está o bairro da


Pedreira com 35,2% e por último São Brás com 19,4% de pessoas inseridas no intervalo
acima analisado.
A faixa onde esta concentrada a população que possui entre 8 a 10 anos de
estudo sofre uma queda percentual significativa em relação àquela em que encontram-se
as pessoas que possuem de 4 a 7 anos de estudo. Esta queda, contudo, se mantém
quando se analisa o intervalo posterior (de 11 a 14 anos de estudo) entre os moradores
do bairro do Guamá e é superada significativamente pelos habitantes do bairro de São
Brás e em menor escala pelos habitantes da Pedreira.
Este intervalo que indica escolaridade equivalente ao nível médio pode estar
sugerindo que esta queda reflete um contexto social onde a população ora pode estar
interpretando tal nível ou anos de estudo como suficiente para a aquisição de um
emprego, por exemplo, ora pode estar sendo impedida por condições econômicas ou
educacionais de dar continuidade aos seus estudos e de ingressar no ensino superior. A
manutenção do índice verificada em relação ao bairro do Guamá pode ser indicativo
deste fenômeno.
Corrobora para esta afirmação o fato de que dentre os três bairros analisados em
relação a variável educação o que mais possui pessoas com nível de escolaridade entre
11 e 14 ou com mais de 15 anos de estudo é o de São Brás, com 68,7%. Em segundo
lugar está o bairro da Pedreira com 29,3% e por último o bairro do Guamá que possui
22,09% de população com este nível instrucional 52.
Em relação à rede de esgotamento sanitário presente nos três bairros e que
podem auxiliar a interpretação do contexto urbano vivenciado pelos seus habitantes
destacam-se os dados relacionados a influência da rede pública geral de esgoto ou
pluvial. A mesma é particularmente expressiva no bairro de São Brás enquanto o é em
segundo plano no bairro da Pedreira e em terceiro no bairro do Guamá. Este último,
aliás, é, dentre os três, o que mais possui meios alternativos de escoamento dos dejetos
domiciliares como fossas rudimentares, valas, rios, lagos, mar ou outra orma de
escoadouro. Há de se tomar nota que a população que habita tal bairro, por estar servida
de uma rica bacia hídrica, incluindo o próprio rio Guamá, utiliza-a como uma rede de
esgotamento sanitário natural e que, além disso, pelo que foi possível observar através

52
Vale considerar que, se analisados somente os dados relativos à população com 15 anos de estudo ou
mais, esta diferença aumenta mostrando que a população de São Brás situada neste intervalo é o dobro
daquela existente na Pedreira e cerca de 7 vezes maior que a do Guamá.
45

dos dados ou possui pouca renda para a construção de fossas sépticas ou é pouco
atendida pela rede municipal de saneamento.
Neste sentido desponta a conclusão de que São Brás é o bairro que oferece a
melhor rede de saneamento a sua população, portanto é o mais urbanizado, enquanto a
Pedreira assim o é em menor escala e o Guamá, que apresenta um elevado índice de
privação deste recurso junto a sua população o que a obriga a construir sistemas
alternativos de esgotamento sanitário adaptados a rede hídrica, é o menos urbanizado.
Por último o sistema de abastecimento é relativamente eficaz em todos os três
bairros, devido os mesmos serem atendidos em mais de 80% dos casos, com a diferença
de que o bairro do Guamá é o mais bem assistido pela rede pública. Contudo deve-se
levar em conta que a proporção de poços ou fontes de abastecimento de água existentes
nos bairros da Pedreira e de São Brás não significam o reflexo da ausência de
urbanização, mas sim a possível presença de um elevada qualidade de vida, já que estes
poços são em geral artesianos 53 e servem para abastecer edifícios e domicílios
particulares.

53
Poço artesiano é semelhante a um poço convencional (ou “poço de barreira”) e é assim denominado
quando as águas fluem naturalmente do solo, sem a necessidade de bombeamento. Geralmente a sua
profundidade é maior que a de um poço convencional, e em geral suas águas são mais puras e muito ricas
em sais minerais.
46

CAPÍTULO III
TEMPOS
47

3.1 A FREQUÊNCIA DOS CASAMENTOS


Ao destacarmos o tempo enfatizamos-lhe o caráter de referência e o percebemos
como um ciclo intermitente, capaz de possibilitar a interpretação da dinâmica do
fenômeno matrimonial ocorrido nas três paróquias analisadas. Segundo Bassanezi
[o] ritmo sazonal dos casamentos revela claramente a adesão das pessoas às normas
impostas pela sociedade. Reflete costumes, tradições, mentalidades religiosas,
atividades econômicas, etc. Por isso, o impedimento ou estímulo para que os
casamentos se realizem, neste ou naquele período, pode variar de época para época, de
região para região e apresentar-se de maneira diversa entre as diferentes categorias
sociais 54.

Neste sentido a atenção que lhe prestamos se dá pela busca de diferenças e


similaridades em relação aos espaços nos quais os mesmos se consubstanciaram em
termos da apropriação e uso dos dias, meses e anos, cada qual, a sua maneira, visto pela
população como propício ou não à realização da celebração matrimonial.

3.1.1 Os anos do casamento


Abordou-se nesta perspectiva uma síntese das estatísticas sobre casamento do
período recente como um importante indício para entender-mos o movimento e fluxo
dos casamentos ocorridos na Belém do entre séculos.

Quadro 1: Demonstrativo anual dos casamentos ocorridos em Belém


(1999-2004)

De acordo com esta tabela 55, que aborda os casamentos civis ocorridos no
município de Belém no período entre 1999 e 2004 percebe-se um aumento de cerca de
33,7% no número de alianças. O pico desse movimento encontra-se situado no ano de
2001 que chegou a registrar 4618 casamentos civis, número cerca de 42,5% superior ao

54
BASSANEZI, A. M. C. O casamento na colônia no tempo do café. Anais do VI Encontro de Estudos
Populacionais (ABEP), Olinda, 1988, v. 1, pp. 109-154, p. 146.
55
Embora a pesquisa aborde o matrimônio religioso católico como referência principal para esta análise
adotou-se esta fonte para que se possa entender o fenômeno matrimonial em Belém do ponto de vista de
sua expressão demográfica.
48

observado no início do intervalo (1999 registrou 2656 casamentos). Contudo verifica-se


que no período entre 2001 e 2004 houve uma queda de cerca de 4,7% a.a..
O casamento visto dessa forma permite analisar sua variação ao longo do tempo
e com isso a possibilidade de entender a mentalidade da sociedade investigada. Nadalin
considera que “o movimento sazonal dos casamentos constitui um rico indicador do
56
cotidiano” . Neste sentido objetivou-se pensar a freqüência no número de casamentos
segundo o as respectivas paróquias analisadas, de acordo com o ano, o mês e o dia em
que os mesmos ocorreram. Este procedimento pode ajudar a pensar os grupos que
ocupam os bairros em que estão situadas as paróquias. O que se pretende é observar o
tempo que esta população utiliza para realizar este tipo de evento, e daí extrair um rico
indicador do contexto social em que estes se encontram inseridos.
No caso, por exemplo, da freqüência de casamentos ocorridos na paróquia de
São Pedro e São Paulo houve uma oscilação significativa nos últimos dois anos do
período analisado (ver tabela abaixo). Neste período esta oscilação chegou a reduzir o
número de casamentos para 13, a saber 2005 e 2006. Isso interferiu na média de
casamentos ocorridos na paróquia, que foi de 25 a.ano. Essa variação se deveu a dois
importantes aspectos: a reforma que a igreja sofreu após 2004 e a alternância no número
de casamentos comunitários. Este último aspecto, porventura merece atenção, pois
exemplifica a relação que a paróquia estabelece com a comunidade habitante do bairro,
já que oferece a esta a possibilidade de oficializar suas uniões consensuais. Em relação a
paróquia de SPSP foi observado que a proporção de casamentos comunitários é elevada,
chegando a ser de 51,6%, o que é um rico indicador da condição de renda desta
população, pois o mesmo indica um tipo de evento no qual são reunidos num mesmo
dia um grande contingente de casais que estão interessados em se casar
“matrimonialmente”, mas possuem poucos recursos financeiros para arcar com os
custos de uma celebração.

56
NADALIN (2004), op. cit. p. 89.
49

De acordo com a tabela acima a freqüência anual de casamentos ocorridos nas


três paróquias é de 136 a.a. que assim se distribuem:
Paróquia de SFA: 70casamentos a.a.;
Paróquia de NSCA: 41 casamentos a.a;
Paróquia de SPSP: 25 casamentos a.a.
Essa diferença entre as médias é proporcional a quantidade absoluta de
casamentos ocorridos nas três paróquias analisadas. Mas não só. Ela também expressa o
significado deste ritual entre a população dos respectivos espaços dos bairros onde estão
localizadas as paróquias.
Foi possível perceber também que a maior parte dos casamentos ocorreu no
período que antecedeu a transição entre os séculos XX e o XXI. Entre os anos de 1995 à
1999 ocorreram 46,2 % de todos os casamentos registrados no período, isto é, quase
metade de todas as uniões ocorreram nos quatro primeiros anos de um levantamento que
abrange um período de 12 anos.
50

3.1.2 Os meses do casamento


No que diz respeito ao mês selecionado para a realização do casamento
observou-se que Dezembro é o mais escolhido em 25,1% dos registros analisados,
seguido de maio (16,6%), outubro (11,2%) e junho (10,3%). Já entre os meses que
menos interessam as respectivas populações matrimoniais estão Fevereiro que
representou 4,4% do total analizado, Setembro (4,2%), Abril (2,6%) e Agosto, o menos
escolhido entre os meses (2,2%) 57.

57
As questões que podem ser postas à discussão com estes percentuais são: o que marca a escolha do mês
mais apropriado para o casamento? E o que isto significa diante do arranjo matrimonial observado? Os
trabalhos de CAMPOS (Casamento e família em São Paulo Colonial: caminhos e descaminhos. São
Paulo: Paz e Terra, 2003) e Nadalin (1994, op. cit.) apontam para a existência de uma
preferência/resistência marcada, primeiramente, pela concepção religiosa envolvendo o tempo e, segundo,
pela posição/condição social dos contraentes no ciclo temporal determinado pela relação entre cultura e
natureza e o simbolismo do profano e do sagrado. Segundo estes o mês de abril, por exemplo, é, do ponto
de vista religioso, pouco atraente para o casamento devido estar envolvido pelo período do advento
(páscoa), isto é, tempo de reclusão espiritual e carnal, portanto impróprio para os inevitáveis festejos que
prosseguem a este tipo de ritual. Da mesma forma Marcílio (1977, op. cit.) aponta para o fato de que o
movimento sazonal dos casamentos a partir quantificação e da cartografia realizada pela Demografia
Histórica encontrava-se em íntima relação com a concepção cristã de que o período entre o Advento e a
Quaresma era um “tempo proibido”, ou seja, uma época em que deveriam ser evitados os casamentos e as
práticas sexuais. Também Nauffal Filho e Andreazza ao abordarem a obra de Gautier e Henry observam
que “em função da interdição religiosa de se casar durante a Quaresma e durante o Advento, existiam
muito poucos casamentos em março e abril e quase nenhum em dezembro. Os casamentos eram
celebrados em fevereiro e em novembro; entre estes dois picos maiores, situa-se o pico agudo de julho
precedendo a crise dos meses de grande trabalho” (NAUFFAL FILHO, Fernando; ANDREAZZA, Maria
Luiza. Tempo do sagrado e dia de casar. In: Anais - IX Encontro de Estudos Populacionais. ABEP: Belo
Horizonte, 1994. v. 1).
51

Contudo, estas considerações devem ser pontuadas tendo em conta o fato de que
as mesmas representam à média geral do que fora analisado. O que significa dizer que
os meses, ora preferidos ora rejeitados para a realização do enlace, variam entre uma
paróquia e outra, pois correspondem a escolha cultural dos grupos envolvidos por ela.
Por exemplo, no caso do mês de dezembro, tido como preferencial segundo a análise
geral dos registros de casamento, isto é verdade apenas entre os nubentes de SFA, que o
selecionam em 26,6% dos casos, seguido de Junho, que representou 13,4% 58. O mesmo
não ocorre nas paróquais de NSCA e SPSP, pois o mês de dezembro é tanto numa
quanto na outra a segunda opção (20,7% na primeira e 27,6% na segunda). Na
paróquias de NSCA o mês preferência em 22% dos casos é Outubro, enquanto na
paróquia de SPSP a preferência se dá pelo mês de Maio em 45% dos casos.

3.1.3 Os dias da semana


No que tange o dia escolhido para a celebração do matrimônio observou-se em
todas as paróquias a predominância do sábado em 68,5% dos casos, seguido de sexta –
feira (18%) também em todos os casos (ver tabela abaixo).

58
Isto se dá, sobretudo, por conseqüência do peso proporcional de sua população. A mesma por
representar mais da metade da população matrimonial total investigada (51,4%) influencia na média dos
dados obtidos quando analisados em conjunto com os oriundos das outras duas paróquias.
52

O dia, porém, menos interessante para a realização do casamento parece ser a


segunda-feira que foi escolhido em apenas 1,3% dos casos. Verifica-se então uma
preferência pela realização do matrimônio em dias que não interrompam o ciclo
semanal de trabalho, isto é sexta e sábado, que deste ponto de vista concentram cerca de
86,5% da população que casou nas três paróquias citadas.

As únicas observações a serem feitas neste sentido dizem respeito à proporção


de casamentos ocorridos no sábado na paróquia de NSCA e a inexistência de
casamentos no dia domingo na paróquia de SPSP. Quanto à primeira é possível destacar
que a preferência pelo casamento no dia de sábado existente naquela paróquia chega a
ser de 87,6%, índice bastante superior aos 64,8% e 47,7% das paróquias de SFA e
SPSP, respectivamente. Já a segunda observação expõe o questionamento sobre as
circunstâncias que fizeram com que o domingo na paróquia de SPSP não fosse
escolhido em nenhum dos 340 casamentos realizados no período. Assim, o que o torna
evitado tal qual a segunda-feira em todas as paróquias? 59
Pode-se estender este questionamento também para os dias da semana mais
escolhidos, ou para os meses mais ou menos entendidos como preferenciais à realização
do matrimônio. Contudo, o que se busca com este procedimento, todavia, não é

59
É possível que talvez a paróquia não realize casamentos neste dia em função da missa. Portanto casar
em um dia ou noutro não é uma escolha dos cônjuges e sim da administração da paróquia.
53

responder tais questionamentos de maneira peremptória — isto porque a investigação


sobre este processo de escolha envolvendo preferências e resistências em relação ao
60
tempo exige esforços científicos para “além do gabinete” —, mas sim contribuir para
que o leitor pense os espaços analisados como condicionados por possíveis contextos
sócio-culturais específicos que fazem com que a sua população opte por este ou aquele
período para a realização do ritual do casamento. Destarte, pensá-los a partir desta
perspectiva é indicativo da possibilidade de entendê-los como diferentes e ao mesmo
tempo singulares no que diz respeito as suas representações sobre o tempo.

3.2 COM QUE IDADE ESTAMOS CASANDO?


3.2.1 Faixa etária dos nubentes
Nesta seção enfatizar-se-á a análise dos dados relativos à idade dos nubentes que
contraíram matrimônio nas três paróquias supracitadas. Este procedimento se faz
necessário na medida em que ajuda a caracterizar a população dos espaços destacados
segundo uma perspectiva geracional. Segundo Conceição 61
“[a] idade com que homens e mulheres se casam, além de estar ligada as possibilidade
fisiológicas dos indivíduos, reflete padrões sócio-econômicos, culturais e demográficos
dos grupos nos quais os cônjuges estão inseridos”.

Neste sentido pretende-se entender é a relação estabelecida entre os nubentes no que diz
respeito as suas respectivas idades no contexto social de Belém. Isto é, com que idade
homens e mulheres estão casando em Belém? Prevalece algum tipo de homogamia
nestes casamentos? Ou, no caso de alianças heterogamicas, prevalece algum tipo de
relação? Há alguma semelhança entre as três paróquias no que diz respeito a análise
destes resultados? E no que elas diferem?
Tendo em conta a emergência destes questionamentos é que se fez necessária a
elaboração da seguinte tabela:

60
Refiro-me ao procedimento adotado pelo pesquisador no qual o resultado de sua análise depende de
fontes secundárias e não de uma inserção no campo investigado.
61
CONCEIÇÃO, 2004, op. cit.
54

Tabela 13: Faixa etária dos nubentes ao casar


Não
14 a 21 a 26 a 31 a 36 a 41 a 46 a 51 a 56 a Mais
FAIXA declarados
20 25 30 35 40 45 50 55 73 de 73 total
ETÁRIA ou não
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos
identificados
HOMEM 57 410 509 297 164 74 50 23 40 11 0 1635

% 3,5 25,1 31,1 18,2 10,0 4,5 3,0 1,5 2,4 0,7 0,0 100,0

MULHER 229 508 406 230 111 48 39 21 34 2 7 1635

% 14,0 31,1 24,8 14,1 6,8 2,9 2,4 1,3 2,1 0,1 0,4 100,0
Fonte: Livros de Casamento das paróquias

Nela estão dispostos os homens e as mulheres que casaram nas paróquias de


SFA, SPSP e NSCA tendo em conta as idades dos mesmos no ato do matrimônio.
Investiu-se nela uma interpretação que levasse em conta o intervalo de dados expresso
pela pesquisa de uma forma que combinasse a idade de 14 anos com a de 89 anos, uma
e outra representantes dos limites do intervalo, a partir de séries consecutivas que
intercalam as faixas em períodos de 5 anos de diferença em média 62. Todas as idades
acima de 73 anos compõe uma só série.
Seguindo este método foi possível chegar aos seguintes resultados.
Observando as faixas etárias de mulheres e homens que casaram nas paróquias
percebe-se uma diferença no sentido de que o matrimônio ocorre mais cedo entre as
mulheres, enquanto para os homens isto ocorre mais tardiamente. Isto leva a ocorrência
de casamentos em que na maioria dos casos os homens são cerca de 2,8 anos mais
velhos que as mulheres (ver tabela abaixo) 63.

62
O intervalo “14 a 73 anos” é composto por nove séries, cada uma representando uma faixa etária de
cerca de 5 anos à exceção das que envolvem as séries de “14 a 20 anos”, “56 a 73 anos” e “mais de 73
anos”. A primeira por que abrange a população feminina que historicamente realiza seu matrimônio com
idades bastante inferiores aos dos homens (no caso do Brasil ver BERQUÓ, E. Arranjos familiares no
Brasil: uma visão demográfica. In: SCHWARCS, L. M. [Org.]. História da Vida Privada no Brasil, v. 4.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998; para Belém ver Cancela (2006, op. cit.). A segunda e a terceira
por que abrangem uma população pouco expressiva em termos percentuais, mas não menos significativa
quando se busca entender a longevidade dos nubentes.
63
Guttentag e Secord (apud Greene & Rao) atribuem a diferença de idade entre o homem e a mulher às
relações de poder entre os dois sexos. Segundo as autoras “estas relações de poder resultam de uma
mistura de influencias duais e estruturais. As forças duais referem-se às dinâmicas entre os sexos criada
pela oferta relativa de homens e mulheres. As influencias estruturais refletem o status relativo dos dois
sexos na sociedade. È este status que determina o fato de que, no mundo inteiro, os maridos são em geral
mais velhos do que as mulheres” (GREENE, M.; RAO, V. "A compressão do mercado matrimonial e o
55

Tabela 14: Média de idade de homens e mulheres ao casar


Paróquias
Média Geral
SFA NSCA SPSP

HOMENS 30,2 31,5 33,1 31,6

MULHERES 27,4 28,9 30,2 28,8

DIFERENÇA ENTRE A 2,8 2,6 2,9 2,8


MÉDIA DAS IDADES

Esta diferença entre as idades dos nubentes ao casar também pode ser analisada
tendo em conta a descrição do perfil dos casamentos no que diz respeito ao percentual
de homens e mulheres que possuíam idade superior ou igual a do nubente no ato do
matrimônio.

Tabela 15: Perfil dos matrimônios quanto à idade dos nubentes.

Perfil Total Percetual


Homens mais velhos 1085 66,6%
Mulheres mais velhas 395 24,2%
Idades iguais 149 9,2%

Em relação às faixas etárias chegou-se aos seguintes resultados. A população de


mulheres que casa na faixa etária entre 14 e 20 anos é cerca de 4 vezes maior do que a
de homens casando na mesma faixa etária (entre elas o índice chega a 14%, enquanto
entre eles o mesmo não passa dos 3,5%). O que acaba por reiterar a afirmação de que as
mulheres casam mais cedo do que os homens.
As mulheres também são a população que mais casa com a idade entre 21 e 25
anos, por sinal esta faixa entre elas é a preferencial visto que em 31,1% dos
matrimônios as mulheres casaram nesta faixa etária. Os homens embora casem menos
nesta faixa a entendem como a segunda mais apropriada em 25% dos casos, ou seja, ¼
deles casam entre 21 e 25 anos. Esta proporção referente à faixa etária indicada se
reverte quando analisamos a faixa etária seguinte. Isto por que 31,1% dos homens
optam por casar entre os seus 26 e 30 anos, enquanto 25% das mulheres (ou seja, 1/4)

aumento das uniões consensuais no Brasil". Revista Brasileira de Estudos de População (ABEP), v. 9
[2], 1992, p. 169.).
56

assim o fazem. Este percentual entre os homens é o mais significativo dentre as faixas
etárias analisadas, o que indica entre eles uma preferência pelo casamento neste período
da vida.
A proporção de homens com idade entre 31 e 35 anos também é superior ao de
mulheres nesta mesma faixa etária (eles representam 18,1% da amostra e elas 14%).
Fenômeno que se repete sucessivamente até o fim do intervalo entre aqueles que casam
com idades entre 36 e 40 anos (10% versus 6,8%(, 41 e 45 anos (4,5% versus 2,9%), 46
e 50 anos (3,1% versus 2,4%), 51 e 55 anos (1,4% versus 1,3%), 56 e 73 anos (2,5% e
2,1%) e acima de 74 anos período no qual foi possível observar 11 homens casando e
apenas 2 mulheres.
Superpondo estes percentuais chaga-se ao seguinte gráfico:

Com este gráfico é possível verificar que o pico de casamentos entre os nubentes
ocorre entre os 21 e os 30 anos, o que é indicativo de período preferencial para o enlace.
Contudo comparando esta informação chega-se a conclusão que o pico inicial
corresponde a um período relativo às mulheres, enquanto o segundo aos homens. Isto
significa dizer que embora este período da vida seja entendido por ambos como
preferencial para o casamento o mesmo está condicionado pela relação que ambos os
gêneros estabelecem com o tempo, através das condições em que estão estabelecidos ou
das interpretações que possuem acerca dele. Para os homens é interessante casar
próximo aos 30 anos, já as mulheres antecipam este fenômeno para uma idade próxima
aos 21 anos.
57

Tendo em conta a necessidade de se pensar esta questão como indicativa de uma


escolha marcada por preferências e resistências é que se propôs analisa-las também
segundo as informações relativas a cada uma das paróquias. A intenção é perceber
contradições e/ou similaridades.

3.3 IDADES AO CASAR SEGUNDO PARÓQUIA E BAIRRO


3.3.1 São Pedro e São Paulo-Guamá
No caso da paróquias de SPSP onde houve uma elevada oscilação entre uma
aixa etária e outra (ver gráfico abaixo), a idade com que a maioria das mulheres casaram
foi a de 26 anos, seguidas pelas que assim o fizeram com 29 anos.

Embora haja uma grande oscilação o gráfico acima demonstra que entre as
mulheres a faixa etária com proporção significativa de nubentes inicia-se aos 21 anos e
se estende até os 32 anos. A parti daí a tendência é reduzir a freqüência de mulheres
casando na mesma proporção em que estas avançam na idade. Entre os homens a
oscilação também é significativa, mas a região de maior freqüência encontra-se
localizada no intervalo entre os 24 e os 26 anos. Embora o gráfico permita considerar
uma ascendência na linha que representa a freqüência de homens casando a partir dos
18 anos observa-se que a mesma decresce entre aqueles que casam aos 25 anos. A partir
dos 26 anos a tendência é haver uma queda na proporção de homens casando da mesma
forma que a existente entre as mulheres, com a diferença de que em cada idade na
58

maioria dos casos há sempre mais homens casando do que mulheres na mesma idade.
Dois picos podem ser observados entre eles neste processo, aos 37 anos e aos 42 anos,
já entre elas chama atenção o picos referente aos 41 anos.

3.3.2 Nossa Senhora da Conceição Aparecida-Pedreira


No que diz respeito à paróquia de NSCA o dado que mais chama atenção é a
regularidade no intervalo envolvendo os homens que casam entre os 23 e 28 anos; a
tendência, porém de acordo com o gráfico a baixo é a de que haja uma queda na
freqüência de casamentos entre os homens na medida em que estes avançam na idade,
sendo que ainda é possível observar outros dois momentos de pico, aos 32 anos e aos 36
anos.

Já entre as mulheres há uma oscilação na qual os picos de 24 e 26 anos,


respectivamente os maiores, estão localizados entre as freqüências significativas de 22 e
27 anos. A partir da idade de 26 anos a tendência entre as mulheres é que haja uma
queda na freqüência de casamentos na medida em que estas avançam em suas idades,
embora ainda seja possível observar um pico aos 31 anos.

3.3.3 São Francisco de Assis-São Brás


59

E por último, em relação a paróquia de SFA o que se pode observar em termos


de singularidade é a tendência tímida, mas existente, de ocorrerem casamentos
envolvendo mulheres mais jovens proporcionalmente em relação as outras duas
paróquias. A maior freqüência de mulheres casando ocorre entre as idades de 22 e 25
anos, sendo esta última a que apresentou o maior pico. Após este período a tendência
desta freqüência é decair, deixando evidenciadas os picos de 28, 33 e 40 anos (ver
gráfico abaixo).

No que diz respeito aos homens a freqüência se eleva a partir dos 19 anos até os
31 anos. Nesse intervalo dois picos são expressivos:aos 26 e aos 28 anos,
respectivamente. A partir dos 31 anos a tendência é de que haja entre os homens um
decréscimo no número de casamentos, embora com 35 anos hajam homens casando em
proporções maiores que as existentes no decorrer deste processo.

***

Comparando os resultados obtidos com a análise das três paróquias pode-se


observar que em relação às séries envolvendo a idade das mulheres existe uma
semelhança: a existência de dois momentos de queda durante o processo de aumento na
freqüência de casamentos. Ambas localizam-se no intervalo envolvendo o início da
série e o seu pico principal, em que está localizada a maior freqüência. No caso de SPSP
isso ocorre entre as mulheres que possuíam 22 e 25 anos. Já em relação às paróquias de
60

NSCA e SFA a diferença entre estas oscilações foi de dois anos, aos 23 e 25 anos para a
primeira e aos 21 e 23 anos para a segunda. Esta constatação pode indicar que ao longo
de uma faixa etária a idade preferencial para o casamento pode variar entre uma
população e outra.

3.4 HOMOGAMIA ETÁRIA


Considerar uma relação homogâmica entre os nubentes no que diz respeito à
faixa etária é levar em conta que estes possuem no ato do matrimônio idades
semelhantes ou aproximadas dentro de um intervalo analisado.
Neste sentido foi elaborado o seguinte quadro:

Nele constam os números absolutos de casamentos ocorridos nas paróquias no


que diz respeito à relação entre as faixas etárias dos nubentes. Interpretando-o observa-
se que 37,9% dos casamentos ocorridos nas mesmas são homogâmicos quanto à faixa
etária e 62,1% não o são. Esta diferença deve levar em consideração que dentro deste
percentual envolvendo casamentos homogâmicos existem 9% de nubentes que
possuíam a mesma idade ao casar, assim como também o fenômeno, já explicado
anteriormente, de que os homens e as mulheres encontram-se inseridos num contexto
61

cultural que faz com que os primeiros adiem o período do seu casamento, enquanto
entre as mulheres isto é antecipado.
Tendo em conta o mapa a seguir onde estão distribuídos percentualmente os
índices de casamentos verifica-se que a maior parte dos casamentos homogâmicos se
concentra na faixa etária de 21 a 25 anos com 13%, seguido dos que ocorrem entre
nubentes que estão na faixa etária entre 26 e 30 anos, com 11,1%. Dentre os casamentos
que não são homogâmicos quanto a faixa etária chama atenção aqueles que envolvem
homens entre 21 e 25 anos com mulheres com idade entre 14 e 20 anos (eles
representam 7% do total analisado), homens entre 26 e 30 anos com mulheres entre 21 e
25 anos (12%) e homens entre 31 e 35 anos com mulheres entre 26 e 30 anos (6%).

Quadro 2: Distribuição percentual dos nubentes segundo o sexo e a faixa etária

Tendo em conta a avaliação conjuntural destes dados é possível afirmar que os


casamentos ocorridos nas paróquias de SPSP, NSCA e SFA em média se dão com uma
diferença de cerca de três a cinco anos entre homens e mulheres.
62

CAPÍTULO IV
MIGRAÇÃO E ORIGEM
63

4.1 TEORIAS SOBRE MIGRAÇÃO E AS ORIGENS DOS NUBENTES


Entender a migração existente em Belém através da análise demográfica dos
casamentos ocorridos no período entre 1995 e 2006 nas paróquias de SFA, NSCA e
SPSP é o principal objetivo deste capítulo. Nele enfatizar-se-á a relação entre casamento
e migração no sentido de compreendê-los como fenômenos sociais dinâmicos e
complexos.
Este procedimento, contudo, requer uma aproximação aos estudos de demografia
brasileira, uma vez que permitem interpretar o fenômeno demográfico para além dos
limites metodológicos impostos pelas informações obtidas com os registros de
casamento. Os mesmos, embora iniludivelmente permitam pensar a realidade dos
casamentos, contribuem também para a interpretação da realidade social que os envolve
e assim a evolução demográfica dos espaços urbanos nos quais as paróquias estão
localizadas. Também permitem que se questione o papel do casamento no processo
migratório e se critique os modelos teóricos que entendem a migração como resultante
apenas da busca por trabalho. Quem migra também procura casar.
A migração observada a partir deste ponto de vista passa a ser analisada pela
demografia em meio a um conjunto de transformações pelas quais passa sociedade, e ao
dialogar com a histórica ajuda, de acordo com Nadalin, a entender também que as séries
de dados quantificados são indicadores de determinadas relações sociais e padrões
culturais 64. Isto também permite que os indivíduos sejam interpretados á luz de seus
vários sentidos, pela sua multiplicidade, como sujeitos marcados pelo fluxo das relações
que estabelecem uns com os outros nos espaços em que transitam. A migração,
portanto, é para a sociedade um processo social, refletindo e determinando as
transformações ocorridas na organização social da produção em nível de regiões, setores
econômicos ou grupos sociais 65.
No caso brasileiro isto é indicativo também de um fenômeno cultural. Segundo
Vale e Lima
O impulso a migrar do brasileiro é um fato histórico e faz parte da organização da
sociedade e da produção do espaço nacional.

Os autores continuam e afirmam que

64
NADALIN (1994), op. cit.
65
MARTINE, G. Os dados censitários sobre migrações internas: evolução e utilização, in:
Censo, Consenso e contrasensos, III Seminário Metodológico dos Censos Demográficos
(ABEP), Ouro Preto, 1984, pp. 183-211.
64

[a] rigidez da estratificação social no Brasil é tão grande que para “melhorar de vida” ou
“ascender socialmente”, para uma grande maioria da população, sempre esteve
associado à migração ou, melhor ainda, só era possível com a migração. Uma trajetória
migratória se fundamenta nesta cultura’ (Durhan, 1984). A cultura migratória faz a
intermediação entre as trajetórias estruturadas social e economicamente e o nível da
decisão individual de migrar. Mesmo que no processo de decisão esteja envolvida uma
forma de alienação, em função da ilusão migratória, deve ficar claro que as migrações
não são um processo exclusivamente determinado pelas necessidades estruturais da
sociedade e da economia e pelas imposições políticas do Estado. Os migrantes não
passeiam ‘inconscientes’ pelas trajetórias migratórias, podem até fazê-lo, de um certo
modo, em função da ilusão migratória ou da enorme adversidade social no lugar de
origem, mas não são, somente, marionetes nas mãos dos desígnios estruturais 66.

Neste sentido é preciso conceber o migrante como sujeito deslocado no tempo e


no espaço e que o mesmo não se encontra determinado apenas pelo local de destino,
mas também influenciado pela pressão social que sofre no local de origem 67.
Apoiando-se nestas considerações é possível afirmar, através do trabalho de
Fernandes de Oliveira & Jannuzzi, que os modelos explicativos e esquemas
interpretativos do fenômeno migratório, de abordagem macro ou micro-social,
inspirados em escolas clássicas ou histórico-estrutural, atribuem aos desequilíbrios
espaciais de natureza econômica a determinação básica desses fluxos migratórios 68.
Uma forma de exemplificar isto pode ser encontrada no modelo arquimediano de “vasos
comunicantes” desenvolvido por Osório 69. Segundo ele é possível entender o exemplo
da migração nordestina para Amazônia no período de extração da borracha (final do
século XIX e início do XX) e dos projetos de assentamento rural (segunda metade do
século XX) através deste modelo por que ambas as regiões apresentaram ao longo de
sua história formativa “escassez” de um lado e “abundância” de outro, e por isso uma
tendência a buscarem o equilíbrio físico (enquanto de um lado há abundância de água,

66
LIMA, L. C.; VALE, A. L. F. Migração e mudança social: a influência do migrante so dertão
nordestino no Norte do Brasil. In: Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales,
Barcelona, n. 94 (82), 2001. (pp.3-4).
4
“Grande parte dos estudos sobre a migração interna se utilizam dos fatores de expulsão e atração da
população como explicação teórica dos fluxos migratórios” (MATOS, R.; BRAGA, F.; Redes Sociais,
Redes Territoriais e Migrações. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais [ABEP], Caxambú
/Minas Gerais, Setembro de 2004, p. 4). De acordo com OSÓRIO “[a] abordagem concebida para
compreender as migrações [...] admite que essas são associadas às oportunidades entre as existentes na
origem e as existentes no destino, devendo-se interpretar conjuntamente os fatores expulsivos na origem
dos fluxos e os fatores atrativos no destino, haja vista que ambos desempenham uma função específica e
recíproca na determinação dos fluxos e nas suas características. A abordagem é condizente dom a
orientação de um importante documento oficial que recomenda ‘não considerar os momentos específicos
do processo migratório (expulsão ou atração) em separado’” (OSÓRIO, C.. Migrações recentes e
desigualdades. Anais do I Encontro Nacional da ABEP, Campos do Jordão, 1978, p. 606).
68
OLIVEIRA, K. F.; JANNUZZI, P. M. Motivos para migração no Brasil e retorno ao nordeste:
padrões etários, por sexo e origem/destino. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 19, n. 4, 2005.
69
Op. cit.
65

do outro há escassez; enquanto de um lado há um vazio demográfico, no outro há um


expressivo contingente populacional). Lacerda, por outra via, a do imaginário,
demonstra através da migração cearense para o Pará no início do século que esta
imagem de escassez e abundância permeou a trajetória de um expressivo número de
famílias que se estabeleceram em Belém 70. No espaço de destino, um “misto de
Eldorado e de inferno”, entraram em choque com as contradições dessa idéia de falta e
excesso, sobretudo por que a mesma encontra-se assentada não no ambiente em que se
encontram, mas no paradigma da marginalidade social da qual resultam 71.
Essa dinâmica proporcionada pela migração permite observar que no espaço há
um contato entre inúmeros indivíduos. Quando buscamos, a partir de uma ponto de vista
evolutivo, um recorte histórico que ajude a entender a manifestação destas relações na
cidade, percebemos que isto ocorre proporcionando uma realidade transitória, instável e
relativa, capaz de proporcionar aquilo que Brito et all considera como um “padrão
migratório” 72.
É dentro desse padrão migratório que surge o migrante, um sujeito que tende a
se adaptar a locais de destino diferentes do qual nasceu. Alguns conceitos neste sentido
podem contribuir para entender este sujeito. Faissol percebe que o migrante é
designativo de uma população que reside em um município diferente daquele em que
nasceu. Esta definição segundo o mesmo autor, contudo, “exclui a migração de origem
urbana ou rural no interior dos municípios” e subestima “a migração de origem rural e
73
destino urbano” . Bassanezi segue a mesma linha de raciocínio e compreende que “o
termo indica a não coincidência entre o local de residência e o de nascimento de um
74
determinado sujeito” . A ONU (apud Carvalho & Rigotti) considera que migrante é

70
“Nesse entendimento da Amazônia como um espaço de natureza opulenta e terra fértil, espaço que, por
essas qualidades, poderia garantir o sucesso do migrante que resolvesse instalar-se na região, temos a
construção de uma imagem da Amazônia que correu pelo Ceará e que, sem dúvida, influenciou na
decisão de muitos cearenses no sentido de deixar ou não o seu lugar de origem” (LACERDA, F. G. Entre
o sertão e a floresta: natureza, cultura e experiências sociais de migrantes cearenses na Amazônia [1889-
1916]. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 51. p. 216).
71
Se “lá” a seca ocultava uma realidade de exclusão social devido à concentração das terras pelos
latifundiários, “aqui” as enchentes e os alagamentos da região de várzea ocultavam a realidade de uma
migração que levou a população nordestina a ocupar as áreas menos urbanizadas e distantes do centro de
Belém. (LACERDA, Op. Cit.).
72
Padrão migratório é considerado o “modo como se dá a articulação entre as trajetórias migratórias e o
contexto histórico dentro do qual elas estão estruturadas para atender as necessidades da dinâmica
demográfica, econômica, social e política” (BRITO, F.; GARCIA, R. A.; VIEIRA DE SOUZA, R. G. As
tendências recentes das migrações interestaduais e o padrão migratório. In: Anais do XIV Encontro
Nacional de Estudos Populacionais [ABEP], Caxambu, Setembro de 2004, p.3.)
73
FAISSOL, S. Aspectos formais do Estudo de migrações internas. In: Anais do I Encontro Nacional de
estudos populacionais (ABEP), Campos do Jordão / São Paulo, 1978, p. 11.
74
BASSANEZI (2000), op. cit., p.1
66

aquele que se estabelece permanentemente no local de destino 75. O IBGE, que no Brasil
é a instituição por excelência que melhor aborda o conceito, tem atribuído ao termo
diferentes significados ao longo dos respectivos e periódicos censos que aplica.
No tocante a esta investigação o migrante, seja ele homem ou mulher, foi
identificado através do item origem contido nos livros de casamento das paróquias. A
validade dos mesmos, como primeira condição para derivar uma interpretação, permitiu
identificar que as informações obtidas são procedentes para a discussão que segue na
medida em que são válidas em 95% do total investigado.
Analisando a partir dessa origem a proporção de homens e mulheres que
casaram nas três paróquias, chega-se a conclusão que cerca de 66,7% dos homens e
70% das mulheres, isto é, mais de 2/3 dos nubentes, nasceram Belém, 23,3% dos
homens e 23,5% das mulheres tem origem em alguma cidade do interior do estado do
Pará, 9,3% de homens e 6,5% de mulheres são provenientes de outros estados da
federação e apenas 0,7% dos homens são oriundos de outros países. Em relação a este
último item descobriu-se que não houveram mulheres de outros países casando nestas
paróquias.

Tabela 17: Origem dos nubentes

ORIGEM HOMEM % MULHER %

Belém 1058 66,7 1084 70,0

Interior do Pará 368 23,3 363 23,5

Nacional 147 9,3 100 6,5

Estrangeiro 11 0,7 0 0,0

TOTAL 1584 100 1547 100


Fonte: Livros de casamento das paróquias NSCA, SPSP e SFA (Belém, 1995-2006).

De acordo com a tabela acima predominaram casamentos em que pelo menos


um dos nubentes nasceu na cidade de Belém. Também indica a existência de uma

75
Nos Censos Demográficos do Brasil de 1960 e 1970, por exemplo, as questões foram direcionadas aos
que não haviam nascido no município de residência na data do Censo, ou seja, apenas aos não-naturais
dos municípios. Já no Censo de 1980 a investigação não se limitou aos não naturais, e além das
migrações intermuncipais perguntou-se também sobre as intramunicipais, porém sem inquirir sobre o
tempo e quem se deu o evento. No caso das estimativas da migração através de técnica indireta feita pelo
IBGE o conceito de migrante depende dos locais de residência nas duas datas limites do período
analisado (RIGOTTI, J. I. R; CARVALHO, J. A. M. Análise das metodologias de mensuração das
migrações. In: Anais do I Encontro Nacional sobre Migrações [ABEP], Curitiba, 1997, pp. 211-2).
67

proporção superior de migrantes do interior em relação aos migrantes nacionais e


estrangeiros, assim como uma variação na proporção entre homens e mulheres de
acordo com cada item analisado. Essa variabilidade merece, porém, ser questionada
tendo em conta a relação que cada uma estabelece com contexto sócio-espacial dos
bairros pesquisados. Estas médias estariam indicando uma homogeneidade demográfica
presentes nos espaços dos bairros ou ela apenas escamoteia a baixa ou elevada
proporção de migrantes em relação a cada um deles?
Pensando nisso é que fora analisadas as origens a partir das respectivas
paróquias em que ocorreram os casamentos na intenção de demonstrar particularidades
ou semelhanças entre os resultados alcançados.

Tabela 18: Origem dos nubentes segundo as paróquias

PARÓQUIA (Bairro)
SPSP NSCA SFA
ORIGEM
(Guamá) (Pedreira) (São Brás)
HOMEM MULHER HOMEM MULHER HOMEM MULHER
Belém 60,4 60,4 69,2 75,1 67,6 70,7
Interior 32,4 35,6 22,4 19,4 20,4 21,2
Nacional 7,2 4,0 7,8 5,5 11,0 8,1
Estrangeiro 0,0 0,0 0,6 0,0 1,0 0,0
TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Livros de casamento das paróquias NSCA, SPSP e SFA (Belém, 1995-2006).

De acordo com a tabela acima, ao propor-se uma análise sobre a proporção dos
nubentes a partir de um recorte sobre a migração constata-se que em relação a cada uma
das regiões de origem existem resultados por bairro e paróquia que precisam ser
salientados. Por exemplo:
• A naturalidade dos nubentes é proporcionalmente igual entre as paróquias,
apenas alterando-se quando avaliada segundo o gênero;
• A tendência para o casamento nas paróquias envolver sempre um percentual
superior de mulheres ao de homens com origem em Belém;
• No entanto as proporções de nubentes que nasceram e se casaram em Belém
são superiores nas paróquias de SFA e NSCA em relação aos que casaram na
paróquia de SPSP;
• O percentual de 75,1% de mulheres (¾ do total) nascidas em Belém e que se
casaram na paróquia de NSCA é o maior dentre todos os analisados.
68

• Há uma maior proporção de migrantes do interior do estado do Pará casando


na paróquia de SPSP (Guamá) 76;
• Das três paróquias apenas a de NSCA (Pedreira) é a que possui uma
proporção de mulheres migrantes do interior do estado do Pará inferior ao de
Homens.
• A proporção de homens que migram de outros estados do Brasil e casam nas
respectivas paróquias é sempre superior ao de mulheres nesta condição;
• Embora seja inexpressiva presença de estrangeiros nos livros de casamento,
os mesmos quando estabelecem matrimônio o fazem nas paróquias de
NSCA e SFA e são do sexo masculino.
Sendo assim é possível indicar o predomínio de casamento envolvendo naturais
da capital, sobretudo mulheres. Também é possível declarar que há uma tendência para
que os casamentos envolvendo migrantes ocorra em maiores proporções envolvendo os
nascidos em outros municípios do interior do Pará, sobretudo com mulheres e que o
mesmo, em menores proporções, envolve homens de outros estados da federação ou de
outros países.
Por hora é possível sintetizar estas considerações afirmando que há uma maior
circulação no espaço urbano de Belém de homens vindos de outras regiões do estado,
do país e do mundo em relação as mulheres no que diz respeito ao casamento 77.
Excluindo-se a pretensão de explicar esta circulação com base nas diferenças de
gênero, uma vez que isto requer um empenho maior na compreensão do contexto onde
estão inseridos estes sujeitos, vale pensar que esta circulação não é recente mas
constitui-se como uma fenômeno recorrente no cenário de Belém. Para entende-lo,
portanto, é necessário que seja feito um recuo no tempo de cerca de 30 anos – a idade
média dos nubentes que casaram nas paróquias. Assim é possível encarar estes
resultados partir da problematização dos dados fornecidos, ou seja: embora representem

76
No caso do bairro do Guamá, que pelo explicitado até aqui tende a ser o menos urbanizado dentre os
bairros investigados, podemos perceber que a maior proporção de migrantes de município do interior do
Pará indica a existência de uma opção por parte desta população em ocupá-lo. O que o distingue dos
outros bairros é que este processo se dá produzindo uma “periferização da população residente”, à
maneira como afirma PASTERNAK & BÓGUS (2005), op. cit. Para Faria os espaços urbanos
periferizados, sobretudo após o levante migratório de décadas anteriores, explicaria a inchação do
terciário e a marginalidade ocupacional existente nas metrópoles brasileiras (FARIA, V. O processo de
urbanização no Brasil: algumas notas para seu estudo e interpretação. In: Anais do I Encontro Nacional
de Estudos Populacionais (ABEP), Campos do Jordão / São Paulo, 1978).
77
Posteriormente será analisada a estrutura das alianças com a finalidade de entender se há ou não uma
preferência por parte dos nubentes pelo casamento com um ou outro migrante (homogamia geográfica).
69

a maioria, esses nubentes naturais de Belém não seriam filhos de migrantes? Ou, qual o
tempo de residência dos migrantes nesta cidade?
Responder estas questões ajudaria a entender quando e como estes sujeitos se
estabeleceram na cidade e também de que forma se inseriram no fenômeno matrimonial
que aí existe. Esta inserção daria condições para que fosse possível compreender os
respectivos espaços em que foram socializados esses indivíduos e como os mesmos
estabeleceram a seleção dos seus pares. Ma para que isto ocorra Faria adverte que o
estudo destes tipos de fenômenos exigem
esforços [na] construção de objetos de conhecimento que articulem conjuntos de
determinações pertinentes para a apreensão do urbano e análise de situações urbanas
particulares e concretas, onde a capacidade da prática científica de produzir ‘o concreto
como síntese de múltiplas determinações’ realiza-se e testa-se. [É necessário] uma
análise de situações urbanas concretas a partir de objetos teóricos bem definidos 78.

O casamento, neste sentido, por ser um fenômeno social concreto que permite a
observação das formas de articulação existentes na sociedade – através das alianças –
possibilita entender que o movimento demográfico existente hoje e estabelecido a partir
do contato entre os indivíduos é indicativo das formas como a sociedade se organiza no
espaço ao longo do tempo.
A proposta em recuar no tempo é importante por que ajuda a compreender
Belém como uma cidade que se urbanizou e condicionou aos seus espaços distintos
níveis de ocupação. É uma cidade, portanto que se re-elaborou com a população que a
ocupou ao longo de sua história, passando a ser considerada pela demografia brasileira
como uma dentre as metrópoles brasileiras que mais absorveu migrantes ao longo dos
últimos 30 anos 79.
A migração para Amazônia, vista à luz da transformação ocorrida no período
entre 1970 e a metade da década de 1980, passa a ser neste sentido um importante
recorte para entender como todo esse período influenciou a organização social desta
capital na atualidade. Foi naquele contexto que emergiu no Estado uma preocupação
pela ocupação das áreas consideradas “de fronteira”. Surgiram os Projetos de

78
Idem.
79
BRITO (2006), op. cit.
70

Colonização Dirigida 80, o PROTERRA, a abertura da Transamazônica e a construção da


Belém-Brasília, todos influenciados pelo Programa de Integração Nacional.
Tal fenômeno resultou numa era de intenso fluxo populacional, que primeiro
deslocou camponeses, sobretudo do Nordeste, para áreas rurais localizadas no curso das
grandes rodovias. A posteriori houve um redirecionamento deste fluxo, que levou
àquela mesma população a migrar novamente, só que noutro sentido, isto é, para as
zonas metropolitanas de grandes cidades, como Belém e Manaus 81.
Essa migração para a cidade transformou as áreas dos bairros que foram
surgindo em espaços marcados pela singularidade identitária dos migrantes. A análise
feita por Rodrigues 82 sobre o bairro do Jurunas é exemplar neste sentido. A autora
identificou que a população deste bairro é constituída por migrantes ribeirinhos que se
transferiram para o espaço urbano buscando reproduzir sua existência através de redes
de sociabilidade. Para ela estas redes contribuem na construção e reconstrução das
práticas cotidianas dos migrantes e ajudando-lhes a produzir processos de identificação
sem os quais seria difícil situarem-se no mundo urbano.
Para Brito & Souza “[a]s cidades, além de concentrarem uma parcela crescente
da população do país, convertem-se no locus privilegiado das atividades econômicas
mais relevantes e transformam-se em difusoras dos novos padrões de relações sociais –
incluindo as de produção – e de estilos de vida” 83. Isso explicaria a emergência de áreas

80
CUNHA, J.M.; BAENINGER, R. A migração nos Estados Brasileiros no período recente: principais
tendências e mudanças. A migração nos estados brasileiros, no período recente: principais tendências e
mudança. In: Encontro nacional sobre Migração, 2., Anais... Belo Horizonte: Abep, 2000. p. 117-165;
TOBIAS, A. J. Dinâmica migratória paraense no período 1981-1991. In: Anais do XIII Encontro da
Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), Ouro Preto/Minas Gerais, 2002; MATOS, R.;
BRAGA, F., op. cit.; BRITO, F. et all., op. cit.; OSÓRIO, C., op. cit. e BRITO, F. O deslocamento da
população brasileira para as metrópoles. Estud. av. , São Paulo, v. 20, n. 57, 2006.
81
Hébette e Marin ao historiar o processo de ocupação na região da Belém-Brasília
durante a década de 60, mostravam que tanto a ocupação espontânea como a
colonização dirigida desembocavam no latifúndio; para os colonos, uma das alternativas
de sobrevivência mais comum era dirigir-se para as periferias das cidades amazônicas
(HÉBETTE, J.; ACEVEDO MARIN, R. E.. Mobilidade do Trabalho e Fronteira
Amazônica: A Belém-Brasília. In: Anais do II Encontro Nacional de Estudos
Populacionais (ABEP), São Paulo, 1981).
82
RODRIGUES, C. I. Vem do bairro do Jurunas: sociabilidade e construção de identidades entre
ribeirinhos em Belém – PA. (Tese) Doutorado em Antropologia, Centro de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Pernambuco, 2006.
83
BRITO, F.; SOUZA, J. Expansão urbana nas grandes metrópoles: o significado das migrações
intrametropolitanas e da mobilidade pendular na reprodução da pobreza. São Paulo Perspec., São
Paulo, v. 19, n. 4, 2005. Para Brito (2006 [op. cit.]) essa concentração da população nas cidades tem
haver com a grande expansão urbana no Brasil. Segundo ele este processo ocorreu na segunda metade do
século XX, quando a população das cidades superou a população rural; portanto “o rápido processo de
urbanização é um fenômeno estrutural relativamente recente, tendo o seu auge medido pela velocidade do
crescimento da população urbana, entre os anos 1950 e 1970” (BRITO [2006], op. cit. p. 222).
71

em seu interior nas quais os migrantes contribuem modificando as estruturas de


organização e de arranjo da sociedade, além do que influenciam o meio ambiente
urbano pela forma como o ocupam, o utilizam e se fazem percebidos.
Passemos, pois, a análise das formas de composição dos bairros tendo em conta
a origem dos nubentes. O objetivo deste procedimento é encontrar elementos que
ajudem explicar a presença dos migrantes nestes locais.

4.2 MIGRANTES QUANTO À ORIGEM EM RELAÇÃO À MESO-


REGIÃO DO ESTADO DO PARÁ
Os migrantes nesta condição são todos aqueles nascidos em municípios
pertencentes ao Estado do Pará, exceto Belém, que é o local onde é realizada a pesquisa.
O Pará é o segundo maior estado da federação e possui em seu interior 143
municípios. Está dividido em seis meso-regiões, a saber, Baixo-Amazonas, Marajó,
Metropolitana de Belém, Nordeste, Sudeste e Sudoeste. Segundo Tobias as mesmas
surgiram com o Censo de 1991. Para este autor “as meso-regiões paraenses guardam
entre si diferenças significativas no que diz respeito tanto na estrutura produtiva e que
lhes confere determinada vocação econômica, quanto no processo migratório
interestadual e intra-estadual” 84.

Mapa 5: Estado do Pará e suas meso-regiões.

Fonte: Modificado do Wikipédia

84
TOBIAS, op. cit., p. 9.
72

Analisando os registros de casamento chegou-se a conclusão de que existem


fluxos migracionais destas regiões para Belém que variam em intensidade entre uma e
outra. As mesmas podem ser mais bem observadas através da tabela abaixo:

Tabela 19: Origem dos nubentes segundo as meso-região do Estado do Pará.

SPSP NSCA SFA Total Média


Meso-região
Total % Total % Total % Geral percentual

Nordeste 140 62,2 123 60,6 225 69,6 488 65,0


Marajó 30 13,3 35 17,2 29 9,0 94 12,5

Metropolitana de Belém 44 19,5 16 7,9 26 8,0 86 11,5

Baixo-Amazonas 5 2,2 23 11,3 29 9,0 57 7,6


Sudeste 2 0,9 3 1,5 11 3,4 16 2,1
Sudoeste 4 1,9 3 1,5 3 1,0 10 1,3
TOTAL 225 100,0 203 100 323 100,0 751 100
Fonte: Livros de casamento das paróquias SPSP, NSCA e SFA (Belém, 1995-2006).

De acordo com esta tabela, onde são analisadas as origens dos nubentes quanto
às meso-regiões do Pará, pode-se perceber que predominam as migrações envolvendo
pessoas nascidas na região Nordeste do Estado. Dela migraram cerca de 65% dos
nubentes. Em segundo lugar estão os nascidos na região da ilha do Marajó que
correspondem a 12,5% dos migrantes. Em seguida os migrantes da região Metropolitana
de Belém representando cerca de 11,5% dos indivíduos. Os nascidos na região do
Baixo-Amazonas, com 7,6%, os da região Sudeste, com 2,1% constituem
respectivamente o quarto e o quinto grupo de migrantes do interior que mais estão
presentes nesta capital. E, por último, os que nasceram na região Sudoeste do Estado
que representam 1,3% dos nubentes que contraíram matrimônio nas três paróquias.
Ao serem verificadas as diferenças na proporção de nubentes que casaram em
uma outra paróquia e que são migrantes do interior do estado do Pará o que se percebe é
uma tendência de que migrantes da região Nordeste do Estado casem em maior
proporção na paróquia de SFA (69,6%), seguido dos que casaram na paróquia de SPSP
(62,2%) e NSCA (60,6%). Os que provêm da região do Marajó estabelecem suas
alianças em maiores proporções na paróquia de NSCA, em 17,2% dos casos, seguido
daqueles que o fazem nas paróquias de SPSP (13,3%) e SFA (9%). Os nubentes que
73

migraram da região metropolitana de Belém – espaço no qual está inserida a capital –


casam em sua grande parte na paróquia de SPSP (19,5%), em segundo lugar estão os
que casam na paróquia de SFA, com 8%, e, por último, os que estabeleceram sua uniões
na paróquia de NSCA (7,9%). Os que migraram da região do Baixo-Amazonas casaram
em maior proporção nas paróquias de NSCA e SFA. Ambos concentraram
respectivamente 11,3% e 9% dos casamentos envolvendo estes migrantes. Na paróquia
de SPSP os mesmos foram representaram apenas 2,2% dos casamentos que lá
ocorreram. Já os migrantes das regiões Sudeste e Sudoeste, os menos expressivos diante
da proporção de casamentos envolvendo migrantes das meso-regiões paraenses, houve
uma tendência dos primeiros casarem na paróquia de SFA, em pelo menos 3,4% dos
casos, e dos segundos efetuarem suas uniões em maior proporção na paróquia de SPSP
(1,9%).
Analisando estas proporções é possível perceber que as mesmas se assemelham
àquelas expostas por Tobias, quando este, buscando entender o padrão migratório no
Pará durante a década de 1980, descobriu que o principal fluxo se dava na direção da
cidade urbanizada, isto é, a região metropolitana de Belém 85 e se concentrava nas trocas
com as regiões Nordeste e do Marajó. Tal movimento deveu-se em parte as trocas
migratórias resultantes do Projeto de Colonização da Amazônia, que apesar de ter sido
promovido pelo Estado, via ocupação de zonas de assentamento, não proporcionou
meios que, em larga escala, atendessem as necessidades da população, ora pela ausência
de infra-estrutura, ora pelo ambiente ecológico ao qual não se adaptaram. Isto
proporcionou um fenômeno de migração maciça dos mesmos para o entorno de grandes
cidades, como Belém e Manaus.
No trabalho de Tobias é possível perceber também que o fluxo migratório
interno ocorrido no Pará é mais relevante que existente entre este e os outros estados da
federação 86. Tal fenômeno indica de que os casamentos ocorridos no período entre 1995

85
“À medida em que a urbanização vai se expandindo no território paraense, maior é a concentração de
fluxos migratórios com destino urbano e, via de regra, com destino à Metropolitana de Belém, mais
especificamente para o município de Belém” (TOBIAS, idem, p. 16).
86
Para Cunha & Baeninger “os dados sobre o volume e importância relativa da migração intra-estadual
sobre o conjunto dos movimentos intermunicipais não deixam lugar à dúvida quanto à sua crescente
importância na dinâmica demográfica dos estados, sobretudo nos anos 80. Assim, se na década de 70,
mas de 15,4 milhões de pessoas fizeram um movimento intra-estadual, representando 60,7% do total de
migrantes intermunicipais, na década seguinte esse número aumentou sua importância em todos os
sentidos: 16,7 milhões e 66,7% dos movimentos intermunicipais. Nos anos noventa, os dados da PNAD
95 apontam para um volume de mais de 6,7 milhões em cinco anos—ou quase 14 milhões na década,
supondo certa uniformidade no período—o que demonstra o fôlego desse tipo de movimento migratório”
(CUNHA, J.M.; BAENINGER, R. op. cit., p. 130).
74

e 2006 podem estar assentados nestes fluxos, e portanto podem ser relacionados com o a
migração ocorrida em Belém desde a década de 1980.

Tabela 20: Migração intra-estadual do Estado do Pará. 1981-1991.


Migração intra-estadual
Meso-região de origem Trocas
Imigrantes % Emigrantes %
líquidas
Baixo-amazonas 18.777 7,0 21.390 8,0 -2.613
Marajó 5.950 2,2 19.473 7,3 -13.523
Metropolitana de Belém 129.332 48,5 50.478 19,0 78.854
Nordeste 41.953 15,9 122.026 45,8 -80.073
Sudeste 39.442 14,8 35.019 13,1 12.932
Sudoeste 31.076 11,6 18.144 6,8 4.423
TOTAL 266.530 100,0 266.530 100,0 0
Fonte: TOBIAS (2002). Adaptado para este trabalho.

Em seu trabalho o que se percebe é que a região Metropolitana de Belém,


principalmente a capital é uma zona de absorção da população que circula no interior do
Estado. O mesmo ocorre nas regiões Sudeste e Sudoeste. Neste sentido, apreende-se que
o baixo percentual de casamentos envolvendo migrantes destas duas últimas regiões nas
paróquias de SPSP, NSCA e SFA tem haver com a pouca circulação desta população no
interior de Belém.
O contrário disto ocorre quando observamos o fluxo de migrantes das regiões do
Baixo Amazonas, do Marajó e do Nordeste paraense. Ele indica que estas são as que
mais perdem população para as outras áreas do estado 87. Aliás, as trocas líquidas
ocorridas nestas regiões possuem um paralelo com o observado junto ao grupo de
nubentes das paróquias que migraram destas meso-regiões. Excluindo-se a região onde
está localizada a capital, verifica-se a região Nordeste do Estado como sendo a que
lidera o fluxo, com uma diferença significativamente superior em relação as regiões do
Marajó e do Baixo-Amazonas, consecutivamente.
Dentre as populações dos municípios que mais se destacam entre aqueles que
migraram e casaram nas três paróquias de Belém estão: Santarém e Almeirim na região

87
É bem provável que grande parte destas perdas populacionais se devam a uma absorção do fluxo
migratório por Belém. Isto por que segundo os dados de Tobias, quase a metade da população que circula
pelo interior do Pará, migra para esta capital.
75

do Baixo-Amazonas, Ponta de Pedras e Soure na Região do Marajó, Cametá,


Abaetetuba, Bragança, Igarapé-Miri, Tomé-Açú e Vigia na região do Nordeste
paraense, Conceição do Araguaia no Sudeste e Altamira no Sudoeste.

4.3 MIGRANTES QUANTO À ORIGEM EM RELAÇÃO AOS OUTROS


ESTADOS E REGIÕES DA FEDERAÇÃO E TAMBÉM DO EXTERIOR
Os casamentos ocorridos nas paróquias de SPSP, NSCA e SFA permitiram
observar que 9,3% de homens e 6,5% de mulheres nasceram em outros estados da
federação e apenas 0,7% são homens que nasceram no exterior. Neste sentido é
necessário indagar estas informações com o fito de entender a origem e o destino destes
migrantes. De quais estados ou países os mesmos provém? Que bairros eles ocupam?
Dentre as estados, as regiões que formam o território brasileiro e os países existe
algum(a) que lidera em proporção o quadro desse fluxo migratório para Belém? E se
houver, há alguma relação entre os dados fornecidos pelos registros de casamento e
aqueles obtidos pela demografia em relação à migração pra Belém no período de análise
proposta?
Através destes questionamentos o casamento passa a subsidiar o interesse pelo
entendimento da dinâmica populacional e a composição demográfica que os bairros de
Belém possuem. Por ser um fenômeno que está inserido no cenário urbano é possível
que o mesmo se torne um importante indicativo do processo organizacional dos grupos
que os compõem. Por esta via é que se partilha a convicção de que os espaços em que
estão situados os indivíduos com origens distintas das dos naturais podem revelar uma
relação que permeia as escolhas matrimoniais dos sujeitos ao longo de sua trajetória
urbana.
Com este fito é que foi levado a cabo o desenvolvimento de um quadro que
expusesse as origens destes sujeitos. O mesmo enfatiza em sua análise os migrantes,
segundo o gênero, que casaram em Belém e que são oriundos de alguma das cinco
regiões que compõem o Brasil, a partir de seus respectivos estados, assim como também
os países dos quais vieram os poucos estrangeiros.
76
Quadro 3: Distribuição dos nubentes segundo o estado, região e país de origem

TOTAL
REGIÃO Estado ou País HOMENS MULHERES TOTAL %
GERAL
AMAPÁ 14 16 30
AMAZONAS 12 8 20
RONDÔNIA 0 2 2
NORTE 55 21%
RORAIMA 1 0 1
TOCANTINS 0 1 1
ACRE 0 1 1
MARANHÃO 40 19 59
CEARÁ 12 11 23
PIAUI 12 9 18
PENAMBUCO 4 4 8
NORDESTE 119 47%
BAHIA 1 2 3
RIO GRANDE DO NORTE 1 1 2
PARAÍBA 2 0 2
ALAGOAS 1 0 1
DISTRITO FEDERAL 4 2 6
CENTRO-
GOIÁS 2 0 2 11 4%
OESTE
MATO GROSSO 3 0 3
RIO DE JANEIRO 21 14 35
SÃO PAULO 6 3 9
SUDESTE 50 19%
MINAS GERAIS 3 2 5
ESPÍRITO SANTO 0 1 1
PARANÁ 3 1 4
SUL RIO GRANDE DO SUL 2 2 4 10 4%
SANTA CATARINA 1 1 2
ESTADOS UNIDOS 2 0 2
FRANÇA 2 0 2
ARGENTINA 2 0 2
LIBANO 1 0 1
EXTERIOR IRAN 1 0 1 12 5%
CABO VERDE 1 0 1
ALEMANHA 1 0 1
ITÁLIA 1 0 1
PORTUGAL 1 0 1
TOTAL 157 96 253 100%
% 62% 38%
Fonte: Livros de Casamento das Paróquias SPSP, NSCA e SFA (Belém, 1995-2006).

Através deste quadro é possível observar uma elevada proporção de 47% de


migrantes nordestinos (quase a metade da população total investigada), seguida de
nortistas que representam 21%. Da região sudeste vieram 19% dos migrantes e das
regiões sul e centro-oeste a mesma proporção, 4%. Os estrangeiros representam
módicos 0,7% dos nubentes.
77

Entre os nordestinos destacam-se os maranhenses 88, os cearenses e os


piauienses, que juntos chegam a representar 86% da população migrante do Nordeste 89.
Entre os migrantes da região Norte destacam-se os oriundos dos estados do Amazonas e
do Amapá, que juntos representam mais de 90% do total de migrantes. Da região
sudeste migraram principalmente os fluminenses, que chegam a representar 70% da
população que casou em Belém e nasceu naquela região. Da região Centro-Oeste a
grande maioria migrou do Distrito Federal. Já a região sul com poucos migrantes viu-se
dividida entre os que nasceram no Paraná e no Rio Grande do Sol. Dentre os migrantes
estrangeiros há uma variedade de origens, porém prevalece a migração de homens
oriundos do continente europeu.
É possível constatar também uma diferença substancial entre homens e mulheres
no que diz respeito ao fluxo dos migrantes nacionais e estrangeiros para Belém; isto por
que os homens representam mais de 62% dos nubentes que casaram nas três paróquias,
enquanto as mulheres representam apenas 38% do total analisado. Esta diferença, que
chega a ser de 2/3, parece confirmar a hipótese de que há uma maior circulação de
homens vindos de outras regiões do país e de outros países nesta capital do que a
envolvendo mulheres.
Contudo para avaliar estas considerações é preciso ter em conta as
especificidades dos respectivos bairros onde estão localizadas as paróquias. Neste
sentido é que foi dado ênfase, através da tabela a seguir, a proporção de migrantes
interestaduais e estrangeiros presentes nos três bairros da pesquisa:

88
Estes além de representar metade da população migrante da região Nordeste, estabeleceram suas uniões
nos bairros de São Brás e do Guamá em 76% dos casos.
89
50% eram maranhenses, 19% cearenses e 17% piauienses
78

Tabela 21: Origem dos nubentes interestaduais e estrangeiros por paróquia

Paróquia-Bairro

ORIGEM SPSP-Guamá NSCA-Pedreira SFA-São Brás

H M H M H M

NORDESTE 68% 67% 39% 40% 50% 44%

NORTE 14% 33% 21% 19% 18% 31%

SUDESTE 9% 0% 28% 37% 20% 17%

CENTRO-OESTE 9% 0% 8% 0% 5% 3%

SUL 0% 0% 3% 4% 6% 5%

ESTRANGEIRO 0% 0% 1% 0% 1% 0%

TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Com ela é possível afirmar que a proporção de nubentes casando numa ou noutra
paróquia está diretamente relacionada a presença ou ausência destes nos respctivos
bairros onde as mesmas encontram-se localizadas. E isso ocorre devido as seguintes
considerações:
• A existência de um grande percentual de casamentos envolvendo migrantes
do nordeste (sobretudo maranhenses) no bairro do Guamá (68% entre os
homens e 67% entre as mulheres) e de São Brás (50% entre homens e 44%
entre as mulheres);
• A elevada porcentagem de mulheres da região Norte casam nos bairros do
Guamá (33%) e São Brás (31%);
• A significativa proporção de nubentes oriundos da região sudeste (sobretudo
fluminenses) casam no bairro da Pedreira (28% entre os homens e 37% entre
as mulheres);
• A diferença na proporção de homens e mulheres que migraram das regiões
Nordeste, Norte e Sudeste no bairro da Pedreira não chega a ser tão
acentuada quanto em relação aos outros dois bairros;
• Predominam os homens entre os migrantes da região Centro-Oeste nos três
bairros (9% no Guamá, 8% na Pedreira e 5% em São Brás);
79

• A inexistência de imigrantes no bairro do Guamá oriundos da região Sul e de


outros países.
Com base nisto é possível considerar que os bairros do Guamá e de São Brás,
embora no plano sócio-espacial possuam diferenças em termos de perfil demográfico e
urbanístico, os mesmos apresentam semelhanças quanto a composição de sua
população, pelo menos no que diz respeito ao grupo de nubentes que casou em suas
respectivas paróquias ao longo do período estudado, tanto em relação aos migrantes do
Nordeste quando aos que migraram da região Norte. Já o bairro da Pedreira expressa a
singularidade de ser um espaço marcado pela presença de população que migrou da
região Sudeste.
Todavia, para interpretar os resultados obtidos com a análise dos espaços em que
estavam inseridos os nubentes que migraram de outros estados e também de outros
países pra Belém é necessário não só entender as transformações demográficas pelas
quais esta cidade passou nas últimas décadas, mas provocar a inserção dos nubentes
neste processo. Como afirmam Vale e Lima a mobilidade populacional, por ser um
componente demográfico relacionado às condições históricas das mudanças (social,
econômica, estrutural etc.), constitui-se enquanto um importante mecanismo de
reprodução ou alteração numérica da sociedade 90. Neste sentido, dentre as dimensões
que os fluxos migratórios podem apresentar quando se busca observar a população e o
atual contexto social de Belém, a mais importante refere-se a redução na intensidade da
imigração inter-estadual para esta capital no decorrer da década de 90. Portanto se
temos poucos casamentos envolvendo migrantes de outros estados ou países em Belém
é por que o fluxo destes acompanha o ritmo demográfico existente neste espaço ao
longo do período investigado.
Segundo Cunha & Baeninger este ritmo está relacionado a situação migratória
vivida pelas Grandes Regiões metropolitanas que tiveram seu crescimento freado após a
crise econômica que assolou o país durante a década de 80 91. Já Matos e Braga

90
LIMA, L. C.; VALE, A. L. F., op. cit., p. 5.
91
Ver também SOARES, W.; RODRIGUES, R. N. Redes sociais e conexões prováveis entre migrações:
internas e emigração internacional de brasileiros. São Paulo Perspec., São Paulo, v. 19, n. 3, 2005. Para
exemplificar esta situação PASTERNAK & BÓGUS (2005 [op. cit.]) afirmam que nos cinco primeiros
anos da década de 90 cerca de 5 milhões de brasileiros deslocaram-se de um estado a outro do país, já nos
últimos anos essa mobilidade se reduziu para cerca de 3,7 milhões de brasileiros. Em Belém o impacto
dessa redução na intensidade do fluxo migratório iniciada com o fim da década de 80 provocou uma
desconcentração metropolitana fazendo com que a cidade deixa-se de possuir 29,4% da população
paraense para 26,9%. Neste mesmo período Belém cresceu demograficamente cerca de 2,6% a.a.,
portanto abaixo dos 3,5% a.a. observado na região Norte uma década antes (crescimento que fora
sobretudo influenciado, segundo CUNHA e BAENINGER [2000, op. cit.] pela expansão da fronteira
80

consideram que “[o]s novos padrões migratórios observados desde a década de 80


indicam tanto uma reestruturação das redes urbanas, como uma transformação no perfil
92
dos imigrantes que acompanha o recente processo de desconcentração espacial” .A
conseqüência deste fenômeno foi a produção de um deslocamento no eixo do fluxo
migratório, ou seja, reduziu-se a migração interestadual e acelerou-se a migração intra-
estadual 93.
Segundo o AEMB o crescimento demográfico, que se elevou entre as décadas de
60 e 80 atingindo na década de 70 4,7% a.a, reduziu para 0,4 na década de 90.

Tabela 22: Taxa média geométrica de incremento anual da população, no


Município de Belém (1940/2000).

Portanto, a perda, a partir da década de 90, do dinamismo demográfico


interestadual alcançado pela região Norte, sobretudo no Pará, ao longo das duas décadas

agrícola) e menos do que o observado nos municípios do interior do Estado, que foi de 3,8%. De acordo
com CUNHA E BAENINGER (idem) é possível verificar que “as modificações ocorridas na migração
nos últimos trinta anos estiveram ligadas muito mais aos volumes e intensidades do que propriamente aos
fluxos estabelecidos. Na verdade não seria exagero pensar que se pudesse falar na existência de um
“padrão” migratório nacional no sentido da ocorrência de certas regularidades em termos das
características do fenômeno, em particular, quanto às correntes identificadas, poder-se-ia até mesmo
arriscar dizer que este não sofreu grandes alterações. Ou seja, os dados mostram que, apesar dos volumes,
poucas foram as modificações ocorridas nas direções dos principais fluxos registrados no país; esta
tendêncai se reforça quando a análise dos fluxos migratórios não contempla a desagregação dos
movimentos no contexto intra-regional (entre os estados de uma mesma região) e aqueles de caráter inter-
regional (entre estados de diferentes regiões)” (p.143).
92
MATOS, R. & Braga, F., op. cit., p. 4.
93
“De fato”, segundo afirmam CUNHA & BENINGER, “os dados sobre o volume e importância relativa
da migração intra-estadual sobre o conjunto dos movimentos intermunicipais não deixam lugar à dúvida
quanto à sua crescente importância na dinâmica demográfica dos estados, sobretudo nos anos 80. Assim,
se na década de 70, mas de 15,4 milhões de pessoas fizeram um movimento intra-estadual, representando
60,7% do total de migrantes intermunicipais, na década seguinte esse número aumentou sua importância
em todos os sentidos: 16,7 milhões e 66,7% dos movimentos intermunicipais. Nos anos noventa, os
dados da PNAD 95 apontam para um volume de mais de 6,7 milhões em cinco anos—ou quase 14
milhões na década, supondo certa uniformidade no período—o que demonstra o fôlego desse tipo de
movimento migratório” (op. cit., p.130).
81

anteriores influenciou a estrutura e composição da população e produziu, ao que tudo


indica, a redução da interferência do fenômeno migratório interestadual de um lado e o
aumento na importância da migração interestadual por outro no conjunto dos eventos
sociais, como o casamento 94. Isso também pode ser visto na diferença de 14% entre os
homens e 17% entre as mulheres que migraram do interior do estado e casaram nas três
paróquias em relação aos nubentes que migraram de outros estados da federação.
Contudo, Belém ainda é um das capitais que mais absorve os migrantes
interestaduais que circulam pelo país. De acordo com Tobias “[n]o território paraense, a
meso-região Metropolitana de Belém é a que mais recebe população, e associada com as
meso-regiões Nordeste Paraense e Sudeste Paraense são as que concentram as maiores
trocas de população” 95. Segundo Brito, Belém é o destino de 5% da população migrante
brasileira no período entre 1995 e 2000, perdendo em proporção apenas para São Paulo
(46%), Rio de Janeiro (18%) e Recife (7%). Já o Censo de 2004 do IBGE indica que
dos habitantes de Belém cerca de 8,6% são formados por migrantes de outros estados do
país ou estrangeiros. O mesmo Censo também indica que 14,1% são provenientes da
região Norte, 70,2% do Nordeste, 4,1% do Centro-Oeste, 7,6% do Sudeste, 1,8% da
região Sul e 2,2% são estrangeiros. Há nestas informações muita semelhança com o
observado junto aos registros de casamento das paróquias.

94
Se escaparmos a comparação entre os dois período envolvidos por essa transição demográfica (já que
não existem fontes para analisar os casamentos ocorridos em Belém entre as décadas de 70 e 80) e
observamos a influência da migração que existiu na cidade no período da transição entre os séculos XIX e
XX verificar-se-á que os migrantes interestaduais e até mesmo os estrangeiros exerciam um importante
papel no contexto social da sociedade paraense, sendo responsáveis não só pelo incremento da economia
extrativista, mas também pela traçado urbano, pelas formas de ocupação da cidade e pela estrutura dos
arranjos matrimoniais existentes. CANCELA (2006 [op. cit.]) observou que 19% dos casamentos
ocorridos entre 1870 e 1920 envolviam nordestinos e 10% estrangeiros, assim como o surgimento de
inúmeras hospedarias, hotéis, varias e estâncias para atender a população migrante e as inspeções médico-
sanitárias que provocaram um re-ordenamento urbano na cidade.
95
TOBIAS, op. cit., p.15.
82
Tabela 23: População residente, segundo estado de nascimento e
Região, na cidade de Belém (PNAD – 2004).
ORIGEM TOTAL %
Amapá 8.896 5,2
Amazonas 8.896 5,2
Rondônia 2.442 1,4
Acre 2.092 1,2
Roraima 1.570 0,9
Tocantins 350 0,2
NORTE 24.246 14,1
Maranhão 80.186 46,6
Ceará 20.229 11,8
Piauí 9.588 5,6
Bahia 4.533 2,6
Pernambuco 2.615 1,5
Rio Grande do Norte 1.746 1,0
Paraíba 1.398 0,8
Sergipe 348 0,2
Alagoas 174 0,1
NORDESTE 120.817 70,2
Goiás 3.661 2,1
Distrito Federal 2.793 1,6
Mato Grosso do Sul 522 0,3
Mato Grosso -- --
CENTRO-OESTE 6.976 4,05
Rio de Janeiro 5.926 3,4
São Paulo 3.661 2,1
Minas Gerais 1.909 1,1
Espírito Santo 1 570 0,9
SUDESTE 13.066 7,5
Rio Grande do Sul 1.740 1,0
Paraná 873 0,5
Santa Catarina 523 0,3
SUL 3.136 1,8
País Estrangeiro 3.841 2,2
TOTAL 172.082 100,0
FONTE: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE / Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios – PNAD.
NOTA:- Exclui-se a população rural.
- Pesquisa por amostragem.
- Formatação da tabela alterada pelo autor.

Diante deste cenário Belém precisa ser vista como parte de uma realidade
heterogênea, composta por múltiplos sujeitos. Para Pacheco e Patarra a heterogeneidade
espacial da economia brasileira é bem conhecida:
83

Em parte é uma herança da forma de ocupação do território, em que o espaço


econômico da Nação foi sendo configurado por ciclos primário-exportadores, cada um
destes assentado sobre regiões distintas e com escassos vínculos mercantis entre si. 96

Das regiões brasileiras que mais contribuíram para essa expansão demográfica
verificada em Belém ao longo das últimas três décadas o Nordeste é a que mais se
destaca. Os estudos produzidos pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais
(ABEP) por sinal o entendem como a região que mais expulsa a sua população 97 e o
estado do Pará como uma das áreas que mais a absorve98. Dos migrantes nordestinos
destacam-se os 66% nascidos no Maranhão, 16% nascidos no Ceará e cerca de 8% do
Piauí. Estas informações acabam se confundindo com os dados obtidos junto aos
registros de casamento no que tange a origem. Nas paróquias estes três estados
lideraram a proporção de migrantes da região Nordeste (50% eram de maranhenses,
enquanto 19% eram cearenses e 17% eram piauienses). Fenômeno análogo ocorre com
os migrantes que nasceram no Rio de Janeiro e casaram em Belém. Se no período entre
1995 e 2000 cerca de 54% de migrantes da região Sudeste estabelecidos em Belém eram
deste estado e na atual conjuntura os mesmos lideram o fluxo dessa região
representando cerca de 45% que reside nesta capital, nas paróquias encontrou-se
proporção semelhante, haja vista que 70% dos nubentes eram fluminenses. Isto os torna
a população predominante da região Sudeste presente em Belém, sobretudo no caso
daqueles que casam no bairro da Pedreira.
Tanto um fluxo como o outro, embora estejam inseridos num processo de
desaceleração do fluxo migratório, podem estar indicando duas possibilidades de
interpretação do atual contexto demográfico vivido por Belém:
1. A continuidade no processo de expulsão/absorção da população nordestina
para o interior desta cidade; e

96
PACHECO, C. A.; PATARRA, N. Movimentos migratórios nos anos 80: novos padrões? In: Anais do
Encontro Nacional sobre Migração (ABEP/IPARDES). Curitiba, 1998.
97
Cf. PINHEIRO, S. M. G. Tendências recentes da dinâmica demográfica nordestina: migração. Anais do
VI Encontro de Estudos Populacionais Olinda, 1988, v.4, p.163-176. Segundo PACHECO & PATARRA
(op. cit.) para entender o Nordeste como provedor de população para as outras regiões do país é preciso
perceber que em seu interior há uma elevada concentração fundiária.
98
Ver TOBIAS, op. cit. Mais recentemente o estado de Roraima também tem se destacado neste processo
de absorção dos migrantes nordestinos. LIMA & VALE (op. cit.) destacam a ocorrência de um “bom”
envolvendo os migrantes do estado do Ceará, que vem a se estabelecem nas cidades de Roraima através
do que os autores chama de “redes de interação social”. Segundo estes autores as informações e os
“sistemas de apoio inicial” são utilizados pelos migrantes com o apoio daqueles que galgaram posições de
relevância na vida econômica e ou política da capital ou do estado (p. 9).
84

2. A possibilidade da existência de uma contra-corrente ou migração de


retorno 99.
O primeiro fenômeno é um dado histórico e, de acordo com o observado ao
longo desta discussão, é significativamente importante para entender o processo de
formação da cidade de Belém. Já o segundo é um fenômeno recente e pode estar
relacionado à reversão no fluxo migratório estabelecido entre a população de Belém e a
região Sudeste 100, uma das áreas do país que mais a atraiu durante a segunda metade do
século XX. Como afirmam Pacheco e Patarra o bloqueio à mobilidade, representado
pela redução do crescimento econômico de grandes zonas metropolitanas como São
Paulo e Rio de Janeiro, pode tanto ter incentivado uma menor migração em direção a
elas, como favorecido este novo tipo de fenômeno migratório 101.

4.4 RELAÇÃO ENTRE ORIGEM E FAIXA ETÁRIA DOS NUBENTES


Para finalizar esta sessão é necessário pontuar outro dado importante quando se
busca entender o fluxo migratório desta população que estabeleceu seu matrimônio em
Belém: a idade dos nubentes.
Como frisado anteriormente, a idade média dos nubentes se concentra nas faixas
etárias de 21 a 25 anos para as mulheres e 26 a 30 anos para os homens. Prevalecem
também, os nubentes nascidos em Belém sobre os migrantes, estes distribuídos
consecutivamente entre intra-estaduais (migrantes do interior), interestaduais (migrantes
nacionais) e estrangeiros (migrantes provenientes de outros países). Entretanto, resta
saber como estão distribuídos estes grupos de origem ao longo das respectivas faixas-
etárias analisadas.
A tabela a seguir foi elaborada com este intuito.

99
“[T]rata-se de uma terminologia usada nos estudos migratórios. Para os movimentos populacionais, em
ambas as direções, envolvendo duas áreas distintas, considera-se como “corrente” aquela direção que
abriga o maior fluxo migratório e contra-corrente a direção inversa” (CUNHA & BAENINGER, op. cit.,
p. 126).
100
Sobre os fluxos migratórios brasileiros envolvendo a população de Belém cf. BRITO, F. (2006), op.
cit.
101
PACHECO, C. A.; PATARRA, N., op. cit.
Tabela 24: Distribuição dos nubentes segundo a origem e a faixa etária.
85
Origem dos Nubentes segundo o sexo
Faixa %
Capital Interior Nacional Estrangeiro Total Geral
Etária
H M Total % H M Total % H M Total % H M Total % H M Total
10,4* 5,0 7,2 0,0
14-20 40 182 222 12 24 36 5 13 18 0 0 0 57 219 276 8,8
80,4** 13,0 7,0 0,0
30,0 23,1 25,0 0,0
21-25 288 355 643 77 92 169 31 31 62 0 0 0 396 478 874 27,9
73,6 19,3 7,1 0,0
29,1 24,8 27,9 27,3
26-30 353 270 623 95 86 181 43 26 69 3 0 3 494 382 876 28,0
71,1 20,7 7,9 0,3
15,1 18,7 19,8 18,2
31-35 181 142 323 75 62 137 33 16 49 2 0 2 291 220 511 16,3
63,2 26,8 9,6 0,4
7,8 10,5 10,1 9,1
36-40 103 64 167 38 39 77 17 8 25 1 0 1 159 111 270 8,6
61,8 28,6 9,25 0,4
3,0 5,2 4,4 36,3
41-45 39 29 68 20 18 38 10 1 11 4 0 4 73 48 121 3,9
56,2 31,4 9,1 3,3
2,0 4,6 2,8 9,1
46-50 23 19 42 21 13 34 4 3 7 1 0 1 49 35 84 2,7
50,0 40,5 8,3 1,2
0,7 3,3 0,8 0,0
51-55 9 6 15 11 13 24 1 1 2 0 0 0 21 20 41 1,3
36,6 58,5 4,9 0,0
1,4 4,0 1,6 0,0
56-73 17 14 31 16 13 29 2 2 4 0 0 0 35 29 64 2,1
48,4 45,3 5,3 0,0
0,2 0,8 0,4 0,0
74-... 5 0 5 5 1 6 1 0 1 0 0 0 11 1 12 0,4
41,7 50,0 8,3 0,0

TOTAL 1058 1081 2139 100,0 370 361 731 100,0 147 101 248 100,0 11 0 11 100,0 1586 1543 3129
102
Fonte: Livros de casamento das paróquias (Belém, 1995-2006). (*) Percentual na coluna, (**) percentual na linha .

102
Este tipo de procedimento estatístico pode ser encontrado no trabalho de BASSANEZI, Ana Maria Cristina. O casamento na colônia no tempo do café. Anais do VI
Encontro de Estudos Populacionais (ABEP), Olinda,1988, v.1, p. 128.
86

De acordo com a tabela acima, onde é analisada a distribuição dos nubentes tendo em
conta a origem dos mesmos e nas respectivas faixas etárias, em relação a população que
nasceu em Belém prevalecem aqueles com idade entre 21 e 25 anos (30%), seguidos dos que
possuem entre 26 e 30 anos (29,1%), sendo que o primeiro grupo formado sobretudo de
mulheres e o segundo de homens. Nas faixas etárias seguintes predominam os homens. Este
arranjo envolvendo homens e mulheres é semelhante ao que ocorre quando as faixas etárias
são analisadas isoladamente.
Embora seja possível considerar que os naturais estão em proporções bem elevadas
junto a amostra analisada percebeu-se que isso é muito relativo quando comparadas as idades
e as origens dos nubentes. Neste sentido pode-se perceber que os naturais superam em
proporção os migrantes nas faixas etárias entre 14 e 20 anos (80,4%), 21 a 25 anos (73,6%), 26
a 30 anos (71,1%), 31 a 35 anos (63,2%), 36 a 40 anos (61,8%) e 41 a 45 anos (56,2%), é
proporcional na faixa etária entre 46 e 45 anos e são superados por estes nas faixas etárias
posteriores, sobretudo pelos migrantes com idades acima dos 51 anos.
Entre os migrantes do interior predominam os nubentes com idade entre 26 e 30 anos
(24,8%), seguidos pelos que possuem entre 21 e 25 anos (23,1%) e 31 e 35 anos (18,7%). A
proporção de homens e mulheres casando numa ou noutra faixa etária entre estes migrantes é
semelhante ao observado entre os nascidos em Belém, isto é, as mulheres predominam nas
faixas etárias entre 14 e 20 anos e 21 a 25 anos, enquanto os homens nas duas faixas etárias
seguintes. A partir das faixas etárias acima de 36 anos é que surge a grande diferença nos
casamentos estabelecidos pelos migrantes em Belém, pois os mesmos variam de acordo com o
gênero do nubente. Este fenômeno, que ainda não havia sido observado anteriormente, indica
que os homens predominam nas faixas etárias entre 41 e 46 anos, 46 e 50 anos e acima de 56
anos, porém são superados nas faixas etárias entre 36 a 40 anos e 51 a 55 anos. Isto permite
considerar que os migrantes vindos do interior que casaram nas três paróquias analisadas nesta
pesquisa apresentam uma composição na estrutura das suas alianças que se diferencia do que
fora analisado até aqui.
Entre os migrantes interestaduais é possível perceber que os mesmos casaram
predominantemente entre os 26 e os 30 anos. ¼ dos mesmos casaram entre 21 e 25 anos, 19%
casaram entre 31 e 35 anos e 7,2% dos nubentes casaram com menos de 20 anos. Os que
casaram com mais de 36 anos representam menos de 20% do total analisado.
A distribuição por gênero nas faixas etárias entre este grupo de migrantes também
permitiu considerar que os mesmos assemelham-se mais com os naturais de Belém do que
87

com os migrantes do interior. Excluído-se a faixa etária entre 21 e 25 anos, onde a relação
entre homens e mulheres é proporcional em todas as outras assiste-se uma proporção superior
de mulheres em relação aos homens com menos de 20 anos e uma proporção superior de
homens em relação as mulheres nas idades acima de 25 anos. É possível considerar que este
fenômeno possui relação com a maior circulação da população masculina oriunda de outros
estados no interior de Belém.
Em relação aos estrangeiros é possível afirmar que estes, além de serem homens,
casam com idades entre 26 e 50 anos, portanto numa fase da vida que para a população
masculina investigada até aqui pode ser entendida como a preferencial para a realização do
casamento.
Os gráficos a seguir ajudarão a entender melhor o que se vem discutindo ao longo do
texto, porém dando ênfase ao contexto dos bairros em que estão localizadas as paróquias.

O gráfico acima indica que a distribuição segundo a origem e a faixa etária dos
nubentes que casaram na paróquia de SPSP, no bairro do Guamá, varia conforme os nubentes
avançam em suas idades. Por exemplo, apesar da pequena proporção de migrantes
interestaduais presentes nas paróquias os mesmos se distribuem uniformemente até a faixa
etária entre 56 e 73 anos; os nascidos em Belém predominam até a faixa etária de 46 a 50 anos
e depois são superados em proporção pelos migrantes do interior do estado; estes últimos além
de representarem a maior proporção de nubentes da paróquia de SPSP são aqueles que casam
com a idade mais elevada.
88

A distribuição dos nubentes da paróquia de NSCA, na Pedreira, permite considerar que


há o predomínio da população nascida em Belém. A mesma reduz-se na medida em que os
migrantes do interior a superam com o avançar da idade. Isto ocorre na faixa etária entre 51 e
55 anos. A distribuição dos migrantes interestaduais mantém-se uniforme até a faixa etária
entre 51 e 55 anos para depois sofrer uma aumento e se prolongar até o fim da série. Entre
estes nubentes, diferentemente da população que casou na paróquia de SPSP, aparece a
população estrangeira, que casa, sobretudo, entre as faixas etárias de 21 a 50 anos.
89

Já entre os nubentes da paróquia de SFA, em São Brás, o que se percebe é uma


distribuição onde a população de migrantes interestaduais é mais significativa do que as
observadas anteriormente, sobretudo nas faixas etárias entre 41 e 45 anos e 46 e 50 anos,
muito embora assim como nas outras ainda seja bastante inferior a de naturais e de migrantes
do interior. Os mesmos distribuem-se uniformemente até a faixa etária de 51 a 55 anos, onde
cessam e depois reaparecem na faixa etária de 56 a 73 anos. Os nubentes que nasceram em
Belém representam a maioria ate a faixa etária de 41 a 45 anos quando são superados pelos
migrantes, sobretudo do interior do estado. Depois o mesmo se eleva, mas ainda equipara-se
aos migrantes do interior. Este último grupo, pelo que se vê, na medida em que avança na
idade aumenta em proporção. Os migrantes estrangeiros também estão presentes neste grupo,
mas se encontram localizados, sobretudo, entre as faixas etárias de 36 a 55 anos.
Do ponto de vista geral o que se pode perceber é que os nubentes tendem a ser
migrantes, sobretudo do interior do estado, na medida em que avançam em suas idades, os
migrantes interestaduais mantém estável sua proporção ao longo das respectivas faixas etárias
e os estrangeiros casam entre 36 e 55 anos (ver gráfico abaixo).
90

CAPÍTULO V
ESTRUTURA DAS ALIANÇAS E HOMOGAMIA NA CIDADE
91

5.1 ESTRUTURA DAS ALIANÇAS

Abordar as estruturas das alianças é averiguar a relação estabelecida entre os nubentes


no sentido de perceber se os mesmos possuem alguma característica em comum especificada
nas atas de matrimônio. No caso deste capítulo dar-se-á ensejo aos dados que informem a
presença ou não de casamentos homogâmicos em relação à origem e o local de residência.
Vale ressaltar que o termo homogamia reflete uma “preferência dada em certos grupos ao
casamento com indivíduos da mesma raça, nacionalidade, classe, religião, profissão, etc” 103.
As opções metodológicas de trabalho que definem o padrão de homogamia encontram-
se situadas nos dados obtidos com o cruzamento de informações sobre a origem dos nubentes
e o seu local de moradia. Com ela pode-se entrar em contato com as redes de sociabilidade
existentes num determinado local e que acabam por serem definidas pela distância entre as
habitações dos nubentes e a predominância ou não de um determinando grupo de origem no
local onde ambos residem.

5.1.1 Homogamia em relação à origem


No quadro a seguir serão considerados somente os dados válidos, isto é, aqueles que
possibilitaram ao longo da investigação verificar a origem dos nubentes 104. Nele são
destacados os casamentos entre homens e mulheres da capital, do interior, de outros estados
brasileiros (identificados como Nacional) e do exterior (estrangeiros).

Tabela 25: Estrutura das alianças segundo a origem e o sexo dos nubentes.

Homogamia Homens TOTAL


%
Mulheres Capital Interior Nacional Estrangeiro
Capital 766 197 97 8 1068 70,2
Interior 196 136 22 1 355 23,3
Nacional 57 19 21 1 98 6,4
Estrangeiro 0 0 0 0 0 0,0
TOTAL 1019 352 140 10 1521 100
% 67 23,1 9,2 0,7 100% -
Fonte: Livros de casamento das paróquias SFA, NSCA e SPSP.

103
NADALIN (1994), op. cit.
104
São excluídos os dados inválidos, isto é, os que não foram declarados e os que não permitiram identificar a
origem dos nubentes.
92

Segunda a tabela acima prevalecem os casamentos envolvendo belenenses com uma


pequena diferença entre as mulheres, onde esse índice alcança os 70,2%, e os homens, onde é
observado o percentual de 67%. Cerca de pouco mais de 23% dos nubentes que adquiriram
matrimônio neste período são do interior do estado tanto no caso dos homens quanto no caso
das mulheres. Em relação aos migrantes nacionais percebe-se a discreta diferença de 2,8%
entre homens (9,2%) e mulheres (6,4%), o que é indicativo da maior circulação dessa
população no interior da cidade.
Alguns fenômenos presentes nesta tabela trazem à tona aqueles já observados ao longo
do trabalho. O primeiro diz respeito ao percentual superior, porém discreto, de mulheres
belenenses (70%) que contraíram matrimônio em relação ao de homens (67%). O segundo
refere-se a proporção de 10% de casamentos envolvendo migrantes nacionais e estrangeiros.
Outro ponto importante nesta análise se refere a pouca circularidade de migrantes
provenientes do exterior, sobretudo de mulheres. No caso em questão os migrantes existentes
são todos homens e representaram 0,7% do total analisado. Este fato leva a considerar a
existência de uma facilidade maior para que a populaçõa masculina saia de seus países e se
casem, sobretudo com mulheres paraenses, o mesmo não sendo verdadeiros para as mulheres
estrangeiras. Esta informação permite também considerar que essa pequena, mas significativa
diferença, entre a circulação de homens e mulheres no espaço da cidade de Belém revela uma
mobilidade dos indivíduos que varia segundo o gênero.
A tabela a seguir instrui a interpretação destes dados e também demonstra os valores
percentuais relativos a cada uma dessas alianças. Contudo, nela não estarão presentes os dados
relacionados aos migrantes estrangeiros, já que diante da amostra os mesmos representarem
menos de 1% dos dados válidos 105. Não serão incluídas também as informações relativas aos
casamentos em que pelos menos um dos nubentes não possuía no registro a origem declarada,
muito embora fosse possível observar que no caso da paróquia de SFA esta variável alcançou
o percentual de 12% do total analisado.

105
Foram identificados 11 estrangeiros (2 americanos, 2 franceses, 2 argentinos, 1 libanês, 1 iraniano, 1 cabo-
verdiano, 1 alemão, 1 italiano e 1 português).
93

Tabela 26: Principais tipos de alianças segundo a origem dos nubentes


e paróquias

PARÓQUIA
TIPO DE ALIANÇA SPSP NSCA SFA TOTAL %
Tot. % Tot. % Tot. %

BELÉM X BELÉM 123 41,0 267 55,6 376 51,5 766 50,6

BELÉM X INTERIOR 98 32,7 119 24,8 176 24,0 393 26,0

BELÉM X NACIONAL 18 6,0 43 9,0 93 13,0 154 10,3

INTERIOR X INTERIOR 48 16,0 36 7,5 52 7,1 136 9,0

NACIONAL X INTERIOR 10 3,3 9 1,9 22 3,0 41 2,8


NACIONAL X
3 1,0 6 1,2 10 1,4 19 1,3
NACIONAL
TOTAL 300 100 480 100 729 100 1509 100
Fonte: Livros de Casamento das paróquias SFA, NSCA e SPSP (1995-2006).

Sendo assim, nesta tabela, em que são observados os diferentes resultados obtidos com
o cruzamento das origens dos nubentes segundo as paróquias onde os mesmos contraíram
matrimônio, constatou-se que cerca de 61% dos casamentos são de natureza homogâmica,
enquanto 39% são de natureza heterogâmica. Nela também está evidente que mais da metade
das alianças estabelecidas nas três paróquias, isto é, 50,6% dos matrimônios, envolviam
homens e mulheres belenenses.
A homogamia em se tratando de belenenses variou entre uma paróquia e outra em
cerca de 10%, com destaque para a diferença entre as paróquias de NSCA, que apresentou o
maior índice de homogamia entre belenenses (55,6%), e SPSP, que neste sentido apresentou
índice de 41%, e isto se deve a presença de uma proporção mais elevada destes sujeitos nos
bairros em que estão localizadas as paróquias (ver capítulo anterior).
Porém, cerca de ¼ dos casamentos ocorridos nas três paróquias foram heterogâmicos
envolvendo alianças entre belenenses e migrantes do interior. 32,7% deste tipo de casamento
ocorreram na paróquia de SPSP enquanto 24% e 24,8% ocorreram, respectivamente, nas
paróquias de SFA e NSCA. O mesmo ocorre quando são analisados os casamentos
94

homogâmicos entre migrantes do interior. 16% dos casamentos ocorridos na paróquia de SPSP
são deste tipo, enquanto apenas 7,1% e 7,5% do mesmo ocorrem respectivamente nas
paróquias de SFA e NSCA.
Entre as paróquias de SPSP e NSCA estes dados influenciaram diferenças observadas
na tabela. As mesmas ocorreram, sobretudo, devido à proporção de casamentos heterogâmicos
envolvendo belenenses com migrantes do interior (7,9%), e homogâmicos entre migrantes do
interior (8,5%). Com isto é possível considerar que a expressiva proporção de migrantes do
interior no bairro do Guamá obtidas com os livros de casamento influenciou não só o
casamento homogâmico entre eles, mais do que em relação aos outros bairros, mas também os
outros tipos de casamento heterogâmicos estabelecida com estes sujeitos na paróquia de SPSP.
Isto permite considerar que a presença de migrantes do interior no bairro do Guamá
além de expressiva é indicativa da sua forma de ocupar a cidade. Como já salientado em
capítulo anterior, este bairro é o menos urbanizado entre os destacados, portanto apresenta
características do bairros de periferia que ocupam grandes metrópoles.
Já em relação aos casamentos heterogâmicos entre belenenses e migrantes de outros
estados percebeu-se que os mesmos corresponderam a 10,4% do total analisado, com a
particularidade de os mesmos serem mais expressivos nos bairros SFA e NSCA. Entre estas
paróquias e SPSP a diferença chega a ser 7,1%, o que indica uma correspondência entre
proporção de migrantes e o tipo de aliança estabelecida, ou seja, se nos bairros de São Brás e
da Pedreira, existe um grande número de população migrante de outros estados da federação,
os casamentos envolvem estes na mesma proporção que os que ocorrem envolvendo os
migrantes do interior presentes no bairro do Guamá.
Por último, os casamentos homogâmicos entre migrantes nacionais e heterogâmicos
entre estes com migrantes do interior foram pouco expressivos. Os do primeiro tipo chegaram
a representar somente 2,7% do total enquanto os do segundo representaram apenas 1,3%.

5.1.2 Os casamentos heterogâmicos


Levando em consideração as particularidades dos casamentos heterogâmicos entre
pessoas da capital ora com migrantes do interior do estado ora com migrantes de outros estado
da federação podemos problematiza-las tendo em conta as dúvidas que isto proporciona
quando pensamos os grupos a partir das relações que estabelecem através destas alianças.
Dúvidas estas que surgem quando se questiona as regiões de origem destes migrantes.
Para resolver esta questão foram feitas análises das alianças entre belenenses e os
migrantes do interior a partir das suas respectivas mesoregiões de origem e também entre
95

àqueles e os migrantes nacionais segundo a sua região político-geográfica de origem, a saber,


Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste, Sul e Norte, excluindo daí, é claro, o Estado do Pará.

Tabela 27: Estrutura das alianças envolvendo nubentes da capital e


migrantes do interior.

CAPITAL
MESO-REGIÃO do INTERIOR Total %
H M
NORDESTE 121 137 258 65,6
MARAJÓ 29 25 54 13,7
BAIXO-AMAZONAS 20 16 36 9,2
METROPOLITANA DE BELÉM 18 15 33 8,4
SUDESTE 5 2 7 1,8
SUDOESTE 3 2 5 1,3
Total 196 197 393 100,0
Fonte: Livros de casamento (Belém, 1995-2006).

Segundo esta tabela, onde estão os resultados da análise referente às alianças


estabelecidas entre belenenses e migrantes do interior do estado 65,6% dos casamentos
envolviam migrantes de cidades que fazem parte da região Nordeste do estado do Pará. Entre
elas podem ser destacadas Abaetetuba, Bragança, Marapanim, Maracanã e Castanhal. Os
casamentos entre belenenses e migrantes da meso-região do Marajó chegaram a representar
13,7%, com destaque para a elevada proporção de migrantes das cidades de São Sebastião da
Boa Vista e Breves. Entre os 9,2% de alianças entre Belenenses e migrantes da região
conhecida como Baixo-Amazaonas destaque para os nascidos em Santarém e Almeirim. Dos
poucos migrantes da região metropolitana de Belém (8,5%) que casaram com belenenses
destacam-se os provenientes de Ananindeua e Benevides. As alianças estabelecidas entre
belenenses e migrantes das regiões Sudoeste e Sudeste do Pará foram pouco significativos, e
juntas somaram pouco mais de 3% do total de casamentos analisados. Nenhuma cidade se
destaca dentro dessas análises.
Neste sentido é possível observar a elevada proporção de casamentos envolvendo
belenenses com migrantes de cidades ou regiões próximas geograficamente, embora possa se
questionar a baixa freqüência de casamentos envolvendo migrantes das cidades que compõe a
região metropolitana de Belém, como Ananindeua, Benevides, Marituba, e Santa Bárbara, que
se encontram, em relação às outras cidades do interior do estado, mais próximas a Belém.
Mas essa distância geográfica não explica por si só a baixa ou alta freqüência de
casamentos envolvendo belenenses com migrantes das meso-regiões paraenses. É preciso
considerar que uma e outra podem estar, dependendo das condições sócio-econômicas vividas
96

pelo estado, tanto expulsando como também absorvendo a população que migra pelo seu
interior, quer tenha nascido nele ou não. Neste sentido Tobias 106 indica que há uma elevada
troca populacional entre as cidades da região Sudeste paraense com outras regiões do Brasil e
não só com Belém, como seria de se esperar. Isto indica que a população que migrante do Pará
embora procure as áreas urbanizadas não vêem como destino principal a sua capital, mas o
interior ou a capital de outros estados, que aliás encontram-se mais próximos das regiões
economicamente desenvolvidas do País como Palmas ou Brasília.
Observando o gênero dos migrantes da meso-regiões paraenses que contraíra
matrimônio em Belém é possível considerar que os mesmos apresentam-se em proporções
semelhantes com uma leve tendência para que as mulheres sejam a maioria quando os
imigrantes provém da região Nordeste.
Outro tipo de aliança heterogâmica estabelecida entre os nubentes foi destacada nesta
análise refere-se às uniões envolvendo belenenses e migrantes de outros estados da federação.
Na tabela a seguir isto ficará esclarecido tendo em conta os seguintes dados:

Tabela 28: Estrutura das alianças envolvendo pessoas da capital e


migrantes nacionais

CAPITAL
REGIÃO Total %
H M
NORDESTE 22 46 68 44,2
NORTE 18 19 37 24,0
SUDESTE 13 19 32 20,8
CENTRO-OESTE 1 9 10 6,5
SUL 3 4 7 4,5
Total 57 97 154 100,0
Fonte: Livros de casamento (Belém, 1995-2006).

De acordo com esta tabela 44,2%, ou pouco menos da metade, dos casamentos entre
belenenses e migrantes de outros estados envolvem indivíduos de origem nordestina,
sobretudo da região Setentrional, ou seja, Maranhão e Piauí. Destes, cerca de 67% são homens
que casaram com mulheres de Belém e a grande maioria ocupa os bairros do Guamá e São
Brás.
Excluindo o estado do Pará, a região Norte é a que possui o segundo maior índice de
indivíduos que contraem matrimônio com belenenses (24% dos casos). Entre eles destacam-se
os oriundos dos estados do Amazonas e do Amapá.

106
TOBIAS, op. cit.
97

Os migrantes da região Sudeste estabeleceram este tipo de aliança em 20,8% dos casos,
sendo que boa parte deste contingente é de origem fluminense nascida na cidade do Rio de
Janeiro.
Entre os cerca de 6,5% de migrantes da região Centro-Oeste destacam-se os homens
nascidos na cidade de Brasília que estabeleceram este tipo de união em cerca de metade dos
casos.
Os casamentos heterogâmicos entre belenenses e migrantes da região Sul embora
tenham sido pouco significativos (apenas 4,5% do total analisado) apresentaram o predomínio
de uniões envolvendo belenenses e paranaenses.
Nesta tabela também foi possível perceber que, ao contrário do que fora observado
anteriormente, 2/3 dos casamentos entre belenenses e migrantes de outros estados envolvem
indivíduos do sexo masculino. Esta razão possibilita interpretar e repetir a afirmação de que há
uma diferença na circulação espacial de homens e mulheres em inter-regionais, com uma
possível tendência para o maior fluxo de homens, inclusive no que diz respeito aos migrantes
estrangeiros que eram, sobretudo, homens estabelecendo alianças heterogâmicas com
belenenses 107.

5.1.3 Homogamia em relação à moradia


O casamento é um momento crucial dentro das estratégias de reprodução social e o
lugar onde se conhecem os futuros cônjuges é um dos fatores que mais influencia este
processo 108. Em razão disso, é possível que as decisões em torno da escolha dos nubentes
esteja relacionada com a circulação dos indivíduos no interior dos espaços. De fato, como
assinala Coleman, a livre eleição do cônjuge está limitada pela mobilidade geográfica e a
distância residencial, e estas limitações chegam a ser mais importantes que as de tipo religioso
ou étnico 109. Deste modo o estudo da homogamia matrimonial vinculada ao lugar de
residência dos nubentes que casaram nas paróquias de SPSP, NSCA e SFA completa e
complementa, com uma perspectiva geográfica, a análise da mobilidade social.

107
Nas alianças de migrantes do exterior destacam-se a união com belenenses em 8 casos e com migrantes do
interior em 1 caso, com migrante nacional em 1 caso, além de um tipo de aliança não identificada.
108
Entre os trabalhos que permitem abordar esta temática está o de BOTELHO, T. Estratégias matrimoniais entre
a população livre de Minas Gerais: Catas Altas do Mato Dentro, 1815-1850. In.: Anais do XIV Encontro Nacional
de Estudos Populacionais (ABEP), Caxambu, 2004. LÓPEZ, D. et. all. "La dimensión geográfica en la
nupcialidad: homogamia espacial en la España del siglo XX". In. VII Congreso de la Asociación de Demografía
Histórica (ADEH), Granada/ España, Abril de 2004.
109
COLEMAN, D. A. "Marital Choice and geographical mobility”. In. BOYCE, A. J. (ed.). Symposia of the
Society for the Study of Human Biology, 23, University of Chicago Press, 1984: pp. 19-55.
98

Porquanto esta sessão propõe a análise dos respectivos locais de residência dos
nubentes a partir do item “moradia” contido nos livros de casamento. Isto ajuda a entender
situação dos mesmos no ambiente da cidade e a importância que os bairros têm no cenário dos
arranjos estabelecidos.
Para que o conjunto das informações obtidas pudesse dar condições de realizar esta
avaliação foram selecionados os dados válidos que continham tanto o nome da rua, o número
da casa e quando possível o nome do bairro. Através do programa Google Earth, do site dos
Correios e do catálogo da Listel foi possível identificar este o local de residência e mapear as
áreas onde os nubentes, tanto homens quanto mulheres, estavam mais concentrados.
A localização destas moradias permite não só identificar que áreas da cidade os
nubentes ocupam, mas também ajudam a entender como se configuram as alianças e a
disposição destas nos regiões de residência dos nubentes. A maior parte das informações
obtidas indicam que os mesmos, principalmente as mulheres, residem nas proximidades das
paróquias onde casaram.
Porém, é preciso salientar que nem sempre estas informações estão completas. Às
vezes não são incluídos os nomes das ruas, mas somente o bairro, ou pelo contrário, o bairro é
identificado, mas a rua não. Pela rua é possível se chegar ao bairro no qual reside um ou outro
nubente, mas o inverso torna-se inviável. Em outras ocasiões os nomes de rua, passagens e
vilas se repetem, e quando o nome do bairro não é indicado a informação pode se tornar
ambígua, já que o nome de uma via pode ser encontrada em Diferentes locais da cidade. Isso
pode confundir a investigação, mas também indicar a maneira como são avaliadas as
informações que os nubentes prestam por quem as escreve nos livros de casamento.
O investimento nesta metodologia exigiu minúcia, contudo permitiu que os dados se
qualificassem. Isto possibilitou que a investigação avançasse e avaliasse até mesmo a distância
entre as residências dos nubentes. Assim o que se obteve foi à dimensão da mobilidade dos
indivíduos no interior do bairro. Essas informações levaram em consideração tanto a
proporção de nubentes que residiam na mesma casa antes de casarem, em bairros ou cidades
da zona metropolitana distantes entre si ou a possibilidade dos mesmos serem vizinhos que
residem próximos, na mesma rua, esquina ou quarteirão.

5.2 ESTRUTURA DAS ALIANÇAS POR BAIRRO


5.2.1 São Pedro e São Paulo - Guamá.
Na paróquia de SPSP foi encontrada a maior proporção de nubentes que residiam no
mesmo bairro onde casaram, o Guamá (90,5%). 4,1% dos nubentes moravam em bairros
99

distantes entre si, mas ainda pertencentes à área urbana de Belém. Os que moravam na região
limítrofe, isto é, nos bairros adjacentes (Condor, Cremação, Universitário, Terra-Firme,
Canudos e São Brás) representaram 2,3%. Os que residiam nas outras cidades que compões a
zona metropolitana (Ananindeua, Marituba, Santa Bárbara, Benevides) representaram 1,3% e
os que residiam em outras cidades do interior do estado ou de outros estados representaram
1%. Nesta amostra os dados inválidos (não declarados e não identificados) somaram menos de
0,8% do total.
No que concerne à observação sobre o gênero dos residentes que casaram nesta
paróquia foi possível constatar que a única área em que a proporção de mulheres é superior a
de homens é a do Guamá, bairro onde está localizada a paróquia. Há uma equivalência entre
os que habitam os bairros adjacentes, porém todas as outras regiões analisadas demonstram
que há um maior número de homens residindo em regiões distintas do Guamá do que de
mulheres. Isto indica que os casamentos ocorridos no bairro do Guamá envolvem uma grande
quantidade homens provenientes de outras áreas de Belém com mulheres que residem em seu
interior.
Tabela 29: Local de residência dos nubentes em relação à paróquia de SPSP,
segundo o sexo

Local da residência Homem Mulher Total %


Guamá 268 282 550 90,5
Região Limítrofe 7 7 14 2,3
Outros bairros de Belém 17 8 25 4,1
Zona Metropolitana 5 3 8 1,3
Outras cidades, estados e países 5 1 6 1,0
Não declarado/ Não identificado 2 3 5 0,8
Total 304 304 608 100,0
Fonte: Livro de casamento da paróquia.

Analisando somente os dados válidos relativos à moradia dos nubentes chegou-se a


constatação de que há pouca alteração em relação às informações obtidas anteriormente. A
maioria significativa continua sendo a que habita o bairro do Guamá, e os que residem nos
bairros adjacentes ou em outros bairros ou cidades da região metropolitana, do interior do
estado e de outros estados representam menos de 10%.
100

Desenho 1: Distribuição dos nubentes em relação à paróquia de SPSP - Guamá, segundo


a localização no espaço urbano

Em relação ao formato que as alianças assumem tendo em vista os distintos locais de


moradia dos nubentes é possível perceber que o grande percentual de casamentos envolve
moradores do Guamá: 94% das mulheres e pouco mais de 90% dos homens o habitavam na
época de seu casamento. A homogamia entre eles chega a ser de 87,4%, a maioria absoluta dos
90,2% existentes nesta paróquia. Isto é efeito da elevada concentração desta população em seu
interior, mas não só, pois leva a pensar que os mesmos assumem uma preferência pelo
casamento com moradores do bairro em que residem em detrimento dos que residem em
outros bairros da cidade, que, além de distantes, possuem em seu interior uma população com
distintas formas de organização social e estruturas de arranjo matrimonial.
Entre os que não residem no bairro do Guamá destacam-se 3% de homens e mulheres
que moravam em alguns dos bairros pertencentes a região limítrofe, sobretudo no bairro
Montese (antiga Terra Firme), 5,4% de homens e 2,7% de mulheres que habitavam outros
bairros da cidade e 1,7% de homens e 0,9% de mulheres que residiam em outros municípios
da região metropolitana.
Entre os principais tipos de aliança estabelecidos na paróquia de SPSP capazes de
revelar a organização social existente no bairro do Guamá estão os 4,1% referentes aos
homens que residem em outros bairros da cidade de Belém, mas que casaram com mulheres
do bairro do Guamá. Embora seja uma proporção pequena esta tende a ser a mais expressiva
diante das alianças heterogâmicas estabelecidas, que chegaram a representar 9,8% dos
casamentos ocorridos.
101

Quadro 4: Distribuição dos casamentos na paróquia de SPSP - Guamá segundo o local de


residência dos nubentes
Fon
HOMENS
MULHERES te:
Região Zona
Bairro Cidade TOTAL Livr
Limítrofe Metropolitana
Bairro 87,4% 1% 4,1% 1,4% 93,9% os
Região Limítrofe 1% 1,5% 0% 0% 3%
Cidade 1,7% 0% 1% 0% 2,7% de
Zona Metropolitana 0,3% 0% 0,3% 0,3% 0,9% casa
TOTAL 90,4% 3% 5,4% 1,7% 100,0%
men
to da paróquia.

Em se tratando da distância que separava os nubentes na época do casamento esta era


nula para os 68% de indivíduos que moravam juntos, 5,2% encontravam-se a uma distância
inferior a 100m, o que permite considerá-los como vizinhos, 14,5% moravam a uma distância
inferior a 1Km, 10,3% moravam entre 1Km e 10Km de distância da casa do(a) noivo(a), quer
em bairros da região limítrofes ou em bairros mais afastados e apenas 2% moravam a uma
distância superior a 10Km, isto é, há uma distância que exige um grande deslocamento por
parte dos nubentes.
Com isto chega-se a conclusão de que a distância média entre as residências dos
nubentes que não residiam na mesma casa na época do matrimônio foi de 2,21Km.

Desenho 2: Distribuição dos nubentes da paróquia de SPSP segundo a distância entre as


suas residências.

Em relação aos logradouros existentes no interior do bairro do Guamá que mais


concentravam a população nubente da Paróquia de SPSP destacam-se: Rua Vinte e Cinco de
Junho, AvenidaS Barão de Igarapé-Miri e Augusto Correa e Ruas Liberato de Castro e Silva
Castro. Juntas estas vias aglutinam 30,2% dos nubentes desta paróquia. Elas, porém, servem
102

em muitos dos casos como referencia para os nubentes indicarem a passagem ou vila onde
moram. É o caso por exemplo dos moradores das passagens São Lázaro e Rui Barbosa que
indicam a Avenida Bernardo Sayão como referência pra indicar a sua residência.
Um dado que pode contribuir para entender o padrão de homogamia em relação à
residência diz respeito à existência de 69 casamentos em que homem e mulher ocupavam a
mesma via dentre as indicadas. Isto representa 40% do total da amostra analisada. Também,
foi possível analisar que destes 69 casamentos 58 envolviam casais que já moravam juntos, ou
seja, 84%.
Portanto é possível afirmar que além do bairro a rua onde os nubentes moram é
também um importante elemento no processo de seleção do parceiro entre os habitantes do
Guamá.

Tabela 30: Distribuição dos nubentes da paróquia de SPSP entre os principais


logradouros do bairro do Guamá segundo a proporção de ocupação dos mesmos

Logradouro HOMEM MULHER Total %


Rua Vinte e Cinco de Junho 22 22 44 7,3
Avenida Barão de Igarapé-Miri 19 21 40 6,6
Avenida Augusto Correa 20 19 39 6,5
Rua Liberato de Castro 17 21 38 6,3
Rua Silva Castro 8 13 21 3,5
Subtotal 86 96 182 30,2
Outros logradouros 216 205 421 69,8
Total 302 301 603 100,0
Fonte: Livro de casamento da paróquia.

5.2.2 Nossa Senhora da Conceição Aparecida - Pedreira


A paróquia de NSCA apresentou uma proporção de nubentes que residem no bairro em
que à mesma está localizada de 44,7%. Os que habitavam os bairros adjacentes (Marco,
Sacramenta, Telégrafo, Umarizal e Fátima) representaram 21,3%. Os nubentes que residiam
em outros bairros da cidade apresentaram uma proporção de 8,5% e os que moravam em
outras cidades da região metropolitana apenas 3,3%. Apenas 1 registro indicava que o nubente
morava em uma cidade do Exterior (Miradoux, França). Os dados inválidos representaram
22,1% da amostra, índice bem acima do observado em relação à paróquia anterior.
Essa elevada proporção de mais de 1/5 de dados inválidos é influenciada pela
inexistência de informações relativas às noivas a partir de outubro de 2002 em um dos Livros
de Casamento existentes nesta paróquia.
103

Tabela 31: Local de residência dos nubentes em relação à paróquia de NSCA,


segundo o sexo

Local da residência Homem Mulher Total


Pedreira 245 193 438 44,7
Região Limítrofe 124 85 209 21,3
Outros bairros de Belém 65 19 84 8,5
Zona Metropolitana 26 7 33 3,3
Outras cidades, estados e países 1 0 1 0,1
Não declarado/ Não identificado 30 187 217 22,1
Total 491 491 982 100,0
Fonte: Livro de casamento da paróquia.

Considerando apenas os dados válidos pode-se observar que 57,3% dos nubentes
residiam no bairro da Pedreira no momento do seu casamento. 27,3% moravam nos bairros
adjacentes, 11% em outros bairros da cidade e 4,3% nas cidades que compõe a zona
metropolitana de Belém. O endereço francês localizado na cidade de Miradoux representou
0,1% do total da amostra.

Desenho 3: Distribuição dos nubentes em relação à paróquia de NSCA - Pedreira,


segundo a localização no espaço urbano.

Quanto à estrutura das alianças estabelecidas segundo o local de residência dos


nubentes o que se constata é que predominam os casamentos entre pessoas que residiam no
bairro da Pedreira. Contudo a diferença está no fato de que os homens estão em proporção
superior às mulheres, eles representam 64%, elas 49,1% . Sendo assim, cerca de 36,3% dos
casamentos foram entre estes indivíduos. A redução deste índice em relação ao que fora
104

observado junto à paróquia de SPSP pode estar indicando a existência entre os habitantes do
bairro da Pedreira de uma preferência por moradores de outros bairros da cidade.
No que diz respeito aos moradores dos bairros que fazem parte da região limítrofe foi
possível encontrar 30% de homens e 27,9% de mulheres residindo em algum destes bairros. O
casamento entre estes moradores foi da monta de 15,7%, sobretudo entre os que moravam nos
bairros do Marco, Sacramenta e Telégrafo. Dentre os homens que residiam nestes bairros
observou-se que 13,4% casaram mulheres do bairro da Pedreira. O contrário indicou que as
mulheres da região limítrofe casavam com homens deste bairro em cerca da metade dos casos,
ou seja, 6,8%.
Os homens que residiam em outros bairros da cidade representaram 14,3% dos
nubentes enquanto as mulheres apenas 5,9% . E somente 6,6% dos homens e 2,2% das
mulheres residiam em outras cidades da região metropolitana de Belém.

Quadro 5: Distribuição dos casamentos na paróquia de NSCA-Pedreira segundo o


local de residência dos nubentes
HOMENS
MULHERES Região Zona
Bairro Cidade TOTAL
Limítrofe Metropolitana
Bairro 36,3 13,4 9,6 4,4 64,0
Região Limítrofe 6,8 15,7 4,1 1,3 27,9
Cidade 4,4 0,6 0,3 0,6 5,9
Zona Metropolitana 1,3 0,3 0,3 0,3 2,2
TOTAL 49,1 30,0 14,3 6,6 100,0
Fonte: Livros de casamento da paróquia.

Essa relativa diferença em relação à paróquia de SPSP ampliou a distância média entre
os nubentes para cerca de 2,35 Km. O que contribuiu significativamente para isso foi a
redução na proporção de nubentes que já residiam na mesma casa antes do casamento (28,8%
). Cerca de 8,4% dos nubentes distavam um do outro menos de 100m, o que permite-lhes
serem considerados vizinhos, 22,4% moravam em regiões circunvizinhas (entre 100m e
1Km), 36,8% localizavam-se a uma distância acima de 1Km e inferior a 10Km e apenas 3,6%
superavam estas distâncias.
105

Desenho 4: Distribuição dos nubentes da paróquia de NSCA – Pedreira segundo a


distância entre as suas residências e distância média entre estas.

Entre os moradores da Pedreira destacam-se os que residiam na Avenida marques de


Herval. Ali eles concentram 7,6% do total de nubentes que casaram na paróquia de NSCA e
junto com as Travessas Barão do Triunfo, Mariz e Barros, Vileta, a Avenida Pedro Miranda e
a Rua Antônio Everdosa esta representam mais de 1/3 da amostra analisada.
Contudo, apesar desta proporção ser superior a observada junto a paróquia de SPSP e
estar indicando um aumento na concentração de nubentes em determinadas vias do bairro da
Pedreira verifica-se que o percentual de pessoas que residem na mesma rua é inferior ao
observado junto aos residentes do bairro do Guamá, pois chega a ser de apenas 17%. Dos 44
casamentos que estão nesta condição apenas 24 envolvem pessoas que moravam na mesma
casa, o que significa um percentual de 55%.

Tabela 32: Distribuição dos nubentes da paróquia de NSCA entre os principais


logradouros do bairro da Pedreira segundo a proporção de ocupação dos mesmos

Logradouro HOMEM MULHER Total %


Avenida Marques de Herval 28 26 54 7,6%
Travessa Barão do Triunfo 28 20 48 6,3%
Rua Antônio Everdosa 22 24 46 6,0%
Travessa Mariz e Barros 27 18 45 5,8%
Avenida Pedro Miranda 19 15 34 4,4%
Travessa Vileta 16 18 34 4,4%
Subtotal 140 121 261 34,5%
Outros logradouros 321 183 504 65,5%
Total 461 304 765 100,0%
Fonte: Livro de casamento

5.2.3 São Francisco de Assis - São Brás


No que diz respeito ao item “origem” a paróquia de SFA é a que concentra a maior
quantidade de dados inválidos, sobretudo por que os mesmos não se encontravam disponíveis
106

nos registros de casamento desta paróquia. Isso influenciou sobremaneira os resultados


obtidos, mas não impediu que fosse possível perceber a configuração da estrutura das alianças
estabelecida entre os seus nubentes a partir de um ponto de vista espacial.
Dentre os dados válidos está o reduzido percentual de 6,3% de nubentes moradores do
bairro de São Brás, onde está localizada a paróquia, o predomínio de casamentos envolvendo
nubentes dos bairros próximos (22,4%) sobretudo do Guamá, o percentual de 9,4% de
nubentes residentes de outros bairros da cidade de Belém, os 2,5% que moravam nas outras
cidades da zona metropolitana e os cerca de 2% de habitantes de outras cidades do estado, de
outros estados da federação ou de outros países. A diferença entre homens e mulheres neste
primeiro momento não é tão acentuada, mas demonstra que os primeiros representam à
maioria quando se trata de residências localizadas para além do bairro onde está localizada a
paróquia e da região limítrofe a este.

Tabela 33: Local de residência dos nubentes em relação à paróquia de SFA,


segundo o sexo

Local da residência Homem Mulher Total


São Brás 46 59 105 6,3
Região Limítrofe 186 190 376 22,4
Outros bairros de Belém 93 65 158 9,4
Zona Metropolitana 27 15 42 2,5
Outras cidades, estados e países 20 12 32 1,9
Não declarado/ Não identificado 468 499 967 57,5
Total 840 840 1680 100
Fonte: Livro de casamento da paróquia.

Levando em consideração apenas os dados válidos chegou-se a constatação de que


14,7% dos nubentes residem no bairro onde está localizada a paróquia, 52,7% reside em
bairros próximos à São Brás, sobretudo no bairro do Guamá. Este, aliás, agrupa cerca de 38%
dos nubentes da paróquia analisada. 22,2% da população que casou em SFA residia em outros
bairros da cidade, 5,9% residia em cidades que compõe a região metropolitana e 4,5%
moravam em outras cidades do interior do Pará, em outros estados da federação ou em outros
países.
107

Desenho 5: Distribuição dos nubentes em relação à paróquia de SFA - São Brás,


segundo a localização no espaço urbano

Em relação à estrutura das alianças no que tange o local de residência dos nubentes foi
possível constata que a maioria dos casamentos envolviam homens e mulheres que residiam
em bairros localizados na região limítrofe. Eles representaram 58,4% da amostra e elas 55,7%.
Os homens que habitavam o bairro onde está localizada a paróquia representaram 17,6%, já as
mulheres 12,6%. 23,8% eram homens e 19,1% eram mulheres residentes de algum outro
bairro da cidade de Belém e 7,9% dos homens e 4,9% das mulheres moravam em outras
cidades da zona metropolitana.
Entre os que moravam na região limítrofe ao bairro de São Brás também está o maior
percentual (45,5%) de nubentes que resolveram casar com alguém do próprio bairro. Isco
ocorreu, sobretudo entre os habitantes do bairro do Guamá que representaram cerca 30% do
total da amostra analisada. Em seguida estão os nubentes de outros bairros da cidade que
casaram entre si na paróquia de SFA em 10,6% dos casos. 7,3% dos casamentos envolviam
homens de outros bairros com mulheres da região limítrofe à paróquia, 5,6% envolviam
homens desta região com mulheres de outros bairros da cidade. Este índice é apenas um pouco
inferior em relação aos 6% encontrado entre os nubentes que habitavam o mesmo bairro na
época do enlace e semelhante ao observado entre os homens que habitavam outros bairros da
cidade e as mulheres que moravam no bairro onde está localizada a paróquia. Apenas 3,3% e
2,3% dos homens casaram respectivamente com mulheres que residiam nos bairros adjacentes
à paróquia e em outros bairros da cidade. Neste sentido o que se pode concluir
provisoriamente é que a taxa de homogamia existem no bairro de São Brás entre os nubentes
108

da paróquia de SFA é não só muito reduzido, como também designativo da elevada circulação
desta população em seu interior.

Quadro 6: Distribuição dos casamentos na paróquia de SFA – São Brás segundo o


local de residência dos nubentes
HOMENS
MULHERES Região Zona
Bairro Cidade TOTAL
Limítrofe Metropolitana
Bairro 6% 4% 5,6% 2% 17,6%
Região Limítrofe 3,3% 45,5% 7,3% 2,3% 58,4%
Cidade 2,3% 5,6% 10,6% 0,6% 19,1%
Zona Metropolitana 1% 0,6 % 0,3% 3% 4,9%
TOTAL 12,6% 55,7% 23,8% 7,9% 100,0%
Fonte: Livros de casamento da paróquia.

Essa grande proporção de nubentes morando distante da região onde está localizada a
paróquia levou a maior distância média observada entre as paróquias desta pesquisa: 3,86Km.
Os nubentes que residiam na mesma casa antes do matrimônio representaram 34,5% da
amostra e apenas 3,4% poderiam ser considerados vizinhos. 13,6% moravam em regiões
circunvizinhas à casa do nubente e 8,5% em residências que distam uma da outra em mais de
10Km. Mas a grande proporção está localizada a uma distância que varia entre 1 e 10 Km, ou
seja, 40%

Desenho 6: Distribuição dos nubentes da paróquia de SFA - São Brás segundo a


distância entre as suas residências.

Neste sentido o número de nubentes que residiam nas vias que compõem ou
entrecortam o bairro de São Brás são bastante reduzidos em relação aos observados
anteriormente, isto por que cerca de 21,8% da amostra reside em vias como as Avenidas
Conselheiro Furtado e Mundurucus, Travessas Caldeira Castelo Branco e Quatorze de Abril e
Passagens Napoleão Laureano e Guerra Passos, estas últimas localizadas no bairro do Guamá.
109

Isto permite considerar que além desta população ser a mais espalhada no interior da malha
urbana de Belém é que mais aglutina moradores de outro bairro, e conseqüentemente de outra
paróquia (neste caso a de SPSP) 110.

Tabela 33: Distribuição dos nubentes da paróquia de SFA entre os principais logradouros
do bairro de São Brás segundo a proporção de ocupação dos mesmos

Logradouro HOMEM MULHER Total %


Avenida Conselheiro Furtado 20 23 43 6,0%
Passagem Napoleão Laureano 11 14 25 3,5%
Travessa Caldeira e Castelo Branco 9 15 24 3,4%
Avenida dos Mundurucus 10 13 23 3,2%
Passagem Guerra Passos 14 7 21 2,9%
Travessa Quatorze de Abril 11 9 20 2,8%
subtotal 75 81 156 21,8%
Outros logradouros 297 260 557 78,2%
Total 372 341 713 100,0%
Fonte: Livro de casamento da paróquia.

***
Ao analisar os tipos de alianças estabelecidas em Belém no que diz respeito à origem e ao local
de residência dos nubentes foi possível constatar que existe um padrão de homogamia tanto entre
aqueles que são naturais desta capital e quanto entre os moradores do bairro em que está localizada a
paróquia onde ocorreram os casamentos.
Porém embora esse seja o perfil predominante é necessário considerar que cada contexto sócio-
espacial, tido como referência, possui a sua particularidade. As mesmas se fazem notar, por exemplo,
através da diferença na proporção de imigrantes presentes em cada bairro ou nos locais em que os
mesmos residem em seu interior. É possível que estas diferenças sejam o efeito de uma tendência, que
cada bairro possui, para concentrar ou fragmentar as relações existentes entre os naturais de Belém e os
imigrantes de outros lugares e entre os seus moradores e os moradores de outros bairros.
Em relação à paróquia de SPSP, que viu reunida a maior parte de seus nubentes no bairro do
Guamá, foi possível observar a existência de um elevado índice de casamentos envolvendo imigrantes,
sobretudo do interior do estado do Pará e de maranhenses. Assim, esta paróquia permite concluir que

110
Há de se considerar que dada à localização das paróquias no interior dos bairros, no sentido de estarem mais
próximas de um ou de outro, é possível que haja uma tendência para a que a ocorrência dos casamentos seja
inversamente proporcional à distância entre as residências dos nubentes e as igrejas onde são realizadas as
cerimônias. No caso da paróquia de SFA, ao observarmos sua posição no mapa de Belém, verificamos que a
mesma está mais próxima em relação ao bairro do Guamá do que em relação à região central do bairro de São
Brás.
110

neste bairro onde está localizada se concentra a maior proporção de imigrantes e que os mesmos, na
maioria das vezes, ou casam-se entre si, ou com naturais da capital.
Este bairro, de igual maneira, também tende a concentrar os indivíduos que foram analisados
segundo o item “moradia”. A maioria desses indivíduos, no entanto, além de residirem no mesmo
bairro habitavam também o mesmo lar antes do casamento. Talvez isto reflita a presença de um levado
número de alianças informais, que podem ser mensuradas tendo em conta a expressiva quantidade de
casamentos comunitários ocorridos no período analisado. Este fenômeno influenciou sobremaneira a
tendência para que a distância entre os locais de moradia dos nubentes se reduzisse e fosse a menor
dentre os bairros analisados, ampliando assim o índice de homogamia geográfica observado na
paróquia.
No caso da paróquia de NSCA constatou-se que os casamentos ocorridos envolviam
indivíduos, sobretudo mulheres, nascidos na capital e residentes do bairro onde está localizada a
paróquia (Pedreira) ou de bairros próximos que compõem a região limítrofe. Entre estes nubentes a
homogamia existente é relativa, o que explica a menor proporção dentre todas as paróquias de
casamentos entre pessoas que moravam na mesma casa ou próximas umas da outras.
Por fim, os nubentes que contraíram matrimônio na paróquia de SFA estabelecem alianças
homogâmicas, sobretudo no que se refere à origem comum em Belém. Estes nubentes também
manifestaram homogamia na condição de moradores do mesmo bairro Dentre estes bairros o que mais
se destaca é o Guamá.
Essa tendência para a ocorrência de casamentos entre pessoas com residência em bairros
distantes da paróquia onde foi realizado o casamento contribui para o aumento significativo da
distância entre as residências dos nubentes, que neste bairro foi a maior dentre as observadas.
Sendo assim, é possível considerar que os nubentes da paróquia de SFA, embora também
sejam moradores do bairro do Guamá, possuem características muito distintas daqueles que moravam
neste bairro, mas se casaram na paróquia de SPSP, como por exemplo a tendência para já habitarem a
mesma casa antes do casamento 111. Isso indica que estes habitantes possuem entre si diferenças que são
marcadas pela forma como ocupam o espaço do bairro, na maneira como selecionam seus pares e na
fórmula que encontraram para estabelecer seus arranjos conjugais.

111
Pesa também nesta avaliação a proximidade entre as residências dos nubentes e as respectivas
paróquias, visto que SPSP encontra-se localizada na interior do bairro do Guamá, e a paróquia de SFA,
embora represente o bairro de São Brás está mais próximo do Guamá do que em relação a sua região
central.
111

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste Trabalho de Conclusão de Curso, cuja perspectiva era analisar os registros de


casamento católico referentes às paróquias de SPSP, NSCA e SFA, localizadas em Belém no
período entre 1995 a 2006, foi possível identificar uma série de aspectos. Todos estão
relacionados ao processo investigativo acionado e aos resultados com ele obtidos. Segue-se
então que, depois de apresentados os objetivos do trabalho foram discutidas as visões de
mundo que preencheram a curiosidade pelo tema, as nuances de inserção na pesquisa e o
acervo de indagações que contribuíram para a sua realização.
Em seguida foram apresentados o método de seriação utilizado para abordagem dos
dados, e a qualidade destes últimos. Também foi discutido nesta ocasião os procedimentos de
coleta do material, a investida no campo e as condições de trabalho. A intenção de trabalhar
interdisciplinarmente foi observada tendo em conta os referenciais epistemológicos de áreas
afins, como antropologia, demografia e estatística. Estes procedimentos metodológicos
influenciaram a apreciação dos dados e com isso fomentaram a busca pela compreensão da
dinâmica do matrimônio existente em Belém, assim como o comportamento demográfico dos
indivíduos que aí realizaram suas escolhas matrimoniais. Neste sentido foi necessário
identificar os contextos sócio-espaciais nos quais as paróquias estavam localizadas.
Analisando o contexto dos bairros do Guamá, Pedreira e São Brás em que estavam
situadas as paróquias de SPSP, NSCA e SFA, respectivamente, foi possível compreender a
maneira como os indivíduos ocupam e se situam na cidade, tanto do ponto de vista estrutural
(urbanização e rede sanitária, por exemplo) como social e simbólica (poder aquisitivo e nível
de instrução). Desta forma o que se buscou identificar foram os aspectos que podem ter
influenciado a escolha de seus parceiros conjugais de uma ou outra área dos respectivos
bairros ou de outras áreas da cidade entendidas como “centrais” ou “periféricas”.
Neste sentido o Guamá configurou-se como um bairro que em comparação com os
demais é o que apresenta menores características de espaço urbanizado, portanto é o que
concentra em seu interior uma população com reduzida concentração de renda e instrução o
que gerou um quadro relativamente grande de casamentos comunitários e uma elevada
tendência para que os nubentes estabeleçam este tipo de casamento após anos de convívio
informal, na mesma casa ou na condição de vizinhos que morem próximos ou a alguns
quarteirões de distância um do outro.
Em relação ao bairro da Pedreira e os casamentos ocorridos em seu interior verificou-
se que a configuração sócio-espacial do primeiro atende a necessidades de dois tipos de
112

nubentes socialmente distintos, cuja divisão se dá entre os que são oriundos de bairros
próximos, que possivelmente são menos urbanizados (como Sacramenta e Telégrafo), e os que
moram no próprio bairro, onde há um relativo grau de urbanização.
O bairro de São Brás por estar localizado em uma área mais próxima da região central
da cidade possibilitou constatar um alto grau de urbanização e com isso a presença de uma
população com elevado padrão de vida e alto nível de instrução em comparação com os
demais bairros.
No que se refere à freqüência dos casamentos ocorridos nas paróquias, a mesma pouco
variou entre um ano e outro, porém muito entre os meses e os dias da semana. Dos meses que
compõe o ano dezembro é o mais escolhido para o estabelecimento do enlace, seguido de
maio, outubro e junho. Já os meses que menos interessam aos noivos são agosto, abril e
setembro, respectivamente. Preferencialmente os casamentos também ocorrem nos dias de
sábado.
Em relação à análise sobre a faixa etária nas as quais os nubentes casaram percebeu-se
que as mulheres são, no ato do matrimônio, mais novas que seus noivos em pelo menos 2,7
anos. A faixa etária preferencial entre elas localiza-se entre os 21 e 25 anos, já entre os homens
a mesma encontra-se entre os 26 e 30 anos. Contudo estas diferenças podem variar tanto entre
paróquias quando em comparação com as origens dos nubentes, no sentido de que quanto mais
próximos de contexto sócio-espaciais menos urbanizados maior é a tendência para os nubentes
se casarem em idades acima da média e da mesma forma se estes forem imigrantes vindos do
interior do estado. Os nubentes da paróquia de SPSP estão entre os que mais se adequaram a
este perfil, pois apresentam as características de serem os mais velhos no ato do matrimônio e
os que possuem maior população de migrantes provenientes de municípios paraenses. Em
contrapartida, os nubentes da Pedreira e São Brás são os que possuem, consecutivamente,
indivíduos que casam mais jovens e menor proporção de migrantes oriundos de municípios
paraenses em seu interior.
Esta naturalidade foi assunto de discussão posterior, uma vez que foram analisadas
segundo um recorte teórico instituído pela demografia brasileira. Esta procura tratar a
mobilidade da população que habita o Brasil a partir de um viés historicista e a entende a partir
da dinâmica econômica, mas também social, pela qual o país passa em cada momento de sua
evolução histórica e demográfica. Sendo assim foi identificada uma relação entre a
naturalidade dos nubentes e o padrão migratório existente no interior de Belém. Juntamente a
este foi constado também que a migração para esta capital segue uma tendência que é histórica
e se reserva à concentração em áreas metropolitanas.
113

Pelo que se viu a maioria dos imigrantes vem dos estados que compõem a região
Nordeste, seguidos pelos nascidos nas regiões Norte, Sudeste, Centro-Oeste, Sul e países
europeus, consecutivamente. A disposição das informações incide sobre existência de uma
redução no fluxo de migrações interestaduais e o aumento no fluxo de migrações
intraestaduais, à semelhança do que ocorre com o padrão existente hoje e observado desde a
década de 1980 para o Brasil e Belém. Entre os nubentes que migraram dos municípios
paraenses para a capital destacam-se os nascidos na meso-região Nordeste, seguidos pelos
naturais das meso-regiões do Marajó, Baixo Amazonas e Metropolitana de Belém.
Entre os imigrantes ficou constatado que a maioria era masculina, o que leva a
considerar que esta tende a ser a população que mais circula no interior do mercado
matrimonial de Belém. A população feminina neste sentido tende a ser aquela que menos
circula, porém não só geograficamente entre municípios, estados da federação ou países, mas
também no interior do núcleo urbano. A confirmação desse fenômeno se dá através da análise
sobre a estrutura das alianças que compõe a discussão final do trabalho.
Nela observou-se que as alianças ao serem estabelecidas envolviam uma grande
parcela de homens provenientes não só de áreas externas ao núcleo geográfico de Belém, mas
também de outros bairros que não aquele onde estava localizada a paróquia de ocorrência dos
casamentos. Por esta via fica constatado que o movimento dos indivíduos no espaço durante o
enlace matrimonial varia segundo o gênero e no sentido de que os homens se deslocam mais
do exterior do que as mulheres. Por conseqüência as mulheres são aquela população que mais
está localizada ás proximidades no núcleo onde ocorre o rito matrimonial.
Estas observações também incidem sobre a região da cidade e dos bairros ocupadas
pelos nubentes. Discutiu-se então a concentração dos mesmos dentro e fora do bairro onde está
localizada a paróquia. Como cada uma delas possuía dados relativamente díspares quanto a
sua qualidade propôs-se que os mesmo fosses discutidos separadamente. Sendo assim
verificou-se que no bairro do Guamá a tendência para o casamento ocorrer entre pessoas que
moram próximas umas das outras é bem maior do que entre os nubentes do bairro da Pedreira
e de São Brás, que neste caso ou moram em bairros próximos à região limítrofe ou em outros
da própria cidade.
Por esta via o que é possível concluir é que os casamentos que ocorrem em Belém
tendem a ser homogâmicos, sobretudo em relação à origem e entre pessoas que moram em
áreas relativamente próximas umas das outras.
114

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