Claudia Travassos 1
Mônica Martins 2
de remuneração, acesso geográfico e social; (e) fator da oferta importante para explicar as va-
à política – tipo de sistema de saúde, financia- riações no uso de serviços de saúde de grupos
mento, tipo de seguro de saúde, quantidade, ti- populacionais, e representa uma dimensão re-
po de distribuição dos recursos, legislação e re- levante nos estudos sobre a eqüidade nos sis-
gulamentação profissional e do sistema 1. A in- temas de saúde.
fluência de cada um dos fatores determinantes Donabedian 2 distingue duas dimensões da
do uso dos serviços de saúde varia em função acessibilidade: a sócio-organizacional e a geo-
do tipo de serviço (ambulatório, hospital, as- gráfica e indica que essas dimensões se inter-
sistência domiciliar) e da proposta assistencial relacionam. Acessibilidade sócio-organizacio-
(cuidados preventivos ou curativos ou de rea- nal: inclui todas as características da oferta de
bilitação). serviços, exceto os aspectos geográficos, que
Acesso é um conceito complexo, muitas ve- obstruem ou aumentam a capacidade das pes-
zes empregado de forma imprecisa, e pouco cla- soas no uso de serviços. Por exemplo: políticas
ro na sua relação com o uso de serviços de saú- formais ou informais que selecionam os pa-
de. É um conceito que varia entre autores e que cientes em função de sua condição social, si-
muda ao longo de tempo e de acordo com o con- tuação econômica ou diagnóstico. Acessibili-
texto. A terminologia empregada também é va- dade geográfica: relaciona-se à fricção do es-
riável. Alguns autores, como Donabedian 2, em- paço que pode ser medida pela distância li-
pregam o substantivo acessibilidade – caráter near, distância e tempo de locomoção, custo da
ou qualidade do que é acessível 3 –, enquanto viagem, entre outros. Apesar de atributos dos
outros preferem o substantivo acesso – ato de indivíduos (sociais, culturais, econômicos e psi-
ingressar, entrada 3 – ou ambos os termos para cológicos) não fazerem parte do conceito de
indicar o grau de facilidade com que as pessoas acessibilidade de Donabedian, a relação destes
obtêm cuidados de saúde 4. com o uso de serviços é mediada pela acessibi-
Autores também variam em relação ao en- lidade, isto é, a acessibilidade expressa as ca-
foque do conceito: uns centram-no nas carac- racterísticas da oferta que intervêm na relação
terísticas dos indivíduos; outros focam-no nas entre características dos indivíduos e o uso de
características da oferta; alguns em ambas as serviços.
características ou na relação entre os indiví- Donabedian 2, por um lado, delimita o es-
duos e os serviços (oferta). Há também discor- copo do seu conceito de acessibilidade ao ex-
dâncias sobre se a avaliação de acesso deve cluir deste as etapas de percepção de proble-
concentrar-se nos resultados ou objetivos fi- mas de saúde (necessidades) e o processo de
nais (goals) dos sistemas de saúde ou na rela- tomada de decisão na procura de serviços pe-
ção entre os vários elementos que compõem o los indivíduos. Por outro, avança na abrangên-
sistema para atingir esses objetivos 5. cia do conceito de acesso para além da entrada
Neste artigo, pretende-se rever os conceitos nos serviços, pois, para ele, acessibilidade indi-
de acesso e utilização de serviços de saúde, ana- ca também o grau de (des)ajuste entre as ne-
lisar o que os distingue e, ao mesmo tempo, cessidades dos pacientes e os serviços e recur-
identificar os pontos de articulação existentes sos utilizados. Acessibilidade não se restringe
entre ambos. apenas ao uso ou não de serviços de saúde,
Em uma de suas primeiras publicações, Do- mas inclui a adequação dos profissionais e dos
nabedian 2 definiu acessibilidade como um dos recursos tecnológicos utilizados às necessida-
aspectos da oferta de serviços relativo à capaci- des de saúde dos pacientes.
dade de produzir serviços e de responder às ne- Andersen 6 prioriza o termo acesso. Em uma
cessidades de saúde de uma determinada popu- das versões iniciais do seu clássico modelo de
lação. Acessibilidade, neste caso, é mais abran- utilização de serviços de saúde 7, acesso é apre-
gente do que a mera disponibilidade de recur- sentado como um dos elementos dos sistemas
sos em um determinado momento e lugar. Re- de saúde, dentre aqueles ligados à organização
fere-se às características dos serviços e dos re- dos serviços, que se refere à entrada no serviço
cursos de saúde que facilitam ou limitam seu de saúde e à continuidade do tratamento. Abran-
uso por potenciais usuários. A acessibilidade ge, nesse caso, a entrada nos serviços e o rece-
corresponde a características dos serviços que bimento de cuidados subseqüentes.
assumem significado quando analisadas à luz Nesse modelo, a influência do acesso no
do impacto que exercem na capacidade da po- uso de serviços de saúde é mediada por fatores
pulação de usá-los. A acessibilidade é, assim, individuais, definidos como: fatores predispo-
nentes (fatores que existem previamente ao sur- de acesso realizado (uso) que passa a incluir os
gimento do problema de saúde e que afetam a seus efeitos na saúde e na satisfação das pes-
predisposição das pessoas para usar serviços soas. O resultado do acesso potencial pode ser
de saúde). Um bom exemplo é o gênero, já que medido pelo uso de serviços (acesso realizado)
as mulheres tendem a mostrar maior predispo- e o do acesso realizado (uso) pelo acesso efeti-
sição para o uso de serviços de saúde do que os vo e eficiente.
homens 8,9; fatores capacitantes (os meios dis- Entretanto, é importante lembrar que tanto
poníveis às pessoas para obterem cuidados de o acesso realizado (uso) não se explica pelos
saúde); e necessidades de saúde (condições de determinantes do acesso potencial, como o seu
saúde percebidas pelas pessoas ou diagnosti- impacto na saúde e na satisfação (acesso efeti-
cadas por profissionais de saúde). Em concor- vo) não se explica apenas pelos determinantes
dância com Donabedian 2, acesso é uma carac- do uso de serviços. Como apontado anterior-
terística da oferta de serviços importante para mente, o uso de serviços depende de fatores
explicação do padrão de utilização de serviços predisponentes, das necessidades de saúde e
de saúde. de fatores contextuais, e o uso efetivo e eficien-
Em revisões posteriores do modelo de utili- te depende dos fatores individuais e de fatores
zação de serviços, Andersen 6 amplia e clareia internos aos serviços de saúde que interferem
seu entendimento sobre o conceito de acesso, na qualidade dos cuidados prestados.
que passa explicitamente a incorporar a etapa Por fim, para Andersen 6, a avaliação da
de utilização de serviços de saúde. O conceito eqüidade no acesso é inferida valendo-se da
torna-se multidimensional, composto por dois presença de fatores individuais capacitantes na
elementos: “acesso potencial” e “acesso reali- explicação do uso de serviços de saúde. Para
zado”. Acesso potencial caracteriza-se pela pre- este autor, a presença de outros preditores do
sença no âmbito dos indivíduos de fatores ca- uso, além da necessidade de saúde e dos fato-
pacitantes do uso de serviços, enquanto acesso res demográficas (predisponentes), denota
realizado representa a utilização de fato desses uma situação de iniqüidade. Aponta também
serviços e é influenciado por fatores outros que a avaliação do acesso deve ser feita separa-
além dos que explicam o acesso potencial. damente, segundo os tipos de cuidado (pre-
O conceito de acesso potencial incorpora venção, cura e reabilitação), tipos de serviços
os fatores individuais que limitam ou ampliam (hospital e ambulatório) e tipos de problemas
a capacidade de uso (fatores capacitantes), que de saúde (atenção primária, especializada e de
representam apenas um subconjunto dos fato- alta complexidade), pois expressam situações
res que explicam o acesso realizado (uso), já distintas com impacto diferenciado no acesso.
que estes incluem também os fatores predispo- Penchansky & Thomas 10 utilizam o termo
nentes, as necessidades de saúde, além de fa- acesso e centram esse conceito no grau de ajus-
tores contextuais. te entre clientes e o sistema de saúde, numa in-
Neste modelo, estabelece-se uma hierarquia terpretação da idéia desenvolvida por Donabe-
na qual fatores contextuais, que são aqueles re- dian 2. Diferem, no entanto, deste autor ao am-
lacionados às políticas de saúde e à oferta de pliarem o conceito para incluir outros atribu-
serviços, intervêm no uso de forma direta e in- tos que são tomados não com base na oferta,
direta, por intermédio dos fatores individuais mas sim na relação entre a oferta e os indiví-
6. Importante destacar, para fins de formulação duos. Identificam várias dimensões que com-
de políticas, que elementos próprios do siste- põem o conceito de acesso: disponibilidade (vo-
ma de saúde (oferta) são passíveis de mudança lume e tipo) de serviços em relação às necessi-
mediante intervenção governamental ou insti- dades; acessibilidade – tomada aqui como uma
tucional, enquanto apenas algumas das carac- dimensão do acesso –, caracterizada pela ade-
terísticas dos indivíduos são passíveis de mu- quação entre a distribuição geográfica dos ser-
dança por essas ações 5. viços e dos pacientes; acolhimento (accomoda-
Nas ultimas revisões, Andersen 6 busca in- tion), que representa a relação entre a forma co-
cluir explicitamente no modelo os efeitos dinâ- mo os serviços organizam-se para receber os
micos e recursivos do uso de serviços na saúde. clientes e a capacidade dos clientes para se adap-
Introduz os conceitos de “acesso efetivo” e de tar a essa organização; capacidade de compra,
“acesso eficiente”. O primeiro resulta do uso de definida pela relação entre formas de financia-
serviços que melhora as condições de saúde ou mento dos serviços e a possibilidade das pes-
a satisfação das pessoas com os serviços; o se- soas de pagarem por esses serviços; e aceitabi-
gundo refere-se ao grau de mudança na saúde lidade, que representa as atitudes das pessoas
ou na satisfação em relação ao volume de ser- e dos profissionais de saúde em relação às ca-
viços de saúde consumidos. Amplia o conceito racterísticas e práticas de cada um.
A proposta de Penchansky & Thomas de am- com o nível de renda da população. Desta for-
pliação da abrangência do conceito de acesso ma, sua formulação não aponta para um mo-
com a incorporação de distintas dimensões não delo organizacional único, mas sim para várias
é seguida por muitos autores que, tal como composições de oferta de serviços organizadas
Frenk 11, preferem manter o conceito em um de acordo com o poder de utilização dos dife-
domínio mais restrito. Donabedian 12, prefere rentes grupos populacionais (sociais).
denominar de qualidade – eficácia, efetivida- No início da década de 90, o Comitê para o
de, eficiência, otimização, aceitabilidade, legi- Monitoramento do Acesso aos Serviços de Saú-
timidade e eqüidade – o domínio mais amplo de do Institute of Medicine (IOM) dos Estados
do desempenho dos sistemas de saúde. Unidos propõe que acesso seja definido como
Frenk 11 também desenvolve o conceito de o uso de serviços de saúde em tempo adequado
acessibilidade fundamentando-se na proposta para obtenção do melhor resultado possível 13.
de Donabedian. Dentre as contribuições desse Nessa definição, o eixo do conceito é desloca-
autor, estão a sistematização do fluxo de even- do dos elementos que o compõem para seus
tos entre a necessidade e a obtenção dos cuida- resultados e acesso passa a ser sinônimo de
dos necessários (necessidades de saúde ⇒ de- uso, além de ser incorporada ao conceito a di-
sejo de obter cuidados de saúde ⇒ procura ⇒ mensão temporal. Esta dimensão está presente
entrada nos serviços ⇒ continuidade dos cui- em outros autores 14,15 que consideram acesso
dados) e a explícita limitação do âmbito da (ótimo) como a provisão do cuidado adequa-
acessibilidade às etapas de procura e entrada do, no momento adequado e no local adequa-
nos serviços. Desta forma, os determinantes do. Acesso, neste caso, não abrange qualquer
das necessidades e do desejo de procurar cui- uso; limita-se ao uso qualificado, a saber, aque-
dados de saúde, que podem ser incluídos no le que ocorre no momento adequado ao aten-
que Andersen denomina de fatores predispo- dimento do problema de saúde do paciente,
nentes, assim como aqueles que determinam a utilizando recursos corretos e executado da
continuidade dos cuidados, permanecem fora forma correta. Este ajuste entre o problema de
do domínio da acessibilidade. Os primeiros com- saúde do paciente e os recursos e a forma co-
põem os modelos explicativos do uso e o últi- mo são empregados já havia sido indicado por
mo deve ser tratado no domínio da “continui- Donabedian 16 em seu conceito de acessibili-
dade”, que depende mais de fatores associados dade, como apontado anteriormente.
à oferta do que aos indivíduos. Na abordagem do IOM, a importância do
Frenk desenvolve o conceito de acessibili- acesso centra-se no uso de procedimentos de
dade pela idéia de complementaridade entre saúde com potencial para alterar positivamen-
características da oferta e da população. Para te o estado de saúde das pessoas. O acesso re-
esse autor, acessibilidade é a relação funcional fere-se ao uso, no momento adequado, de ser-
entre um conjunto de obstáculos para procu- viços/tecnologias de reconhecida eficácia. In-
rar e obter cuidados (“resistência”) e as corres- teressa saber se oportunidades de bons resulta-
pondentes capacidades da população para su- dos (alteração positiva nas condições de saú-
perar tais obstáculos (“poder de utilização”). A de) estão sendo perdidas por problemas de
resistência inclui aqueles impedimentos que “acesso”. Contudo, uma importante limitação à
não se referem à mera disponibilidade de ser- utilidade desse conceito é que a eficácia de
viços, condição sine qua non do uso. Esses obs- grande parte dos procedimentos preventivos e
táculos (resistência) são classificados como terapêuticos é desconhecida 17. A outra limita-
ecológicos, financeiros e organizacionais. De ção é que mudanças positivas no estado de saú-
forma correspondente, o poder da população é de dependem não apenas do acesso a procedi-
discriminado em poder de tempo e transporte, mentos de saúde de reconhecida eficácia, po-
poder financeiro e poder de lidar com a organi- rém, conforme já indicado, da adequação na
zação. Esse modelo assume que, dados um lu- realização do procedimento (qualidade técni-
gar e um tempo, vários ajustes entre o poder de ca), o que torna a operacionalização do concei-
uso da população e as resistências da oferta são to bastante difícil.
possíveis para um mesmo nível de acessibili- O conceito de acesso do IOM é semelhante
dade. O central nessa abordagem é que nenhum ao que Andersen 6 denomina de “acesso efeti-
desses dois componentes – resistência e poder vo”. No caso do IOM, este conceito assume um
de utilização da população – define o grau de caráter normativo, pois incorpora apenas um
acessibilidade, mas sim a relação entre eles. subconjunto de intervenções, aquele conside-
Por exemplo, o impacto na acessibilidade do rado, com base em critérios pré-estabelecidos,
aumento no preço dos serviços de saúde so- como capaz de produzir impacto positivo nas
mente pode ser avaliado quando comparado condições de saúde da população. Ao mesmo
tempo, como conceito de resultado, não leva obtenção. Um outro problema é que, além da
em conta os fatores do sistema de saúde que ocorrência de subutilização pela população
explicam as variações nos padrões de uso des- que necessita, existe um percentual, dentre os
sas intervenções em diferentes grupos popula- pacientes que recebem o procedimento, que
cionais. O enfoque da avaliação de acesso vol- dele não necessitavam. Estes últimos não de-
ta-se para diagnosticar a existência de varia- vem compor o denominador da cobertura efe-
ções no acesso (uso) a procedimentos específi- tiva, no entanto, para identificá-los, há que pro-
cos e não para explicá-los. Para autores como ceder a estudos específicos (http://www.rand.
Gold 18, como as dimensões do desempenho org/helath/suerveys/sf36item/questinnaire.
dos sistemas de saúde – acesso, custo, efetivida- html, acessado em 24/Mar/2004).
de e satisfação – tornam-se cada vez mais in- Com base na definição do IOM foram pro-
ter-relacionadas, justifica-se o deslocamento do postas várias medidas de acesso, agrupadas em
eixo do acesso para os resultados dos cuidados. cinco objetivos, que cobrem as fases da vida
Numa abordagem semelhante, a Organiza- ( Tabela 1). Entretanto, as medidas de acesso
ção Mundial da Saúde propôs para discussão propostas são predominantemente represen-
um novo indicador de avaliação do desempe- tadas por indicadores tradicionais de cobertu-
nho dos sistemas de saúde que denominou de ra – proporção da população que tem acesso
“cobertura efetiva”. Cobertura efetiva foi defi- potencial – ou por taxas de utilização de deter-
nida como a proporção da população que ne- minados serviços ou procedimentos. São tradi-
cessita de um determinado procedimento de cionais, pois, na sua maioria, não exprimem o
saúde e que recebeu de forma efetiva este pro- resultado na saúde produzido pelo uso de ser-
cedimento 19. Tal como na definição de acesso viços, de acordo com o sugerido pelo conceito.
do IOM, representa uma medida de resultado Vários autores 18,20 assumem que acesso é
abrangente que mede tanto o acesso potencial, um conceito contexto dependente. Gold 18, ain-
quanto o acesso realizado (uso) e o acesso efe- da que reconhecendo a importância do uso de
tivo (qualidade do cuidado). Apresenta limita- medidas tradicionais de acesso (acesso poten-
ções semelhantes às da medida do IOM, acres- cial), destaca a necessidade do desenvolvimen-
cidas de problemas no cálculo da cobertura, to desse conceito e de sua operacionalização
devido às dificuldades para identificação do para dar conta das recentes mudanças e da
numerador e denominador. Estes têm que con- grande variação dos mercados em saúde nos
siderar apenas aqueles indivíduos para os Estados Unidos.
quais o procedimento em questão tem eficácia Contudo, variações contextuais devem afe-
reconhecida e esta informação não é de fácil tar menos o conceito e mais a especificação dos
Tabela 1
modelos explicativos de acesso e a sua opera- processo de utilização dos serviços de saúde e
cionalização, de forma a ter em foco as carac- classificou os modelos revistos como: (a) mo-
terísticas particulares de cada sistema de saú- delos centrados nas etapas de tomada de deci-
de. Por exemplo, cobertura de plano de saúde é são e no comportamento individual; (b) mode-
um indicador tradicional de acesso nos Esta- los de interface, nos quais a utilização é produ-
dos Unidos, e importante atualmente no Bra- to da interação entre os indivíduos e os presta-
sil, mas inexpressivo nos países europeus que dores de serviço. Dentre os modelos existentes
dispõem de sistema de saúde com cobertura serão destacados neste artigo os seguintes: (a)
universal. O mesmo pode ser dito sobre os de- o modelo de crenças em saúde 23; (b) os mode-
terminantes da escolha do plano de saúde, pro- los de Andersen & Newman 7 e de Aday & An-
posto por Gold 18, que não compõem os mode- dersen 5; (c) o modelo de Dutton 24 e (d) o mo-
los explicativos do acesso em sistemas de saú- delo de Evans & Sttodart 25.
de baseados em seguro público de saúde. Va- O modelo comportamental baseado nas
riações nas coberturas a procedimentos espe- crenças dos indivíduos foi desenhado nos anos
cíficos, nos tipos de prestadores de serviços cre- 50 para explicar falhas na adesão aos progra-
denciados, nos incentivos financeiros para o mas de prevenção e detecção precoce de doen-
uso desses serviços, no emprego de outras me- ças. Posteriormente, esse modelo passou a ser
didas de racionamento do uso como o co-pa- aplicado na análise do comportamento dos in-
gamento, na existência de porta de entrada, de divíduos frente a sintomas e doenças e, sobre-
regras para encaminhamento de pacientes, no tudo, para estudar a aderência à prescrição te-
emprego de protocolos de cuidado e no moni- rapêutica 23. Ele busca explicar o comporta-
toramento de qualidade representam algumas mento dos indivíduos em relação à saúde e à
dessas características que diferenciam os mer- utilização dos serviços tomando por base as
cados de saúde. crenças, intenções e percepções dos riscos.
Starfield 17 distingue acesso de acessibilida- O comportamento dos indivíduos em rela-
de. Acessibilidade refere-se a características da ção à saúde depende se consideram suscetíveis
oferta e o acesso é a forma como as pessoas a um determinado problema de saúde, se acre-
percebem a acessibilidade. Outros autores 21 ditam na gravidade das conseqüências deste
também apontam que a forma como as pessoas problema e se acreditam que as ações de saúde
percebem a disponibilidade de serviços afeta a disponíveis podem trazer-lhes benefícios 23. A
decisão de procurá-los. Essa percepção é in- suscetibilidade percebida refere-se à percep-
fluenciada pela experiência passada com os ser- ção subjetiva do risco de ter doença. A gravida-
viços de saúde. Goddard & Smith 20 destacam o de percebida refere-se aos sentimentos e preo-
fato de que a disponibilidade de serviços pode cupações com relação a uma doença e suas
também não ser de conhecimento de todos e conseqüências na saúde (morte, dor ou inca-
que diferentes grupos populacionais variam no pacidade) e nas condições de vida (condições
grau de informação que possuem sobre os ser- de trabalho, vida familiar e relações sociais). A
viços a eles disponíveis. Desse modo, a expe- probabilidade do indivíduo adotar uma “ação
riência com os serviços e as informações que de saúde” é influenciada por três componen-
deles dispõem influenciam a forma como as tes: (a) a propensão à ação; (b) a avaliação das
pessoas percebem as dificuldades/facilidades vantagens e dos inconvenientes de adotar esta
para obterem os serviços de saúde de que ne- ação; e (c) os estímulos internos e externos pa-
cessitam e, portanto, o acesso aos mesmos. ra adotá-la. O balanço entre benefícios e barrei-
ras percebidas com relação à ação a ser adota-
da é descrito como uma análise inconsciente
Utilização de serviços de custo-benefício em que indivíduos pesam
os ganhos da ação contra a percepção de que
As primeiras tentativas de desenvolvimento de esta ação pode ser custosa, perigosa, desagra-
modelos teóricos sobre a utilização dos servi- dável ou inconveniente. A ameaça notada e a
ços de saúde datam das décadas de 50 e 60, des- percepção de que os benefícios são superiores
tacando-se como precursores o modelo de cren- às barreiras para ação são os elementos-chave
ças em saúde (health belief model), apresenta- para a adoção de uma determinada ação pre-
do na década de 50, e o modelo de Andersen 6 ventiva ou prescrição terapêutica 23.
de 1968. Esses modelos ganharam maior com- Dentre esses modelos de explicação da uti-
plexidade e evoluíram com base nos conceitos lização de serviços de saúde existentes, aquele
e relações neles esboçados. proposto por Andersen & Newman 7 tem sido o
Haddad 22 realizou uma extensa revisão bi- mais aplicado tanto nos estudos de utilização,
bliográfica sobre os modelos explicativos do quanto nos estudos de acesso. Neste modelo,
Resumo Colaboradores
O objetivo deste artigo é rever os conceitos de acesso e C. Travassos e M. Martins participaram de todas as
de utilização de serviços de saúde, identificando pon- etapas de levantamento e revisão bibliográfica, estru-
tos de distinção e articulação existentes entre ambos. turação e redação do texto.
Acesso é um conceito complexo, geralmente emprega-
do de forma imprecisa e que muda ao longo do tempo
e de acordo com o contexto. A utilização dos serviços
de saúde representa o centro do funcionamento dos
sistemas de saúde. Apesar das divergências, predomi-
na a visão de que o acesso relaciona-se a característi-
cas da oferta de serviços. O uso de serviços é uma ex-
pressão do acesso, mas não se explica apenas por ele.
Fatores individuais predisponentes e contextuais tam-
bém influenciam o uso. Observa-se uma tendência de
ampliação do escopo do conceito de acesso, com deslo-
camento do seu eixo da entrada nos serviços (uso) pa-
ra os resultados dos cuidados recebidos. O acesso é vis-
to pelo seu impacto na saúde e dependerá também da
adequação do cuidado prestado. Finalmente, destaca-
se que determinantes da saúde diferem daqueles do
uso de serviços e que a utilização de serviços impacta
diretamente a doença, mas apenas indiretamente a
saúde.
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