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NOTA INTRODUTÓRIA
CONTEÚDO
UD 1. Cristologia Bíblica
UD 2. Cristologia Histórico-Dogmática
UD 3. Cristologia Sistemática
UD 1. Cristologia Bíblica
1. O Rei Messias
2. O Messias, profeta, servo paciente
3. O Messias Sacerdote
4. O Messianismo Apocalíptico
5. Observações finais
UD 2. Cristologia Histórico-Dogmática
UD 3. Cristologia Sistemática
UD 1. Cristologia Bíblica
1. O Rei Messias
EVOLUÇÃO DO CONCEITO
SALMOS
O eco da espera do messias escuta-se claramente também em alguns salmos reais (ex:
Salmo 88, 20-38 – uma releitura da profecia de Natan – “Não lhe tirarei a minha graça, não
desistirei da minha promessa... Durará para sempre sua descendência.” v.v. 31-38)
...abertura a um futuro ilimitado, para a Dinastia davídica, na base da unção de David.
Também Salmo 2, 7s – “Tu és o meu filho muito amado, hoje eu Te gerei”.
Como testemunho do messianismo real podemos recordar o Salmo 110,1-3 – “Oráculo de
Javé ao meu Senhor: Senta-te à minha direita até que faça de teus inimigos escabelo de teus pés”.
Até aqui faz-se referência a uma missão especial confiada ao rei messias, mas sem definir os
seus contornos; nos textos recordados só se fala da instauração de um reino que durará para
sempre; e noutras partes se diz que será um reino de justiça e de paz (Sal 71).
JEREMIAS
Tema messiânico – função pouco importante.
Mas Jer 21,11-23,8 – discurso de consolação dirigido aos exilados de Babilónia, em que se
promete uma salvação, que em perspectiva profética, funde o horizonte escatológico e o de uma
restauração política. “Dia virão... em que suscitarei a David um retorno justo...”
A atenção dirige-se aqui a um rei messiânico ideal, que aparecerá nos últimos tempos e
será portador de paz e bem-estar.
EZEQUIEL
Também de carácter escatológico... Messias, o Pastor ideal - “Lhes suscitarei um pastor que
as apascentará. David meu servo... será príncipe no meio delas” (Ez 34, 23ss). Texto decisivo: o
profeta fala de Rei ideal futuro, mas é “representante“ de Deus, que é na realidade o
verdadeiro soberano.
Deus, por meio do messias, levantará um reino de paz.
Zacarias
O messianismo real alcança seu vértice no final do período pós-exílico. Esta é a nova
promessa de Deus ao Seu Povo: “Regosija-te, filha de Sião... porque vem a ti teu rei. Ele é justo e
vitorioso... anunciará a paz às gentes, seu domínio será de mar a mar.” (Zac 9, 9 ss). Neste texto
verificado com Zorobabel (515), posterior ao final da dinastia davídica... a espera aparece agora
totalmente centrada num messias rei escatológico. Trata-se de uma das mais puras profecias
messiânicas, não só porque falta toda a referência política, mas porque o anúncio salvífico é
universalista, e porque nela se decobrem acentos que anticipam os cantos do Servo de Yahweh. O
messias é agora para todos os povos o rei da paz. Estes últimos oráculos apontam para um
messianismo sem messias, por assim dizer, em que o verdadeiro salvador, o instaurador do
reino, será Deus mesmo. Com o desencanto da monarquia, regressados do desterro de Babilónia,
comaça-se a pensar uma teocracia directa que havia de realizar-se nos últimos tempos... Esta nova
situação desembocará num messianismo muito mais importante: o messianismo profético.
Profeta é o que fala em nome de Deus. Por todas as perspectivas e categorias a figura do profeta
(quando a do rei está desgastada e inexpressiva) é usada por Deus para indicar o futuro
messias. Esta nova abertura messiânica se faz presente no Deuteroisaías (Is 40-55), sobretudo nos
quatro cantos do Servo de Yahweh (se bem que já tenha havido alusões em Jeremias e Ezequiel, os
quais durante o desterro se solidarizaram com os israelitas). A figura do messias que destaca os
cantos de Isaías é a do Profeta que aceita sofrer e morrer pelo seu Povo. É a imagem mais
pura e clara de todo o Antigo Testamento.
1º CANTO
2º CANTO
3º CANTO
Esta imensa confiança em Deus é o tema deste terceiro canto, que descreve os maus tratos a que
se vê submetido o servo paciente. “Ele ofereceu a minha espada aos que me flagelavam...” (Is 50,
4-9). Provavelmente há que referir o texto ao profeta mesmo... Mas a interpretação cristã, já no
Novo Testamento, viu no servo paciente a figura de Jesus. Aqui acontece o confiado abandono
nas mãos de Deus, um dos elementos mais eloquentes da religiosidade israelita. Esta ideia se
convertaerá em eixo sustentador da religiosidade dos “pobres” de Israel, que esperavam a
salvação de um messias pobre e paciente (Sal 21).
4º CANTO
...continua na mesma linha e apresenta de modo mais completo a imagem de messias paciente.
“Meu servo prosperará... Não tem aparência nem beleza. Desapreciado e recusado pelos homens,
homem de dores, que conhece bem o sofrimento. Por iniquidade do meu povo foi golpeado até à
morte... Foi contado entre os ímpios, contudo levava o pecado de muitos e intercedia pelos
pecadores”. (Is 52, 13-53,12). Aqui destaca-se muito mais o sofrimento. Junta-se logo a morte,
assumindo o sofrimento e a morte valor expiatório. Note-se que a solidariedade do servo se
sublinha intencionalmente muitas vezes – o servo expia os pecados do povo e por isso será
glorificado. Este conteúdo teológico rico explica bem o recurso da Igreja primitiva em entender
plenamete a morte de Cristo e Sua ressurreição nesta perspectiva. O Canto tem um significado
colectivo (Israel no Êxodo e Babilónia) e também significado individual. Esta referência ao
messias paciente parece indiscutível... e a Igreja vê nela reconhecido o servo paciente e a
prefiguração de Jesus.
3. O Messias Sacerdote
Pouco sublinhado no A.T.. Esta situação é reflexo de situação criada depois do desterro. Depois de
período em que Israel teve dois chefes (um rei, outro sacerdote, dois messias...) a autoridade ficou
confiada ao sacerdócio. Neste contexto o messias escatológico esperado é da descendência de
Aarão. Mas trata-se de forma de messianismo sem êxito. Na realidade, o messias sacerdote
(recordado com insistência no A.T.), rompe os esquemas tradicionais: não descende de Aarão, mas
é “segundo a ordem de Melquisedec” (Sal 110,4), é rei sacerdote mencionado pelos Génesis
antes que o mesmo Aarão. Novidade: trata-se do culto não estético-farisaico, mas da pureza
interior, com carácter universalista e cósmico, com oferenda de novo sacrifício.
4. O messianismo apocalíptico
Iniciado em inícios do séc. II aC, quando a fé judia se vê ameaçada, como ocorreu com a
perseguição de Antíoco IV Epifanes. Nesta época desenvolve-se a literatura apocalíptica... Este
anúncio intentava infundir a esperança na victória definitiva do Senhor. No Livro de Daniel
faz-se menção ao messias apocalíptico: “...E eis que aqui aparece sobre as nuvens do céu alguém
semelhante a um Filho do Homem. ... Todos os povos, nações e línguas o servirão; seu poder é um
poder eterno, que não passa nunca, e Seu reino jamais será destruído”. (Dan 7, 9-14). A
interpretação vê aqui as quatro bestas, símbolo dos impérios humanos destinados à ruina. Quanto
ao misterioso personagem pertencente à espécie humana, mas com autoridade para erigir um
novo reino, vê nele a figura do messias esperado, que, enquanto elevado agora ao céu, se instala
como senhor do mundo. Assim como os quatro impérios, em virtude de uma “personalidade
corporativa”, são recapitulados em quatro reis, do mesmo modo no messias se recapitula “o reino
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dos santos do altíssimo” (Dan 7, 18.22.25.27). Portanto o Filho do Homem é apresentado em
definitivo como um ser transcendente de origem celeste. Assim o interpretou a tradição
apocalíptica e o próprio Jesus, que se identificou com ele na presença de Caifás e no Sinédrio. No
referente à esperança dos contemporâneos de Jesus, reveste uma cor decididamente política,
orientando-se logo para um messias cósmico.
5. Observações finais
A investigação destes textos está em aberto. Cabe-nos suprir as lacunas históricas considerando as
promessas messiânicas à luz de seu cumprimento em Jesus Cristo – Jesus é o cumprimento da
esperança de Israel. A Sua missão corresponde globalmente às promessas das Escrituras. Do
quadro traçado se depreende um anúncio progressivo da figura e função do messias.
Progressivamente, durante séculos de espera, se passa da concepção entusiasta do messianismo
real, à mais pura do messias paciente e, finalmente, à do filho do homem. Uma visão de conjunto
leva a dizer com clareza que a importância da pessoa do messias tende gradualmente a diminuir,
no sentido de que a espera de Israel se polariza cada vez mais numa intervenção salvífica directa
de Deus. Passa-se da imagem do messias rei à do messias como servo paciente e à do
messias filho do homem, respeitando uma continuidade fundamental. O messianismo de
Jesus é original, mas que reveste os rasgos mais puros da tradição veterotestamentária. Contudo,
na compreensão deste complexo fenómeno, observamos também uma certa involução que
explica, ao menos em certa medida, a recusa de Jesus como messias por parte da grande maioria
do Povo judeu. Do messianismo real os seus contemporâneos agarraram-se exclusivamente ao
aspecto temporal e político. Em contrapartida, a figura do messias paciente será esquecida por
completo. Assim, Jesus defraudou as espectativas dos seus contemporâneos ao orefecer uma
imagem de messias purificada das realidades políticas que a haviam revestido. Ele foi descendente
de David e admitiu a aclamação “Filho de David” mas recusou a concepção corrente de messias.
Transladou a concepção do reino a um plano espiritual, renunciando a uma realização do mesmo
inspirada no poder, prestígio e êxito humano. Nem sequer se lhe atribuiu o papel glorioso do filho
do homem de Daniel, excepto a Sua vinda definitiva. Em resumo, Jesus deu a preferência à
figura messiânica do “Servo” descrito por Isaías, à qual permaneceu fiel durante toda a Sua
existência, até à cruz, porque viu na humilhação e no sofrimento o único caminho eficaz para dar
a salvação aos homens. O messianismo conduz, pois, a Jesus Cristo, mas não por caminhos
humanamente previsíveis. Tanto mais que só fala de modo convincente o que vê os
acontecimentos com os olhos da fé. (“crede ut intelligas”, crer para compreender).
O anúncio da salvação por Jesus inicia-se em ambiente palestino. Desse testemunho não nos
chegou nada directo, já que todas as fontes neo-testamentárias se elaboraram num ambiente
cultura helenístico. ...mas nestas é possível perceber o eco da pregação mais antiga, recolhido em
algumas formulações de fé que remontam aos começos. Trata-se de “cristalizações” da pregação
primitiva, cujo objecto é primordialmente a morte e ressurreição de Jesus.
KERIGMA
A primeira referência são os discursos nos Actos, que anunciam sobretudo a ressurreição e
glorificação de Jesus de Nazaré. É paradigmático o discurso de Pedro no Pentecostes. Ao Jesus
que foi condenado à morte, Deus o ressuscitou (Act 2, 32.36) e o proclamou Senhor, ou
seja, participante da omnipotência divina, e Messias, consagrado para uma missão
salvífica (Act 2, 33); portanto é Deus e salvador do Homem. Esta formulação de Pedro não
está preocupada em definir a identidade de Jesus, e muito menos a Sua pré-existência. O que se
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sublinha é, em contrapartida, a transformação do homem Jesus, constituído salvador do Homem.
Cristologia e soteriologia formam aqui uma unidade inseparável. O homem Jesus
transforma-se em salvador do Homem. Este texto, sem dúvida, espelha correctamente o
pensamento cristológico da pregação mais primitiva. À pregação mais antiga – ao Kerigma histórico
– pertence igualmente o texto de 1 Cor 15, 1-7. Nele recorda Paulo o que anteriormente já havia
anunciado, e que ele mesmo “recebeu”, a saber, a morte de Jesus “por nossos pecados”, Sua
sepultura e ressurreição, factos acontecidos todos eles “segundo as Escrituras”. Em Paulo a
atenção sobre Jesus está centrada também na actividade salvífica, mas sem perder de vista a
Sua identidade: apresenta-O como o Messias esperado de Israel...
HOMOLOGIAS
Estas fórmulas de exclamação (de repetição do mesmo conteúdo) da proclamação da fé em Jesus
Cristo são dos testemunhos cristológicos mais arcaicos. Ex: Jesus é o Senhor, é o Messias, o
Cristo.
CONFISSÕES DE FÉ
São prelúdios dos símbolos mais amplos dos séculos seguintes.
Em relação às Homologias, são mais articuladas e nascem a maioria das vezes num contexto
litúrgico baptismal.
“Cremos n’Ele que ressuscitou dentre os mortos a Jesus nosso Senhor, o qual foi condenado à
morte por nossos pecados e foi ressuscitado para nossa justificação”. (Rom 4, 22s). Entre estas
confissões de fé revestem suma importância as que intentam expressar a identidade de Cristo,
que é homem e Deus. Trata-se das primeiras esquematizações cristológicas... que desembocam
em Niceia e Calcedónia. Veja-se a este respeito o esquema segundo a carne – segundo o
espírito de Rom 1, 3s e 1 Ped 3, 18 (= “...foi condenado à morte na carne, mas vivificado no
espírito”).
HINOS CRISTOLÓGICOS
Finalmente, também os Hinos Cristológicos fazem parte da Cristologia mais antiga.
Provêm da liturgia da Igreja primitiva. Tentam celebrar o drama divino do redentor, que baixa do
céu para redimir os homens. São especialmente: Fil 2, 6-11; Col 1, 13.20. Seu ensinamento pode
resumir-se: O salvador é um com Deus e igual a Ele; é mediador da criação e da redenção; baixa
do céu para viver entre os homens, despojando-se de Seu poder; morre num acto de
obediência a Deus, sendo ressuscitado; realiza a reconciliação dos homens e do cosmos com o
mesmo Deus; finalmente é exaltado e colocado à direita de Deus. Esta é a cristologia dos
começos. Vejamos agora como se foi aprofundando nos ambientes culturais de então (palestino e
helenístico).
Desde o início a Igreja professa na pregaçãop e no culto a presença do salvador que é o messias,
Sua morte e Sua ressurreição “pelos pecados dos homens”, assim como a Sua unidade com Deus.
Aprofundar a compreensão deste núcleo revelado a fim de expressá-lo melhor e fazê-lo mais
acessível foi a tarefa a que se entregou a Igreja do século I, valendo-se das categorias
contemporâneas que lhes pareciam mais idóneas.
1. Âmbito pelestino
São três os principais títulos que a comunidade atribuiu a Jesus para designar a Sua dignidade
messiânica e divina:
- SENHOR (=Maran) – este título encontra-se no original arameu, e também no NT, num contexto
manifestamente litúrgico. Terá sido o termo geralmente usado para designar Jesus, atribuindo-lhe a
mesma dignidade de Yahweh. Assim pois, Maran indica aqui uma dupla função do Ressuscitado: a
exercida no presente em favor da Igreja e no final a de juiz de todos os homens.
- FILHO DO HOMEM – Refere-se ao que deve vir, para o juizo final. Nos sinópticos aparece
frequentemente na boca de Jesus. Tem uma dupla aplicação: às vezes refere-se à actividade
escatológica de Jesus (de acordo com o uso judeu do termo Dn 7), de que o juizo final de Mt 25,
31-46 é bem reflexo; outras vezes Filho do Homem remete à actividade terrena de Jesus, sendo
aqui o título afastado do uso judeu (ex: o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça, tem o
poder de perdoar os pecados, ...)
Em definitivo, o recurso ao duplo significado deste título, ao seu aspecto celeste e terrestre, é um
modo de expressar no ambiente palestino o mistério de Cristo, que é Deus e homem. Espelha a
união dos dois ministérios.
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A relação entre o homem futuro e o homem encarnado é aqui a mais estreita possível.
2. Âmbito helenístico
Quanto a esta Cristologia, sublinha-se nela o esforço por traduzir a cristologia, nascida no âmbito
palestino, em categorias acessíveis à mentalidade grega. Sem dúvida, os títulos vistos (Senhor,
Filho do Homem, Messias...) tinham diverso valor para um judeu ou para um pagão. No mundo
helenístico as categorias bíblicas eram desconhecidas. Sua atenção era dirigida à dimensão
ontológica da salvação que à funcional. Sem dúvida, toda a gnose grega não ofereceu os
conteúdos à fé cristológica, como estimavam a “História das Religiões” e Bultmann com sua escola.
A Igreja primitiva obteve conteúdos do ensinamento de Deus, aprofundado por meio de uma
releitura à luz do Antigo Testamento, releitura estimulada por este confronto cultural. LOGOS - Os
textos em que se inspirou foram sobretudo os sapienciais, nos quais se fala de uma
personificação da sabedoria de Deus e que ofereciam os instrumentos aptos para
apresentar Jesus como a sabedoria, o Logos do Pai feito pessoa. Assim, a passagem do
Kerigma do âmbito judeu para o pagão foi um salto notável. Mas, em geral, quando
passamos da cristologia chamada funcional à cristologia essencial ou ontológica, não temos de
buscar factores de evolução fora do ambiente judeu, se podemos encontrá-los no AT, na tradição
sapiencial. No ambiente helenístico se constituem gradualmente tradições escritas sobre Jesus, que
desembocaram por fim na redacção dos escritos neo-testamentários. Paralelamente advertimos
para a formação de diferentes cristologias (mais exactamente, de diferentes acentos da única
cristologia), que introduzem sublinhados diversos de acordo com os destinatários e o gênio
teológico dos redactores.
LUCAS - Recorre à maioria dos conteúdos de Mateus (têm a mesma “Fonte Q”). Antes de tudo,
Lucas enquadra a existência de Jesus no marco da história da salvação. Em consequência Cristo
aparece como o culminar da espera verteroestamentária, mas também como o princípio de um
novo período da história da salvação. Assim, só o encontro com o Ressuscitado aclara o sentido das
Escrituras (Lc 25, 45) e dá princípio à missão. Naturalmente, também Lucas aplica os títulos
tradicionais relacionando-os entre si. Cristo vai “unido” ao Senhor. Jesus é chamado Filho de Deus
desde a concepção (Lc 1,22). Mas também são relevantes os títulos próprios de Lucas: o de
Salvador, Benfeitor e Autor da Vida (Act 3, 15) e da salvação (Act 5, 31). Esta série de títulos
sublinham especialmente a bondade de Jesus. Por isso Lucas é o Evangelho parenético (mostra
Cristo próximo) e o Evangelho da Misericórdia (com os pecadores, pobres, humildes). Jesus,
particularmente em Lucas, é imagem do Pai, de um Pai infinita e inesperadamente misericordioso.
4. A Cristologia de Paulo
6. Observações finais
MODELOS CRISTOLÓGICOS
No respeitante à surpreendente riqueza das formulações escriturísticas que, à luz da fé, foram
ocorrendo, chama-se modelos cristológicos, ou seja: modelos expressivos, que partindo de
momentos particulares da experiência com Jesus, tendem a uma interpretação global de Sua vida e
pessoa. Ao modelo mais antigo podemos falar “de dois estádios” ou “de dois focos”. Tem dois
centros, nos quais gira toda a apresentação de Cristo; são eles: a Sua condição terrena e a Sua
condição gloriosa. Encontramos este modelo na pregação primitiva mencionada nos Actos.
...Além disso, encontram-se duas articulações deste esquema: no ambiente palestino recorre-se
ao Filho do homem terreno e ao Filho do homem celeste que virá para o juizo final (base: Dan 7); ao
passo que o ambiente helenístico, próximo de Paulo, confronta o rebaixamento de Jesus pela
obediência até à morte de Cruz e Sua exaltação da parte de Deus (Fil 2, 6-11) (base: cantos do
Servo). Todavia estão mais elaborados os modelos cristológicos de três estádios, que: ao estádio da
vida terrestre e ao da vida celeste de Jesus, juntam o da pré-existência. Pertence a este
esquema sobretudo a cristologia referente à presença activa de Cristo como mediador da criação,
como o “primogénito de todas as criaturas”, ou como palavra eficaz de Deus (o Logos), que desde
o princípio do mundo está junto a Deus. Surgido em ambiente judeu-helenístico, este modelo vale-
11
se de uma terminologia diversa das precedentes, e utiliza títulos como o Logos (Jo 1,1), o
primogénito e a “imagem de Deus invisível” (Col1, 15), a “natureza” de Sua substância e a
“irradiação” de Sua glória (Heb 1,3). Análogo a este é o esquema que sublinha a pré-existência
de Cristo na glória do Pai e lê os mistérios da vida de Cristo como revelação de tal glória e do
desígnio salvífico divino. A realização mais perfeita deste esquema vê-se em João, especialmente
ali onde o ser levantado na cruz é identificado com a elevação à glória (a Carta aos Hebreus é
espelho claro modelo).
ESTES DOIS ÚLTIMOS MODELOS TÊM SUA ORIGEM PROVAVELMENTE EM AMBIENTES JUDEO-
HELENÍSTICOS.
UD 2. Cristologia Histórico-Dogmática
I. Entre a fé da comunidade cristã primitiva, “contida” no NT, e a fé actual da Igreja não existe um
vazio, um hiato: entre as duas está a fé das gerações cristãs que se sucederam até nós. Fé que
se empenhou constantemente em re-actualizar o discurso bíblico nas diferentes situações
culturais com as quais se encontrou nas diversas épocas da história da Igreja e da humanidade,
no “esorço” de levar a todos os homens a mensagem de Cristo. Os modos em que essa fé se
exprimiu são múltiplos: profissões de fé, fórmulas litúrgicas, intervenções dogmáticas, homilias,
catequese, reflexão teológica, etc. = TRADIÇÃO, isto é, tudo o que a Igreja é e faz.
II. O conhecimento dessa fé e das suas diversas expressões deve ser aprofundado não
superficialmente para...
- por um lado “receber” e entender as riquezas da fé apostólica postas em relevo e
“iluminadas” pelos desenvolvimentos posteriores da reflexão crente – riquezas a valorizar na sua
globalidade;
- por outro lado, precisar os eventuais limites presentes no trabalho de re-actualização realizado
ao longo dos séculos em ordem a superá-los, na medida do possível, numa re-actualização em
que a Igreja de hoje esta empenhada.
III. Assim, o seguir-se agora esta “PARTE HISTÓRICO-DOGMÁTICA” como última parte da
Tradição por nós recebida e da qual nos tornamos também sujeitos como comunidade
continuamente criada pelo Espírito de Jesus, morto-ressuscitado.
2.1. Patrística
NB: Uma vez que a Patrística é o período das grandes controvérsias cristológicas e das
intervenções dogmáticas mais significativas em relação ao mistério de Cristo... faremos nesta
época uma análise mais profunda que nas restantes épocas.
- quer dos meios judaicos e pagãos escandalizados com a confissão de Jesus como Messias,
Filho de Deus e Deus,
- quer das diversas gerações heréticas cristãs numa atitude sincretista como os gnósticos
numa atitude “integrista” que punha em causa a realidade da salvação.
A resposta a estas questões devemos procurá-la nos escritos de alguns Padres da Igreja em que a
Igreja se reconheceu.
Questões que podemos agrupar em três blocos:
- Jesus Cristo, Verdade das Escrituras (2.1.1.1.)
- A verdade da carne humana de Cristo (2.1.1.2.)
- A Verdade da concepção virginal de Jesus (2.1.1.3.)
2.1.1.1. Jesus Cristo, Verdade das Escrituras (argumento profético)
3.1.1.2. A Verdade da carne humana de Cristo (carne no sentido mais joânico que
paulino)
- Séc. IV
O Concílio de Niceia rejeita a solução “fácil” de Ario: afirmando a “HOMOOUSIA” do filho com o
Pai, impõe a necessidade de:
- por um lado, reler toda a temática da “unidade” de Deus à luz da economia salvífica;
14
- por outro lado, ligar essa mesma economia com a vida “imanente” de Deus de modo
que o Logos coincidia verdadeiramente com o Verbo eterno do Pai.
EM SUMA:
A intenção fundamental de Niceia é negar a negação ariana da divindade de Jesus Cristo: no
anátema final condenam-se precisamente as expressões mais características de Ario referentes ao
Filho.
A afirmação de Niceia da consubstacialidade do Filho com o Pai deve ser “composta” com o
sublinhar da reflexão crente anterior em polémica com os gnósticos da verdade da
humanidade de Cristo e da unidade n’Ele entre a dimensão divina e humana. Esta unidade após
Niceia não podia mais ser entendida de modo a comprometer de algum modo a divindade do
Filho. É precisamente aqui que se insere o discurso cristológico de Apolinário de Laodiceia: com ele
ganha claramente relevo o “problema cristológico” em sentido pleno.
1
Cf. FORTE, Bruno, o.c., p 131.
15
A posição de Apolinário encontrou imediatamente várias oposições (Sínodo de Alexandria
convocado por ATANÁSIO em 362; intervenções de Dâmaso, Papa de Roma entre 374-378, 1º
Cânone do I Concílio de Constantinopla 381
= SÍMBOLO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO em 381).
Nestas intervenções é de realçar que o tipo de argumentação adoptado não se preocupa em refutar
o fundamento “lógico” do raciocínio de Apolinário; o princípio usado é o soteriológico = “para
que a nossa salvação seja verdadeiramente integral é necessário que Cristo seja
plenamente Deus e plenamente Homem, sem limitações de nenhum tipo”. Isto pode tornar
mais complexa a tentativa de compreensão racional do mistério, mas não é por isso que o dado da
fé (no caso a realidade da carne de Jesus Cristo) deve sofrer simplificações e reducionismos.
Ligadas à discussão referente à cristologia apoliniarista surgem com clareza as duas orientações
diversas na linha do mistério de Cristo que nascem e se consolidam neste século e permanecerão
depois em tensão dialética entre si: de um lado a Escola de Alexandria, de outro a de
Antioquia.
A) ESCOLA DE ALEXANDRIA
Tem um sentido muito vivo da missão do Verbo na incarnação, do seu envolvimento na história
da salvação: o relevo é no sentido de afirmar a verdade da economia, isto é, da vinda do Filho
na história. Isto leva a sublinhar no homem Jesus Cristo a realidade da Sua dimensão divina
sem dedicar muita atenção à plenitude do humano – falar-se-á do Logos que assume uma
carne humana (lendo o mistério de Cristo segundo o chamado esquema Logos – Sarx), mas sem
se precisar ulteriormente a consistência dessa “carne”. Nesta perspectiva, a humanidade de
Cristo constitui com o Verbo um único ser, não tem nenhuma autonomia perante ele, existe e
subsiste enquanto constitui um único ser com ele – é apenas o lugar de agir do Verbo que este
reveste incarnando-se. Por outras palavras: O sublinhar da plenitude da divindade do
salvador e do seu empenhamento na história não se liga com facilidade à afirmação da plenitude
da sua humanidade; nesta perspectiva, soteriologia é incarnação - divinização (ex. Anatais)
B) ESCOLA DE ANTIOQUIA
Na visão antioquena, a insuficiente atenção à dimensão humana de Cristo por parte de Alexandria
é vista como potencialmente comprometedora da sua “homoousia” com o Pai: se o Verbo
tem a função de subtrair algo que falta à humanidade de Jesus Cristo, não se vê como a definição
de Niceia, que afirma a plena divindade do Filho, possa ser tomada na sua integridade. Daí o
evidenciar, próprio de Antioquia, do humano de Jesus Cristo = a verdade da incarnação será
entendida sobretudo no sentido de sublinhar a plenitude do homem Jesus, não só da Sua
“carne” (lendo o mistério de Cristo segundo o chamado esquema “Homo assumptus”), a Sua
perfeição, o Seu tornar-se um de nós. Não se quer pôr em dúvida ou diminuir a união íntima
entre o Verbo e o homem, mas quer-se sublinhar a humanidade real e plena de Cristo: Ele é
dotado de corpo e alma e não só de “sarx”, capaz de decisões humanas distintas do querer divino.
Por outras palavras: Perspectiva muito mais atenta à plenitude em Cristo de ambas as dimensões –
humana e divina -, do que as de Apolinário e Atanásio; a soteriologia é incarnação – imortalidade
(...)
(ex. Teodoro de Mopsuéstia. Este, reagindo contra Apolinário acerca da unidade de Cristo
contrapõe-lhe outros termos: “em Cristo há duas ‘naturezas’ indissoluvelmente unidas entre
si de tal modo que há uma só hipóstase e ‘prosopon’.” Vemos que esta fórmula antecipa a de
Calcedónia).
O perigo desta perspectiva é dividir Cristo sem dar razão da sua unidade – NESTÓRIO: → versão
herética da cristologia antioquena (= CIRILO DE ALEXANDRIA chama-lhe o Pai do Nestorianismo e
como tal foi condenado pelo II Concílio de Constantinopla em 553.)
Esta carta suscita o desdenho dos Bispos “orientais” (= pertencentes às dioceses do Império
do Oriente e dependentes do patriarcado de Antioquia), pelo que se inicia uma polémica entre
Cirilo e os Orientais que nunca aceitarão subscrever os 12 anatemismos alexandrinos,
especialmente o IV.
Entretanto, (19 Novembro de 430) o Imperador Teodósio II, sob sugestão de Nestório, convoca
para Éfeso um Concílio a abrir no Pentecostes do ano seguinte (7 Junho de 431).
É conhecida a acção decisiva de Cirilo que deu início aos trabalhos em 21 Junho. Faltavam
todos os Bispos orientais e legados papais: os primeiros chegaram a 26 Junho e os segundos
no início de Julho. Este facto determinou a reacção de João de Antioquia e seus sufragâneos –
surgiu um Cisma. Os legados papais aprovarão a decisão do Concílio de Cirilo a 11 Julho
431.
Não é fácil apreender o sentido do pronunciamento conciliar, pois ele não se exprimiu através de
verdadeiras e próprias definições (= falta uma descrição precisa quer da doutrina que se quer
defender quer da heresia que se quer condenar).
Temos uma sentença sinodal contra Nestório, acusado genericamente de ter “blasfemado
contra Cristo”. A esta sentença juntam-se as duas cartas “dogmáticas” – a de Nestório e a de
Cirilo (contrapondo-as com a fé de Niceia e declarando não conforme a primeira e
conforme a segunda: esta á lida e solenemente aprovada.
EM SUMA:
Parece dever dizer-se que Éfeso afirma que se está na ortodoxia, todavia quando e só se afirma
que no Verbo incarnado se dá uma verdadeira unidade entre a dimensão humana e a divina,
unidade que tem como sujeito último o Logos eterno do Pai, o próprio Deus Verbo – pelo
qual este “veio verdadeiramente na carne” e nasceu de Maria a qual, por isso, pode legítima e
obrigatoriamente ser chamada THEOTÓKOS (= Mãe de Deus): neste sentido a posição de
Nestório é rejeitada.
- Perante o Cisma (os orientais não aceitaram Éfeso), o Imperador Teodósio II pensou pôr-lhe
fim mandando prender e depor Nestório, Cirilo e o Bispo de Éfeso, mas não se chegou a nada.
O representante do Imperador, após uma iniciativa de conciliação, tornada inútil pelos orientais,
com João de Antioquia à cabeça, requer às duas partes uma breve exposição da sua fé: não se
conservou a dos cirilinos mas sim a dos orientais. Essa exposição de fé esteve já pronta em
Éfeso antes dos Bispos voltarem às suas dioceses e servirá de base, através de laboriosos
tratamentos, para o DECRETO DE UNIÃO de 433.
17
- Esse Decreto é importante para a compreensão exacta do dogma de Éfeso, de que se pode
considerar explicação autêntica; nascido em ambiente antioqueno será subscrito e aceite
por Cirilo.
O texto procede baseado no símbolo de Niceia a que não quer juntar mais nada, apenas dar
uma explicação.
É afirmado que Maria é “MÃE DE DEUS” e sublinha-se a unidade em Cristo (“um só Cristo,
um só Filho, um só Senhor”); todavia, o modo de falar é concreto no sentido de que o “sujeito
de atribuição” mais que o Verbo pré-existente, é o Filho incarnado. Por isso, em primeiro plano
está a distinção entre o humano e o divino – deste modo a perfeição do homem (assumido) pode
ser afirmada claramente (fala-se de “Deus perfeito e homem perfeito...”; de duplo nascimento;
de dupla consubstancialidade).
Cirilo aceita a correcção formal do IV Anatemismo: dos atributos referidos a Cristo pela
Escritura, alguns podem ser referidos à Sua humanidade, outros à Sua divindade.
- De certo modo era previsível que as concessões feitas por Cirilo ao subscrever o Decreto de
União resultassem problemáticas para quem se empenhara a defender com vigor
especialmente os anatemismos de Cirilo: de facto o patriarca de Alexandria bem cedo foi
obrigado a defender-se da acusação de nestrorianismo pelos extremistas do seu próprio
“partido”.
- Por volta dos meados do século V a atmosfera estava de tal modo envenenada, politizada e
carregada, que bastou uma faísca para fazer explodir tudo. A faísca foi EUTIQUES, monge de
Constantinopla, favorável a Cirilo, que recusou o símbolo da reunificação (= Decreto de
União) e acusou de Nestorianismo os defensores de tal símbolo.
- Obrigado a tomar posição contra ele devido a uma denúncia do Bispo Eusébio de Dorileia,
Flaviano, patriarca de Constantinopla, teve de proceder canonicamente chamando-o a
julgamento perante o Sínodo da cidade; Eutiques fez todo o possível para não se apresentar, até
que, em 448 o Sínodo condenou-o e depô-lo (NB: as actas desse Sínodo estão conservadas
juntamente com as de Calcedónia.)
.Negativamente excluir alguns erros cristológicos principais (doutrina que divide Cristo e
recusa Theotókos = Nestório, e doutrina que confunde a natureza e falando duma só
natureza (divina, Monofisismo) pretende dizer que a natureza divina de Cristo sofreu = Eutiques;
. Positivamente sublinhar a unidade em Cristo e a ligação entre teologia e
economia, entre Jesus de Nazaré e o Verbo eterno do Pai – isto sem atacar, antes afirmando, quer
a transcendência do Verbo quer sobretudo a consistência da sua humanidade (é o que
aparece na profissão de fé).
* DEFINIÇÃO OU PROFISSÃO DE FÉ
- Um único e longo período, cheio de articulações que se pode dividir em duas partes:
1ª parte = mais imediata e decisiva
2ª parte = mais elaborada, mais técnica
1ª PARTE
Baseada no Decreto de União e “Tomus Leonis”, mas a repetição de “um e o mesmo” mostra
claramente a vontade de centrar todo o discurso no Filho, que é Jesus Cristo.
Não se parte de Jesus Cristo para depois o relacionar com a Trindade, mas o que está em primeiro
plano imediatamente é o filho unigénito – este é o sujeito último e unitário da total e
íntima realidade de Cristo na Sua complexidade – neste sentido a lição de Éfeso (e neste caso
uma das instâncias mais profundas de Alexandria) foi recebida em profundidade. Todavia aqui a
unidade em Cristo está claramente ligada à afirmação da realidade de ambas as suas dimensões
constitutivas, especialmente realçando a realidade da Sua humanidade → daí o proceder-se
por paralelismos antitéticos; e é neste contexto que é mencionada a dupla consubstancialidade
(=/= Monofisismo de Eutiques). Este realce é confirmado pela
2ª PARTE
Onde o Concílio opera também precisões de tipo terminológico. NB: As fórmulas técnicas (=
dogmáticas) são conclusões dum longo discurso anterior e devem ser compreendidas à luz de
todo o desenvolvimento precedente da reflexão cristológica e das fórmulas através das
quais se exprimiu = certa linguagem comum para exprimir sem desvios e sem reducionismos a
complexidade do mistério de Cristo. Essa complexidade pode ser articulada assim:
Cristo é um único ser (uma Pessoa) concretamente existente (para exprimir esta unidade dir-se-
á: em grego: “prósopon” ou “hypóstasis”; em latim: “persona” ou “substância”) em que estão
contemporaneamente presentes duas dimensões diversas, a divina e a humana, cada
uma dotada de caracrerísticas próprias que não se confundem mesmo após a união (para
indicar estes dois complexos diversos de propriedades dir-se-á: (duas naturezas) em grego: “duos
fúsis”; em latim: “duae naturae”); esta presença simultânea ou com-presença das duas
naturezas numa única pessoa deve ser entendida de modo a evitar toda a divisão em Cristo
e toda a fractura ou corte entre a vida imanente de Deus e a economia salvífica (é o sentido dos
dois advérbios: em grego: “adiairétos, achoristos”; em latim: “indivise, inseparabiliter”), mas
também sem atacar a transcendência do Verbo ou a consistência da Sua humanidade (é o
sentido dos dois advérbios: em grego “atreptos”; em latim: “inconfuse”). Estamos assim na
fórmula de Calcedónia: “uma pessoa, duas naturezas”; os célebres advérbios acabados de
referir que se seguem à expressão “en dúo fúsein” realçam o distanciamento do Concílio
quer em relação à leitura Eutiquiana (= ”inconfuse”) quer em relação à leitura
nestoriana (= “indivise”) do mistério de Cristo.
(Identidade na Contradição)
- Deste modo o Concílio fixa o vocabulário teológico, tal como por volta de 360 fora fixado o
vocabulário trinitário...
19
Esquematizando muito, poder-se-á dizer que a teologia alexandrina, sublinhando a única
hypóstase levava à afirmação de uma única natureza (= “fúsis”), enquanto a teologia
nestoriana, evidenciando as duas naturezas levava á afirmação de duas pessoas.
Superando estas duas teologias e libertando de todo e qualquer equívoco o vocabulário
por elas utilizado, o dogma de Calcedónia afirma uma pessoa ou hypóstase em duas
naturezas: o Filho de Deus é, Ele mesmo, Filho de Maria; o Verbo incarnado é
contemporaneamente Deus verdadeiro e Homem verdadeiro.
(= UNIÃO HIPOSTÁTICA)
- Os acontecimentos após Calcedónia mostram que foi difícil a sua “recepção” pelas diversas
componentes do mundo cristão:
Componentes:
- Calcedónia: escolha entre fé de Cirilo (Éfeso) e a fé de Leão Magno
- Consciência de não se ter à mão uma síntese profunda entre as escolas de Alexandria e
Antioquia.
Por isso, a nova terminologia de Calcedónia não foi um factor de precipitação...
→ Podemos dizer então que após Calcedónia emergem as tensões fundamentais dos
séculos precedentes, tendo agora como ponto de referência Calcedónia; especialmente no
Oriente três situações diversas:
→ MONOFISISMO
Fenómeno ligado ao mundo oriental, especialmente monges do Egipto e da Síria, que rejeita as
fórmulas de Calcedónia e do “Tomus Leonis” (e como tal da Cristologia antioquena) para
permanecer fiel à terminologia e perspectivas de Cirilo.
É uma cristologia fundamentalmente ortodoxa na substância (= a sua referência não é
Eutiques mas Cirilo – e Cirilo dos 12 anatemismos, especialmente o IV) → ser cismática
na forma (= opõe-se ao discurso de Calcedónia que considerava nestoriano ao falar de duas
naturezas) = para esta Cristologia monofisista “fúsis” (= natureza) – “hipóstasis – “prósopon”
(= pessoa) são totalmente sinónimos e com o sentido de realidade concreta, individual com uma
existência própria.
→ CALCEDONISMO
Propõe-se ser fiel ao Concílio, aprofundando as suas perspectivas e terminologia: distinção
“fúsis” (= natureza) – “hypóstasis” (= pessoa) tendo como pano de fundo o espaço análogo de
Basílio e Capadócios para o dogma trinitário = então o ponto de partida é a terminologia
trinitária pelo que “ousia” e “fúsis” (= natureza) equivalentes se contrapõem a
“hypóstasis” e “prósopon” (= pessoa). O problema é entender em que sentido a natureza
humana de Cristo (que não é natureza em geral mas natureza humana de um indivíduo
concreto) não é também ao mesmo tempo pessoa.
Um dos representantes é Lecônio de Bizâncio que integrou na definição de pessoa não só o
conjunto das características individuantes (= o que distingue um indivíduo de outro da mesma
natureza) mas também o existir de modo autónomo (= o facto de uma realidade existir “per
se” autonomamente).
→ NEO-CALCEDONISMO
(com o 2º Concílio de Constantinopla)
Fenómeno que provoca um ponto de encontro entre a fórmula de Calcedónia e os
Anatemismos de Cirilo através duma certa “recusa” – distanciamento da fórmula de
Calcedónia (e como tal de Antioquia, e do Nestorianismo).
O Imperador Justiniano quis impô-lo a toda a Igreja através do 2º Concílio de Constantinopla.
2.1.11. MONOTELISMO
NB: Falando de “Cristologia Patrística” o termo é tomado no sentido mais amplo, isto é,
referido à figura e obra de Cristo em toda a sua globalidade. Ora as apresentações
tradicionais da cristologia patrística distinguem aspecto CRISTOLÓGICO propriamente dito (=
relativo á pessoa de Cristo considerada em si mesma – unidade e “composição” em Cristo,
a relação n’Ele entre natureza humana e divina) e aspecto SOTERIOLÓGICO ou redentor (=
relativo ao modo como os Padres entendem e apresentam a acção e obra salvífica de Cristo) →
“cristologia” e soteriologia adequadamente distintas. Mas, essa distinção é inadequada ao
transferi-la para os padres: eles não tiveram preocupações “ontológicas” totalmente
autónomas em relação ao anúncio da salvação definitivamente realizada em Cristo. Essa
distinção é retroprojectar à partida esquemas ligados especialmente à sistematização dos manuais.
Como vimos, a perspectiva económico-salvífica é dominante nos padres, e isso constitui um
dos elementos mais característicos da continuidade entre o discurso neo-testamentário e o
discurso patrístico.
NB: Não que o esforço de precisão ontológica seja por si mesmo desvio: esse esforço é antes
obrigatório se se quer que as afirmações tenham um fundamento real; o certo é que as categorias
concretas do pensamento disponíveis nesta época para aprofundar a revelação de Deus em Jesus
Cristo estão marcadas pela radical oposição Deus-Cosmos e fundamentalmente fechadas à
história e como tal pouco aptas para dar plenamente razão à originária dimensão económico-
salvífica do mistério de Cristo.
Sob este ponto de vista as contínuas oscilações entre as escolas de Alexandria e Antioquia
na leitura do Filho de Deus feito homem resultam claramente dum certo dualismo:
ALEXANDRIA:
mais divindade e unidade do Verbo e menos verdade da Sua carne, da Sua história
ANTIOQUIA:
mais plena humanidade e historicidade e menos divindade e unidade
(a este propósito...)
→ Não se esqueça que após Niceia o fundamento global do discurso cristológico tende a
colocar-se progressivamente no Verbo pré-existente e não em Jesus de Nazaré:
Esquematizando esta afirmação em confronto com o NT:
NT PATRÍSTICA
Especialmente pós-Niceia
Protagonista da EXALTAÇÃO Protagonista da PRÉ-EXISTÊNCIA
(Mistério Pascal – Ressurreição)
→ KENOSE → KENOSE
→ PRÉ-EXISTÊNCIA → EXALTAÇÃO
é Jesus de Nazaré é o Verbo “Homoousios”
Charneira: Páscoa Charneira: Origem absoluta
3º Quer a reflexão sobre “quem é Deus” quer a reflexão sobre “quem é o homem” vão
perdendo a sua referência cristocêntrica, isto é, ao mistério de Jesus feito homem, e vão
sendo evidenciados os problemas da com-presença em Cristo da natureza humana e da
divina (não relidas cristologicamente) e as interrogações sobre o modo da sua unidade,
diminuindo a atenção de colher no acontecimento histórico de Jesus de Nazaré a revelação
definitiva quer de Deus quer do homem, quer a humanidade quer da divindade.
EM SUMA:
A linha de desenvolvimento vai em direcção des-historicizante e como tal menos capaz de dar
plenamente razão ao contexto económico-salvífico originário.
A precisão terminológica para dizer correctamente o mistério de Cristo (“dupla
consubstancialidade”, “uma pessoa”, “duas naturezas) é um elemento de clareza e progresso
mas também pode contribuir para uma metafisicação do discurso (ex. O que aconteceu após
Calcedónia = mais contexto semântico de tipo filosófico-metafísico que económico-
salvífico).
II. Todavia, este elemento perturbador permanece como tal, isto é, perturbador: não altera
radicalmente o quadro que permanece fundamentalmente bíblico-neotestamentário; nos
Padres o recurso directo à Bíblia (cuja exegese era dinâmica), a profunda ligação entre vida
litúrgica, catequese e reflexão teológica faz com que o seu quadro esteja em contacto directo
com o horizonte histórico-soteriológico da revelação cristã.
23
Particularmente, também as tomadas de posição conciliares que intervêm contra erros
cristológicos específicos, devem ser mantidas neste contexto mais vasto em que nasceram e do
qual se alimentam, ainda que a sua importância faça delas pontos de referência privilegiados.
Então...
RETORNO AOS PADRES (= Refontalização)
=/= repropor simplesmente as suas formulações ou repetir sem mais as suas argumentações
= recuperar, tendo em conta todo o seu trabalho, quer a originalidade, quer a vitalidade
(no sentido também de capacidade de adaptação) do anúncio do Evangelho.
(a nossa fé actual só pode ser compreendida como resultado dum longo processo histórico, pelo
que o esforço de a tornar novamente significante num contexto cultural em tantas coisas novo
e inédito como o nosso não pode prescindir dum trabalho paciente de reconstrução das
diversas etapas que nos precederam – nesta perspectiva a época patrística, tendo em conta
particularmente a importância e o peso dos pronunciamentos dogmáticos nela acontecidos,
goza sem dúvida duma posição e representatividade peculiares.)
Mas o ponto de referência último permanece o discurso bíblico, a fonte comum em que os
Padres também beberam continuamente.
É sabido que é durante a Patrística que a mensagem cristã passou do âmbito cultural
hebraico, onde nascera, para o âmbito cultural grego, onde se difunde progressivamente, com
tudo o que isso comportou.
Se por “helenização” se entende “inculturação” então deve dizer-se que não só foi legítima como
obrigatória já que o Evangelho deve ser anunciado a todos os homens, povos e culturas;
anúncio que tem de fazer suas as interrogações, as questões que o ouvinte coloca, procurando
responder-lhe adequadamente – se a mensagem bíblica não é um mero “depósito de verdades” a
conservar, mas uma palavra de vida, que precisamente para permanecer como tal deve ser
anunciada e vivida pela Igreja de cada tempo e espaço, então a tarefa de re-actualizar essa
mensagem é imprescindível para as comunidades cristãs de cada tempo e espaço –
desde que tudo isso não se torne “cedência” para com a cultura, isto é, desde que não se
perca nada da novidade, da plenitude, da originalidade, do “definitivo” (essencial) do discurso
cristão.
(A TER PRESENTE EM TODAS AS ÉPOCAS E ESPAÇOS:) Então, uma correcta hermenêutica não
consiste no simples confrontar as afirmações bíblicas sobre o mistério de Cristo com as dos Padres
e ver o maior ou menor distanciamento. Uma correcta hermenêutica é um caminho mais complexo:
o confronto com a Bíblia deve ser feito mas só após um prévio aclarar do significado duma
determinada afirmação, expressão, terminologia, perspectiva no período em que surgiu e na
cultura donde foi assumida:
Ex. “Homoousios”: 1º, ver o uso do termo na reflexão patrística e confrontá-lo com o uso
corrente de então
2º, só depois é possível saber se foi mais ou menos fiel ao dado bíblico.
NB: Não é o uso de conceitos que pode levar a dizer se houve ou não “helenização” entendida
em sentido negativo como traição ao Evangelho, isto é, assunção a-crítica feita pelos Padres da
cultura ambiente com a consequente perda de muitas das riquezas da visão bíblica – isto
aconteceu mais nas heresias = adesão formal e não existencial ao dado global da fé, é preciso
analisar e compreender todo o processo que levou à introdução deste ou daquele
conceito ou à criação de certas fórmulas de fé.
Mas...
IV. Todo este trabalho não se opõe à “definitividade” das tomadas de posição conciliares
que examinámos; esta “definitividade” é de afirmar e sublinhar mas tendo em conta a
natureza própria das intervenções conciliares antigas. A intenção fundamental dos conceitos
não foi primariamente apresentar uma visão exaustiva do problema de vez em quando em
questão e menos ainda tomar posição sobre o dado geral do NT; O seu fim primário era opor-se
às heresias, fechando definitiva e inequivocamente pistas erradas da reflexão que não
respeitavam a globalidade do discurso revelado = = não se tratava de definir adequadamente
o mistério, antes excluir com clareza toda e qualquer redução indevida → para o representar
intacto no seu todo. Sob este ponto de vista, tenha-se presente o Proémio da definição de
Calcedónia: os Padres conciliares ter-se-iam limitado a realçar, a reforçar a fé de Niceia,
se não tivesse sido necessário tomar posição sobre as heresias Monofisista e
Nestoriana. Também em Niceia: negar a negação ariana e não o de aprofundar
exaustivamente o mistério das relações entre o Pai e o Filho. Éfeso não tem uma profissão de fé
própria: intervém para excluir o erro de Nestório.
24
Então, o que é a definição conciliar antiga na sua essência?
→ é algo de negativo: indica o que num dado contexto é visto pela Igreja como
incompatível com a compreensão do dado revelado – não pretende nem exprimir
positivamente toda a compreensão da Igreja até esse momento sobre o mistério de Cristo; nem
todas as implicações que o dado contém objectivamente em si; nem um carácter profético em
relação a futuros desenvolvimentos ou futuros erros.
→ Entretanto, enquanto negação duma negação (= heresia: limite e negação da
globalidade do dado) a definição dogmática é de facto positiva:
revela todo o seu conteúdo positivo em relação à tradição, precisamente neste fechar as
falsas aberturas no caminho da fé... o que significa que no futuro nunca mais se poderão
repropor soluções condenadas pelos Concílios, antes será obrigatório refazer-se de modo
cada vez mais aprofundado à mensagem bíblica que os próprios concílios na sua situação cultural
e eclesial se empenharam em salvaguardar de todas as interpretações redutoras.
daí
2ª - Homem Jesus =/= Puro homem adoptado por Deus (=/= adopcionismo)
= O Logos eterno, consubstancial ao Pai, e cuja relação com o mundo e a história não é à
custa da Sua divindade mas composta com ela.
A reflexão pós-Niceia precisará essa relação das duas dimensões através:
-Ou de esquemas dualistas: o que é dado a uma é subtraído à outra e vice versa
- Ou de modelos previamente dados:
. Modelo puramente antropológico (corpo-alma no homem – humanidade-divindade em Cristo) o
que não ajuda a plenitude da humanidade e põe em perigo a transcendência do Verbo;
. Ou Modelo Estóico (compenetração das naturezas)
Toda esta discussão, só concluída com o 3º Concílio de Constantinopla, será um progressivo
adquirir de clareza da verdade da seguinte afirmação:
NA ÚNICA REALIDADE QUE É O FILHO DE DEUS FEITO HOMEM, QUE NÃO É NEM INFERIO R AO
PAI NEM REALIDADE INTERMÉDIA ENTRE DEUS E O COSMOS (contra o modalismo), O SEU
SER DEUS E O SEU SER SIMULTANEAMENTE PARTICIPANTE DA NOSSA HISTÓRIA COMO HOMEM
NÃO DEVEM SER VISTOS COMO CONCORRENCIAIS, MAS AMBOS PLENAMENTE PRESENTES
EM UNIDADE EM CRISTO, NO SENTIDO DE QUE PRECISAMENTE NELE A PRESENÇA DA PESSOA DO
VERBO DEVE ENTENDER-SE COMO O FUNDAMENTO ÚLTIMO DA PLENA CONSISTÊNCIA DO SEU
SER HISTÓRICO COMO NÓS, DA SUA CONSUBSTANCIALIDADE CONNOSCO E NÃO EM OPOSIÇÃO A
ELA.
Em jogo está não só a composição de Cristo mas todo o Seu mistério.
...ETAPAS PRINCIPAIS DA PROGRESSIVA COMPREENSÃO DESTA VERDADE:
O “manifesto” desta teologia é representado pelo famoso prefácio de ABELARDO no seu “Sic
et non”: não mais a contemplação da visão de conjunto, mas sim o aprofundamento
analítico das questões particulares...
→ “quaestio” = interrogação sobre o “porquê”, sobre a “ratio”.
Parte I – De Deus
Parte II – Do movimento da criatura racional para Deus
PARTE III – De Cristo, que, enquanto homem, é para nós o caminho para subir a Deus
Esta parte III da Suma Teológica é, então, dedicada ao discurso cristológico e a sua
perspectiva de fundo é soteriológica:
.De um ponto de vista geral, o Doutor Angélico parte da consideração da unidade de Cristo – o
ângulo de cisão é profundamente unitário = em primeiro plano está a realidade de Cristo como
um todo sintético e indiviso (q. 2) e só depois passa à análise das diversas componentes
(qq. 3-15); assim, podemos falar de proximidade com a perspectiva da Escola de Alexandria da
leitura da realidade global do Verbo incarnado = o acento é colocado na unidade do Logos
tornado Carne, na ligação profunda existente entre as diversas dimensões do mistério do Filho de
Deus feito homem – isto é confirmado pela concepção tipicamente tomista que vê na
humanidade de Cristo o “instrumentum” (“organon”) da divindade. Note-se que isto não
significa uma valorização menor da realidade da humanidade do Filho de Deus feito homem: é que
o trajecto de Tomás de Aquino na sua reflexão foi o de dar cada vez mais realce à
plenitude e autonomia da dimensão humana do Verbo incarnado.
2.2.3. Anselmo de Aosta (onde nasceu em 1034) ou de Cantuária (onde faleceu em 1109).
Autor
que é central para o discurso cristológico. Coloca-se antes do pleno desenvolvimento destes
diversos modos de reflectir teologicamente (séc. XII – Teologia Monástica e Teologia Dialéctica). O
esforço anselmiano em aprofundar a “ratio” da economia salvífica (= Crer em Deus Homo?) é
ditado realmente pela vontade de evidenciar a harmonia intrínseca das verdades reveladas.
Os seus pontos de referência fundamentais (= obras) são Crer em Deus Homo e Epístola de
Incarnatione Verbi.
Anselmo é universalmente conhecido em Cristologia por ter elaborado a categoria teológica de
“satisfação” (= satio-factio, satis-facere) como categoria de leitura da morte da Cruz e dos
seus efeitos salvíficos.
Categoria teológica de “satisfação”: → Através do pecado Deus ficou infinitamente ofendido: essa
ofensa não pode ser destruída por um acto de pura e simples misericórdia por parte de Deus, pois
isso não seria conforme à Sua justiça infinita. Então é necessária uma “satisfação”. Mas esta não
pode ser oferecida por um simples homem, pois o pecado, tendo ofendido a Deus, tem uma valor
infinito incomensurável; para o reparar é necessária a morte inocente, voluntária, dotada de um
valor infinito, de um homem-Deus (= eis o “Crer Deus homo”) que, oferecendo-se a Si
mesmo no nosso lugar (por isso se falará depois em satisfação vicária) anula o pecado do
homem e restabelece plenamente a ordem perturbada.
De facto, a sua elaboração é apenas um dos frutos (certamente dos mais significativos e sobretudo
dos mais influentes da reflexão teológica sucessiva) de um esforço mais vasto de
compreensão da globalidade do mistério revelado; de aprofundamento do dado de fé,
esforço esse ligado não certamente à pretensão de deduzir a realidade da economia salvífica das
premissas racionais, mas sim movido pelo desejo de evidenciar, no interior dos próprios
factos salvíficos acolhidos na fé, a harmonia intrínseca que os caracteriza, a suprema
logicidade que os liga entre si. Esta é a novidade do procedimento de Anselmo em relação a
modelos precedentes: não invoca nenhuma “autoridade” do passado no seu argumentar
teológico, antes parte da razão, para fazer frente a tantas objecções contra a fé
provenientes de não cristãos (= daí a necessidade de prescindir metodologicamente do dado
revelado por Cristo) e para os cristãos compreenderem e contemplarem o que já crêem...
(e não para chegarem à fé pela razão - NB: é de Anselmo a seguinte definição de teologia: “fides
quaerens intellectum” = Fé em busca de entendimento.
Assim no nosso caso concreto, Anselmo procura demonstrar a razão lógica, a necessidade
da incarnação e simultaneamente o porquê da morte na cruz e seu significado salvífico a
partir da realidade do pecado do homem que culpavelmente perturbou a ordem justa e
racional do universo criado por Deus. Deste modo, Anselmo torna racionalmente
compreensível a Cruz de Cristo, eliminando radicalmente o problema dos “direitos do demónio”
27
sobre a humanidade ligados ao pecado do homem: Cristo morre não para pagar algo que seja
devido ao demónio, mas para restabelecer os direitos de Deus, a honra de Deus lesada pelo
pecado. É nesta perspectiva soteriológica que Anselmo entende a constituição de Cristo, o
seu ser íntimo: perfeito Deus e perfeito Homem (o sublinhar quer da divindade quer da
humanidade do Salvador) para que Ele possa operar verdadeiramente a nossa redenção – tudo na
mais rigorosa unidade da pessoa do Verbo: o Crer Deus Homo reenvia à Epístola de
Incarnatione Verbi.
OBSERVAÇÕES:
Quanto às influências do discurso soteriológico anselmiano na reflexão teológica sucessiva
especialmente quanto ao Crer Deus Homo:
Quanto aos aspectos referidos a reflexão cristológica da Reforma não constitui uma verdadeira e
real alternativa à reflexão cristológica da Escolástica, ainda que as sensibilidades gerais sejam
profundamente diversas e nalguns casos até opostas; entretanto...
II. A Reforma a nível geral tenderá a elaborar uma “theologia crucis” =/= “theologia
gloriae” (= excessiva confiança nas capacidades de investigação da razão): as célebres Teses 19
e 20 da Disputa de Heidelberg (com Lutero, em Abril de 1518) podem ser consideradas o
manifesto da “theologia crucis” = não é digno de ser chamado teólogo aquele que considera
a natureza invisível de eus compreensível por meio das suas obras; mas sim aquele que
compreende a natureza de Deus visível e voltada para o mundo por meio da paixão e da
Cruz → reforçar da leitura de toda a obra salvífica em termos de redenção da humanidade do
pecado, ligada à morte de Cruz.
NOTE-SE:
A Cristologia não foi um campo de polémica entre a ortodoxia católica e a Reforma – artigo 3
da “Confessio Augustana” de 1530 por MELANCHTON não apresenta diferenças substanciais em
relação à fé da Igreja Católica quanto ao Filho de Deus. Veremos a seguir o modo como este quadro
global da leitura do mistério de Cristo (em muitos aspectos ligados às linhas de tendência da
época patrística) se articulará na reflexão cristológica dos séculos seguintes. Reflexão marcada pelo
aparecimento do manual em vigor até ao renovamento cristológico mais recente.
- Três pontos:
. Cristologia manualista (2.3.1.)
. Reflexos em Cristologia da viragem iluminista (2.3.2.)
. Recente renovamento cristológico (2.3.3.)
BREVE CONCLUSÃO:
Esta Cristologia dos manuais está ligada em certa medida com algumas perspectivas já
presentes de algum modo na Patrística e na Idade Média; perspectivas, entretanto, radicalizadas
e “fixistas”.
- No centro de todo o discurso cristológico está não tanto o Jesus de Nazaré, mas sim o homem-
Deus = a lógica é da União Hipostática (“De Verbo Incarnato”) → e donde é deduzida a
actividade redentora de Jesus (“De Christo Redemptore”); reconhece valor salvífico à morte de
Jesus precisamente porque é um gesto do homem-Deus.
- O Jesus histórico é parte da Apologética: para defender a existência histórica de Cristo (e
com isso a verdade da revelação divina) de todas as leituras redutoras ou negativas a maioria delas
ligadas à leitura iluminista da Escritura).
SINTETIZANDO EM ESQUEMA:
Para uma melhor compreensão desses reflexos, apresentamos a contraposição entre o discurso
medieval e o discurso iluminista:
* Discurso Medieval = Perspectiva prevalentemente cosmocêntrica onde os pólos são Deus e o
cosmos, pelo que a perfeição do homem é caracterizada em termos de “microcosmos”;
* Discurso Iluminista = visão antropocêntrica – histórica, onde o centro, o ponto de partida e
a chave de leitura é precisamente o homem, o sujeito (“cogito ergo sum”) no seu devir histórico,
acentuando a radical independência e autonomia da razão, da investigação racional humana,
o que marca um corte decisivo em relação à síntese medieval entre razão e fé, entre
filosofia e teologia, e que, no caso do discurso cristológico, terá uma aplicação característica na
crítica científica da Escritura, em especial da vida de Jesus...
Assim,
os nomes de KANT (o “a priori” do sujeito)
e HEGEL (a história)
...são paradigmáticos
KANT (1724-1804)
- A vontade em se opor a toda a doutrina ética que faça depender a norma do comportamento
humano de realidades empíricas, subtraídas ao controle da razão, leva Kant à afirmação de
que a norma moral tem de ser constituída por uma lei de razão universal, conhecida “à
priori” pelo homem.
Neste caso, a referência à religião, e mais concretamente a Jesus de Nazaré, à Sua figura
histórica concreta, é entendida como funcional em relação à verdade universal proposta
pela pura razão prática. A Cristologia não é mais do que a descrição do ideal moral do
homem “autónomo”: a existência concreta de Jesus é de considerar-se no máximo como uma
expressão particularmente alta desse ideal.
- E o teólogo, aqui tornado evidentemente filósofo, isto é, homem que usa a razão crítica, poderá
muito bem dissociar os dois discursos: deverá dedicar a sua atenção a Jesus de Nazaré em
função do ideal ou da personalidade moral adulta em que todo o homem é chamado a
tornar-se. Mais: é obrigado a operar a dissociação, pois dar-se-ia a um possível modelo, ainda
que particularmente exemplar, uma força e uma validade absoluta que só a ideia do homem moral
possui – esse modelo permanece sempre na razão; nenhum exemplo fornecido pela
experiência externa é adequado a tal ideia.
- A figura concreta de Jesus tem uma importância secundária e subordinada
32
por um lado, porque para poder qualificar este homem particular como modelo, é necessário
que se encontre n’Ele a actuação concreta daquele ideal ético que já se encontra na razão do
homem;
por outro lado, porque a Sua eventual origem sobrenatural, longe de lhe conferir
centralidade, é de facto um obstáculo, pois o afasta muito de nós, tornando a sua imitação
difícil.
EM SUMA:
Para Kant Jesus tem importância não enquanto homem, mas enquanto “abstracção da
humanidade” (= já antes e independentemente da Sua aparição histórica está presente na
estrutura da nossa interioridade como ideia, como o critério de uma verdade que não está n’Ele
mas no mundo moral do homem).
HEGEL (1770-1831)
Conhecido em filosofia pela centralidade que deu ao problema da história: todas as categorias
herdadas da metafísica clássica devem ser revistas à luz desta perspectiva.
Também a ideia de Deus herdada da tradição cristã deve sofrer transformações: o ponto de
partida não pode ser mais uma concepção estática do ser (da metafísica grega), mas antes
uma concepção que dê conta da dinâmica do devir histórico. Sob este ponto de vista, a
“teo”- logia encontra a “cristo”- logia e vice-versa: Cristo não é senão Deus tornado homem,
participante da história do mundo. O Deus vivo é Aquele que se move, se modifica, faz
história; Aquele que não permanece rigidamente aquilo que é, mas se torna aquilo que é; não o
Deus fechado em si mesmo, afastado do mundo, mas Aquele que saindo de si mesmo se altera. Em
primeiro plano não está o ideal ético do sujeito, mas a realidade deste “tornar-se homem” de
Deus – realidade que deve ser ligada a toda uma ontologia renovada. Neste sentido, a Cristologia
tem uma posição privilegiada. Mas também deve dizer-se que a atenção de Hegel não é
dirigida primariamente à figura concreta de Cristo: este é mais a ilustração de um
processo geral respeitante ao ser (o “Espírito Absoluto”) do que o objecto específico de
consideração. As motivações da sua centralidade são igualmente as raízes da sua desvalorização –
esvaziamento.
- A ideia de unidade entre o finito e infinito, entre humano e divino, concretiza-se
historicamente em Jesus: os títulos com que a tradição cristã exalta Jesus não são aplicáveis de
modo exclusivo ao homem histórico Jesus, mas são atribuídos à Ideia, de que o homem Jesus
é símbolo, ilustração, e que qualquer homem deve realizar em si mesmo.
- A partir de Jesus a humanidade tomou consciência do facto da história (mesmo nas suas
expressões mais problemáticas como a do estado) ser a manifestação do Espírito Universal, da
Ideia Eterna..: temos, assim, em geral uma transcrição filosófica do Dogma da Incarnação =
o Logos foi feito Carne, mas esse Logos não é a total pessoa humana-histórica de Jesus, antes é a
Ideia que se exterioriza e se faz história.
- A história, em qualquer acontecimento condicionado pela situação particular histórica que o
originou, é actuação da razão, do absoluto: todo o acontecimento, enquanto se afirmou e
teve sucesso, revela a verdade no tempo. Produz-se, assim, através desta fé no sentido, na
racionalidade da história, uma secularização da fé... Estamos diante de uma Cristologia laica que
generaliza o Jesus histórico, tornando-O imanente à história, “esquecendo” a Sua origem divina
pessoal concreta.
BREVE CONCLUSÃO
- É fácil ver, quer em sistemas de pensamento como o kantiano, quer em visões como a
hegeliana, a incapacidade em dar razão do absoluto da figura de Jesus de Nazaré: ...é
dissolvida numa pura exemplaridade moral (KANT) ou num momento, ainda que
particularmente significativo, do processo geral histórico do Espírito Absoluto (HEGEL).
- Temos, assim, o emergir de uma dificuldade comum a todo o discurso iluminista, o dar
razão de carácter último, definitivo, insuperável do acontecimento histórico de Cristo; carácter
ligado ao facto de em Jesus se realizar a auto-comunicação definitiva do próprio Deus aos homens,
pois Ele é o Filho Unigénito do Pai.
- Em relação ao modo medieval, o modo iluminista de colocar o problema cristológico revela-se
profundamente diverso, mais voltado para o ser histórico, a dimensão histórica quer do
mistério de Cristo (ainda que seja depois feito redutivamente – cf. Kant e Hegel) quer das
realidades em geral (→ os pólos do discurso são por um lado um aparecimento humano
concreto, um homem-Deus e por outro lado a pergunta sobre a história, o seu significado,
sobre a possibilidade por parte do homem, do sujeito, em lhe dar um sentido global).
33
- E a esta problemática (= como é possível que um acontecimento histórico concreto, na sua
limitação e contingência, possa tornar-se ponto de referência definitivo para a interpretação de
todo o real?) a Cristologia manualista não podia dar um contributo positivo dada a
presença maciça de uma perspectiva a-historicizante (conceitos e horizontes de
representação que por si mesmos não sugeriam uma clara referência histórica nem ao passado
nem ao futuro – a união hipostática não em categorias históricas, mas metafísicas.
Concretamente:
- Cristologias no quadro da problemática da Fé (2.3.3.1.)
- Cristologias no quadro da problemática da História (2.3.3.2.)
- Cristologias da perspectiva do Homem- Jesus (2.3.3.3.)
- Cristologias no quadro da problemática da mutabilidade e passibilidade de Deus (2.3.3.4.)
OBSERVAÇÃO:
Positivo o chamar da atenção para a ligação imprescindível entre fé e existência e para a
centralidade da figura de Cristo como ponto de referência para toda a existência cristã. Mas
trata-se de verificar como é que essa centralidade é entendida: o ponto de referência tende a
ser a existência de Cristo, e não o discurso sobre Cristo – este deve re-ler-se à luz daquela
para que encontre o seu significado; deste modo, essa releitura tende a tornar-se dissolução-
esvaziamento. Daí a necessidade de valorizar a historicidade concreta de Jesus de Nazaré,
colocando no centro da reflexão teológica categorias como a de história, categoria imprescindível
para uma fé como a cristã, ligada precisamente a uma revelação que se realiza na história, e tem o
seu cume em Cristo.
2
Neste contexto de Recente Renovamento Cristológico apresentaremos obras comprovativas
desta aproximação que fazemos. Tais referências a autores e conteúdos visam confirmar as
tendências cristológicas expostas; e têm como fonte: Bernard LAURET e François REFOULÉ (Dir.),
Iniciación a la Práctica de la Teología, Dogmática 1, Ed. Cristiandad, Madrid 1984, pp. 410-414.
3
D. BONHOEFER, Qui est et qui était Jésus-Christ? Son historie et son mystère, Paris
1980. A. DUMAS, Une théologie de la realité. D. Bonhoefer, Genebra 1968. G. EBELING (uma
Cristologia ascendente e descendente numa interpretação existencial). E. JUNGEL, Dieu, mystère
du monde, Paris 1982 (Visão profundamente cristológica da Teologia, mas em diálogo com uma
análise muito penetrante da filosofia moderna, marca uma renovação da reflexão cristológica e
teológica actual).
34
2.3.3.2. Cristologias no quadro da problemática da História 4
- Nestas são superadas as posições do tipo de R. BULTMANN, em que a referência ao Jesus histórico
tende a ser destituída de toda a importância: tenta-se recuperar a dimensão histórica como o
horizonte mais amplo em que a teologia cristã se movimenta.
História entendida não só na sua globalidade como história geral da humanidade onde Deus se
revela do modo indirecto, mas também como história da Salvação onde Deus se empenha na
primeira pessoa.
- No centro desta história está o acontecimento de Jesus Cristo, de modo especial a Sua
ressurreição (= acontecimento decisivo que faz a mediação entre a história singular de Jesus,
na qual culmina todo o acontecimento salvífico, e a história universal da humanidade). Em Jesus
realiza-se uma dupla antecipação (= prolepse): a história pré-pascal de Jesus é antecipação
da ressurreição, e esta é cumprimento daquela, e, por sua
vez, a ressurreição de Jesus é prolepse do momento último e conclusivo da história humana,
a ressurreição final.
OBSERVAÇÃO:
Positiva a renovada centralidade dada ao acontecimento histórico de Cristo, e neste à
Sua ressurreição, tendo como horizonte a história da Salvação e mais globalmente, o
acontecimento da humanidade inteira.
4
MYSTERIUM SALUTIS - Manual de Teología como História de la Salvación, Volume III:
O acontecimento Cristo, Madrid 1980. (Manual de Dogmática escrita por autores de renome. É,
sem dúvida, no seu conjunto, a estrutura teológica pós-conciliar mais importante). La BOUYER, Le
Fils eternal. Théologie de la Parole de Dieu et Christologie, Paris 1974). B. FORTE, Gesú di
Nazaret, storia di Dio, Dio della storia. Saggio di una Cristologia come storia, Roma 1981
(Exposição muito clara e documentada, como iniciação a uma Cristologia actual. Situa-se na
tradição histórica italina de Tomás de Aquino, Joaquim de Fiore...). O. GONZÁLEZ DE CARDEDAL,
Jesús de Nazaret. Aproximação a la Cristologia, Madrid 1975 (com uma aproximação
genético-descritiva da elaboração cristológica e uma aproximação sistemática da relação do crente
a Cristo, privilegiando na sua contrução a categoria do “encontro”). W. KASPER, Jesús, el Cristo,
Salamanca 1976 (sólida exposição cristológica, situada dentro da Escola de Tubinga). W.
PANNENBERG; Fundamentos de Cristología, Salamanca 1974 (Uma obra mestra, muitas vezes
reeditada e revista, que compreende a teologia dentro da revelação como história). G. GUTIERREZ,
Teología de la Liberacion. Perspectivas, Salamanca 1977 (o primeiro livro importante sobre a
“Teologia da Libertação” vista sob o prisma latinoamericano. A ele se deve realmente esta nova
perspectiva teológica). L. BOFF, Jesucristo el libertador. Ensaio de Cristologia para nuestro
tiempo, Petrópolis 1972 (Deste autor publicou-se uma nova tradução, ampliada, em Jesucristo y
la liberación del hombre, Madrid 1981. Este volume reúne toda a produção cristológica de Boff.
Cf. ainda Teología del cautiverio y la liberación, Madrid 1978). J. SOBRINO, Cristología desde
américa latina. Esbozo a partir del seguimiento de Jesús histórico, México 1977. Do mesmo
autor, Jesús en América latina, San Salvador 1982 (Mais comprometida que a de Boff, a
“Cristologia” de J. Sobrino é também mais sistemática na sua aproximação “de baixo”, para não
separar Cristologia e acção libertadora dos cristãos na história do sofrimento. Seu “Jesus” obedece
à mesma ideia de vinculação à pessoa do Senhor que sofre e suporta uma vida de privações e
dificuldades).
5
Ch. DUQUOC, Cristología. Ensayo dogmático sobre Jesús de Nazaret el Mesías,
Salamanca 1974 (Consta de duas partes, o “homem Jesus” e o “messias”, escritas sob horizontes
diversos). H. KUNG, Ser Cristiano, Madrid 1981 (A Cristologia situa-se aqui dentro de uma
apresentação do Cristianismo no marco de outras grandes religiões e para um vasto público.
Polémico. O método às vezes mais histórico que teológico, no sentido de que os resultados do
35
Nestas cristologias tenta-se superar os limites do discurso cristológico tradicional no modo
como apresentava a doutrina das duas naturezas (que como já vimos se iniciara na Patrística). Para
isso, tentam recuperar em plenitude a humanidade real, histórica de Cristo, o que implica
uma ligação profunda ao NT, introduzindo-se assim a temática dos “mistérios da vida de
Cristo”. Assim, falar-se-á da necessidade em elaborar uma “Cristologia de baixo” = uma
Cristologia que tenha como centro não tanto o Verbo pré-existente que assume uma natureza
humana (“Cristologia do alto”), mas sim o acontecimento humano, histórico de Cristo, em que
se revela definitivamente o rosto de Deus, e o próprio Deus se autocomunica aos homens →
renovamento do estado da questão de muitas problemáticas cristológicas tradicionais.
OBSERVAÇÃO:
Positiva a intenção destas cristologias ao perceberem os limites do discurso cristológico
tradicional e ao tentarem oferecer pistas para a sua superação. Mas é evidente o perigo de ao
sublinharem a dimensão humana de Cristo não afirmarem suficientemente a plenitude da Sua
dimensão divina; a valorização da realidade concreta, histórica de Jesus pode ser entendida
de tal modo que não realce o porquê de tal realidade ser o ponto de referência definitivo, último,
insuperável para a fé cristã. É que no mistério de Cristo é o próprio Deus que está
verdadeiramente implicado.
Nestas cristologias o tema fundamental é o “devir” de Deus: procuram dar razão ao facto de o
próprio Deus estar realmente implicado no acontecimento de Cristo.
Tema directamente ligado ao recuperar da centralidade do acontecimento histórico de
Cristo, de modo especial da Sua Páscoa, como lugar da auto-comunicação definitiva de Deus à
humanidade. A vida de Jesus de Nazaré empenha directamente o próprio Deus no Seu ser
profundo e pessoal.
→ Interrogação: como pode Deus “tornar-se homem”, “sofrer” até à morte? A reflexão
tradicional respondia atribuindo o devir, a capacidade de sofrer à humanidade de Jesus – o ser
divino não era directamente implicado.
Estas cristologias entendem ser insuficiente um tal modo de explicar, pois por trás há uma
certa concepção da imutabilidade e passibilidade de Deus ligada a uma visão metafísica muito
pouco atenta à realidade da história, do devir histórico, e, sobretudo, há um discurso sobre
Deus e a Trindade não relido cristologicamente, isto é, que não tem o seu centro no
acontecimento histórico concreto de Jesus de Nazaré, culminado na Páscoa. Ora, é
precisamente deste acontecimento que se deve partir e dar razão da participação, não
necessariamente extrísnseca, do próprio Deus na história de Jesus.
Os caminhos seguidos não são unidireccionais: especialmente MOLTMANN e KUNG referem-se a
categorias de proveniência hegeliana (positividade do negativo – diléctica de tese, antítese e
síntese).
OBSERVAÇÃO:
Positiva a leitura rigorosamente cristã do mistério e do ser de Deus: e no acontecimento
histórico de Cristo que Deus manifesta definitivamente no Seu rosto.
Existe uma ligação estreita entre “Cristo”-logia e “teo"-logia: em Jesus, no Seu devir
histórico, especialmente na Sua Páscoa, temos acesso à própria realidade de Deus – e de
tudo isto se deve dar razão em termos que não reduzam a profundidade do mistério.
CONCLUSÃO GERAL
EM SUMA:
EM SUMA:
Trata-se de construir um discurso cristológico sistemático, tendo em conta os elementos até
agora adquiridos e em coerência com as exigências próprias do método teológico.
UD 3. Cristologia Sistemática
A. Critérios gerais
Critérios devem orientar a nossa sistematização, que deve ser fiel à revelação transmitida na Igreja
e estar atenta (a cristologia) ao homem a que se dirige. Escolher entre as diversas propostas as
mais válidas e ordenar o tratado cristológico num sistema tendo-as em conta, representa uma
tarefa difícil, discutível e exposta ao perigo da arbitrariedade. Por isso, recordemos alguns critérios
fundamentais deduzidos da história da Cristologia.
a) CRISTOCÊNTRICO
Princípio "cristocêntrico" = Jesus na Sua realidade concreta, ou seja, Sua história, os mistérios
de Sua vida. Portanto o discurso formal sobre a Sua identidade ontológica, ainda que importante, é
secundário. O critério cristológico impõe, pois, tomar a sério que Jesus Cristo é a definitiva palavra
salvífica de Deus aos homens, e que o é na Sua realidade concreta. Uma revelação em Cristo de
gestos e palavras.
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b) SOTERIOLÓGICO
A cristologia não pode ser senão soteriológica. Isto significa que o discurso sobre a pessoa de
Cristo não pode desvincular-se da Sua actividade salvífica. Como ocorre na revelação, tão pouco na
cristologia sistemática se pode falar do Salvador sem referência à Sua missão salvífica, e vice-
versa.
c) CONTEMPORANEIDADE
B. Características da sistematização
Acima de tudo é útil uma aproximação ao mistério de Cristo mediante uma apresentação sintética
da cristologia transcendental, já que ilustra o vínculo do mistério de Cristo com a nossa vida, dando
actualidade ao discurso teológico. No referente à cristologia ascendente / descendente, pensamos
que se devem utilizar juntamente. Assim, adoptaremos em parte o itinerário seguido pelos
Apóstolos na sua progressiva descoberta da identidade de Cristo (portanto, procederemos desde
baixo), e em parte aplicaremos as formulações mais eleboradas pela cristologia neo-testamentária
(procederemos, portanto, desde cima). Também estudaremos ambas as cristologias desde o ponto
de vista crítico, considerando-as como expressão da fé da Igreja das origens, expressão que é
certamente eco fiel do ensinamento de Jesus de Nazaré e da experiência de vida que os Apóstolos
tiveram com Ele.
- Ao aplicar este método, conseguiremos precisar a humanidade de Jesus melhor do que se
havia feito no passado.
- Tenderemos a um aprofundamento de nosso conhecimento de Jesus valendo-nos do estudo
crítico das fontes.
- A investigação sobre Cristo não deixará de ser científica, já que, em definitivo, nos apoiamos
sempre na fiabilidade histórica de testemunho da Igreja das origens.
- Sem dúvida a atenção à investigação positiva não pode fazer-nos esquecer que a cristologia
implica também um discurso de tipo especulativo.
- Por último a necessidade de situar o discurso sobre Cristo no marco da história da salvação.
Não se pode falar do mistério de Jesus sem relacionar com a revelação trinitária.
- Nem tão pouco se pode falar de Cristo sem fazer referência à vida da Igreja, que é o Seu corpo
(sensus ecclesiae).
- Com efeito, o discurso cristológico deveria conseguir agrupar tudo isto em unidade,
organizando as diversas temáticas.
C. Redacção do projecto
• Quem é Jesus?
A ela respondemos com uma afirmação e uma negação unidas entre si: é verdadeiro homem,
homem como nós; mas não é um simples homem.
• Que fez Jesus?
Para responder, estudaremos os mistérios de Sua vida procedendo por ordem cronológica: da
encarnação à infância, ao baptismo e à transfiguração; da paixão à ressurreição, à ascenção e ao
pentecostes.
• Quais são os títulos de Jesus?
A resposta implica o exame dos títulos com os quais foi designado o sujeito desta existência
histórica e que permitem compreender mais explicitamente Sua identidade. Esses títulos serão
agrupados segundo as funções soteriológicas que expressam, ou seja segundo os ministérios de
Jesus.
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Passando ao aprofundamento teológico, também aqui com um movimento que vai de fora para
dentro, do obrar ao ser, centraremos a reflexão nestes campos específicos:
- A obra salvífica de Jesus;
- A encarnação do Filho de Deus
- A psicologia humana de Cristo: o conhecimento, a consciência, a vontade, a santidade
- A união hipostática
...Por último, nos interrogaremos sobre a importância da investigação teológica sobre Cristo em
ordem a um conhecimento mais rico e mais cordial d'Ele com o propósito de mostrar o laço
indissolúvel entre cristologia e vida espiritual. Tal é a linha em que desenvolveremos o discurso
sistemático, e que facilitará – assim o esperamos – um encontro pessoal com Cristo capaz de
transformar nossa vida.
B. Observações críticas
Conclusão
I. Jesus, um de nós
A. Jesus, homem como nós
.Imagem de Jesus
.Ambiente social
.Aspecto físico
.Carácter
.Qualidades morais
.Atitude humana
.Emotividade
.Obediência ao Pai
B. Evolução da soteriologia
1. O ensinamento patrístico da salvação
.Iluminação
.Vitória
.Divinização
40
.Redenção
2. A soteriologia até ao concílio Vaticano II
.Perídodo medieval
.Perídodo moderno
.Vaticano II
.Magistério actual
Conclusões
Conclusão
Fim
Extraído de http://www.iscra.pt/CRISTOLOGIA.doc