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Fisiologia do Sistema Respiratório

Fábio Luís Ferrari Regatieri

Apresentação

O presente artigo é uma compilação de fragmentos de textos


consagrados sobre o assunto e foi desenvolvido originalmente para dar suporte
aos alunos do Curso Preparatório para o TSA (Título Superior em Anestesiologia)
da SAESP (sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo), onde ministro a
aula “Fisiologia do Sistema Respiratório” há alguns anos. Não tenho a pretensão
de esgotar o tema, longo e complexo, e sim ajudar a quem necessita obter
noções rápidas sobre o assunto.

A adaptação das imagens para a web foi feita por João Conte Coelho,
designer gráfico e parceiro desde sempre na concepção visual deste website.

Introdução

A principal função dos pulmões é promover a troca gasosa contínua entre o


ar inspirado e o sangue da circulação pulmonar , fornecendo oxigênio (O2) e
removendo o dióxido de carbono (CO2). A vida depende da realização contínua e
eficiente desse processo, mesmo em condições alteradas por doenças ou por
ambiente desfavorável.

A integridade dos complexos mecanismos que mantem esse processo pode


ser comprometido de várias formas pela anestesia. Um bom entendimento da
fisiologia respiratória é essencial para manter seguro o paciente anestesiado.

Anatomia

Vias Aéreas Superiores : nariz/boca - faringe - laringe

Traquéia

Brônquios

Bronquíolos
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• terminais
• respiratórios

Ductos e sacos alveolares

O trato respiratório se extende desde a boca e o nariz até os alvéolos. As


vias aéreas superiores ( VAS ) servem para filtrar o ar inspirado, umidificá-lo e
aquecê-lo. A patência da boca e nariz é mantida em grande parte pelo arcabouço
ósseo, mas a faringe depende também do tônus dos músculos da língua, do
pálato mole e das paredes da faringe.

As vias aéreas de condução são como tubos complacentes revestidos por


uma mucosa do tipo respiratório e contém quantidades variáveis de músculos
e/ou cartilagens em sua parede.

O epitélio das vias aéreas de condução, particularmente traquéia e


brônquios, é do tipo pseudoestratificado colunar ciliado, com células mucosas .
As células ciliadas predominam em número. O batimento ciliar ocorre em sentido
cranial e, a cada 24 hs , todo o material acumulado nos pulmões é removido. O
função ciliar é inibida por anestésicos inalatórios. A produção de muco aumenta
dramaticamente em caso de lesão epitelial.

Figura 1: Epitélio de traquéia e brônquios

Laringe

A laringe localiza-se ao nível das vértebras cervicais (C4 a C6) e suas


principais componentes estruturais são as cartilagens tireóide e cricóide ,
juntamente com as aritenóides (duas) e a epiglote, que se situa na entrada da
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laringe. Além dessas 5, temos um par de cuneiformes e um par de corniculadas,


totalizando 9 cartilagens.

Figura 2: cartilagens da laringe

Uma série de músculos e ligamentos unem essas estruturas , que, através


de uma sequência coordenada de ações protegem a laringe em caso de vômito ,
bem como regulam a tensão das cordas vocais, permitindo a fonação. A técnica
de comprimir a cricóide (Manobra de Sellick) é baseada no fato de que esta
cartilagem é um anel completo, que pode ser utilizado para comprimir o esôfago
contra os corpos vertebrais de C5 e C6, prevenindo a regurgitação de conteúdo
gástrico para a árvore brônquica. As cartilagens cricóide e tireóide são unidas
anteriormente pela membrana cricotiroídea, através da qual o sistema
respiratório pode ser acessado em caso de emergência.
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Figura 3: vista anterior da laringe

Traquéia e brônquios

A traquéia se extende desde abaixo da cartilagem cricóide (corpo vertebral


de C6) até a carina, o ponto onde se divide para formar os brônquios fontes
direito e esquerdo. No adulto mede de 11 a 15 cm, com um diâmetro de 1,5 a
2,0 cm. A carina fica a nível de T4 ou T5 na expiração e T6 na inspiração. A
maior parte da circunferência da traquéia é constituída por uma série de
cartilagens em forma da letra “C” (ou “U” , como querem alguns) em sua face
anterior , e pelos músculos traqueais, que correm verticalmente, constituindo sua
parte posterior.

Quando a traquéia se bifurca, o brônquio fonte direito é um pouco menos


angulado que o esquerdo, fazendo que a material aspirado normalmente vá para
o pulmão direito. Além disso, o brônquio que vai para o lobo superior direito
emerge a somente 2,5 cm da carina, podendo ser obstruído com facilidade por
tubos endobrônquicos direitos.

Os brônquios são distingüidos dos bronquíolos primariamente pela presença


de cartilagens em suas paredes. Os bronquíolos também não têm glândulas
submucosas.
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Figura 4: Vista anterior de laringe, traquéia e brônquios-fontes

Pulmões e pleura

O pulmão direito é dividido em três lobos (superior, médio e inferior) ,


enquanto que o pulmão esquerdo tem apenas dois (superior e inferior). Ambos
se dividem em segmentos bronco-pulmonares (dez à direita, nove à esquerda).
No total, são aproximadamente 23 divisões da via aérea entre a traquéia e os
alvéolos.

As paredes bronquiais contém músculo liso e tecido elástico , além de


cartilagens nas vias aéreas maiores. O movimento de gás ocorre como um fluxo
de volume nas vias maiores, ao passo que nas menores (a partir da 17ª
geração) ocorre apenas por difusão.

A pleura é uma membrana dupla. A pleura parietal envolve a cavidade


torácica, enquanto que a pleura visceral envolve diretamente os pulmões. Em
circunstâncias normais, o espaço inerpleural contém apenas uma pequena
quantidade de fluido lubrificante. A pleura e os pulmões extendem-se a partir de
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debaixo das clavículas até as 8ª costelas anteriormente, as 10ª costelas


lateralmente e o nível de T12 posteriormente.

Figura 5: pulmões e pleura

Estrutura das vias aéreas inferiores

• Bronquíolo respiratório

Este é o primeiro bronquíolo ao longo dos quais os alvéolos aparecem. Há


de 2 a 5 gerações de bronquíolos respiratórios. Como são revestidos por epitélio
cubóide e têm paredes musculares , sua função primária é de condução,
responsáveis , portanto, por mínima troca gasosa.

• Ductos alveolares

Completamente cercados por alvéolos, não têm músculos em suas paredes.

• Sacos alveolares e alvéolos

Os sacos alveolares representam o término dos ductos alveolares; abrem-se


nos alvéolos.
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Figura 6: alvéolos

• Ácinos

Os ácinos são as unidades funcionais dos pulmões. Incluem todas as


estruturas desde o bronquíolo respiratório até o alvéolo (ductos alveolares, sacos
alveolares e alvéolos). O diâmetro médio de um ácino é 0,75 mm. Cada pessoa
tem aproximadamente 20.000 ácinos e 300 milhões de alvéolos. Um lóbulo em
geral contém de 3 a 5 bronquíolos terminais e suas estruturas distais.

Figura 7: ácinos

Histologia das paredes alveolares

As paredes alveolares são compostas basicamente das seguintes


estruturas:

• Pneumócitos tipo I (ou membranosos) : cobrem de 80 a 95% da


superfície alveolar, mas representam apenas 40% das células epiteliais do
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alvéolo. Não têm capacidade regenerativa. Controlam o movimento de


fluidos entre o interstício e a região aerada dos alvéolos.
• Pneumócitos tipo II (ou pneumócitos granulosos) : embora
representem quase 60% das células epiteliais, cobrem apenas em torno
de 3% da superfície alveolar. São os responsáveis pela produção do
surfactante pulmonar. Têm capacidade regenerativa e ,
ocasionalmente podem substituir os pneumócitos tipo I quando esses são
lesados.
• Macrófagos alveolares : embora em pequeno número, representam a
principal linha de defesa celular no espaço alveolar.
• Corpos neuroepiteliais: representam agregados de células
neuroendócrinas encontradas nos alvéolos. Podem estar ligadas à
resposta vasoconstritora à hipóxia (ver adiante).
• Poros de Kohn (poros interalveolares): funcionam como conexões entre
os alvéolos, provendo ventilação colateral.

Figura 8: alvéolos e poros de Kohn

Circulação sangüínea
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Os pulmões tem uma circulação dupla : a circulação pulmonar para a troca


gasosa com os alvéolos e a circulação bronquial, que nutre o parênquima
pulmonar. A maioria do sangue da circulação bronquial drena para o lado
esquerdo do coração através das veias pulmonares e este sangue pobre em O2
faz parte do shunt fisiológico normal. O outro componente do shunt fisiológico
vem das chamadas veias de Thebésio , que drenam uma parte do sangue da
irrigação coronariana diretamente para dentro das câmaras cardíacas esquerdas.

A circulação pulmonar é um sistema de baixa pressão (25/10 mm Hg) e


baixa resistência, capaz de acomodar um substancial aumento no fluxo
sangüineo sem maiores aumentos na pressão sangüínea do sistema. Isto é
possível pela distensão vascular e o recrutamento de capilares não perfundidos.
O principal estímulo que produz significativo aumento na resistência vascular é a
hipóxia.

Mecanismo da Respiração

Um gradiente de pressão é necessário para gerar fluxo. Na respiração


espontânea, o fluxo inspiratório é obtido pela criação de uma pressão
subatmosférica nos alvéolos (aproximadamente – 5 cm H2O durante uma
inspiração tranqüila) através do aumento da cavidade torácica sob a ação dos
músculos inspiratórios . Durante a expiração a pressão intraalveolar torna-se um
pouco mais alta do que a pressão atmosférica e o fluxo é invertido , caminhando
para as VAS.

Figura 9 : mecanismo da inspiração

Ação Muscular

O principal músculo gerando pressão negativa intratorácica é o diafragma.


Sua parte muscular é periférica aderida às costelas e vértebras lombares , com
uma porção central tendinosa. A inervação é feita pelos nervos frênicos (C3 a
C5) ; a contração do diafragma leva o músculo em sentido crânio-caudal ,
empurrando o conteúdo abdominal para baixo e para fora.
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Outros músculos participam da respiração : os intercostais externos , cuja


contração contribui para aumentar o diâmetro ântero-posterior do tórax
(inervados pelos nervos intercostais de T1 a T12 ) e os chamados músculos
acessórios da respiração, cujas contrações podem contribuir um pouco para
elevar a cúpula frênica. (esternocleidomastóideos e escalenos). Esses últimos
parecem ter importância apenas em condições patológicas (crise asmática, por
exemplo) e durante exercício físico intenso.

Durante um ciclo respiratório calmo, a expiração é um processo passivo ,


funcionando apenas com a retração elástica dos pulmões e da parede
torácica.Quando a ventilação é aumentada, como durante exercício, a expiração
torna-se um processo ativo, com a contração dos músculos da parede abdominal
e dos intercostais internos.

Controle Neural da Respiração

Os mecanismos que controlam a respiração são complexos. Há um grupo


de centros respiratórios localizados no tronco cerebral produzindo atividade
respiratória automática. Eles são regulados principalmente pela aferência de
quimiorreceptores. Este controle pode ser cancelado por uma ação voluntária
(comando cortical). Segurar o fôlego, hiperventilar voluntariamente, ou suspirar
são exemplos do que podemos fazer com nosso controle voluntário sobre a
respiração.

O principal centro respiratório está no assoalho do 4º Ventrículo , com um


grupo de neurônios inspiratórios (dorsais) e outro grupo expiratório (ventral) .
Os neurônios inspiratórios disparam automaticamente , enquanto que os
expiratórios são utilizados somente durante a expiração forçada.

Os dois outros principais centros são o centro Apnêustico, que estimula a


inspiração e o centro Pneumotáxico, que termina a inspiração pela inibição do
grupo de neurônios dorsais descritos acima.

Os quimiorreceptores que regulam a respiração são localizados


centralmente e perifericamente. Normalmente o controle é exercido por
receptores centrais localizados na medula, que respondem à concentração do íon
hidrogênio [H+] no líquido cerebroespinhal (CSF) , determinado pelo CO2
arterial, que se difunde livremente através da barreira hemato-encefálica. A
resposta é rápida e sensível a pequenas mudanças no CO2 arterial (PaCO2).

Além disso, há quimiorreceptores periféricos localizados nos corpos aórticos


e carotídeos, a maioria dos quais reponsíveis à queda da PaO2, e uma pequena
minoria que respondem à elevação da PaCO2. O grau de hipoxemia necessário
para produzir ativação significativa nesses receptores de O2 é tal que eles
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praticamente não fazem parte da regulação neural da respiração em condições


normais. Caso profunda hipoxemia (PO2 abaixo de 60 mm Hg) se desenvolva,
passarão a ter alguma importância. Isto também acontece nos casos onde a
PaCO2 está cronicamente elevada, levando a uma diminuição da sensibilidade
dos receptores centrais. Nestes casos, o bicarbonato plasmático está também
normalmente elevado (acidose respiratória compensada).

O Processo Respiratório – Capacidades e Volumes

Os vários termos utilizados para descrever a excursão pulmonar estão


mostrados na figura 10.

O volume corrente (VC = 500 ml) multiplicado pela freqüência


respiratória ( FR = 14 respirações por minuto ) é o volume minuto (VM =
7000 ml). Nem todo o VC toma parte nas trocas respiratórias , uma vez que
este processo não começa até que a ar chegue aos bronquíolos respiratórios
(divisão – ou geração – 17 da árvore respiratória). Acima deste nível , as vias
aéreas são somente para condução do gás fresco, não tomando parte nas trocas
gasosas. O volume ocupado por essas vias aéreas de condução é conhecido
como espaço morto anatômico (EMA). O volume do espaço morto anatômico
é aproximadamente 2 ml/kg ou 150 ml em um adulto, correspondendo a quase
um terço do VC (e do VM). O EMA pode ser diminuído pela intubação
orotraqueal, uma vez que o volume do interior da cânula é usualmente menor
que o volume das vias aéreas superiores que ela substitui.

A parte do volume corrente que efetivamente chega à area de trocas


respiratórias (VC – EMA) , multiplicada pela FR é conhecida como ventilação
alveolar ( aproximadamente 5000 ml / min ) .
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Figura 10: Volumes e capacidades pulmonares, onde : CPT = Capacidade


pulmonar total; CV = Capacidade vital; CRF = Capacidade residual funcional; VR
= volume residual; VC = Volume corrente ; VRE = Volume de reserva
expiratóriao e VRI = Volume de reserva inspiratório.

A capacidade residual funcional (CRF) é o volume de ar nos pulmões


no final de uma expiração normal. O ponto onde isso ocorre (e o valor da CRF) é
determinado por um balanço entre as forças elásticas dos pulmões e as forças da
caixa torácica ( a maioria devido ao tônus muscular ). A CRF cai em decúbito
dorsal horizontal, obesidade , gravidez e anestesia ; não se altera com a idade. A
CRF é particularmente importante para o anestesiologista pois :

• Durante a apnéia a CRF é o reservatórioque vai suprir o sangue com O2


• Assim que a CRF cai , a distribuição da ventilação dentro dos pulmões
muda, levando a alterações do fluxo sangüíneo pulmonar.
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• Se a CRF cair abaixo de um certo volume (volume de fechamento) ,


ocorre colapso das vias aéreas, levando a shunt ( ver abaixo em
“alterações de ventilação/perfusão” ) .

Outros fatores que influenciam a CRF são :

• Estatura : aumento de 30 a 50 ml / cm de altura;


• Sexo : 10% menos em mulheres de mesma estatura ;
• Patologias pulmonares.

Volume de Fechamento ou de Oclusão

O volume de fechamento pode ser obtido a partir de um teste em que o


paciente inala até a Capacidade Vital (inspiração máxima) uma única vez O2
a 100% e exala até o volume residual (expiração máxima) dentro de
expirômetro que mede [N2]. O volume em que as pequenas vias aéres das
bases pulmonares começam a se fechar (fechamento das vias aéreas –
airway closure) é chamado de Volume de Oclusão (VO) ou Volume de
Fechamento. Em pessoas jovens e saudáveis, o VO é 10% da Capacidade
Vital. Ele aumenta com a idade e pode chegar, aos 65 anos, a 40% da CV,
igulando ou até superando a CRF.
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Figura 11: A relação entre as concentrações de Nitrogênio (N2) em regiões


pulmonares (no alto) e os resultados do teste “Single-breath N2 washout” de
distribuição da Ventilação é representada graficamente. A figura no alto mostra
uma unidade ventilatória próxima ao ápice pulmonar (em preto) e outra unidade
ventilatória próxima à base pulmonar (cinza) interligadas por uma via aérea
comum. A intensidade da mistura de cores resultante reflete a concentração
inspiratória final do gás residente (N2) ao final de uma única inspiração máxima
de O2 (até atingir a Capacidade Pulmonar Total – CPT). As diferenças das
concentrações de Nitrogênio (N2) em cada unidade resultam das diferenças
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regionais de Volumes Residuais (VR) e na distribuição do gás inspirado (veja no


texto).

No começo da expiração, o gás (O2 puro) nas vias aéreas de condução é


esvaziado primeiro e observamos 0% de N2 no registro (fase I). Com o continuar
da expiração, o gás de ambas as unidades ventilatórias se misturam na via aérea
e a concentração de N2 aumenta rapidamente (fase II). À medida que a
expiração prossegue, o gás alveolar misto é registrado pelo analizador de N2
(fase III). Finalmente, as vias aéreas dependentes das bases pulmonares
coplapsam-se próximo ao volume residual (determinando o chamado VOLUME
DE FECHAMENTO) e a exalação continua a partir somente das unidades
ventilatórias do ápice pulmonar, que contêm uma concentração de N2 maior do
que as unidades basais (fase IV).

Resistência / complacência

Na ausência de esforço respiratório, os pulmões vão ao ponto da CRF. Para


moverem-se desta posição e gerarem movimentos respiratórios, dois aspectos
que se opoem à expansão pulmonar precisam ser considerados : a resistência
das vias aéreas e a complacência do pulmão e da parede torácica.

A resistência das vias aéreas descreve a obstrução ao fluxo de ar vindo das


vias de condução mais a contribuição da resistência tecidual resultante da
interação dos parênquimas pulmonares contíguos durante a respiração. Esta
resistência cai à medida em que a área da secção transversa aumenta,
particularmente abaixo das gerações 6 e 7 .
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Figura 12: Gerações vs aumento da secção tranversa

Um aumento da resistência da via aérea causado, por exemplo, por um


broncoespasmo, resulta num padrão de doença respiratória obstrutiva.

Em doenças obstrutivas , é esperado que o fluxo possa ser aumentado por


um grande esforço respiratório (aumentando o gradiente de pressão) a fim de
vencer o aumento da resistência das vias aéreas. Enquanto que isto é
normalmente verdadeiro para a inspiração, não é necessariamente o caso da
expiração, pois o aumento da pressão intrapleural pode agir comprimindo as vias
aéreas próximas aos alvéolos , levando a futuras obstruções sem aumento no
fluxo expiratório e causando um aprisionamento de ar distalmente (air-trapping).
Isto é mostrado na figura 13 e demonstra porque a expiração é usualmente o
maior problema durante ataques de asma.
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Figura 13: Expiração forçada em doença pulmonar obstrutiva leva a


compressão da via aérea proximal, limitando o fluxo expiratório.

A complacência denota distensibilidade e, numa abordadgem clínica, refere-


se aos pulmões e à caixa torácica combinados. Pode ser definida como alteração
de volume por alteração de pressão .

C = ∆V / ∆P

Quando a complacência é baixa , os pulmões são “rígidos” e mais esforço é


requerido para inflar o alvéolo. Condições que pioram a complacência, como a
fibrose pulmonar, produzem as doenças restritivas dos pulmões.
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Figura 14: Doenças pulmonares obstrutiva (aumento da resistência da via


aérea) e restritiva (diminuição da complacência pulmonar)

A complacência também varia dentro dos pulmões de acordo com o grau


de insuflação, como mostrado na figura 15 . Complacência baixa é vista com
baixos volumes (por causa da dificuldade inicial de insuflar os pulmões) e em
altos volumes ( por causa dos limites de expansão de pulmões e caixa torácica ),
mostrando que a melhor complacência está correlacionada com taxas de
expansão moderadas.
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Figura 15: Curva de complacência, mostrando o pulmão em diferentes


níveis de insuflação. Num jovem saudável, os ápices são bem insuflados (em
direção ao topo da curva) e menos ventilados que a área média e as bases, as
quais estão na parte inferior da curva de complacência.

Trabalho Respiratório

As duas barreiras à respiração, resistência das vias aéreas e complacência


pulmonar, são apenas as primeiras daquelas que exigem trabalho para que a
respiração se desenvolva. A resistência das vias aéreas está presente tanto na
inspiração quanto na expiração e é necessário energia para vencê-la. É o
chamado trabalho respiratório, que é dissipado sob a forma de calor. A
resistência ao fluxo aéreo é a maior contribuição para o trabalho respiratório. Em
qualquer sistema, o fluxo pode ser laminar ou turbulento. Analisar um fluxo
laminar é muito mais fácil do que um turbulento.

Infelizmente para nós, encontramos ambos no sistema respiratório. Fluxo


turbulento é visto nas seguintes situações comuns no sistema respiratório :
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• Altas velocidades de fluxo;


• Mudanças no diâmetro das vias aéreas ;
• Ângulos e ramificações de tubos .

O fluxo laminar é governado pela Lei de Poiseulle :

R = 8.n.L /pi.r4

onde R é a resistência ao fluxo, n é a viscosidade do fluido, L é o


comprimento do tubo e r é o raio do tubo.

Observa-se que ao reduzirmos o raio à metade, aumentamos a


resistência em 16 vezes. Quando tratamos de fluxos laminares, a queda da
pressão é diretamente relacionada ao fluxo e assim podemos falar de resistência
de um tubo , independente do fluxo.

O fluxo turbulento possui propriedades diferentes : neste caso a pressão


não é proporcional à velocidade de fluxo, mas, aproximadamente ao seu
quadrado.

P = kV²

Além disso, a viscosidade perde um pouco de sua importância na


determinação do fluxo turbulento.

Nas vias aéreas de condução, observamos inicialmente fluxo turbulento. À


medida que a área da secção transversa aumenta com a dicotomização das vias
aéreas, o fluxo vai se tornando laminar, perdendo a velocidade , até chegar ao
pondo que o gás move-se apenas por difusão.

Figura 16: fluxo laminar vs fluxo turbulento


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Embora seja necessária energia para vencer a complacência na expansão


pulmonar, esta não contribui para o trabalho respiratório, uma vez que não é
dissipada, mas sim convertida em energia potencial nos tecidos elásticos
distensíveis. Uma parte dessa energia “estocada” é usada para realizar o
trabalho respiratório consumido pela resistência das vias aéreas durante a
expiração.

O trabalho respiratório é melhor expresso em uma curva pressão-volume


de um ciclo respiratório (figura 17) que mostra caminhos diferentes para
expiração e inspiração. Esta curva é conhecida como histerese . O trabalho
total do ciclo é a área contida no looping .

Figura 17: Trabalho respiratório mostrado num diagrama pressão-volume


em um ciclo respiratório.
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Com elevadas freqüências respiratórias, o fluxo precisa tornar-se mais


rápido, aumentando as forças de atrito. Isto é ainda mais evidente em caso de
doença pulmonar obstrutiva – esses pacientes tentam minimizar o trabalho
respiratório diminuindo a FR e aumentando o VC (incursões lentas e amplas). Em
contraste, pacientes com patologias restritivas (queda da complacência
pulmonar) alcançam a parte desfavorável da curva de complacência assim que o
VC aumenta. Neste caso, o padrão respiratório usualmente envolve pequenos VC
e altas FR.

Difusão

Os alvéolos provêm uma enorme superfície para a troca gasosa com o


sangue (entre 50 a 100 m²) havendo uma finíssima membrana através da qual
os gases se difundem. A solubilidade do O2 é tal que sua difusão através da
membrana alvéolo-capilar normal é um processo eficiente e rápido. Em
condições de repouso , o sangue capilar pulmonar fica em contato com o alvéolo
por aproximadamente 0,75 s , entrando em total equilíbrio com o O2 alveolar
depois de passar por apenas 1/3 do caminho que usualmente percorre. Assim,
há uma reserva que permite a pacientes com patologias que prejudiquem a
difusão terem uma oxigenação suficiente quando estão em repouso. Durante o
exercício, entretanto, o fluxo sangüíneo pulmonar é mais rápido, abreviando o
tempo disponível para a troca gasosa, prejudicando a oxigenação adequada e
incapacitando esses paciente para a prática de exercícios.

Para o CO2 , que se difunde através da barreira alvéolo-capilar 20 vezes


mais rápido que o O2, os fatores acima descritos acabam comprometendo menos
a transferência deste gás do sangue para os alvéolos.

Ventilação / perfusão / shunt

Em uma situação ideal, a ventilação de uma determinada área deveria ser


suficiente para prover troca gasosa (O2 e CO2) completa com o sangue que
perfunde essa mesma área. Num ambiente normal, enquanto que nem
ventilação (V) nem perfusão (Q) são distribuídas igualmente por todo o pulmão,
seu emparceiramento é bastante adequado , com as bases recebendo
substancialmente mais de ambos (figura 18).
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Figura 18: distribuição de ventilação e perfusão dentro do pulmão.

Para a perfusão (Q), a distribuição por todo o pulmão é bem relacionada


com os efeitos da gravidade. Assim, na posição ereta , a perfusão na base
pulmonar é igual à pressão média da artéria pulmonar (15 mm Hg ou 20cm H2O)
mais a pressão hidrostática entre o tronco da artéria pulmonar e a base
pulmonar (aproximadamente 15 cm H2O) . Nos ápices, a diferença de pressão
hidrostática é subtraída da pressão média do tronco da artéria pulmonar,
resultando em uma pressão de perfusão bastante baixa no ápice , muitas vezes
caindo abaixo da pressão alveolar, levando a compressão dos vasos e
cessação intermitente do fluxo sangüíneo.

A distribuição da ventilação (V) através do pulmão é relacionada à posição


de cada área em relação à curva de complacência. Como as bases estão num
ponto mais favorável da curva de complacência do que os ápices, elas são mais
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ventiladas e recebem maior aporte de sangue também. Embora a diferença entre


ápices e bases seja menos marcante para a ventilação do que para a perfusão,
de um modo geral a relação V/Q é adequada por todo o pulmão.

Mudanças nesta distribuição podem levar a alterações na relação V/Q


(figura 19). Para uma área de baixa relação V/Q , o sangue será
incompletamente oxigenado , levando a redução do nível de O2 no sangue
arterial (hipoxemia). Se alguma ventilação estiver ocorrendo nessa área de baixo
V/Q, a hipoxemia poderá ser corrigida pelo aumento da FiO2, que restaura a
liberação de oxigênio alveolar a níveis suficiente para oxigenar completamente o
sangue.

Figura 19: Alterações na ventilação / perfusão

Alterações da relação V/Q comumente ocorrem durante a anestesia porque


a CRF cai, levando a uma mudança do pulmão dentro da curva de complacência.
Os ápices, então, movem-se para a parte mais favorável da curva, enquanto que
as bases vão para o pior lugar da curva de complacência.

Em extremos de alterações da relação V/Q , uma área do pulmão não


recebe perfusão e vai ter uma V/Q tendendo ao infinito, causando aumento no
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espaço morto alveolar, que, juntamente com o já referido espaço morto


anatômico, vão constituir o espaço morto fisiológico.

O espaço morto fisiológico pode ser calculado usando o método de Bohr. É


usada a seguinte equação :

[CO2]Alveolar x (VC - VEM A) = [CO2]expirado x VC

O “efeito” espaço morto pode ser caracterizado pelo seguinte :

• Área bem ventilada e não perfundida (ou pobremente perfundida) ;


• Tendência a hipercapnia ;
• Pouca ou nenhuma hipóxia.

Figura 20: efeito espaço morto.

Ao contrário , uma área pulmonar que não recebe ventilação , sua relação
V/Q tende a zero e é conhecida como área de shunt . O sangue sairá da área de
shunt com sua PO2 inalterada em relação ao leito venoso (40mmHg) e produzirá
hipoxemia arterial importante . Esta hipoxemia pouco responderá a aumentos da
FiO2, até mesmo em concentrações de 100% , uma vez que a área de shunt não
recebe ventilação. As partes bem ventiladas geralmente não podem compensar o
shunt porque a hemoglobina (Hb) é totalmente saturada em Palveolares de O2
normais. Aumentos na PO2 deste sangue não aumentarão substancialmente o
conteúdo de O2 , uma vez tratar-se de O2 dissolvido no sangue (ver a seguir).
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Figura 21: efeito shunt

Na figura abaixo, podemos ver, que dependendo do tamanho do shunt,


aumentar a FiO2 pouco adianta para melhorar o transporte de O2.

Figura 22: FiO2 vs shunt

Assim sendo, em caso de shunt, adequada oxigenação somente poderá ser


reestabelecida restaurando a ventilação dessas áreas, usando medidas como
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fisioterapia, PEEP ou CPAP, que podem reinflar áreas não ventiladas. Como o
Volume de Fechamento (VF) aumenta progressivamente com a idade, e também
é alta nos neonatos, estes pacientes têm um risco particular durante a anestesia,
quando a CRF pode cair abaixo do VF e provocar colapso das vias aéreas.

Existe um mecanismo fisiológico que reduz a hipoxemia nas áreas de baixo


V/Q , produzindo vasoconstrição local e desviando o sangue para áreas bem
ventiladas do pulmão. Este efeito é conhecido como vasoconstrição pulmonar
hipóxica (VPH) e é mediado por fatores locais que ainda não são bem
conhecidos; é mais eficaz quando a pressão alveolar de O2 encontra-se abaixo de
70% e também quando 30 a 70% do parênquima pulmonar se encontra
hipóxico.

A ação protetora da VPH é, entretanto, inibida por várias drogas ,entre os


quais o óxido nítrico, os anestésicos inalatórios, beta agonistas como o
isoproterenol e a dopamina, vasodilatadores como nitroprussiato de sódio,
nitroglicerina e bloqueadores de canais de Cálcio , além da hipocapnia . A VPH é
potencializada por acidose, hipercapnia e algumas drogas como lidocaína e
antiinflamatórios não hormonais (ibuprofeno, AAS).

Figura 23: efeito da redução da PO2 alveolar sobre o fluxo sangüíneo


pulmonar.
28

Surfactante

Qualquer superfície líquida exibe tensão superficial, uma tendência das


moléculas da superfície de se agregarem. Por causa disso, quando temos água
em uma suprfície qualquer, ela se coalesce, formando gotas arredondadas. Se a
tensão superficial é reduzida, como quando adicionamos uma certa quantidade
de sabão, ocorre colapso das gotículas e a água torna-se um fino filme líquido.
Quando uma superfície líquida é esférica (como os alvéolos) , a tensão superficial
age dentro da esfera gerando uma pressão, de acordo com a Lei de Laplace :

P = 4T/R : Se há duas superficies líquidas(como uma bolha).

P = 2T/R :Se há uma superfície líquida(como o revestimento de um


alveolo).

Onde P = Pressão na esfera, R = Raio da esfera e T = Tensão superficial


do líquido

Figura 24: surfactante evita esvaziamento dos alvéolos menores (B) nos
maiores (A)

O filme líquido que reveste o alvéolo exibe tensão superficial de maneira a


aumentar a pressão nos alvéolos , aumento maior nos pequenos do que nos
maiores. O surfactante é uma substância secretada pelos pneumócitos tipo II ,
que diminui a tensão superficial desta superfície líquida respiratória.
29

Constituído principalmente por fosfolípides (dipalmitoil lecitina), seus


principais benefícios fisiológicos são :

• Aumento na complacência pulmonar como um todo


• Redução na tendência dos pequenos alvéolos se esvasziarem nos maiores,
levando-os a colapso.
• Redução da passagem de fluidos dos capilares para dentro do alvéolo,
uma vez que a tensão superficial agiria para aumentar o gradiente de
pressão hidrostática do capilar para o alvéolo.

Figura 25: efeito do surfactante

Transporte do Oxigênio

De um nível atmosférico ( 21% x 760 mmHg ) , a pressão parcial do O2 cai


em 3 estágios antes que o sangue arterial seja enriquecido. Primeiramente, o ar
inspirado é umidificado nas VAS, saturando-o com vapor de água (47 mm Hg ) ,
reduzindo a PO2 para aproximadamente 148 mm Hg . No alvéolo, a contínua
troca de CO2 por O2 reduz a PO2 para mais ou menos 14,4 kPa (108 mm Hg) e ,
finalmente, o pequeno shunt fisiológico normalmente presente reduz a PO2 para
13,3 kPa ( 100 mm Hg ).

Depois que o O2 cruza a membrana alvéolo-capilar , um eficiente sistema


carreador é necessário para transportá-lo aos tecidos para ser utilizado na
30

respiração celular. O conteúdo de O2 no sangue é a soma do que está ligado à


hemoglobina ( Hb ) e o que está dissolvido no plasma.

A Hb é uma proteína contendo 4 subunidades, cada uma delas contendo


um íon ferro (Fe2+) dentro de um grupo heme. Quatro moléculas de O2 podem
se ligar reversivelmente a cada molécula de Hb, uma para cada sítio de Fe2+. O
principal fator que determina a extensão da ligação do O2 à Hb é a PO2,
mostrada na clássica figura a seguir.

Figura 26: curva de dissociação da hemoglobina, mostrando os pontos


normais arterial e venoso.

A parte inicial achatada da curva ocorre porque a ligação da primeira


molécula de O2 causa uma pequena alteração estrutural na Hb , facilitando a
ligação sequencial das próximas moléculas de O2. A forma da curva significa que
uma queda na PO2 no valor arterial normal terá um pequeno efeito na saturação
de Hb ( e no conteúdo arterial ) até que a parte saturada da curva seja
alcançada, normalmente por volta de 8 kPa ( 60 mm Hg ) . Uma vez que a PO2
tenha alcançado este nível , futuras quedas na PO2 irão resultar em quedas
dramáticas na saturação de Hb.
31

Figura 27: efeito do CO2 na curva de dissociação da hemoglobina

Vários fatores podem alterar a afinidade da Hb pelo O2 , reultando em


curvas que se movem para a direita ( acidose, aumento da temperatura,
aumento do 2,3 DPG – difosfoglicerato e a ligação do CO2 à molécula de Hb – o
chamado efeito Bohr ) ou para a esquerda ( Hb fetal, alcalose, hipotermia, queda
do 2,3 DPG ). Um índice da posição da curva de dissociação Hb-O2 é dada pela
P50, a PO2 onde 50% da Hb está saturada.

Movimentos da curva para a direita significam diminuição da afinidade da


Hb pelo O2. Isto é fisiologicamente útil aos tecidos, onde um ambiente
levemente acidótico serve para liberar o O2 mais facilmente da Hb. Este é o
chamado efeito Bohr.
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Figura 28: efeito do pH na curva de dissociação da hemoglobina

Uma pequena mudança da curva para a esquerda aumenta a afinidade da


Hb pelo O2 , produzindo maior saturação de Hb para uma dada PO2. Isto ajuda a
aumentar o carreamento de O2 nos capilares pulmonares (levemente alcalinos) e
é uma grande vantagem no feto, onde a PO2 é baixa.
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Figura 29: efeito da temperatura na curva de dissociação da hemoglobina


.

Um grama de Hb pode carrear 1,34 ml de O2 se totalmente saturada. Na


PO2 de 13,3 kPa (100 mm Hg ) a Hb está normalmente 97% saturada com O2.
Se a concentração de Hb é de 15 g / 100ml , o sangue arterial transporta
aproximadamente 200 ml O2 por litro. Com o débito cardíaco ( DC ) de 5l/min , a
quantidade de O2 na circulação é de aproximadamente 1000ml/min. Desse total,
aproximadamente 250 ml/min são utilizados , resultando em uma saturação
venosa de Hb em torno de 75 % .

DO2 = CaO2 X DC , onde CaO2 = (PaO2 X 0,003)+(1,34 X Hb X SatO2)

A quantidade de O2 dissolvido no plasma é 0,03 ml/litro/mm Hg ,


aproximadamente 3 ml por litro de sangue em ar ambiente, algo comumente
desprezível. Este montante pode aumentar substancialmente com o uso de O2
hiperbárico, crescendo até o nível adequado para suprir os tecidos através da
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inalação de O2 a 100% numa pressão de 3 atmosferas. Esta medida pode ser


utilizada por curtos períodos de tempo para sustentar a oxigenação tecidual se a
Hb do paciente for insuficiente (baixa) ou inefetiva.

Figura 30: Transporte de O2 ligado à Hb e dissolvido no plasma

A curva de dissociação do CO2 é muito mais linear que curva de dissociação


do O2. Quanto mais baixa a saturação da Hb com O2, maior a concentração de
CO2 para uma dada PCO2. É o chamado efeito Haldane, que mostra que “o
sangue oxigenado tem menor teor de CO2 que o reduzido.”
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Figura 31: curva de dissociação do CO2

Circunstâncias especiais

É útil estudarmos as várias alterações fisiológicas e adaptações que


ocorrem em resposta a mudanças nas circunstâncias a que o sistema respiratório
é submetido. Assim, poderemos entender mais claramente os diferentes
mecanismos fisiológicos já descritos e os efeitos da anestesia e das doenças.
Incluimos o seguinte nesse estudo :

Exercício

Durante o exercício , o consumo de O2 pode subir dos habituais 250 ml/min


para até 3000 ml/min. As respostas a esse aumento da demanda incluem :

• Aumento no débito cardíaco


• Aumento na ventilação
• Aumento na extração de O2 a partir do sangue.

Acima de um determinado nível, mesmo com todas estas alterações, não é


possível atender às necessidades teciduais, ocorrendo então metabolismo
anaeróbio com produção de ácido lático.

Altitude
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A resposta ao baixo PO2 arterial resultante da alta altitude é comandada


pelos quimiorreceptores periféricos , levando a hiperventilação e aumento do
débito cardíaco (DC). Ocorre aumento na PO2 alveolar (por aumento na
ventilação alveolar) e consequentemente aumento na PaO2 e decréscimo na
PaCO2 . O decréscimo na PaCO2 , entretanto, reduz o estímulo a nível dos
quimiorreceptores centrais, limitando a hiperventilação.

Compensação metabólica ocorre nos próximos 2 a 3 dias, envolvendo um


aumento na excreção renal de HCO3- no plasma e no líquido cerebroespinhal .

Respostas mais tardias que aumentam o transporte de O2 incluem :

• Aumento do 2,3 DPG , desviando a curva de dissociação para a direita.


• Policitemia.

Figura 32: Saturação de O2 na altitude

Feto

A oxigenação do sangue fetal é de responsabilidade da circulação materna


via placenta. O sangue que deixa a placenta via veia umbelical tem uma PO2 em
torno de 30 mm Hg e um conteúdo de O2 de aproximadamente 130 ml/litro. Os
mecanismos através dos quais isso é possível, são :

• Desvio para a esquerda da curva de dissociação da Hb-fetal com um P50


de apenas 19 mm Hg (comparada com 30 mm Hg da HB do adulto).
• Alta concentração de Hb-fetal (18 g/litro ao nascimento).
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O aumento da concentração de Hb resulta em aumento no transporte de


O2, enquando que o desvio da curva para a esquerda mostra um aumento da
afinidade da Hb-fetal pelo O2 e assim, maior saturação em menores PO2 .

Causas de hipóxia

Hipóxia é a situação onde os tecidos são incapazes de levar adiante os


processos oxidativos normais por causa da falência ou do suprimento de O2 ou
por impossibilidade de bem utilizá-lo. Devemos ter em pente a expressão
matemática do transporte de O2 (DO2) para que possamos entender com
facilidade as explicações a seguir.

DO2 = CaO2 X DC , onde CaO2 = (PaO2 X 0,003) + ( 1,34 X Hb X SatO2 )

As causas de hipóxia podem ser agrupadas em 4 categorias :

Hipóxia Hipoxêmica

Definida por queda na PaO2. Pode resultar de inadequada PO2 no ar


inspirado (como na altitude elevada), hipoventilação (de causas centrais ou
periféricas) ou transferência alvéolo-capilar inadequada (shunt, distúrbios V/Q).

Hipóxia anêmica

Como a maior parte do O2 é transportada liga à Hb, anemia pode levar à


hipóxia. Mecanismo compensatório imediato é o aumento do débito cardíaco, o
qual, no entanto, nem sempre consegue compensar totalmente a queda da Hb.
Condições onde a Hb torna-se inefetiva (ex : envenenamento por monóxido de
carbono – CO) produzem redução no transporte de O2 semelhante à anemia.

Hipóxia circulatória

Se ocorre insuficiência circulatória, mesmo com o conteúdo arterial de O2


adequado, a liberação para os tecidos não o será. Inicialmente, a oxigenação
tecidual é mantida pelo aumento na extração tecidual de O2 , mas à medida que
a perfusão dos tecidos piora , este mecanismo vai ficando insuficiente e passa a
ocorrer hipóxia.

Hipóxia histotóxica

Isto ocorre quando os tecidos são incapazes de utilizar o O2 transportado


até eles. O melhor exemplo de hipóxia histotóxica é o envenenamento por
cianeto, que inibe a citocromo oxidase.
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Funções não respiratórias dos pulmões

Apesar da principal função dos pulmões ser a troca gasosa, não podemos
nos esquecer das outras importantes funções desempenhadas por eles. Podemos
citar :

• Reserva de sangue disponível para compensação circulatória ;


• Filtro para a circulação : trombos, microagregados, etc.
• Atividade metabólica : ativação de enzimas (como as angiotensinas I e II)
, inativação de muitas outras substâncias (noradrenalina, bradicinina,
serotonina, algumas prostaglandinas).
• Atividade imunológica : reserva de células do sistema imune (ex :
macrófagos alveolares), secreção de IgA no muco bronquial.

Bibliografia

1) John B. West: Fisiologia Respiratória Moderna, 5ª ed - Ed. Manole, 1996,


São Paulo-SP

2) Lung Function Fundamentals: Acessado a 20/07/2000 em


http://www.anaesthetist.com/icu/organs/lung/lungfx.htm

3) Rob Law, H Bukwirwa : The Physiology of Oxygen Delivery (1999) -


Acessado a 21/08/2000 em:
http://www.nda.ox.ac.uk/wfsa/html/u10/u1003_01.htm

4) Fred Roberts: Respiratory Physiology (2000) - Acessado a 15/07/2000 em:


http://www.nda.ox.ac.uk/wfsa/html/u12/u1211_01.htm

5) Peter D. Slinger e cols.: Relation of the Static Compliance Curve and


Positive End-expiratory Pressure to Oxygenation during One-lung
Ventilation - Anesthesiology 2001;95:1096-1102

6) Murray & Nadel: Textbook of Respiratory Medicine, 3rd ed., Copyright ©


2000 W. B. Saunders Company

7) Arthur Guyton: Tratado de Fisiologia Humana, 10ª ed, Guanabara-


Koogan, 2002, Rio de Janeiro - RJ.

8) H. Ferner & J. Staubesand: Sobotta - Atlas de Anatomia Humana, 18ª ed,


Guanabara-Koogan, 1982, Rio de Janeiro - RJ.

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