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GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA:
CONSTRUÇÃO COLETIVA DO
DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES
Josep Mª Pascual Esteve
GOVERNANÇA DEMOCRÁTICA:
CONSTRUÇÃO COLETIVA DO
DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES
ISBN: 978-85-7672-027-0
CDU 321.7
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
À minha esposa, Àngels Guiteras, pelo
seu apoio, confiança e sugestivas observa-
ções quanto ao conteúdo do texto.
SDS · Edifício Miguel Badya · Sala 322 · 70394-901 · Brasília-DF
Fone: (61) 3224-2269 Fax: (61) 3226-9756
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PRESIDENTE DE HONRA
Armênio Guedes
CONSELHO curador
Presidente
Caetano Araújo
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Cléa Schiavvo Luiz Mário Gazzaneo Alberto Aggio
Dina Lida Kinoshita Luiz Werneck Viana Arlindo F. de Oliveira
Ferreira Gullar Mércio Pereira Gomes Silvio Tendler
Giovanni Menegoz Sérgio Camps Moraes Socorro Ferraz
João Batista de Andrade Stepan Nercessian Vladimir de Carvalho
João Carlos Vitor Garcia
CONSELHO EDITORIAL
Prefácio..................................................................................11
Apresentação..........................................................................15
Introdução à edição brasileira..................................................19
Introdução..............................................................................23
Prefácio 11
formam uma rede de nós urbanos, a partir da qual se tecem intera-
ções entre os diferentes atores nos diversos patamares em que se
organiza a convivência democrática como as cidades, os países, as
organizações multilaterais, as instituições supranacionais. … “as
cidades são a riqueza das nações e (…) a era infoglobal se assenta em
um sistema mundial de cidades” (p. 165).
Pascual Esteve afirma que a finalidade da governança demo-
crática é o desenvolvimento humano, traduzido como democra-
cia, equidade social e desenvolvimento econômico. E ressalta a
importância da coesão social, considerada pele estudioso como o
principal objetivo da governança democrática.
Enfrenta, para isso, o espinhoso tema relativo ao como fazer,
o autor apresenta um conjunto extenso de ferramentas já disponí-
veis para a operacionalização da governança democrática: os pla-
nos estratégicos; a negociação relacional dos conflitos públicos; as
técnicas de mediação; as técnicas de participação cidadã e apoio
social às políticas públicas; os métodos e as técnicas de gestão de
projetos em rede; a gestão da cultura empreendedora e cívica da
cidadania; o coaching para a liderança relacional; as técnicas de
construção de consensos; o enfoque abrangente nas ciências so-
ciais e a direção sistêmica por objetivos (p. 78).
Vale, no entanto, mencionar que Pascual enfatiza que não se
trata de uma questão apenas ou eminentemente técnica: a dimen-
são política da governança democrática emerge com o tratamento
dos temas da participação cidadã, da representação política, ainda
com a necessidade de estabelecimento de sinergia entre ambas. A
respeito, afirma o autor:
Uma sociedade educadora dificilmente é compatível com a visão
de uma gestão pública distante das preocupações e demandas dos
cidadãos (…). A democracia na nova cidade significa descentralização
de competências e recursos para os governos locais, para que eles pos-
sam (…) inaugurar uma nova forma de governar baseada na gestão
de redes cidadãs (p. 90).
12 Prefácio
Crítico do modo gerencial de governar, Pascual propõe sua
substituição pela gestão relacional ou das interdependências próprias
da governança (p. 108), na qual a liderança representativa deve
ser relacional e capacitadora, e não dominadora, e na qual fica
clara a distinção entre os papéis do político e do gerente. Em suas
palavras:
Hoje a governança se encontra em uma etapa ascendente, deslo-
cando o caduco modo gerencial de governar que (…), comportou – e,
sobretudo, sua permanência ainda comporta – grandes déficits nas
duas grandes dimensões da democracia: a qualidade da representação
do eleito e a participação e colaboração cidadã na gestão da cidade
(p. 170).
Por contraste, na governança democrática, o gerente deveria
preocupar-se com uma gestão eficiente, isto é, com a produtividade;
porém uma produtividade posta a serviço do cumprimento de obje-
tivos sociais, cuja identificação tenha sido liderada pelo representante
eleito (p. 131).
Em instigante coincidência, o nosso atual modelo de gestão
em Minas Gerais já antecipa esta metodologia, vez que nossa
maior obsessão é, exatamente, pela eficiência e pelos resultados,
em favor da sociedade e dos cidadãos, por meio de políticas pú-
blicas urdidas em comum com os setores representativos das for-
ças sociais. Poderíamos, assim, ousar afirmar que, em certas cir-
cunstâncias, a prática preconizada por Pascual Esteve encontra-se
já vigente em nossas Minas Gerais.
Boa leitura!
Prefácio 13
Apresentação
Apresentação 15
dos governos das cidades, para que possam enfrentar as dificul-
dades mais importantes e os obstáculos mais comuns encontrados
na gestão das demandas cidadãs. Examina em detalhes como os
desafios, que dificultam a conquista dos resultados esperados, po-
dem arranhar a sua legitimidade democrática e fragilizar o apoio
da cidadania às políticas públicas. A tese que defende localiza tais
dificuldades no tipo de relação estabelecida entre governo local e
cidadania, em que o primeiro aparece quase que exclusivamente
como provedor de serviços e gestor dos recursos públicos.
Pascual desenvolve o argumento de que esse modo de gover-
nar – identificado na sua forma mais avançada com a introdução
de práticas gerenciais do setor privado na esfera pública – precisa
ser superado. Não apenas porque os recursos públicos são e serão
cada vez mais insuficientes para atender as crescentes e comple-
xas demandas da população, mas também porque as transforma-
ções que ocorrem hoje na sociedade – em suas bases econômicas,
sociais, políticas e tecnológicas – criam as condições necessárias
para o surgimento de um novo tipo de governo, denominado
pelo autor de governo relacional. Neste, as funções burocráticas
e, principalmente, as gerenciais não desaparecem, mas perdem
importância relativa diante da concepção de que na sociedade-
rede cabe aos governos reposicionarem-se para gerir interdepen-
dências – assim como as principais redes sociais – e melhorar a
capacidade de organização e ação da sociedade a fim de alcançar
o desenvolvimento humano.
Nessa perspectiva, o gerente perde posição para o político.
Ganha relevância o capital político local, formado pela equipe
de governo, para articular socialmente o município e influir po-
sitivamente no desenvolvimento da cidade. Em outras palavras,
impõe-se a revalorização da política ante a gestão e a importância
da liderança representativa para organizar a ação do conjunto da
sociedade com base em objetivos democraticamente comparti-
lhados.
16 Apresentação
Não é preciso muito esforço ou conhecimento especializado
para reconhecer que em nosso país há enormes dificuldades para
implantação, com sucesso, até mesmo do modo gerencial de go-
verno, ou que os nossos governos locais muito raramente têm sido
dinamizadores do desenvolvimento das cidades. Daí a relevância
da reflexão sobre os caminhos alternativos a serem percorridos,
um enfrentamento que se traduz na necessária construção de uma
nova cultura política diante das grandes transformações em curso
no mundo e seus impactos no país.
Esse percurso passa, indiscutivelmente, não apenas pelo for-
talecimento da capacidade institucional dos municípios, mas tam-
bém pelo aumento da capacidade pessoal dos políticos eleitos
com a responsabilidade de governar. Deles será cada vez mais
demandado o domínio dos principais instrumentos técnicos e
pessoais do trabalho político necessários à gestão estratégica e
ao exercício da liderança. Afinal, a política democrática ocupará
crescente importância na sociedade-rede como pré-requisito para
a conquista de patamares de qualidade de vida mais elevados
para todos.
Nesse sentido, o livro é bastante instigante e útil, especialmen-
te para os políticos e técnicos que atuam na administração dos
municípios. Desenvolve de maneira concreta e detalhada uma
nova perspectiva da atuação dos governos locais, em que a ci-
dade é considerada uma construção coletiva e o governo local o
dinamizador e organizador da capacidade de ação da sociedade.
Examina em profundidade temas relevantes como a participação
e envolvimento cidadão, o planejamento estratégico urbano, a
gestão de projetos em rede e a gestão para uma cultura empre-
endedora. E, sobretudo, apresenta com firmeza a opção pela
qualidade do meio ambiente, pelos valores que devem presidir o
desenvolvimento e pela radical melhoria da qualidade da demo-
cracia local.
Apresentação 17
Governança Democrática: construção coletiva do desenvolvimento
das cidades traz à reflexão, portanto, referências teóricas e propo-
sições práticas inovadoras em um campo da política democrática
brasileira cujo acúmulo é ainda muito pequeno. A expectativa é
que sua circulação possa contribuir para uma pauta de discussão
tão importante quanto a necessidade de revalorização da política
e da sua centralidade para o desenvolvimento do país e das nos-
sas cidades. Enfim, apresenta uma contribuição abrangente que
perpassa, desde a renovação da nossa velha arquitetura gover-
namental e dos mecanismos de participação da sociedade civil
nas políticas públicas, até a mais apaixonada defesa de valores
democráticos fundamentais como liberdade, coesão social e res-
peito aos direitos humanos, em uma sociedade sempre mais in-
terdependente.
18 Apresentação
Introdução à edição brasileira
1 Ver “New challenges to governance theory”, European University Institute, The Robert
Schuman Centre Florence – Jean Monnet Chair Papers nº 50 (1998).
2 Ver www.aeryc.org
4 A. Einstein já havia observado que “os problemas importantes que enfrentamos não po-
dem ser resolvidos com o mesmo enfoque do pensamento que tínhamos quando os cria-
mos.” O especialista em grandes organizações J. Gardner observou, nos anos 60 do século
XX, que “a maioria das organizações doentes desenvolveram uma cegueira funcional em
relação aos seus próprios defeitos. Não sofrem por não poder resolver seus próprios proble-
mas, mas por não poder vê-los.”
24 Introdução
apresentadas têm por base a análise da evolução da sociedade e
da crise da maneira de governar e de entender a política e, espe-
cialmente, do papel do político. Por isso, descreve as característi-
cas da nova liderança política e dos apoios e suportes técnicos e
organizacionais que a liderança relacional requer.
Uma vez que um dos seus objetivos é servir como ferramenta
para os políticos com responsabilidades de governo, e como es-
tes, geralmente, são pessoas muito envolvidas e empenhadas nas
tarefas do dia a dia e com pouco tempo para a leitura, concebe-
mos os capítulos de tal modo que a sua leitura seja inteligível em
si mesma, não sendo necessária, embora desejável, a leitura dos
capítulos antecedentes ou posteriores. Pela mesma razão, além de
elaborarmos um índice detalhado, enfatizamos no início de cada
capítulo as ideias-chave.
O primeiro capítulo, intitulado “Governança: Uma nova arte de
governar”, introduz e explicita as diferenças entre os conceitos de
governabilidade, governança e bom governo. É um capítulo ana-
lítico e conceitual, cujo objetivo é distinguir os principais tipos de
governo e modos de governar observados nos regimes democrá-
ticos. A conclusão é que o governo relacional, através do modo de
governar denominado governança democrática, em cuja base está a
gestão relacional ou a gestão das interdependências entre agentes e
setores da cidadania, é o governo que corresponde à sociedade do
conhecimento ou sociedade-rede.
O segundo capítulo, “Governança Democrática: Construção
coletiva do desenvolvimento humano”, discute a finalidade e as
características distintivas da governança e da gestão relacional
como arte de governar. O terceiro capítulo identifica e descreve as
grandes mudanças sociais em curso nas nossas cidades e municí-
pios e que hoje estão moldando as novas agendas políticas.
O capítulo seguinte descreve a crise política que as mudanças
sociais têm provocado no modo de governar denominado “ge-
rencialismo”, que esteve em voga até o final da década de 90.
Introdução 25
Por outro lado, é reforçado o papel da democracia – entendida,
sobretudo, como eleição e representação –, tanto como valor e
fim quanto como meio para o desenvolvimento social contempo-
râneo. Também é analisado o novo papel do político eleito como
uma das chaves para a qualidade democrática.
O quinto capítulo identifica as principais características da lide-
rança relacional ou representativa, que aparece como o principal
agente da mudança direcionada para o desenvolvimento humano.
No sexto capítulo, com base em uma definição de coesão social,
em consonância com os programas URBAL da União Europeia, são
tratados os pontos-chave para que o governo local possa liderar a
coesão social de seu território e o apoio técnico de que precisa.
O capítulo seguinte descreve o perfil do político necessário
para poder liderar as cidades inclusivas, bem como as principais
habilidades e capacidades requeridas.
No oitavo capítulo são identificadas as razões por que os go-
vernos locais assumem um papel mais importante na sociedade-
rede, assim como a importância dos governos intermunicipais. No
nono e último capítulo, intitulado “A Governança do Bem-Estar
Social”, é examinada a reestruturação da gestão dos serviços pú-
blicos do bem-estar social na era da governança. Em particular,
são identificados os desafios da provisão de recursos e da gestão
dos serviços por parte das prefeituras e como eles devem ser abor-
dados.
O livro é complementado por uma bibliografia e alguns links
eletrônicos para quem quiser se aprofundar no tema.
26 Introdução
1. Governança:
Uma nova arte de governar
Ideias Principais
1. Governança Democrática é: descentralização, participação e
colaboração com a sociedade civil.
5 No citado Livro Branco, o conceito de governança está associado a cinco princípios fun-
damentais: abertura, participação, responsabilidade, eficácia e coerência. Princípios que
visam a reforçar as relações da UE com a sociedade civil e uma maior utilização das capa-
cidades dos agentes locais e regionais para lançar as bases para uma definição clara dos
objetivos políticos da UE e estabelecer os papéis e as responsabilidades de cada instituição.
Governança está diretamente associada a uma aposta do governo na descentralização, par-
ticipação cidadã e colaboração com a sociedade civil.
6 J. Prats, “Gobernabilidad democrática para el desarrollo humano: Marco conceptual y
analítico” em Instituciones y Desarrollo nº 10, 2001, pp. 103 a 148.
7 O vocábulo governança ainda não está inserido no dicionário do Instituto de Estudos Ca-
talães, mas seu uso foi autorizado como uma tradução de “governance”, em 2001. Ele foi,
entretanto, incluído, em 2001, no Dicionário da Real Academia da Língua Espanhola com
uma definição muito genérica, mas de forma correta. Governança é definida como “a arte
ou o modo de governar que se propõe como objetivo alcançar o desenvolvimento econô-
mico, social e institucional sustentável, promovendo um equilíbrio saudável entre Estado,
sociedade civil e economia de mercado.”
10 Governação é usado no mesmo sentido como definido pelo Dicionário da Real Academia
da Língua Espanhola: “Ação e efeito de governar/exercício do governo.” Compreendemos,
naturalmente, por governo um “conjunto de organizações e indivíduos que dirigem um
território e as funções que eles desempenham”. Assim, modelos de governação ou formas
de governar são modelos de exercer a ação governamental.
11 Quando se fala tanto de modelos de governação ou de governos-tipo se utiliza a metodo-
logia do tipo ideal de Max Weber, que a define como: “Construção mental para analisar
um fenômeno histórico ou social em que se elegem e enfatizam determinados aspectos do
fenômeno. O objetivo da construção de tipos ideais é o de servir como base de comparação
na análise dos fenômenos históricos e sociais concretos, uma vez que torna possível mostrar
a proximidade ou afastamento deles em relação ao tipo ideal (puro). Ver M. Weber, Concei-
tos sociológicos fundamentais, edição de J. Abellán. Madri: Alianza Ed., 2006, p.180.
L
Legal
G R
Provedor e Gestor Relacional
G
Provedor e Gestor
L R
Legal Relacional
R
Relacional
L G
Legal Provedor e Gestor
14 Ver D. Inneraty, El nuevo espacio público. Madri: Ed. Espasa – Calpe, 2006, p. 209.
Modo de
Governar
Burocrático Gerencial Governança
Variáveis
Função ou
dimensão Prestação e Gestão
estruturante da Normativa / Legal Infraestruturas e Relacional
atividade do serviços
governo
Gestão de
redes sociais
Gestão Empresarial ou relacional
Tipo de gestão Gestão por
por produtividade (construção
predominante procedimentos
ou resultados coletiva do
desenvolvimento
humano)
Legalidade,
Economia Confiança
autonomia
Principais valores Eficácia Compromisso
sociedade civil.
Eficiência Colaboração
Neutralidade
O governo racional-legal
15 Pretendo objetivar ao máximo a descrição e por isso não uso as palavras proteção e bem-
estar, por estarem envolvidas em disputas políticas e gerarem reações imediatas e pouco
críticas de apoio ou rejeição.
16 Max Weber o definiu como tipo de dominação racional-legal, descrito em seu famoso
Economía y Sociedad. Madri: F.C.E., 1929, pp. 170-217.
A etapa burocrática
O modo burocrático, próprio do governo racional-legal, foi o
que se aplicou ao novo paradigma de governo a partir dos anos
50, e que se tornou hegemônico até os anos 80. Ele foi aplicado
com os mesmos valores e com a proteção jurídica dos funcioná-
rios públicos, porém agora já não era somente gerenciar algumas
poucas prestações e serviços ligados às funções de regulação, mas
também a prestação de serviços orientados à satisfação de neces-
sidades sociais, que estavam se convertendo na função principal e
prioritária dos governos.
Os políticos e profissionais da gestão pública não entenderam
que se encontravam ante um novo paradigma de governo, ou
seja, ante uma reestruturação da organização e funções do gover-
no, e agiram como se fosse tão somente uma ampliação da sua
atuação. Não tiveram a consciência de que era preciso governar
de um modo diferente.
Efetivamente, Max Weber, (que sem dúvida foi quem melhor
caracterizou o modelo racional-legal, ou modo burocrático de do-
A etapa gerencial
O modo gerencial baseado na imitação da gestão das empre-
sas privadas recebe o nome de sua principal escola, o new mana-
17 A. Giddens, Política y Sociología en Max Weber. Madri: Ed. Alianza, 1976, pp. 76-82.
18 Os autores mais conhecidos desta escola, assim como seu principal livro, são D. Osborne e
T. Gaebler, La Reinvención del Gobierno. Barcelona: Ed. Paidós, 1995.
O governo-rede ou relacional
Governo-Tipo
Racional-legal Provedor e Gestor Relacional
Elementos
distintivos
Relação Regulador/ Provedor de Organizador
estruturante com normativo infraestruturas coletivo do
a sociedade civil e serviços desenvolvimento
Burocrático (1ª Governança
Modo de
Burocrático etapa) Gerencial (expectativa
governar
(2ª etapa) racional)
Papel do
município no Protagonista
modelo de Subordinado Secundário (expectativa
administração razoável)
nacional
19 M. Shapiro “Un derecho administrativo sin límites: reflexiones sobre el gobierno y la gober-
nanza”. Em A. Cerrillo (coord); La Gobernanza hoy: 10 textos de referencia. Madri: Ministerio
de Administración Pública, Instituto Nacional de la Administración Pública, 2005, pp 203-
212.
20 Para isso, foi criado o movimento de governantes eleitos e profissionais, em 2003, voltado
para o desenvolvimento da governança, denominado América Europa de Regiões e Cida-
des, AERYC. Ver a página web www.aeryc.org
22 R. D. Putnam, Making Democracy work: Civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton
University Press, 1993, p.125.
Ideias Principais
1. A finalidade da governança democrática é o desenvolvimento
humano: democracia, equidade social, desenvolvimento eco-
nômico.
Desenvolvimento
territorial
26 Para uma explicação mais detalhada, ver J. M. Pascual Esteve, Estrategia Urbana y Gobernan-
za. Barcelona: Ed. Diputación de Barcelona (Área de Promoción Económica), 2007.
27 Ver a respeito X. Mendoza, “Las transformaciones del sector público en las sociedades
avanzadas: Del Estado del Bienestar al Estado Relacional”, Papeles de Formación de la Di-
putación de Barcelona (1996) e A. Vernis, “La relación público-privada en la provisión de
servicios sociales”, Papeles de Formación de la Diputación de Barcelona (1995).
28 J. Subirats, “¿Qué gestión pública para qué sociedad?. Una mirada retrospectiva sobre el
ejercicio de la gestión pública, en las sociedades europeas actuales” em Instituto de Gobier-
no y Políticas Públicas. UAB.
34 Ver J. M. Pascual Esteve, La estrategia de las ciudades: métodos, técnicas y buenas prácticas.
Barcelona: Ed. Diputación de Barcelona, 1999, pp. 157-162.
35 Ver T. Puig, La Comunicación cómplice con los ciudadanos. Madri: Siglo XXI, 2003.
36 Ver J. M. Pascual Esteve, “La gestión de la memoria en la estrategia de las ciudades”. Revista
del CEYD, Valência, 2005.(www.ceyd.org)
Ideias Principais
1. Nova desigualdade social e nova visão da pobreza.
2. A individualização das relações sociais e a geração de capital
social.
Os Desafios Sociais
Análise de tendências
Estrutura ocupacional
Nova desigualdade
Informação a Economia Mercado de trabalho
comunicação Informacional Individualização das relações sociais
Base tecnológica / Era do Conhecimento
ou do Sociedade risco
Nova pobreza
Estrutura social / Sociedade-rede
conhecimento
Economia contemporânea
Risco e vulnerabilidade
Mudanças na família
Economia
Igualdade de gêneros
Global Sociedade-rede
Crise na organização dos
Importância capital social benefícios
Novos
Genética Centralidade ética e valores Cultura dos valores
Setores
Econômicos
40 B. Bernstein, Clases, Códigos y Control. Vols. I e II. Madri: Ed. Akal, 1988 e 1989.
43 Op. cit.
44 Ver Boix, op. cit., pp. 20-29.
Mudanças na família
A família formada por dois cônjuges e seus descendentes é,
cada vez mais, apenas um dos diferentes modelos de família que
47 Ver, por exemplo, U. Beck, La democracia y sus enemigos. Madri: Ed. Paidós, 2000, e M.
Castells, La era de la información. Vol. II. El poder de la Identidad. Madri: Ed. Alianza, 2001.
48 Ver G. Sartori. La sociedad multicultural. Madri: Ed. Taurus, 2001.
49 Ver E.W. Soja. “La mujer dominó las primeras ciudades”. Entrevista em La Vanguardia,
8/8/2001.
100 O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede
• A inovação social
• O desenvolvimento da indústria genética
O intenso e extenso processo de inovação econômica e social
rompe os hábitos e normas de comportamento estáveis para gerar
um ativo, ou, inclusive, proativo processo de adaptação perma-
nente a mudanças e a novos desafios sociais. A mudança, ainda
que possa parecer uma contradição em termos, é a constante das
novas cidades. Por isso, suas regras e normas são um instrumento
inadequado para os comportamentos sociais, econômicos e políti-
cos. Vem daí a necessidade de se enfatizar os valores que inspiram
e são marcos de referência para a constante geração e readapta-
ção dos sistemas e normas de comportamento social e de gestão
empresarial e institucional.
No âmbito empresarial surgiu um novo tipo de gestão:51 a
gestão por valores, que visa a dar um novo quadro de referência
para os empregados, diretores, acionistas, fornecedores e clientes
em um ambiente de mudanças tecnológicas, culturais e pessoais.
Mudanças que, sem dispor de referências, provocam insegurança
e ansiedade em todos os grupos que formam a empresa.
A formação baseada em valores é o que melhor pode orientar
os cidadãos – cada vez menos incorporados às grandes organiza-
ções sociais – a renovar seus processos de socialização.
A educação aparece outra vez como o novo fator crítico para a
nova sociedade, mas desta vez a educação orientada para valores.
A pergunta que segue é óbvia: quais valores promover? Como
promover valores e evitar os conflitos éticos e culturais em países
cada vez mais multiculturais? A resposta ainda é mais óbvia que
a pergunta: tolerância e respeito ao pluralismo, solidariedade,
conhecimento e racionalidade, liberdade e equidade. Em outras
palavras, fortalecer os direitos humanos e os valores que os funda-
O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede 101
mentam, pois são, como demonstrou A. Sen, entre muitos outros,
uma aspiração verdadeiramente universal.52 Uma só proibição:
proibido proibir. Uma só intolerância: não tolerar a violação dos
direitos humanos.53 Tudo o mais – línguas, religiões, artes, vesti-
mentas – são fatores de conhecimento e enriquecimento cultural.
A educação, ou melhor dito, a socialização através de valores es-
truturados a partir da tolerância entre diferentes grupos sociais e
culturais, deve ser objeto de um grande pacto social entre todos
aqueles que atuam no espaço das interações sociais cotidianas: a
cidade.
A reafirmação de valores vem, por sua vez, motivada pelo de-
senvolvimento da investigação genética humana e, em especial,
de suas aplicações, do desenvolvimento de uma nova indústria e,
com ele, de um novo mercado global: o dos produtos genéticos
aplicados aos homens. Este novo setor econômico provoca, neste
caso em escala global, o estabelecimento dos valores que fun-
damentam um comportamento ético e códigos de conduta que
permitem diferenciar, nas áreas da saúde e da agricultura, as apli-
cações benéficas das perversas – como a criação de subespécies
humanas. O desenvolvimento desta indústria condiciona a cen-
tralidade dos valores como guia consciente da ação humana nos
âmbitos local e global.
A globalização do social
Sem dúvida, um dos principais desafios relativos ao futuro
apontados pelos governos urbanos é a mundialização das políticas
sociais, das políticas urbanas de impacto integrador.
102 O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede
Como já assinalamos, a globalização é econômica, mas tam-
bém tecnológica, informativa e cultural. As transformações que
nos afetam não se reduzem a uma zona do planeta, mas se es-
tendem a todas as partes, ainda que sua influência nas estruturas
econômicas, sociais, culturais e familiares seja diferente em função
das coordenadas geográficas e culturais dos países.
A globalização tem, naturalmente, aspectos positivos como o
crescimento da riqueza, a inovação e o desenvolvimento tecno-
lógico, a superação das fronteiras e as novas possibilidades de
encontro entre culturas. Entretanto, é verdade que os efeitos da
mundialização são muito desiguais, e a globalização significa no-
vas formas de exclusão e pobreza para muitos países. A globaliza-
ção significou maior marginalização para a África Subsaariana –
consumo abaixo do equivalente a um dólar americano – e alcança
215 milhões de pessoas, na Ásia atinge 550 milhões e na América
Latina, 150 milhões de pessoas.54
A globalização em seus aspectos econômicos e tecnológicos
está transformando o próprio conceito de pobreza. Esta já não se
entende como associada ao desemprego, mas à estrutura da ren-
da. Assim, estima-se que, de cada dez famílias urbanas pobres na
América Latina, sete são pobres devido ao baixo rendimento do
trabalho, duas são pelo desemprego de alguns de seus membros,
e uma, por ser formada por um número elevado de crianças. Os
níveis de pobreza relativos à América Latina são superiores aos
dos 25 membros da União Europeia, tomando por base o limiar
de 60% da mediana da renda. A comparação das médias simples
de cada região mostra valores de 28% da população na América
Latina e 15% para a União Europeia.55
É um equívoco considerar a existência apenas de uma via ou
de um só caminho predeterminado no desenvolvimento da glo-
O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede 103
balização, e que esta, inevitavelmente, gera mais desigualdade e
exclusão. Há uma pluralidade de vias para organizar a crescente
interdependência das distintas partes do mundo. As estratégias
de ação são hoje possíveis e devem ser dirigidas para a transfor-
mação necessária e eficaz da organização social do mundo. Um
dos principais atores desta transformação são as cidades, e, muito
especialmente, as políticas e estratégias urbanas.
Já afirmamos que o global emerge do urbano. Por isto, com
a organização da cidade e com o modelo de desenvolvimento
que nossas cidades escolherem, é possível contribuir de maneira
decisiva à organização da sociedade futura em nível mundial. As
cidades formam uma rede de nós urbanos, com distintos níveis,
com distintas funções, que se estendem por todo o planeta e que
funcionam como centro nevrálgico da nova sociedade mundial.
Deste ponto de vista, é um erro de graves consequências so-
ciais fixar-se apenas nos aspectos da concorrência entre as cidades,
como tantas vezes se faz, e deixar de contemplar e fortalecer as
relações de complementaridade e colaboração entre elas.
As cidades, e em especial os governos urbanos responsáveis,
devem assumir de maneira progressiva a gestão dos processos de
suas próprias mudanças e, de maneira coordenada entre elas, o
avanço na direção de uma maior coesão social em nível continen-
tal e intercontinental. Os governos das cidades devem articular a
ação local com a global.
Neste sentido, na primavera do ano 2000, as principais fede-
rações e associações internacionais de cidades se reuniram em Va-
lência a convite do governo da cidade, no contexto do seu Plano
Estratégico. Ali criaram as bases de um movimento internacional
de cidades, que inclui as associações mencionadas ou redes mun-
diais de cidades existentes, com o objetivo comum de assumir
como prioridade sua ação de globalização do social, para que as
cidades assumam uma posição relevante na construção da solida-
riedade mundial.
104 O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede
Construir uma globalização mais integradora a partir das ci-
dades significa que cada cidade adote uma visão ampla do de-
senvolvimento urbano, tecnológico, econômico, social, cultural
e educativo, guiado por valores de sustentabilidade, equidade e
pluralismo, e baseado na colaboração e confiança entre os atores
urbanos e no envolvimento da cidadania.
Os desafios sociais urbanos que um movimento internacional
e pluralista de cidades deveria priorizar, por serem os mais co-
muns, são os seguintes:
• A política de moradia e, em especial, a reabilitação e
revitalização dos bairros urbanos.
• A segurança cidadã que contemple aspectos de preven-
ção e promoção social.
• A geração de oportunidades de emprego.
• A convivência na diversidade cultural.
Segundo a área de Análise e Previsão da Unesco, dar um teto
digno a todos significaria construir nos próximos 40 anos o equi-
valente a mil cidades de três milhões de habitantes, ou reconstruir
boa parte das cidades existentes.
É necessário desenvolver políticas de moradia a preços reduzi-
dos e para todos, e fazer isto do modo mais sustentável do ponto
de vista ambiental. É preciso criar espaços públicos de qualidade
que atuem como lugar de encontro, convivência e colaboração
entre os cidadãos, e nos quais se pratiquem a democracia e o res-
peito à diversidade como forma de enriquecimento cultural.
Os governos locais devem contribuir para reduzir e superar o
apartheid urbano. A polarização social de muitas cidades e a segre-
gação social do espaço urbano estão na base do surgimento dos
“enclaves privados” protegidos por forças de segurança próprias.
Estes enclaves são social e culturalmente homogêneos, como o
são os subúrbios pobres, e a ampliação de uns e outros significa
O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede 105
o desaparecimento dos espaços públicos que são a base da cida-
dania.56
Superar estes enclaves de exclusão significa proporcionar segu-
rança cidadã. A segurança urbana tem três componentes – os três
“P” da segurança: Proteção aos cidadãos, porém num sentido am-
plo. Que os cidadãos se sintam seguros ante o delito e a violência,
mas também frente a catástrofes, enfermidades, envelhecimento,
etc. Para isto é necessária a prevenção, no sentido da antecipação,
mas também a promoção social dos socialmente segregados. De-
vemos ter sempre claro que são os processos de marginalização e
exclusão social que explicam, em grande medida, a delinquência
urbana.
Reduzir as condições de exclusão significa, além disso, gerar
novas oportunidades de ocupação e de coesão no tecido social
para inserir as pessoas na comunidade. Para o primeiro, é neces-
sário gerar investimentos produtivos e desenvolver a educação.
Educação permanente ao longo de toda a vida para todos os cida-
dãos e cidadãs, baseada nas quatro aprendizagens que o Informe
Delors para as Nações Unidas aponta: aprender a fazer, aprender
a conhecer, aprender a ser e aprender a conviver.
Esta última aprendizagem é a que permite que o agrupamento
de pessoas de diferentes procedências geográficas e origens cultu-
rais construa a nova cultura urbana, transformando com criativi-
dade e pluralismo cultural, e em convivência com a diversidade, o
que poderia se tornar um choque entre culturas.
Os desafios sociais urbanos são interdependentes, condicio-
nam-se, razão pela qual é preciso, como dito anteriormente, dar-
lhes uma solução integral em um projeto de desenvolvimento
urbano. Este projeto deve aglutinar e coordenar os esforços de
todas as administrações envolvidas, de todos os atores privados
e de toda iniciativa social que interfira na transformação da cida-
106 O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede
de. Logicamente, a direção deste projeto deve ser exercida pelo
governo democrático mais próximo dos cidadãos, que é o que
melhor pode organizar a rede de atores envolvidos.
O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede 107
Conclusão: da gerência à governança
Hoje é preciso trocar o modo gerencial de governar pela ges-
tão relacional ou das interdependências próprias da governança.
As principais razões são:
• Estamos diante de novas formas de desigualdade e po-
breza, distintas do não acesso a determinado nível de
benefícios econômicos e serviços que justificaram o apa-
recimento do governo provedor. Ante as novas formas
de desigualdade relativas aos capitais cultural e social e
à dualização digital, etc., a prestação pública continua
sendo necessária, mas é absolutamente insuficiente.
• O surgimento de desafios e necessidades intangíveis tor-
na ineficaz uma ação baseada nos recursos econômicos
e na prestação de serviços.
• O gasto público, que supera 50% do PIB, pode cres-
cer, mas de maneira lenta. Já as necessidades e desa-
fios sociais disparam. Isto é, as necessidades crescem em
proporção geométrica enquanto os recursos públicos
crescem em proporção aritmética. O crescimento das ne-
cessidades sociais e a busca de novos caminhos para sua
satisfação são sinônimo de progresso.
• A multiplicação de agentes no âmbito do bem-estar so-
cial implica o reposicionamento do papel do governo
para assegurar a qualidade e a coordenação da oferta
para que esta possa chegar a todos e, especialmente, aos
cidadãos mais necessitados e vulneráveis.
Tudo isso exige um novo posicionamento do governo local. Este
deve priorizar seu papel de organizador de uma resposta coletiva.
O novo papel do governo é o de promover e articular a construção
coletiva da cidade, especialmente do bem-estar social.
Assumir esta posição exige, como veremos, atuar em muitas
direções e dimensões. Uma delas é a dimensão política. A neces-
108 O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede
sária qualidade da representação política e da cidadania, o novo
papel que deve ter o político eleito com responsabilidades de go-
vernar e o tipo de liderança que deve exercer são exigências das
quais não se pode escapar para alcançar o desenvolvimento da
governança, embora em muitas ocasiões se tenha evitado o tema
e privilegiado as abordagens técnicas, metodológicas ou da orga-
nização da participação social. Por isso vamos tratar em detalhes
estes temas nos próximos capítulos.
O governo relacional e a governança se assentam nas mudanças sociais e na emergência da sociedade-rede 109
4. A revalorização da política
no Governo Relacional
Ideias Principais
1. Crise da política em razão da permanência do governo prove-
dor e gestor.
65 Vereador, que na Espanha tem função executiva. No original, consejal, quer dizer o que rege
ou governa. Dicionário da Língua Espanhola. (Nota do Tradutor.)
66 S.R. Covey, El 8º hábito. Barcelona: Ed. Paidós, 2005, pp. 391 a 400.
ELEITO Cidadania
Transmitir a potencialidade e
capacidade de ação (possibilitar
a ação da sociedade)
67 Ver J. K. Galbraith, La Anatomia del Poder. Barcelona: Ed. Plaza y Janés, 1984, pp. 45-61.
Ideias Principais
1. A coesão social é um conceito amplo que precede o desenvolvi-
mento e não é somente sua consequência.
74 Trata-se de uma lei espanhola que garante os direitos das pessoas com necessidades espe-
ciais. A sigla significa Ley de Integración Social del Minusválido. (Nota do tradutor)
Ideias Principais
1. Os valores próprios das sociedades abertas e do republicanismo
ou humanismo cívico sustentam a liderança representativa.
152 Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos
a atuação da denominada classe política democrática. Mas este la-
mento generalizado de quebra moral e perda de valores não pode
ser atribuído a casos concretos de corrupção política; como obser-
vou D. Innerarity, essas crises de valores acompanharam sempre o
processo de modernização social e política.79 Hoje, como já dito,
estamos ante uma necessidade de mudança nas formas de go-
vernar dado o esgotamento do modelo baseado na prestação e
gestão de recursos, assim como em uma forma de fazer política
própria de sociedades bem delimitadas territorialmente e integra-
das politicamente no marco do Estado-nação.
As metodologias e técnicas da gestão relacional se inspiram e
só podem desenvolver-se em um contexto de valores e virtudes
próprios das sociedades abertas. De outro modo, é muito difícil
identificar estratégias compartilhadas, estabelecer a negociação
relacional, ou desenvolver o enfoque abrangente em ciências so-
ciais etc.
A governança requer duas condições para ser considerada
como um novo enfoque em ciências sociais, e como um modo
apropriado de governar na sociedade-rede: que a verdade ou a
falsidade de suas teses principais, das bases detalhadas e expli-
cativas, seja demonstrável pela lógica e que suas explicações se
adaptem aos fatos e sejam, portanto, suscetíveis de prova. Porém,
o fato de que este novo enfoque de governar seja considera-
do objetivo ou racional-científico não significa que esteja livre de
valores, como lembra Hempel.80 Pelo contrário, como já obser-
vamos, existem valores e condições sociais e econômicas que per-
mitem um maior/menor desenvolvimento desta teoria, tanto em
nível conceitual quanto prático.
79 D. Innerarity, El Nuevo Espacio Público. Madri: Ed. Espas Calpe, 2006, p. 188.
80 “A adequada solução para um problema não só exige o conhecimento dos meios técnicos,
mas também de padrões para avaliar os meios alternativos à nossa disposição; e este se-
gundo requisito coloca problemas reais.” Em La explicación científica. Barcelona: Paidós Ed.,
2005, p. 118.
Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos 153
Neste sentido, deve entender-se que as políticas estão condi-
cionadas pelo ambiente econômico, social, tecnológico e institu-
cional em que se inscrevem. Porém, condicionadas não quer dizer
determinadas, posto que as decisões políticas são também fruto
da liberdade e responsabilidade de quem decide.81
A governança democrática, como seu nome indica, necessi-
ta das regras e procedimentos democráticos e se consolidará à
medida que os valores e atitudes próprios da sociedade aberta
e democrática sejam interiorizados pela sociedade e seus líderes
políticos sejam sua expressão prática, e não apenas pelo respeito
às regras do jogo democrático. A organização atual da sociedade-
rede, baseada nas interdependências, requer um marco democrá-
tico de responsabilidades que não pode ser assegurado de manei-
ra centralizada nem hierárquica pelos governos; precisa, sim, de
uma responsabilidade com cooperação entre os atores e setores
da cidadania, definida e organizada de forma plural.82
A argumentação anterior também nos serve para destacar que
a governança democrática é uma forma de governar própria de de-
terminadas ideologias políticas ou partidos políticos. Com efeito, a
partir da aceitação das regras do jogo democrático, qualquer opção
política pode desenvolver as metodologias da gestão relacional ou
das interdependências, uma vez que estas são objetivas. As opções
políticas, portanto, não se distinguem pelo uso das técnicas de ges-
tão nem pelo modo de governar adotado, mas pelos valores que
perseguem com o modo de governar, e que se expressam pelos
eleitos e representantes políticos.
No paradigma do governo como gestor do gasto público, a
distinção não se devia ao tipo de gestão, mas, sobretudo, à fi-
nalidade do gasto; se era prioritariamente militar ou social, e se
81 Ver J. Prats, “Ética del oficio político”, em Instituciones y desarrollo. Nº 14-15 Nov. 2003,
pp. 205 a 209.
82 D. Innerarity, op.cit., p.199.
154 Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos
a decisão do gasto correspondia a maior ou menor proximidade
com o cidadão. Na governança, a distinção se fará de acordo cm
a prioridade acerca das finalidades do progresso humano, seja
o desenvolvimento econômico, a equidade ou a coesão social,
a sustentabilidade ou o desenvolvimento da ética democrática
ou republicana. Todos eles são valores compatíveis e interde-
pendentes, mas também sujeitos à ordem de prioridade, em
especial se consideramos conjunturas concretas nas quais é pre-
ciso optar pelo que tem um valor predominante. Dito com toda
clareza, a construção coletiva e consciente do progresso huma-
no nos territórios será feita em função de alguns valores ou em
função das pessoas e grupos políticos que tenham sido eleitos
democraticamente.
Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos 155
A visão de futuro ou a capacidade de imaginar cenários é funda-
mental para alcançar uma articulação de interesses. É comum que
a confrontação entre atores se produza com base em uma situa-
ção ou projeto dado. Buscar o maior acordo possível e necessário
significa muito frequentemente articular os interesses e desafios
em cenários futuros a serem construídos coletivamente, ou ima-
ginar projetos factíveis em que todos possam ganhar de maneira
correspondente ao esforço ou investimento.
A gestão das expectativas cidadãs é uma habilidade muito impor-
tante. Gerar expectativas que não se realizam provoca frustração.
Sua consequência é a desmobilização da cidadania e a geração de
desconfiança política. Tão importante como a não realização efe-
tiva das expectativas é a percepção de que estas não se cumprem;
os resultados são os mesmos. Esta segunda modalidade é mais
frequente na realização dos projetos estruturantes na cidade, uma
vez que a sua realização não é imediata. Um projeto complexo
percorre necessariamente diferentes etapas (formulação, estudo
prévio, desenho do projeto executivo, orçamento, início de exe-
cução) que se estendem por um tempo que pode ser excessivo e
pode ter seus avanços não percebidos. É preciso não gerar expec-
tativas irrealizáveis, mas também dispor de uma política de comu-
nicação adequada para que os avanços sejam percebidos.
Existe uma fórmula que, se bem que não seja exata, é preciso
ter sempre em conta como referência: satisfação é “igual” ou se-
melhante à percepção das realizações menos as expectativas que
a cidadania tenha criado. Ou seja, quanto maiores as expectativas
em relação à percepção, menor será a satisfação ou maior será a
frustração.
De todos os modos, para que uma cidade possa avançar, ne-
cessita de expectativas razoáveis e críveis, pois do contrário não se
avança. Vale lembrar o caso extremo do lema que apareceu pin-
tado nas ruas de Buenos Aires quando se desvalorizou sua moe-
da: “Queremos promessas, não mais realidades.” À realização de
156 Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos
expectativas, cabe responder imediatamente com outras novas.
Para gerir expectativas é aconselhável ter em conta, além da que
acabamos de mencionar, o caso das corridas de cachorros galgos:
quando a lebre se encontra muito longe, o galgo não corre, não
avança, mas se a lebre fica mais perto, o galgo a agarra e também
não corre; é preciso situá-la a uma distância adequada para que o
galgo acredite “razoavelmente” que a agarrará, mas não consegue
alcançá-la e continua correndo. A lebre é a expectativa e o galgo
a cidade, e o que importa é que a cidade sempre corra, sempre
avance.
Iniciativa para a gestão da mudança: gerir as expectativas significa
tomar a iniciativa para começar e dar continuidade às mudanças.
É evidente que não basta apenas vislumbrar, mas iniciar os pro-
cessos de mudança para que, a partir da situação atual, se atinja a
situação ou cenário futuro considerado possível e desejável. Para
isto é preciso dotar-se de uma estratégia e colocá-la em prática.
As forças de transformação devem ser identificadas e definidos os
objetivos compartilhados de maneira clara e factível. Assim como
deve ser iniciada, de maneira exemplar e com visibilidade, a ges-
tão da mudança.
O desenho de processos para a participação cidadã e a realização
de acordos é uma aptidão necessária para gerir a mudança corre-
tamente. A participação deve assegurar o conhecimento perma-
nente dos desafios e necessidades dos diferentes setores para con-
seguir apoio da cidadania, se a estratégia e os projetos adotados
assumirem os desafios e necessidades identificados. Os processos
de mudança não seguem trajetórias fixas; os próprios avanços in-
troduzem mudanças na situação de partida, o que significa que
a estratégia ou projeto identificado aparece com maior clareza e
riqueza de matizes que, sem dúvida, exige a reprogramação não
só dos conteúdos estratégicos, mas também dos espaços organi-
zacionais em que se canaliza a cooperação pública e privada e a
participação.
Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos 157
A comunicação e motivação cidadã83 para conseguir deslanchar
com maior plenitude a capacidade de ação da coletividade. É
convincente comunicar objetivos percebidos pela população como
respostas a suas demandas desde que factíveis e necessárias. Po-
rém, a razão não basta para a ação. É preciso também canalizar
os sentimentos em uma mesma direção. Por isto, a possibilidade
de comover é inseparável da de convencer. Uma sem a outra não
consegue envolver a cidadania em seu conjunto.
A construção de alianças é condição necessária para a governan-
ça. A identificação das interdependências dos atores é condição
necessária, porém realmente crítico é passar desse reconhecimen-
to à construção de alianças, isto é, à geração de compromissos de
ação. A esta condução que vai da identificação de interdependên-
cias ao compromisso, chamamos de gestão relacional. Ela deve
partir do reconhecimento mútuo pelos atores de suas interdepen-
dências, promover ou fortalecer a confiança recíproca para poder
chegar a compromissos sólidos de ação.
158 Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos
• Saber escutar: é básico para poder conhecer a fundo as
necessidades e interesses, mas também as contradições,
dos quais surgem os posicionamentos ou reivindicações
dos atores e setores da cidadania, assim como para po-
der entender as sensibilidades.
• Empatia: a habilidade para entender os problemas, de-
safios, emoções e sentimentos, sabendo colocar-se no
lugar do outro.
• Imaginação: atributo necessário para gerar visões de fu-
turo do território e projetos compartilhados – novos ou
reformulados – que gozem de importante apoio social.
• Inovação: a atitude de fazer coisas novas ou as mesmas
coisas de maneira diferente facilita o início de uma nova
gestão pública.
• Habilidade no trato: gerar confiança significa um trata-
mento respeitoso e compreensivo com os outros e saber
incorporar todas as sensibilidades aos compromissos de
ação.
• Curiosidade para conhecer todos os pontos de vista:
entendê-los a partir dos contextos e situações em que
são produzidos é, sem dúvida, uma condição impor-
tante para a sua modificação a partir da compreensão
dos envolvidos e conseguir, assim, sua compatibiliza-
ção.
• Aprender de maneira continuada: é uma atitude essen-
cial para dispor dos conhecimentos necessários para
construir novos cenários ou projetos que incorporem
a grande maioria dos interesses e pontos de vista dos
atores e setores da cidadania envolvidos.
Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos 159
demais, etc. Sem dúvida, ajudam a liderança representativa como
qualquer outra atividade na vida em que se aspire a ser feliz,
porém não são específicos para a liderança própria da governan-
ça democrática. Entretanto, é preciso levar em conta que, muito
frequentemente, confundem-se, com pouco rigor profissional, os
livros sobre liderança com receitas de autoajuda.
160 Perfil político para a liderança representativa na governança: valores, habilidades e atributos
8. Os Governos Locais:
Protagonistas na era da
governança
Ideias Principais
1. Os governos locais têm maior êxito na gestão de serviços às
pessoas e na gestão das relações entre os setores da cidada-
nia.
3. Os municípios autoinsuficientes.
4. A crescente importância dos governos intermunicipais.
A gestão relacional ou de redes própria da governança posi-
ciona os governos locais em uma situação ímpar para ser o go-
verno protagonista desta nova arte de governar. Dito de outro
modo, o local pode ser o nível de governo característico e chave
do modo relacional de governar. Porém, dispor de oportunidades
não significa que elas sejam aproveitadas. A identificação deste
novo papel e as condições para o seu aproveitamento são tratadas
neste capítulo.
Os municípios autoinsuficientes
Os municípios, como consequência da interdependência de
fluxos de todos os territórios, aumentam o seu nível de autono-
mia. Não dependem de um único município, seja este capital de
estado ou centro de uma área metropolitana. A multiplicação das
influências territoriais incrementa a autonomia dos municípios,
que podem reestruturar suas relações com diferentes territórios.
Isto, sem dúvida, explica o desenvolvimento de planos estratégi-
cos em municípios de reduzido tamanho populacional.
Porém, ao definir sua estratégia, ainda que não a definam
bem, eles se dão conta de que necessitam da colaboração de ou-
tros municípios e regiões para melhorar a qualidade de vida de
sua população. As redes não terminam no município e se estru-
turam em territórios mais amplos, em função do tema tratado:
bem-estar social, turismo, cultura, segurança, etc. Ou seja, o en-
caminhamento de uma resposta aos desafios sociais requer a co-
laboração intermunicipal. O município é, na grande maioria dos
temas, insuficiente para dar sozinho uma resposta adequada.
Ele deve ser considerado a unidade básica de um sistema de
redes – regional, macrorregional ou internacional – de cidades que
interagem em uma temática concreta. Gerir a qualidade de vida
da população de um município também é a gestão das relações
externas intermunicipais.
Ideias Principais
1. O Bem-Estar Social: vanguarda da governança.
2. É necessário reestruturar a gestão dos serviços públicos de
bem-estar social na governança.
Desenvolvimento Desenvolvimento
social social
Participação
Infraestruturas Infraestruturas Capacidade de
desenvolvimento
e serviços e serviços organização
comunitário
(1)
Âmbito legal-
burocrático
(2)
Provisão e
Gestão relacional
gestão de (1)
ou estratégica (3)
recursos
87 Centros de descanso de curta permanência para idosos ou pessoas com problemas físicos
ou psíquicos, para dar um tempo para "respirar" aos familiares que se encarregam do seu
cuidado, para permitir-lhes tirar férias, alguns dias de descanso ou mesmo um dia para
cuidar de algum assunto pessoal. (Nota do tradutor)
88 Ver M. Castells, La Galaxia Internet. Barcelona: Ed. Plaza y Janes, 2001, pp.15 a 29.
89 M. Castells, La Sociedad Red: una visión global. Madri: Ed. Alianza, 2006, p. 27.
90 Ver D. Putnam, Making Democracy Work: Civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton
University Press, 1993. p. 125.
91 Trata-se de uma metodologia criada pela equipe da “Estrategias de Calidad Urbana”; ver
www.equ.es
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