Você está na página 1de 5

Rua das Mercês, 8 Email: ceha@madeira-edu.

pt
9000-420 – Funchal
Telef (+351291)214970
alberto.vieira@madeira-edu.pt
Fax (+351291)223002 http://www.madeira-edu.pt/ceha/

VIEIRA, Alberto (2001),

O Vinho Madeira na Literatura,

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto (2001), O Vinho Madeira na Literatura, Funchal, CEHA-Biblioteca Digital, disponível
em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/vin-literatura.pdf, data da visita: / /

RECOMENDAÇÕES
O utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras,
usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao
rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprir
escrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática,
de direitos de propriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente
responsável pela infracção aos comandos aplicáveis.
O VINHO DA MADEIRA NA LITERATURA
O vinho Madeira é, desde tempos muito recuados, indispensável na garrafeira dos apreciadores do fino
rubinéctar em todos os recantos do Ocidente. Não é preciso ser escanção para reconhecer e apreciar as
suas qualidades aromáticas e gustativas, basta apenas um pouco de atenção no momento de o degustar. Os
epítetos proferidos por poetas, escritores, políticos e viajantes, que tiveram a possibilidade de o provar e
apreciar poderão ser um bom caminho para isso. Todos ficaram deslumbrados com seu aroma e trago e
ninguém se escusou a tecer-lhe os maiores elogios.
Contrariando o hábito daqueles que só encontram tal referência elogiosa ao vinho Madeira em
Shakespeare, iniciámos este rol de referências com aquele que terá sido o primeiro a testemunhar e
divulgar em toda a Europa as suas qualidades. Alvise de Ca da Mosto, nome sugestivo em questão de
vinhos, foi o primeiro a faze-lo nas suas “Navegações”, escritas em 1455, e depois em várias edições
impressas que correram mundo. Este veneziano, habituado aos afamados vinhos do Mediterrâneo, não
hesita em afirmar que os da ilha eram “bons” e para que não restassem dúvidas reforça a ideia apontando-
os como “muitíssimo bons”. Oitenta anos passados outro italiano, Giulio Landi, celebra, de novo, o
rubinéctar madeirenses, comparando-o “ao grego de Roma”. Quanto à malvasia ele refere que da sua
colheita se extrai melhor vinho que o tão celebrado de Cândida. Em 1567, outro italiano, Pompeo Arditi,
retêm a mesma observação comparativa. Foi a partir daqui que se soube em toda a Europa que os vinhos
da ilha poderiam rivalizar com os demais afamados do Mediterrâneo, o que lhes assegurava um espaço na
mesa real ou do aristocrata.
Shakespeare (1564-1616) foi um dos mais atentos observadores desta realidade e, certamente, um dos
seus apreciadores. No trama que deu corpo às suas imortais peças, o vinho - madeirense, europeu, canário
- é um dado fundamental. Primeiro diz-se, com base na peça “Ricardo III”, que o Duque de Clarence, em
finais do século XV, ter-se-ia afogado na Torre de Londres num tonel de malvasia madeirense, quando na
peça apenas se refere malvasia, sem qualquer pista da sua proveniência. Diferente é todavia o que sucede
na peça “Henrique IV” onde o dramaturgo coloca o beberão John Flastaff a negociar com o Diabo a alma
por “um copo de Madeira e uma pata de capão”. Esta referência na obra de Shakespeare ao vinho Madeira
é mais um testemunho da importância que ele adquiriu no mercado londrino, correndo com frequência nas
tabernas britânicas, e a prova de que foi a bebida mais solicitada pela aristocracia e casas reais europeias:
brinde em momentos de alegria e de grande solenidade foi, também, companheiro em momentos de
aflição. O Madeira, da conquista dos salões e palácios da vetusta cidade de Londres, passou ao Novo
Mundo, sulcou os oceanos e firmou-se, mais uma vez, nas imponentes vivendas das colónias britânicas,
disseminadas a Ocidente e Oriente.
Em finais do século dezasseis é o pároco da Ribeira Grande, Gaspar Frutuoso, que certamente não
dispensava o uso do vinho Madeira nos actos litúrgicos (vimos com assiduidade recomendações no
sentido de que este vinho fosse usado na missa), quem estabelece um dos ditirambos mais elogiosos. Diz
ele que “o vinho malvasia é o melhor que se acha no Universo”. O autor é taxativo na sua observação, não
deixando margem para dúvidas.
Os mais assíduos elogios são ditados no século dezoito, época nobre para o vinho Madeira. Ele ganhou
inúmeros apreciadores que teimavam em exaltar as suas propriedades e a preferi-lo a todos os outros ou
demais bebidas alcoólicas, que começam a concorrer. Esta ideia manteve-se em muitos dos literatos
britânicos que a partir do último quartel sulcaram os mares madeirenses e tiveram oportunidade de reviver
a faina vitivinícola. Senão vejamos. Em 1687 Hans Sloane dá conta da sua exportação para as plantações
das Índias Ocidentais “pois não há nenhuma espécie de vinho que se mantenha tão bem em climas
quentes”. A ideia repete-se em todos, chamando G. Forster, em 1777, a atenção para o facto de ter sido o
vinho que deu à ilha “fama e sustento”. É um vinho capaz de resistir às mais bruscas mudanças de
temperatura. Assim o proclama em 1792 J. Barrow: “Este vinho tem a fama de possuir muitas qualidades
extraordinárias. Tenho ouvido dizer que se Madeira genuíno for exposto a temperaturas muito baixas até
ficar congelado numa massa sólida de gelo e outra vez descongelado pelo fogo, se for aquecido até ao
ponto de fervura e depois deixado arrefecer ou se ficar exposto ao sol durante semanas seguidas em barris
abertos ou colocado em caves húmidas não sofrerá o mínimo dano apesar de sujeito a tão violentas
alterações”. Foram estas propriedades que fizeram vingar o vinho Madeira no mundo colonial inglês e
bater-se de uma forma privilegiada face à concorrência dos outros vinhos europeus ou das ilhas vizinhas
dos Açores e Canárias.
Esta loucura pelo Madeira foi grande nos Estados Unidos da América do Norte. George Washington e
convivas regalaram-se com ele na sua boda em Maio de 1759, enquanto John Adams exclama, com
alegria no seu diário, que sempre bebeu “grande porção de Madeira”, não vendo “nenhum inconveniente
nisso”. Ademais, segundo constatou o último estadista, ele é diferente de todos os outros, pois mantém-se
“salutar e agradável no calor de Verão ou no frio do Inverno”.
Thomas Jefferson não atraiçoou a preferência dos seus antecessores, pelo que mesmo em Paris não
prescindia do seu Madeira, pois era “de superior qualidade e o melhor”. Foi certamente com a inspiração
do seu aroma, que se formou o grande empório. Com ele se celebrou a independência, acto que é
anualmente recordado da mesma forma. Aliás, em 1840 Fitch W. Taylor afirma que a Madeira é
conhecida dos americanos pelos seus vinhos, que aí chegam pela mão dos mercadores ingleses.
Os europeus, levados por esta exaltação dos políticos americanos, despertaram de novo para o vinho
Madeira. Deste modo choveram elogios em catadupa. Em 1795 o Dr. Wright exclamava: “Se Homero o
tivesse bebido, afirmaria que o Olimpo renascia apesar de os deuses estarem já fora de moda”. O mesmo
recomenda o seu uso pelos seus pacientes idosos, pois é “uma das bebidas mais úteis e eficazes para as
pessoas de idade a quem as funções físicas começavam a falhar”. Daí o epíteto de “leite dos velhos”.
Diz-se até que a longevidade do Conde de Canavial terá resultado do Madeira que bebia todos os dias em
jejum.

Os mercadores madeirenses ligados ao comércio do vinho, em representação de 29 de Setembro de 1801,


definiam o vinho Madeira como o resultado da combinação perfeita das condições mesológicas com as
castas e nunca resultado de quaisquer artimanhas laboratoriais ou do mais sofisticado processo de
vinificação. Esta observação e tanto mais actual, quando hoje se fala já em vinho biológico:
“A superioridade que distingue de todos os outros, o vinho da Madeira é o resultado de uma feliz
combinação de circunstancias favoráveis, as quais, por dependerem do local, sempre foram e continuarão
a ser privativas desta ilha. O clima, a configuração da terra, e a natureza do torrão, não dependem de
contingências, nem admitem imitação pela industria humana, e essas vantagens, adjuvadas de uma muito
particular agricultura, e de muito custo, e de um trato simples, mas laborioso, conspiram produzirem o
vinho da Madeira, licor singular e inimitável, que, nem o tempo, nem o ar, nem o gelo do pólo, nem a
fervura do trópico, podem prejudicar, antes sendo a sua essência simples e imutável, as provas as mais
rigorosas, e o lapso de longos anos, só servem a demonstrarem, a semelhança da verdade e sua nativa
pureza”

A situação de crise que se viveu na segunda metade do século dezanove teve também os seus reflexos na
escrita dos seus apreciadores. Um autor que em 1863 assina apenas pelas iniciais F.R. G. S. vê com
grande mágoa esta situação, pois que o “vinho que já deliciou o mundo ...tão rapidamente se tornou um
assunto arqueológico- oh meu Deus, isto é assunto para um antiquário!”. Mas, felizmente, que assim não
aconteceu.

Em Henry Vizetelly encontrámos o testemunho mais pormenorizado que alguém deixou escrito e a
esperança da continuidade do produto. Estamos em 1880 e o vinho recupera paulatinamente da crise em
que estivera envolvido. A perda do mercado associa-a ao rei George IV que o fez substituir na adega real
de Windsor pelo xerez, e a abertura do Suez que afastou definitivamente os barcos do Índico da Madeira.
O vinho da Madeira não foi apenas companheiro dos grandes momentos festivos e de euforia, pois
também se postou de guarda nas dificuldades e solidão, como sucedeu com Napoleão Bonaparte. O
deposto imperador recebeu, aquando da sua passagem pelo Funchal em Agosto de 1815, das mãos do
cônsul britânico uma pipa de Madeira, que foi sua companheira no exílio de santa Helena, até à morte. O
general, talvez receoso de segundas intenções da oferta, nunca provou o vinho e à sua morte em 1820, o
cônsul solicitou a sua devolução, o que ocorreu passados dois anos. Com este vinho da volta fez-se uma
importante garrafeira para gáudio dos coleccionadores, sob o título de “Battle of Waterloo”. W. Churchill,
quando em 1850 fez férias na Madeira, teve oportunidade de apreciar este vinho que Napoleão nunca
bebeu.
As qualidades profilácticas do vinho Madeira foram mais tarde reforçadas pelo Dr. Vicente Henriques
Gouveia que destacou a sua acção bacteriológica sobre o bacilo do Erbert, enquanto Samuel Maio
recomendava o seu uso na cura da gota. Perante as inestimáveis e inimitáveis qualidades organolépticas e
profilácticas Warna Allen conclui que estamos perante um vinho “imortal”, que por isso mesmo não deve
ser ignorado e, diríamos nós, ultrajado.
Na ilha são poucos os elogios ao vinho Madeira. Até parece que os literatos e poetas o ignoraram, talvez
porque nunca tiveram o atrevimento de o provar. Todavia dispomos de três testemunhos, raros, é certo,
mas que corroboram até à saciedade aquilo que haviam escrito os estrangeiros. Em 1891 um forasteiro
continental, caso raro nesta situação, J. A. Martins declarava que “as mulheres como os vinhos sabem
enlevar o espírito fazendo palpitar os corações”, para depois concluir que “ o vinho não é uma simples
combinação química; é um problema de gosto, é um alimento e um agente terapêutico de primeira
ordem”.
Para os madeirenses a sua exaltação assenta na sua presença nas mesas nobres e por isso é o embaixador
capitoso da ilha. Eduardo Nunes recorda que ele “correu mundo—singrou por todos os mares e rompeu
todas as fronteiras”, por isso “é oferecido a reis e a príncipes regentes, a chefes de estado e a ministros, a
senhores feudais e a burguesia opulenta.”.
O remate acontece com o texto que nos parece ser o mais nobre elogio que alguém ousou ditar ao vinho
Madeira. O Pe. Eduardo Pereira, natural de C. de Lobos, uma das áreas de produção de vinho, traça em
tom epopeico as múltiplas qualidades do vinho Madeira:
“Perfuma e alegra o solo um vinho histórico, produto de castas primitivas, sangue de raça a perpetuar na
ilha o nome de Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da descoberta; postou-se de
guarda à porta de suas casa, de braços abertos, numa remada acolhedora a parentes, amigos e vizinhos;
dá-lhe vida no trabalho; vibra-lhe na alma em festas de família e todos os anos se renova no barril ou
quartola para o aquecer no Inverno, estugar-lhe o passo nas romarias do Verão, firmar promessas, selar
contratos, fechar negócios e ser providencia económica no seu lar.”
Por aqui se conclui que estamos perante duas opções do vinho da Madeira, consoante aquele que a emite
seja ou não madeirenses. O primeiro exalta o seu vinho através do lote de consumidores, recrutados entre
as personalidades mais ilustres, pois este parece ser uma bebida para outrem. Os forasteiros ou não,
bebedores usuais, emitem uma opinião de causa, resultante da sensação gustativa e olfactiva. É isso,
segundo estes destacados apreciadores, que distingue o vinho Madeira em relação aos demais.

Você também pode gostar