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Romance do Pavão Misterioso A obra mais importante


João Melquíades Ferreira da Silva Que fez em sua oficina.

Eu vou contar uma história Tinha cauda como leque


De um pavão misterioso As asas como pavão
Que levantou vôo na Grécia Pescoço, cabeça e bico
Com um rapaz corajoso Lavanca, chave e botão
Raptando uma condessa Voava igualmente ao vento
Filha de um conde orgulhoso. Para qualquer direção.

Residia na Turquia Quando Edmundo findou


Um viúvo capitalista Disse a Evangelista:
Pai de dois filhos solteiros — Sua obra está perfeita
O mais velho João Batista ficou com bonita vista
Então o filho mais novo o senhor tem que saber
Se chamava Evangelista. que Edmundo é artista.

O velho turco era dono — Eu fiz o aeroplano


Duma fábrica de tecidos da forma de um pavão
Com largas propriedades que arma e se desarma
Dinheiro e bens possuídos comprimindo em um botão
Deu de herança a seus filhos e carrega doze arroba
Porque eram bem unidos. três léguas acima do chão.

Depois que o velho morreu Foram experimentar


Fizeram combinação Se tinha jeito o pavão
Porque o tal João Batista Abriram a lavanca e chave
Concordou com o seu irmão Encarcaram num botão
E foram negociar O monstro girou suspenso
Na mais perfeita união. Maneiro como balão.

Um dia João Batista O pavão de asas abertas


Pensou pela vaidade Partiu com velocidade
E disse a Evangelista: Coroando todo o espaço
— Meu mano eu tenho vontade Muito acima da cidade
de visitar o estrangeiro Como era meia noite
se não te deixar saudade. Voaram mesmo à vontade.

— Olha que nossa riqueza Então disse o engenheiro:


se acha muito aumentada — Já provei minha invenção
e dessa nossa fortuna fizemos a experiência
ainda não gozei nada tome conta do pavão
portanto convém qu'eu passe agora o senhor me paga
um ano em terra afastada. sem promover discussão.

Movido a motor elétrico Perguntou Evangelista:


Depósito de gasolina — Quanto custa o seu invento?
Com locomoção macia — Dê me cem contos de réis
Que não fazia buzina acha caro o pagamento

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o rapaz lhe respondeu: venha depressa papai


Acho pouco dou duzentos. pode ser algum bandido.

Edmundo ainda deu-lhe O rapaz lhe disse: — Moça


Mais uma serra azougada Entre nós não há perigo
Que serrava caibro e ripa Estou pronto a defendê-la
E não fazia zuada Como um verdadeiro amigo
Tinha os dentes igual navalha Venho é saber da senhora
De lâmina bem afiada. Se quer casar-se comigo.

Então disse o jovem turco: De um lenço enigmático


— Muito obrigado fiquei Que quando Creuza gritava
do pavão e dos presentes Chamando o pai dela
para lutar me armei Então o moço passava
amanhã a meia-noite Ele no nariz da moça
com Creuza conversarei. Com isso ela desmaiava.

À meia-noite o pavão O jovem puxou o lenço


Do muro se levantou Ao nariz da moça encostou
Com as lâmpadas apagadas Deu uma vertigem na moça
Como uma flecha voou De repente desmaiou
Bem no sobrado do conde E ele subiu na corda
Na cumeeira pousou. Chegando em cima tirou.

Evangelista em silêncio Ajeitou os caibros e ripas


Cinco telhas arredou E consertou o telhado
Um buraco de dois palmos E montando em seu pavão
Caibros e ripas serrou Voou bastante vexado
E pendurado numa corda Foi esconder o aparelho
Por ela escorregou. Aonde foi fabricado.

Chegou no quarto de Creuza O conde acordou aflito


Onde a donzela dormia Quando ouviu essa zuada
Debaixo do cortinado Entrou no quarto da filha
Feito de seda amarela Desembainhou a espada
E ele para acordá-la Encontrou-a sem sentido
Pôs a mão na testa dela. Dez minutos desmaiada.

A donzela estremeceu Percorreu todos os cantos


Acordou no mesmo instante Com a espada na mão
E viu um rapaz estranho Berrando e soltando pragas
De rosto muito elegante Colérico como um leão
Que sorria para ela Dizendo: — Aonde encontrá-lo
Com um olhar fascinante. Eu mato esse ladrão.

Então Creuza deu um grito: Creuza disse: — Meu pai


— Papai um desconhecido Pois eu vi neste momento
entrou aqui no meu quarto Um jovem rico e elegante
sujeito muito atrevido Me falando em casamento

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Não vi quando ele encantou-se Creuza aí gritou: — Papai


Porque me deu um passamento. Venha ver o homem agora.

Disse o conde: — Nesse caso Ele passou-lhe o lenço


Tu já estás a sonhar Ela caiu sem sentido
Moça de dezoito anos Então subiu na corda
Já pensando em se casar Por onde tinha descido
Se aparecer casamento Chegou em cima e disse:
Eu saberei desmanchar. — O conde será vencido.

Evangelista voltou Ouviu-se tocar a corneta


Às duas da madrugada E o brado da sentinela
Assentou seu pavão O conde se dirigiu
Sem que fizesse zuada Para o quarto da donzela
Desceu pela mesma trilha Viu a filha desmaiada
Na corda dependurada. Não pode falar com ela.

E Creuza estava deitada Até que a moça tornou


Dormindo o sono inocente Disse o conde: — É um caso sério
Seus cabelos como um véu Sou um fidalgo tão rico
Que enfeitava puramente Atentado em meu critério
Como um anjo de terreal Mas nós vamos descobrir
Que tem lábios sorridentes. O autor do mistério.

O rapaz muito sutil — Minha filha, eu já pensei


Foi pegando na mão dela em um plano bem sagaz
Então a moça assustou-se passa essa banha amarela
Ele garantiu a ela na cabeça desse audaz
Que não eram malfazejos: só assim descobriremos
— Não tenha medo donzela. esse anjo ou satanás.

A moça interrogou-o — Só sendo uma visão


Disse: — Quem é o senhor que entra neste sobrado
Diz ele: — Sou estrangeiro só chega à meia-noite
Lhe consagrei grande amor entra e sai sem ser notado
Se não fores minha esposa se é gente desse mundo
A vida não tem valor. usa feitiço encantado.

Mas Creuza achou impossível Evangelista também


O moço entrar no sobrado Desarmou seu pavão
Então perguntou a ele A cauda, a capota, o bico
De que jeito tinha entrado Diminuiu a armação
E disse: — Vai me dizendo Escondeu o seu motor
Se és vivo ou encantado. Em um pequeno caixão.

Como eu lhe tenho amizade Depois de sessenta dias


Me arrisco fora de hora Alta noite em nevoeiro
Moça não me negue o sim Evangelista chegou
A quem tanto lhe adora! No seu pavão bem maneiro

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Desceu no quarto da moça O tal rapaz encantado


A seu modo traiçoeiro. Te apareceu certamente.

Já era a terceira vez E Creuza disse: — Papai


Que Evangelista entrava Eu cumpri o seu mandado
No quarto que a condessa O rapaz apareceu-me
À noite se agasalhava Mas achei-o delicado
Pela força do amor Passei-lhe a banha amarela
O rapaz se arriscava. E ele saiu marcado.

Com um pouco a moça acordou O conde disse aos soldados


Foi logo dizendo assim: Que a cidade patrulhassem
— Tu tens dito que me amas Tomassem os chapéus de
com um bem-querer sem fim Quem nas ruas encontrassem
se me amas com respeito Um de cabelo amarelo
te senta juntos de mim. Ou rico ou pobre pegassem.

Evangelista sentou-se Evangelista trajou-se


Pôs-se a conversar com ela Com roupa de alugado
Trocando o riso esperava Encontrou-se com a patrulha
A resposta da donzela O seu chapéu foi tirado
Ela pôs-lhe a mão na testa Viram o cabelo amarelo
Passou a banha amarela. Gritaram: — Esteja intimado!

Depois Creuza levantou-se Os soldados lhe disseram:


Com vontade de gritar — Cidadão não estremeça
O rapaz tocou-lhe o lenço está preso a ordem do conde
Sentiu ela desmaiar e é bom que não se cresça
Deixou-a com uma síncope vai a presença do conde
Tratou de se retirar. se é homem não esmoreça.

E logo Evangelista — Você hoje vai provar


Voando da cumeeira por sua vida responde
Foi esconder seu pavão como é que tem falado
Nas folhas de uma palmeira com a filha do nosso conde
Disse: — Na quarta viagem quando ela lhe procura
Levo essa estrangeira. onde é que se esconde.

Creuza então passou o resto Evangelista respondeu:


Da noite mal sossegada — Também me faça um favor
Acordou pela manhã enquanto vou me vestir
Meditava e cismada minha roupa superior
Se o pai não perguntasse na classe de homem rico
Ela não dizia nada. ninguém pisa meu valor.

Disse o conde: — Minha filha Disseram: — Pode mudar


Parece que estás doente? Sua roupa de nobreza
Sofreste algum acesso A moça bem que dizia
Porque teu olhar não mente Que o rapaz tinha riqueza

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Vamos ganhar umas luvas Disso o conde: — Pois é o cão


E o conde uma surpresa. Que com Creuza tem falado.

Seguiu logo Evangelista Creuza sabendo da história


Conversando com o guarda Chorava de arrependida
Até que se aproximaram Por ter marcado o rapaz
Duma palmeira copada Com banha desconhecida
Então disse Evangelista: Disse: — Nunca mais terei
— Minha roupa está trepada. Sossego na minha vida.

E os soldados olharam Disse Creuza: — Ora papai


Em cima tinha um caixão Me prive da liberdade
Mandaram ele subir Não consente que eu goze
E ficaram de prontidão A distração da cidade
Pegaram a conversar Vivo como criminosa
Prestando pouca atenção. Sem gozar a mocidade.

Evangelista subiu — Aqui não tenho direito


Pôs um dedo no botão de falar com um criado
Seu monstro de alumínio um rapaz para me ver
Ergueu logo a armação precisa ser encantado
Dali foi se levantando mas talvez ainda eu fuja
Seguiu voando o pavão. deste maldito sobrado.

E os soldados gritaram: — O rapaz que me amou


— Amigo, o senhor se desça só queria vê-lo agora
deixe de tanta demora para cair nos seus pés
é bom que não aborreça como uma infeliz que chora
senão com pouco uma bala embora que eu depois
visita sua cabeça. morresse na mesma hora.

Então mandaram subir — Eu sei que para ele


Um soldado de coragem não mereço confiança
Disseram: — Pegue na perna quando ele vinha aqui
Arraste com a folhagem ainda eu tinha esperança
Está passando na hora de sair desta prisão
De voltarmos da viagem. onde estou desde de criança.

Quando o soldado subiu Às quatro da madrugada


Gritou: — Perdemos a ação Evangelista desceu
Fugiu o moço voando Creuza estava acordada
De longe vejo um pavão Nunca mais adormeceu
Zombou de nossa patrulha A moça estava chorando
Aquele moço é o cão. O rapaz lhe apareceu.

Voltaram e disseram ao conde O jovem cumprimentou-a


Que o rapaz tinham encontrado Deu-lhe um aperto de mão
Mas no olho de uma palmeira A condessa ajoelhou-se
O moço tinha voado Para pedir-lhe perdão

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Dizendo: — Meu pai mandou Disse o moço: -Tem dez minutos


Eu fazer-te uma traição. Para sairmos do sobrado.

O rapaz disse: — Menina Creuza disse: — Eu estou pronta


A mim não fizeste mal Já podemos ir embora
Toda a moça é inocente E subiram pela corda
Tem seu papel virginal Até que sairam fora
Cerimônia de donzela Se aproximava a alvorada
É uma coisa natural. Pela cortina da aurora.

— Todo o seu sonho dourado Com pouco o conde acordou


é fazer-te minha senhora Viu a corda pendurada
se quiseres casar comigo Na coberta do sobrado
te arrumas e vamos embora Distinguiu uma zuada
senão o dia amanhece E as lâmpadas do aparelho
e se perde a nossa hora. Mostrando luz variada.

— Se o senhor é homem sério E a gaita do pavão


e comigo quer casar Tocando uma rouca voz
pois tome conta de mim O monstro de olho de fogo
aqui não quero ficar Projetando os seus faróis
se eu falar em casamento O conde mandando pragas
meu pai manda me matar. Disse a moça: — É contra nós.

— Que importa que ele mande Os soldados da patrulha


tropas e navios pelos mares Estavam de prontidão
minha viagem é aérea Um disse: — Vem ver fulano
meu cavalo anda nos ares Aí vai passando um pavão
nós vamos sair daqui O monstro fez uma curva
casar em outros lugares. Para tomar direção.

Creuza estava empacotando Então dizia um soldado


O vestido mais elegante — Orgulho é uma ilusão
O conde entrou no quarto um pai governa uma filha
E dando um berro vibrante mas não manda no coração
Gritando: — Filha maldita pois agora a condessinha
Vais morrer com o seu amante. vai fugindo no pavão.

O conde rangendo os dentes O conde olhou para a corda


Avançou com passo extenso E o buraco do telhado
Deu um pontapé na filha Como tinha sido vencido
Dizendo: — Eu sou quem venço Pelo rapaz atilado
Logo no nariz do conde Adoeceu só de raiva
O rapaz passou o lenço. Morreu por não ser vingado.

Ouviu-se o baque do conde Logo que Evangelista


Porque rolou desmaiado Foi chegando na Turquia
A última cena do lenço Com a condessa da Grécia
Deixou-o magnetizado Fidalga da monarquia

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Em casa do seu irmão Continuou o seu vôo


Casaram no mesmo dia. Ao rumo do seu destino.

Em casa de João Batista Na cidade de Atenas


Deu-se grande ajuntamento Estava a população
Dando vivas ao noivado Esperando pela volta
Parabéns ao casamento Do aeroplano pavão
À noite teve retreta Ou o cavalo do espaço
Com visita e cumprimento. Que imita um avião.

Enquanto Evangelista Na tarde do mesmo dia


Gozava imensa alegria Que o pavão foi chegado
Chegava um telegrama Em casa de Edmundo
Da Grécia para Turquia Ficou o noivo hospedado
Chamando a condessa urgente Seu amigo de confiança
Pelo motivo que havia. Que foi bem recompensado.

Dizia o telegrama: E também a mãe de Creuza


"Creuza vem com o teu marido Já esperava vexada
receber a tua herança A filha mais tarde entrou
o conde é falecido Muito bem acompanhada
tua mãe deseja ver De braço com o seu noivo
o genro desconhecido." Disse: — Mamãe estou casada.

A condessa estava lendo Disse a velha: — Minha filha


Com o telegrama na mão Saíste do cativeiro
Entregou a Evangielista Fizeste bem em fugir
Que mostrou ao seu irmão E casar no estrangeiro
Dizendo: — Vamos voltar Tomem conta da herança
Por uma justa razão. Meu genro é meu herdeiro.

De manhã quando os noivos


Acabaram de almoçar
E Creuza em traje de noiva
Pronta para viajar
De palma, véu e capela
Pois só vieram casar.

Diziam os convidados:
— A condessa é tão mocinha
e vestida de noiva
torna-se mais bonitinha
está com um buquê de flor
séria como uma rainha.

Os noivos tomaram assento


No pavão de alumínio
E o monstro se levantou-se
Foi ficando pequenino

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