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JUN/JUL/AGO - 2009 - Nº 47 1

Índice
PETRÓLEO 5 DIREITO 7 Expediente

Think Tank - A Revista da Livre-Iniciativa


Ano XIII - no 47 - Jun/Jul/Ago - 2009

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
O PRÉ-SAL E A CRISE ECONÔMICA INVIOLABILIDADE DOS DEPARTAMENTOS Arthur Chagas Diniz
Adriano Pires JURÍDICOS DAS EMPRESAS Elcio Anibal de Lucca
Rodrigo Mattos V. de Almeida Alencar Burti
Paulo de Barros Stewart
Jorge Gerdau Johannpeter
ESPECIAL 10 DESTAQUE 11 Jorge Wilson Simeira Jacob
José Humberto Pires de Araújo
Raul Leite Luna
Ricardo Yazbek
Roberto Konder Bornhausen
Romeu Chap Chap
CONSELHO EDITORIAL
Arthur Chagas Diniz - presidente
Alberto Oliva
Aloísio Teixeira Garcia
Antônio Carlos Porto Gonçalves
Bruno Medeiros
O BOM, O MAU E O FEIO O DIREITO “ALTERNATIVO”: Cândido José Mendes Prunes
Uma visão liberal do fato IN DUBIO PRO MARX! Jorge Wilson Simeira Jacob
José Luiz Carvalho
Ubiratan Jorge Iorio Luiz Alberto Machado
Nelson Lehmann da Silva

MATÉRIA DE CAPA 15 POLÍTICA 19 Octavio Amorim Neto


Roberto Fendt
Rodrigo Constantino
William Ling
Og Francisco Leme e
Ubiratan Borges de Macedo
(in memoriam)

DIRETOR / EDITOR
Arthur Chagas Diniz

JORNALISTA RESPONSÁVEL
CRISE E EMPREGO DEMOCRACIA, ESTADO DE DIREITO... Ligia Filgueiras
Guilherme Afif Domingos Eduardo Viola e Héctor R. Leis RG nº 16158 DRT - Rio, RJ
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26
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LEI DOS CIBERCRIMES
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Sua opinião é da maior impor- Editorial
tância para nós. Escreva para
Banco de Idéias.

s leitores de Banco de Idéias quezas são um fruto mágico da na-


Ao Editor, O frequentemente nos questio- ção que o Estado deve administrar
nam sobre a ausência de alguns “com justiça”. O corolário é que nin-
Tenho assistido inúmeras in- guém parece ter que fazer um es-
vasões de terra, aqui perto do temas que estão em debate na con-
Recife, onde moro. As desocu- juntura. Em função de sua trimes- forço maior para melhorar de vida.
pações são muito demoradas, tralidade, a revista se vê obrigada Chávez, Lugo, Correa e Morales
embora os invasores não ques- a não refletir sobre alguns temas são exemplos dessa nova raça de
tionem o direito do proprietário a candentes, como, por exemplo, os populismo mascarada de demo-
essas terras. De um modo geral, casos dos escândalos éticos ocor- cracia.
eles abatem cabeças de gado, ridos no Senado e as implicações da O economista e escritor Rodrigo
destroem plantações e, quando o abertura de uma CPI da Petrobras. Constantino usa as palavras de
proprietário consegue retomar o No caso do Senado, já está Hayek para descrever o que é o
uso de suas terras, não recebe sendo processado por corrupção o sindicalismo. Diz o ilustre econo-
nenhuma indenização pelos pre- diretor administrativo da casa e os mista austríaco: “o poder sindical é
juízos incorridos. O que preten- senadores “absolvidos” pelo uso essencialmente o poder de privar
dem esses invasores do MST, e amoral de sua “cota” de passagens. alguém de trabalhar com salários
porque a justiça brasileira é tão A CPI da Petrobras envolve um cu- que estaria disposto a aceitar”. O
leniente? rioso jogo de chantagens e cor- sindicalismo brasileiro tem uma si-
rupção. Não é segredo para nin- nistra associação com o Estado que
Maria do Carmo Rosário impõe a todos os trabalhadores,
Recife – PE
guém que a estatal, a maior em-
presa do Brasil, é também uma cam- sindicalizados ou não, um imposto
peã de irregularidades no terreno geral correspondente a um dia de
Prezada leitora, das concorrências. O governo está trabalho.
tentando configurar a apuração O artigo de Ubiratan Iorio afirma
Embora não exista qualquer como uma manobra para privatizar que no Brasil de hoje o Legislativo
justificativa para leniência em a empresa. não legisla; quem o faz é o Exe-
relação a crimes que caracterizam Nesta edição contamos com uma cutivo, com medidas provisórias, e
agressões ao direito de proprie- avaliação de Guilherme Afif Do- o Judiciário, com base na doutrina
dade, o aparelho judiciário em mingos sobre “crise e emprego”. O do direito alternativo e mediante o
alguns estados da União pratica autor avalia que o Brasil está pre- ativismo judicial militante.
o que chamamos de direito parado para enfrentar a crise em O advogado Rodrigo Mattos
alternativo. Isso significa que lá a seus aspectos mais delicados, já que Vieira de Almeida, avaliando a
justiça não trata a questão sob a tem forte superávit na balança co- questão da inviolabilidade dos de-
ótica da legalidade, mas trata mercial, baixo endividamento partamentos jurídicos das empresas,
diferentemente os desiguais, internacional, câmbio flutuante e que já foram, algumas vezes, vítimas
contra o que preceitua a lei. volume confortável de reservas da Polícia Federal, tem sobre o
Quando é autorizada a ação de assunto uma opinião clara e de-
reintegração de posse, os pro-
cambiais. O problema, diz Afif, é a
questão do emprego. Na grande finitiva: “É a inviolabilidade que de-
prietários contam com a má
vontade do governo local. São Paulo, segundo o DIEESE, a fende as garantias constitucionais,
O MST, que é hoje em dia taxa de 14,9% põe à margem do dando aos clientes direito à ampla
uma excrescência, pratica uma mercado cerca de 1,5 milhão de defesa.”
política de invasões cuja essência trabalhadores. O encarte desta edição é um
não é a ocupação da terra em si, Adriano Pires avalia os benefícios trabalho original do Prof. Eduardo
mas o questionamento do direito e os riscos da descoberta de enor- Chaves, que avalia a qualidade do
de propriedade. Quanto ao mes reservas de petróleo no pré-sal ensino superior da elite brasileira.
ressarcimento de prejuízos, o pro- brasileiro e as alternativas para sua Ele vê o Brasil, nesse aspecto, extre-
prietário que teve sua terra in- exploração. mamente mal posicionado interna-
vadida, não tem nenhum ressar- Eduardo Viola e Héctor R. Leis, cionalmente.
cimento e paga, ainda os custos dois renomados professores uni- Em NOTAS, igualmente anexo a
de sua ação penal, porque o versitários, afirmam que a América esta edição, são analisados pro-
MST não existe juridicamente. do Sul vive um momento político jetos de lei que vão de cibercrimes
extremamente infeliz com o ressur- até a divulgação eletrônica de
Envie as suas mensagens para gimento de um populismo que se pedofilia.
a rua Rua Maria Eugênia, 167 - supunha extinto. É um enorme re- Na última página da revista,
Humaitá - Rio de Janeiro - RJ - Rodrigo Constantino faz a crítica do
22261-080, ou ilrj@gbl.com.br.
trocesso político, pois o populismo
contraria a economia de mercado livro Regulação Privada, de Yesim
e “vende” a imagem de que as ri- Yilmaz.

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Petróleo

O Pré-sal e a crise econômica


Adriano Pires
Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)

D urante os primeiros nove


meses de 2008 o pré-sal
foi o assunto da moda. Só se
nem todos nós conhecemos
futebol a ponto de escalar o
melhor time, nem tampouco
tecnicamente e com muito
pouca experiência sobre o
assunto dando opiniões como
falava no pré-sal, todos co- possuímos a capacidade para se fossem especialistas, tanto
nheciam, todos tinham a dar a melhor solução a um em pré-sal como em seleção
solução e todos sabiam onde assunto da complexidade do brasileira.
buscar os recursos e como pré-sal. E por que isso ocorre? Com a chegada da crise e
aplicar essa riqueza que Deus Porque no Brasil a merito- a queda no preço do barril
deu ao Brasil. Isso lembra a cracia está cada vez mais do petróleo o pré-sal saiu de
seleção brasileira de futebol. sendo deixada em segundo cena, e agora a dúvida é se
Todos os brasileiros são plano, em favor das dis- os investimentos serão man-
técnicos, do presidente ao cussões estritamente políticas tidos. Dependendo da profun-
mais humilde cidadão. É aí e ideológicas. Daí o que se vê didade da crise e do preço do
que reside o perigo, porque são pessoas despreparadas barril do petróleo é possível

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Petróleo

que o pré-sal deixe de ser uma talvez seja a mais bem preparada, mais lembrar que com esse marco
reserva econômica e passe a ser terão uma tarefa nada fácil para legal a Petrobras alcançou re-
uma reserva estratégica para o extrair o petróleo do pré-sal de cordes de produção e lucro.
Brasil. De toda forma, o bilhete maneira economicamente viável. Investiram no país cerca de 71
premiado do pré-sal continua O segundo desafio é de ordem empresas privadas, o país tornou-
existindo, e a crise pode nos dar econômica. Esse desafio cresceu se autossuficiente e o campo de
a chance de discutirmos com mais exponencialmente com a che- Tupi foi descoberto. O atual re-
calma e seriedade essa questão gada da crise e com o desaba- gime jurídico das concessões dá
fundamental para o futuro do país. mento do preço do petróleo. A maior garantia aos investidores,
A primeira providência é sermos Petrobras terá de conviver nos permite parcerias e é o mais
menos ufanistas. A segunda é o próximos trimestres com um preço transparente no que se refere à
nosso presidente ser menos captação e à distribuição da renda
populista. Vamos deixar de lado a petrolífera que fica em poder do

“Vamos
discussão política e ideológica e estado brasileiro. Sendo esse
substituí-la por uma mais técnica. discutir regime jurídico o mais adequado,
Para transformar o pré-sal de os critérios não tem o menor fundamento
potencial em uma verdadeira e a melhor econômico nem tampouco estra-
riqueza vamos ter de enfrentar tégico a criação de uma nova
dois grandes desafios. O primeiro sistemática empresa estatal. A única moti-
é o desafio tecnológico. A profun- para distribuir vação que enxergamos é a po-
didade em que se encontram os toda essa riqueza lítica. Com a estatal o governo
reservatórios de petróleo fará com teria mais liberdade de gastar a
que a exploração dos campos do
para a sociedade riqueza do pré-sal em projetos
pré-sal seja um dos maiores brasileira. Com políticos. Quando o governo
desafios tecnológicos já enfren- menos politização afirma que se baseia no modelo
tados pelas empresas de petróleo. da Noruega para a criação da
Um dos principais problemas é
e menos ideologia nova estatal, tenta nos seduzir
em relação à composição geoló- com certeza o com um exemplo de país que
gica das áreas a serem perfu- pré-sal poderá possui uma realidade que todos
radas. Após uma lâmina de água transformar para desejamos para o Brasil. No


de 2000 metros de profundidade entanto, as declarações lembram
é preciso perfurar uma camada melhor o Brasil. mais o modelo venezuelano do
de mais 2000 metros de rochas que o norueguês. No ambiente de
e, depois, ainda mais 2000 quilô- crise não faz sentido aumentar as
metros de sal. Segundo técnicos, de barril baixo, crédito escasso e participações especiais, e é preciso
a esse nível de profundidade existe será obrigada a reduzir custos e muito cuidado e clareza na apli-
uma pressão intensa, e o sal despesas. Portanto, como e onde cação do conceito de unitização
possui características fluidas que conseguir o dinheiro para trans- dos campos do pré-sal.
dificultam enormemente a per- formar o pré-sal em riqueza? Os Vamos aproveitar o momento
furação. Outra barreira tecno- investimentos necessários, calcu- da crise e discutir o pré-sal em
lógica são os dutos que conectam lados por bancos e por inúmeros etapas. Primeiro vamos investir no
as unidades de produção até as especialistas, são astronômicos: conhecimento tecnológico, na
plataformas. Esse talvez seja um variam de US$600 bilhões a um construção de modelos que finan-
dos maiores obstáculos a serem US$1 trilhão nos próximos 30 ciem os investimentos, dando
superados. Os dutos precisam ser anos. Essa variação depende dos segurança regulatória com a
muito leves, já que serão carre- volumes de petróleo que poderão manutenção do atual regime
gados por um navio ou plata- ser extraídos. As estimativas são jurídico de concessões. Depois
forma a que estiverem conec- de 50 bilhões de barris de petróleo vamos discutir os critérios e a
tados, e terão que resistir a anos a 100 bilhões a um custo de ca- melhor sistemática para distribuir
de correnteza e corrosão, além da pital da ordem de US$12 por toda essa riqueza para a socie-
presença do dióxido de enxofre barril. Isso significa de 40 a 60% dade brasileira. Com menos po-
que se encontra na camada pré- do PIB brasileiro. litização e menos ideologia com
sal. Enfim, as empresas petro- O primeiro passo é manter o certeza o pré-sal poderá trans-
líferas, incluindo a Petrobras, que atual marco legal. Nunca é de- formar para melhor o Brasil.

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Direito

Inviolabilidade dos departamentos


jurídicos das empresas
Rodrigo Mattos Vieira de Almeida
Advogado

ando o Direito deixa de ser


Q um núcleo mínimo de regras
essenciais à coesão da sociedade
e passa a ser um instrumento de
propaganda política e de enge-
nharia social, a segurança jurídica
e a certeza de se estar dentro da
legalidade diminuem, o que é pro-
fundamente danoso à liberdade
individual e às atividades econô-
micas.
O contencioso contra o Estado
representa um fardo pesado. Todo
o esforço em busca de eficiência,
premiado pelo lucro, pode ruir em
virtude de uma interpretação
jurídica equivocada da legislação
fiscal, administrativa, ambiental
ou penal, donde a consulta prévia
a advogados externos e aos de-
partamentos jurídicos das em-
presas, a fim de minimizar os
riscos de infração involuntária à
legislação. Mas, por vezes, a dinâ-
mica dos negócios não espera por
um parecer jurídico. Amiúde as
questões jurídicas são submetidas
aos advogados depois que de-
cisões empresariais já foram exe-
cutadas.
A advocacia é objeto de ex-
pressa referência na Constituição
Federal (art. 133), que estabelece
ser o advogado indispensável à consultoria, assessoria e direção escritórios de advocacia e depar-
administração da Justiça, sendo jurídicas. tamentos jurídicos das empresas.
inviolável por seus atos e mani- Em vista das garantias de Essa situação de evidente
festações no exercício da profis- inviolabilidade do advogado, abuso de autoridade levou à
são, nos limites da lei. dadas pela Constituição e pelo edição da Lei nº 11.767/2008,
Regulamenta a Constituição o EOAB, não deixavam de ser a fim de reafirmar o direito do
Estatuto da Advocacia (EOAB), estranhas as frequentes notícias advogado à inviolabilidade de seu
aprovado pela Lei nº 8.906/94. de ações policiais, chanceladas escritório ou local de trabalho, de
Segundo o EOAB, além da postu- pelo Judiciário, executando a seus instrumentos de trabalho, de
lação em Juízo são atividades busca e a apreensão de docu- sua correspondência escrita,
privativas da advocacia as de mentos e computadores em eletrônica, telefônica e telemática,

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Direito

desde que relativas ao exercício referido Estatuto nem mesmo ga- advogado somente se torna
da advocacia. rantiria inviolabilidade de escri- violável, nos termos do artigo 7º,
A inviolabilidade do escritório tórios quando seus clientes partici- §§5º e 6º, do EOAB, quando
ou local de trabalho e as demais passem como autores, co-autores “presentes indícios de autoria e
prerrogativas do advogado ope- ou partícipes de crimes, sendo materialidade da prática de crime
ram em favor dos clientes, como objeto de persecução penal. por parte de advogado”. Nesta
projeção das suas garantias O primeiro argumento é fala- hipótese, “a autoridade judiciária
constitucionais ao devido processo cioso e inveraz, porque, nos competente poderá decretar a
legal e à ampla defesa. Quando termos do EOAB, a inviolabilidade quebra da inviolabilidade” do
pede um parecer jurídico ou aplica-se expressamente ao escritório ou local de trabalho do
quando contrata a defesa de uma escritório do advogado ou a seu advogado, de seus instrumentos
causa, o cliente passa ao advo- “local de trabalho”. Esta última de trabalho e de sua correspon-
gado informações que devem expressão, à evidência, inclui as dência escrita, eletrônica, tele-
permanecer em regime de segredo salas ocupadas pelos departa- fônica e telemática. A decisão
profissional. mentos jurídicos das empresas, judicial, contudo, deverá ser mo-
Se o Estado tem acesso utilizadas como “local de tra- tivada e o respectivo mandado
àquelas informações, bem como balho” pelos advogados empre- de busca e apreensão, espe-
às notas dos advogados em gados, cuja isenção técnica e cífico e pormenorizado, cum-
relação às mesmas, ocorre a independência profissional, ine- prido na presença de repre-
negação do devido processo legal rentes à advocacia, por definição sentante da OAB.
e a inviabilização do direito de legal não são reduzidas nem Ainda assim, violado o local de
defesa, com a subversão dos prin- prejudicadas pela relação de trabalho dos advogados internos
cípios que regem a distribuição do emprego. de uma empresa, vale dizer, o
ônus da prova em juízo e perante A expressão “local de tra- departamento jurídico, os papéis,
a administração pública. balho” é reiteradamente utilizada arquivos, anotações, correspon-
Em verdade, os direitos e ga- na CLT, de modo que ninguém dência, comunicações internas
rantias citados beneficiam o pode ter dúvida sobre a inviola- entre os advogados internos e a
indivíduo contra a ação arbitrária bilidade das áreas reservadas aos diretoria somente poderão ser
do Estado e seus agentes. São departamentos jurídicos das em- devassados na hipótese de in-
escudos de proteção individual, presas. dícios e materialidade da prática
em face do poder de coação do O segundo argumento da- de crime pelos advogados in-
Estado armado, detentor do quela decisão judicial não é menos ternos, na qualidade de co-
monopólio do uso da força. Esse falacioso do que o primeiro, autores ou partícipes desse
é o sentido e o resultado da porque o local de trabalho do mesmo crime, em conjunto com
evolução jurídico-política da
civilização ocidental cristã.
Apesar do advento da Lei nº
11.767/2008, os ataques à
inviolabilidade dos advogados
continuaram, também atingidos
os departamentos jurídicos das
empresas.
Pela mídia, fica-se a saber que
foi deferida busca e apreensão
numa conhecida empresa de
construção civil, sem ressalvar as
dependências do seu depar-
tamento jurídico. A Ordem dos
Advogados tomou a iniciativa de
requerer fosse feita a ressalva,
mas a autoridade judiciária
indeferiu o pedido, argumentando
que: o EOAB só conferiria invio-
labilidade ao “escritório de advo-
cacia autônomo”, excluídos os A Constituição Federal (art. 133) estabelece ser o advogado indispensável
advogados empregados; e que o à administração da Justiça.

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Direito

os representantes legais da guardar segredo, salvo se, deso- classes mais desfavorecidas (‘pre-
pessoa jurídica empregadora. brigadas pela parte interessada, conceito de classe’)”.
Somente nesta hipótese é que quiserem dar o seu testemunho”. Esse argumento seria tolo, se
poderão ser violados docu- Essa lógica perversa da ação não fosse perverso. Primeiro,
mentos, mídias e objetos con- do Ministério Público e das porque os segredos de “clientes-
fiados ao departamento jurídico autoridades policiais, chancelada investigados de outras profissões”
da empresa, bem como os demais frequentemente pelo Judiciário, só são igualmente protegidos pelo
instrumentos de trabalho dos não é óbvia para uma mente artigo 153 do Código Penal.
advogados empregados que totalitária ou estatista. Mas, la- Segundo, porque reproduz a
contenham informações sobre a mentavelmente, o senso comum dialética da luta de classes no
empresa empregadora. dos juristas, agora designados âmbito do processo penal, agora
Tais indícios de autoria de “operadores do direito”, tem sido contrapondo os “com advogado”
crime, contudo, não poderão objeto de profunda mudança. aos “sem advogado”.
recair sobre atos que sejam É argumento que faz eco do
privativos da advocacia, pois o totalitário sistema judiciário

“ Adoinviolabilidade
advogado é inviolável por seus soviético, através do qual a “dire-
atos e manifestações no exercício ção da vanguarda do prole-
da profissão. Logo, a emissão de escritório ou tariado” e a “classe trabalhadora
pareceres jurídicos sobre atos ou como um todo” pretenderam
fatos do cliente (a empresa) ou o local de trabalho “construir uma nova sociedade”,
exame de tais fatos ou atos para e as demais e cujas decisões deviam ser um
o patrocínio de uma causa jamais “instrumento definitivo de obra
poderão configurar indícios de prerrogativas do política e de propaganda edu-
prática, co-autoria ou partici- advogado operam cacional, jurídica e política”. Nada
pação em crime pelo advogado
interno, em conjunto com a
em favor dos mais óbvio.
Nesse quadro, as garantias
empresa empregadora, através clientes, como constitucionais e legais trans-
de seus representantes legais. projeção das formam-se em fórmulas ocas,
Entender de outra forma será despidas de eficácia, ante o
violar segredos legalmente suas garantias engajamento político-ideológico
protegidos pelos artigos 153 e constitucionais ao de autoridades policiais, de
154 do Código Penal. Os advo- devido processo membros do Ministério Público e
gados e outros profissionais da Magistratura.
depositários de segredos incor- legal e à ampla A solução estaria na mudança
reriam em crime, se entregassem
documentos confidenciais de seus
clientes ou se contra estes
defesa.
” de mentalidade jurídica ou na
responsabilização penal efetiva
dos recalcitrantes, nos termos do
depusessem em Juízo. Então, artigo 3º, alínea “j”, da Lei nº
basta incluí-los como co-investi- No caso da decisão judicial 4.898/65, que estabelece cons-
gados, ao lado de seus clientes, citada, para justificar a busca e a tituir crime de abuso de auto-
para evitar que as prerrogativas apreensão nas salas reservadas ridade “qualquer atentado aos
e deveres legais da profissão aos advogados, a autoridade judi- direitos e garantias legais asse-
“atrapalhem” as investigações. ciária sustentou que agir de outra gurados ao exercício profis-
E arquivos profissionais são maneira importaria criar uma sional”.
devassados e advogados são distinção entre “clientes-inves- Contudo, em sede de respon-
levados a depor em Juízo, ou tigados de advogados” e “clientes- sabilização penal o abuso de
mesmo perante autoridades investigados de outras profis- autoridade, nesses casos, só será
policiais ou administrativas, para sões”, com desvantagem para efetivamente reprimido quando a
se defenderem de acusações que estes, que poderiam alegar titularidade da ação penal for
lhes sejam imputadas. Assim, com “sentimento experimentado de tra- outorgada aos ofendidos e à
um golpe de mão, supera-se a tamento não igualitário, aliás, o OAB, a fim de que se processe o
proibição do artigo 207 do que é sentido pelo cidadão comum crime, mediante queixa, indepen-
Código de Processo Penal: “São quanto à alegada desigualdade dentemente da vontade do
proibidas de depor as pessoas de repressão penal, a consciência Ministério Público. Enquanto isso
que, em razão de função, minis- de que a injustiça é mais aguda e não ocorrer, os abusos conti-
tério, ofício ou profissão, devam a justiça mais severa para as nuarão a suceder-se.

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Especial
Uma visão liberal do fato

s providências tomadas pelo que de pior aconteceu no país, Senado e a Câmara dos
A brigadeiro Nicácio Silva, O nos últimos meses, foram as O Deputados têm mostrado ao
presidente da Infraero, determinando enchentes ocorridas em Santa país um nível de falta de seriedade
a demissão de um numeroso lote de Catarina e no Norte/Nordeste acima de qualquer expectativa. As
apadrinhados políticos na estatal foi brasileiro. Uma das marcas mais chamadas verbas para passagens
o fato mais marcante do último visíveis do resultado das enchentes estão sendo utilizadas pelos repre-
trimestre. é o fato de estarem sem escola cerca sentantes do povo e das diferentes
Entre os demitidos estão o irmão de 400 mil estudantes de nível unidades da federação de maneira
do líder do governo no Senado, primário e secundário, com a arbitrária. O pior é que os presi-
Romero Jucá, além da ex-mulher do ocupação das escolas como dentes das duas casas são clientes
deputado Henrique Eduardo Alves, moradias temporárias para os desse esquema de corrupção. A
liderando a “limpeza” que deve atingidos pela calamidade. O utilização da verba de Sarney não foi
resultar na demissão de um total Governo Federal não se pronuncia divulgada, mas a de Roseana, sua
de 97 funcionários. e a partir do presidente Lulla, todos filha senadora, foi utilizada para
O brigadeiro Nicácio Silva, os mandatários têm receio de se trazer amigos do Maranhão para um
infelizmente, terá que retornar aproximar dos locais das catástrofes fim de semana em Brasília.
aos quadros da Aeronáutica. e ser automaticamente associados a Até agora nada aconteceu aos
A demissão dos apadrinhados é a elas. E a quem cabe, afinal, a infratores, que alegam não haver
primeira etapa de um processo responsabilidade por essas qualquer restrição ao uso desses
para a privatização da Infraero que, catástrofes que episodicamente recursos público/privados. Já na
durante longo período de tempo, ocorrem sempre nos mesmos Câmara dos Comuns, na Inglaterra,
foi presidida por políticos mais lugares? O poder público não a ocorrência de problemas similares
interessados na geração de investe na recuperação das obras levou a presidente daquela casa à
caixa para os seus partidos ou públicas inauguradas por outros renúncia. A oposição acha que o
enriquecimento particular. mandatários. É comum encontrar primeiro ministro James Brown foi
O TCU, em diversas ocasiões, orçamentos de investimento, tanto muito lento para reagir, e pede
apontou graves irregularidades nas em nível federal quanto estatal ou novas eleições.
contratações das obras de diversos municipal, onde não existe nenhuma A grande diferença entre o caso
aeroportos, sendo de destacar que rubrica como manutenção ou brasileiro e o inglês é a chamada
quase sempre as obras atendiam a depreciação. Quaisquer que sejam opinião pública. Lá ela vai às ruas
atividades colaterais (construção de as obras, hospitais, colégios, pontes, para reclamar da amoralidade. Aqui
lojas) e não às atividades fins dos estradas, equipamentos ou a opinião pública que poderia
aeroportos reformados ou armazéns, antes de se expandir acessar deputados e senadores é a
reformatados. Vale à pena a aquilo que já existe tem que haver de Brasília, uma cidade superlotada
companhar o que vai suceder à manutenção, o que não ocorre. de funcionários públicos que para lá
Infraero depois da saída do De outro lado, as populações com se transferiram com o
brigadeiro Nicácio Silva. baixo nível de renda tendem a dobro do salário e
ocupar espaços de risco, e as não podem ser
prefeituras ignoram a representativas da
ocupação. opinião pública
do país.

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Destaque

O direito “alternativo”: in dubio pro Marx!


Ubiratan Jorge Iorio
Doutor em Economia pela FGV/EPGE, Professor da UERJ e presidente do CIEEP –
Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista

INTRODUÇÃO os campos da ação humana, do o Direito, mas isso não é argu-


Direito à Economia, da Política mento para que juízes devam
m fenômeno que escapa à à Sociologia, da Psicologia à postar-se acima delas, por mais
U percepção da população e Antropologia, das Artes à Cultura, nobres que sejam as suas inten-
é sistematicamente omitido pela fazendo emergir o fatal conceit, ções. Tal silogismo é um embuste
mídia, embora tenha repercussões aquela pretensão fatal tão bem ideológico disfarçado.
importantes sobre o ordenamento apontada por Hayek: a crença Organizações sociais conta-
social – vale dizer, econômico, cega em que as “soluções polí- minadas pelo relativismo provo-
político, jurídico e, em última ticas” seriam superiores às ge- cam confusão deliberada dos
instância, ético e moral –, é o da radas de forma espontânea em negócios de Estado, que devem ser
politização do Poder Judiciário e cada um dos subsistemas que permanentes, com os de governo,
das atividades de informação e de compõem as sociedades. Tal que precisam ser transitórios. Não
Inteligência do Estado, com os crença semeou práticas e institui- é por acaso que a politização do
conflitos que acarreta entre os três ções que levaram à colheita dos Judiciário, com a consequente
poderes, de efeitos negativos grandes males ideológicos do apropriação das atividades de
sobre a democracia. século passado, como o nacional- inteligência e de polícia por parte
A gênese desse processo de socialismo e o comunismo. do governo e seu afastamento dos
politização é o relativismo moral No campo jurídico, o relati- objetivos de Estado, pode ser
niilista de tintas nietzschianas, que vismo de adornos marxistas encontrada tanto na Alemanha de
lançou uma deliberada nuvem armou-se com o escudo da Hitler quanto na antiga União
cinzenta sobre a fronteira ética Doutrina do Direito Alternativo ou Soviética e em outros países que
demarcatória entre o certo e o Paralelo e com a lança do ativismo optaram por sistemas autoritários.
errado e que se espraiou, a partir judicial. A pedra angular desses Ainda hoje essa nefanda prática
da segunda metade do século XIX princípios é que, como a lei não pode ser claramente observada
e durante o século XX, por todos esgota o Direito, os juízes devem em países como Cuba, Coréia do
assumir posturas “críticas” diante Norte, Vietnã do Norte e China, e
dela, o que os autoriza a deixarem vem sendo progressivamente
de aplicá-la, caso considerem-na implantada por governos como os
“injusta”. De fato, como nem todas da Venezuela, Equador, Bolívia,
as leis são justas a lei não esgota Paraguai e outros.

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Destaque

A politização do Poder Judi- “lutas de classes” retira do Direito cessuais, prazos e normas, tudo
ciário, da polícia e dos órgãos de o seu atributo de ciência nor- em nome de uma aludida e
Inteligência do Estado é um mativa. Segundo, porque o juiz sempre nebulosa “justiça social”.
campo fértil – como atesta sobe- não pode substituir o legislador. Por conta do voto ideológico, por
jamente a História – para a ascen- Terceiro, porque se uma deter- exemplo, nas demandas traba-
são ao poder de ideologias que, minada lei é “injusta”, o correto é lhistas empresas governamentais
mais do que submeterem o cida- que o Legislativo a revogue e não sempre levam a melhor, enquanto
dão ao Estado, o escravizam aos que o juiz a modifique de acordo que, quando o litígio é em em-
governos, tolhendo a sua liber- com o que pensa com os seus presas privadas, o vitorioso difi-
dade. É um mal que precisa ser botões. Quarto, porque defender cilmente é o patrão. A Doutrina
neutralizado pelo aperfeiçoa- que juízes não sejam imparciais é do Direito Alternativo, além de
mento das instituições. uma agressão ao bom senso. incompatível com uma sociedade
Quinto, porque lhes confere democrática, é uma perigosa
A DOUTRINA DO “DIREITO aberração ideológica, jurídica,
ALTERNATIVO OU PARALELO” econômica, política e ética, assim

“ doA Doutrina
resumida: in dubio pro Marx...
É preocupante quando uma A proliferação de adeptos
doutrina sustenta que um juiz está Direito dessa doutrina é mais uma dentre
acima da lei, submetendo-a a suas tantas demonstrações de que o
preferências ideológicas ou
Alternativo, além processo gramsciano de ocu-
partidárias individuais sob o de incompatível pação de todos os espaços no
pretexto de que seria dever do com uma sociedade âmbito da sociedade está em
Direito realizar “transformações estágio avançado de andamento.
sociais”, uma vez que a lei seria democrática, O recente caso do promotor
produzida pelos que estão no é uma perigosa Gilberto Thums – do Conselho
poder e, portanto, refletiria os aberração Superior do Ministério Público do
interesses da classe dominante Rio Grande do Sul e um dos que
(burguesia), em detrimento do ideológica, aprovaram um relatório no final
proletariado. A Doutrina do Direito jurídica, econômica, de 2007 pedindo a dissolução do
Alternativo, também denominado MST – que, sob pressão de muitos
Direito Paralelo e Direito Insur- política e ética, de seus pares, abandonou o
gente, repudia os princípios con- assim resumida: duelo que travava com o movi-
sagrados de neutralidade da lei e in dubio pro mento, que considera uma “orga-


de imparcialidade do juiz. A lei nização criminosa” e um braço de
não seria neutra porque se origina Marx... guerrilha da Via Campesina,
do poder dominante, e o juiz não atesta esse fato.
deveria ser imparcial porque deve
julgar os fatos subjetivamente e poderes exorbitantes, dotando-os O “ATIVISMO JUDICIAL”
posicionar-se tendo em vista ob- de um livre arbítrio que pode ser E O PROCESSO DE POLITIZAÇÃO
jetivos “sociais” (ou seja, “revo- calamitoso. Sexto, como cada DO JUDICIÁRIO
lucionários”), o que lhe aumenta cabeça é uma sentença, abre as
os poderes e lhe permite ques- portas para jurisprudências O Direito Alternativo respalda
tionar o conjunto de normais contraditórias, ou seja, para a o ativismo judicial militante
legais vigentes. O magistrado insegurança jurídica. Sétimo, nega manifestado em praticamente
entra dessa forma diretamente na o princípio do devido processo todos os tribunais e, de forma
“luta de classes”, abandonando legal, ou seja, a garantia de que mais forte, no STF, concentrando
sua postura de imparcialidade, ninguém pode ser atingido em poderes extraordinários em onze
que o “aprisionaria” dentro do seus bens e direitos sem o com- togas (dos atuais 11 ministros, 1
estrito cumprimento da lei. petente processo legal que res- foi nomeado por Sarney, 1 por
É uma visão ideológica do peite princípios constitucionais Collor, 2 por Fernando Henrique
Direito, supralegal e inteiramente diretivos, como o da legalidade, o e 7 por Lula, sendo que um deles
comprometida com o socialismo da isonomia e o do contraditório. por indicação de Frei Betto), em
distributivista, além de incompa- Segundo essa doutrina, para detrimento das instâncias judiciais
tível com a garantia das liberdades favorecer a parte vista como de base que, como ensina o
individuais. Primeiro, porque ao socialmente “excluída” não é Princípio da Subsidiariedade,
enfeixar o conceito marxista de preciso atender a ditames pro- estão sempre mais próximas dos

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Destaque

ciação Brasileira de Direito e Eco-


nomia, Luciano Benetti Timm,
critica o ativismo judicial e a poli-
tização do Judiciário, fornecendo
alguns exemplos das distorções
que essas práticas acarretam:

“Exemplos disso foram de-


cisões judiciais curiosas como a
do Tribunal Regional do Trabalho
(TRT) de Campinas, que, em um
dissídio coletivo, concedeu uma
liminar proibindo a demissão de
funcionários da Embraer. Ou de
um juiz do Estado do Mato
Grosso que suspendeu a busca
e apreensão de tratores e outros
implementos agrícolas pelas
instituições financeiras por meio
da concessão de uma liminar em
uma ação coletiva movida pelo
Sindicato dos Produtores Rurais,
a fim de que os produtores man-
tivessem a posse dos bens fi-
nanciados e não pagos. A mais
infeliz foi uma decisão do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul
O ativismo judicial é manifestado em todos os tribunais, inclusive no STF. (TJRS), que se negou a conceder
uma medida liminar de rein-
conflitos humanos inerentes aos públicos, o que, se lhes confere tegração de posse a um produtor
processos judiciais e em flagrante legitimidade legal e burocrática, rural de uma fazenda invadida
contradição com os requeri- não lhes dá nenhuma autoridade pelo Movimento dos Sem-Terra
mentos democráticos e federa- política que lhes outorgue o (MST) por não ter ele com-
listas. O ativismo exacerbado que privilégio de imporem suas opções provado o atendimento da fun-
podemos observar em várias político-ideológicas particulares ção social da propriedade,
decisões do STF, aliado à praxe de na efetivação de direitos. Além quando se sabe que o Código
Súmulas Vinculantes, subtrai o disso, sua formação técnica não de Processo Civil não exige esse
espaço de atuação constitucional contempla conhecimentos básicos requisito”.
e institucional do Legislativo. indispensáveis para a tomada de
Impõe também um risco ina- decisões nas searas da Admi- Outra faceta preocupante do
ceitável, o de tornar a Suprema nistração Pública e Privada. Em processo de politização do
Corte a solitária depositária de Judiciários politizados os magis- Judiciário é a ingerência que lhe
todas as reivindicações da socie- trados emitem juízos puramente impõe o Executivo, causada pelas
dade, já que os demais poderes, políticos, com fundamento em nomeações: é da natureza hu-
especialmente o Legislativo, vêm uma prerrogativa distorcida – “o mana que a mão que nomeia um
deixando de suprir as demandas controle difuso” –, sem respaldo magistrado permaneça esten-
que lhes cabe constitucionalmente na devida representatividade dida diante do escolhido, na
atender. Temas importantes, que política e sem responsabilidades expectativa de retribuição. Não é
deveriam ser debatidos à exaustão nas alocações de recursos por outra razão que o Executivo
nas suas instâncias adequadas – estabelecidas nos orçamentos. quase sempre leva a melhor
como, por exemplo, as questões Entre outros males, isso acarreta quando recorre ao STF, o que
do aborto e da demarcação de o esvaziamento dos objetivos e levou o jurista Paulo Bonavides a
terras indígenas –, passam a ser funções do Parlamento. Em artigo afirmar: “A Suprema Corte cor-
monopolizados pelo Judiciário. de 16 de março último, publicado rerá breve o risco de se trans-
No Brasil os juízes não são no jornal Valor Econômico, o formar em cartório do Poder
eleitos, pois prestam concursos advogado e presidente da Asso- Executivo”.

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Destaque

A ABIN, A POLÍCIA FEDERAL arapongas, delegados e magis- Governos autoritários de todos


FORÇA NACIONAL DE
E A trados com ligações partidárias os matizes apropriam-se do
SEGURANÇA PÚBLICA manifestas (alguns com pretensão Estado, com a usurpação do
de concorrer a cargos no Le- Executivo sobre os outros dois
Há um convescote de órgãos gislativo e no Executivo), ope- poderes. Em uma democracia não
nas áreas de Polícia e de rações policiais espalhafatosas, deve haver controle externo da
Inteligência. A ABIN é ligada à sinais de cisões internas na Polícia magistratura, pois é inadmissível
Presidência da República e tem a Federal e na ABIN, conflitos entre que um poder técnico, que deve
seu cargo exercer a atividade de o STJ e a OAB, juízes julgando apenas julgar de acordo com a
Inteligência. No papel, é um órgão política e ideologicamente, le- lei, seja controlado pelos demais,
de Estado e não um órgão de niência para com criminosos em mas no Brasil o Judiciário está-se
governo, e não pode ter qualquer geral, em especial para com tornando tão político como os
vínculo político- partidário, como transgressores de direitos de pro- outros dois poderes, daí com-
ocorre nas democracias maduras. priedade (os ditos “movimentos preender-se por que a maioria dos
O Departamento de Polícia magistrados e membros do
Federal é subordinado ao Minis- Ministério Público seja contra a Lei
tério da Justiça, com a função da Mordaça, que os obrigaria a
constitucional de exercer a
segurança pública para a pre-
servação da ordem interna e da
“hoje,NooBrasil de
Legislativo
falar apenas tecnicamente nos
autos, e não para a mídia.
No Brasil de hoje, o Legislativo
incolumidade das pessoas e do não legisla; quem não legisla; quem o faz é o
patrimônio. Também deve ser o faz é o Executivo, Executivo, com enxurradas de
apolítico. E a Força Nacional de Medidas Provisórias, e o Ju-
Segurança Pública, também com enxurradas diciário, com base na Doutrina do
subordinada ao Ministério da de Medidas Direito Alternativo e mediante o
Justiça, tem como alvo combater Provisórias, e ativismo judicial militante. A ira da
o crime organizado e suas população tem caído quase que
ligações com as polícias. Ora, o Judiciário, com exclusivamente sobre o Legis-
uma polícia para policiar as base na Doutrina lativo, que, convenhamos, tem
polícias, na melhor hipótese, é dado margens de sobra para esse
uma justaposição de atividades do Direito sentimento. O Executivo tem
que poderiam ser desempe- Alternativo promovido um aparelhamento
nhadas pelas demais e, na pior, o e mediante o político-partidário do Judiciário,
embrião de uma polícia política. bem como da Polícia de
Um indício disso é a ênfase em ativismo judicial Inteligência. Esse mesmo Exe-
“direitos humanos” na formação
de seus quadros, um equívoco
ideológico deliberado, já que
militante.
” cutivo – não custa lembrar –
tentou criar, em 2003, o Con-
selho Nacional de Jornalismo
qualquer bom policial sabe que e a Ancinav, monstrengos autori-
esse tipo de curso é abso- sociais” com tintas revolucio- tários que, vingados, teriam
lutamente dispensável. Quem leu nárias), tratamentos desiguais colocado as liberdades de im-
o livro Hitler e os Alemães, do para cidadãos constitucional- prensa, de criação e de expressão
filósofo Eric Voegelin, compreen- mente iguais (cotas, quilombolas, sob sua tutela. E, hoje, tenta
derá essas preocupações. reservas indígenas) e outros fatos derrubar a Lei Rouanet, com
graves, como a recente con- vistas a colocar a cultura e a arte
CONCLUSÕES cessão de asilo político ao cri- sob o seu tacão. Entretanto, o
minoso italiano Battisti e o in- perigo maior está na politização
O Direito Alternativo e a deferimento do pedido de asilo a do Judiciário, o derradeiro
politização do Judiciário, do atletas cubanos em 2006, que bastião da democracia e das
aparato policial e da Inteligência maculam as instituições demo- liberdades individuais. Defini-
vêm avançando no Brasil, impulso cráticas, minam a credibilidade do tivamente, muita coisa está
que ocorre, paradoxalmente, às Poder Judiciário e comprometem errada nas instituições brasi-
claras, mas sem que a mídia, a democracia. A imprensa divulga leiras. A impressão é que Temis,
também eivada de gramscismo, esses fatos de forma puramente a deusa da justiça, parece gostar
lhe dê o tratamento correto. São informativa ou sensacionalista, de levantar a venda para dar
suspeitas de escutas ilegais, sem apontar as suas causas. uma espiada na freguesia.

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Matéria de Capa

Crise e emprego
Guilherme Afif Domingos
Secretário de Estado do Emprego e Relações do Trabalho de São Paulo e presidente do
Programa Estadual de Desburocratização

ma das características da Alguns diagnósticos se ba- de um ciclo, e há os que apontam


U crise que assola o mercado seiam em uma visão ideológica e a falta de regulamentação do
financeiro internacional, e que atribuem a crise ao neolibera- mercado financeiro como causa
vem tendo um forte impacto ne- lismo, seja lá o que isso queira principal da crise. Argumentam
gativo sobre as economias da dizer, ou às falhas naturais do que o mercado financeiro, ao ser
maioria dos países, é a dificuldade mercado, e decretam o fim do ca- deixado livre, exagerou em suas
de se chegar a um diagnóstico pitalismo ou, pelo menos, a mu- operações com “derivativos” e pro-
claro de suas origens, dimensionar dança radical da economia em vocou o surgimento de “bolhas”
sua real profundidade e extensão todos os países, com maior inter- especulativas que estouraram e
e, em consequência, avaliar os venção e participação, em caráter produziram o caos na economia
possíveis resultados das medidas permanente, do Estado. Para ou- mundial. Alan Greenspan, que
adotadas pelos diversos governos. tros ela decorre do esgotamento conduziu o FED durante 18 anos

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Matéria de Capa

A recessão atingiu as economias


mais desenvolvidas, e seu preço mais
dramático vem sendo o desemprego

e era considerado o “oráculo” da privilegiar resultados de curto termos de seleção – procedimento


economia americana, passou a prazo, visando engordar os bônus que se generalizou para outras
ser acusado de responsável pela dos executivos e operadores, sem empresas.
crise por ter sempre se oposto à qualquer preocupação com a Em nome do “social”, não
regulamentação das operações segurança das operações. O apenas se abandonaram critérios
financeiras. Greenspan acre- expressivo crescimento do déficit de seleção dos candidatos como,
ditava que o sistema se autor- público norte-americano, com- segundo muitos depoimentos,
regularia, e que seria inútil qual- binado com um longo período de praticaram-se fraudes e irrespon-
quer tentativa de regulamentação, taxas de juros baixas, ou até sabilidades no financiamento
porque, segundo ele, o mercado negativas, pelas quais Greenspan habitacional, gerando hipotecas
é muito dinâmico, de sorte que, foi responsável durante muito que não garantiam os débitos. Os
“enquanto se estuda o que fazer, tempo, propiciou um ciclo pro- bancos, por sua vez, acreditando
a situação já mudou devido à longado de prosperidade mundial, que a valorização dos imóveis
rapidez com que ocorrem as tran- que beneficiou as nações emer- continuaria indefinidamente, o
sações e ao fato de que o mercado gentes, entre as quais o Brasil, e que resolveria o problema da má
é global”. financiou o excesso de consumo qualidade das garantias, pas-
Além disso, manifestava dúvida da população americana. saram a misturar “títulos tóxicos”
sobre se cabia ao FED atuar sobre Os baixos preços dos produtos a outros de boa qualidade em seus
o valor dos ativos ou apenas sobre chineses impediram que a expan- Fundos e os espalhar pelo sistema
a estabilidade dos preços dos são do consumo americano pro- financeiro dos principais países.
produtos. Em sua defesa, argu- vocasse a inflação, mas a ampla Quando começou a aparecer
menta que a crise não resultou da liquidez e os juros baixos con- a inadimplência do subprime
falta de regulamentação, mas de duziram à “exuberância irra- instalou-se uma crise de con-
“honorabilidade”, isto é, de ética, cional” do valor dos ativos. Some- fiança no sistema financeiro, que
uma vez que “em um sistema de se a isso a decisão do governo “travou” o crédito internacional e
mercado baseado na confiança Clinton de assegurar uma casa internamente em muitas nações,
a reputação tem um significativo para cada cidadão americano, o provocando também forte desa-
valor econômico”. que levou o Secretário de Ha- celeração do comércio inter-
Pode-se concordar com Green- bitação, Andrew Cuomo, a deter- nacional.
span que o problema não de- minar que as empresas semi- A recessão atingiu as econo-
correu da falta de regulamen- estatais Freddie Mac e Fannie Mae mias mais desenvolvidas, e seu
tação, mas da falta de ética de incrementassem os financia- preço mais dramático vem sendo
muitos operadores do mercado; mentos habitacionais, especial- o desemprego, que provoca
mas cabe indagar o que permitiu mente para as minorias, o que medidas protecionistas em muitos
ou estimulou essa conduta de levou a um relaxamento em países. As reações dos governos

JUN/JUL/AGO - 2009 - Nº 47 16
Matéria de Capa

e Bancos Centrais têm sido injetar impacto da retração do comércio externos, como, também, pela
vultosos recursos nas instituições internacional. As taxas de juros “aversão ao risco” que dominou
financeiras e nas empresas, altas, os depósitos compulsórios o sistema financeiro nacional.
reduzir juros e estimular o con- elevados e a tributação exagerada O desemprego se manifestou
sumo. oferecem ampla margem para a rapidamente em atitudes muitas
Em resumo, déficit público adoção de medidas anticíclicas vezes preventivas de grandes
exagerado, liquidez excessiva e que, no geral, não estavam dispo- empresas, assustadas com o
juros baixos estão na origem da níveis em outros países ou já cenário internacional de grande
crise, criando condições para as foram utilizadas sem que a crise incerteza e com forte desace-
distorções que se seguiram. Será tenha sido debelada. leração do mercado interno em
que as políticas que vêm sendo A crise internacional foi inter- consequência da retração do
adotadas para controlar a crise – nalizada pelos canais do comércio crédito. Desencadeou-se um
déficits públicos, injeção de exterior e do crédito. A redução processo de ajuste de estoques
liquidez e juros baixos – resolverão das correntes de comércio interna- que provocou forte queda da
os problemas da falta de con- produção industrial e aumento do
fiança no sistema financeiro, da desemprego.

“ Aatingiu
queda dos preços dos imóveis e O Banco Central demorou a
da inadimplência no mercado recessão entender a situação e, quando
imobiliário? Será que tais medidas agiu, o fez com sua tradicional
permitirão a volta dos empregos
as cautela, embora tenha atuado na
destruídos? Será que não é ne- economias mais direção correta, ao reduzir os
cessário reduzir o nível de consu- desenvolvidas, depósitos compulsórios e a taxa
mo nos Estados Unidos e em SELIC em doses bastante mo-
alguns países europeus para se
e seu preço destas, se comparadas com as
restabelecer o equilíbrio nos mer- mais dramático adotadas pelas autoridades
cados? Somente o tempo dirá. vem sendo o monetárias de outros países. As
medidas do governo, reduzindo
A CRISE E O BRASIL desemprego, tributos para alguns segmentos,
que provoca inicialmente para a indústria
Diferente de outras oportuni- medidas automobilística e depois para os
dades, o Brasil estava mais eletrodomésticos da linha branca
preparado para enfrentar a crise protecionistas e materiais de construção, tiveram
porque o setor externo, fonte em muitos impacto limitado sobre o con-
países.

tradicional de vulnerabilidade do sumo, a produção e o emprego.
País, estava tranquilo, com forte Apesar de o volume de crédito
superávit da balança comercial, na economia ter voltado aos níveis
baixo endividamento interna- de setembro – antes da crise – a
cional, câmbio flutuante e volume cional teve duplo impacto sobre a demanda cresceu muito em
confortável de reservas cambiais. economia brasileira. As quan- função da presença das grandes
Além disso, a política fiscal, tidades exportadas se reduziram empresas, com o que os empreen-
embora calcada mais em tribu- significativamente, e os preços dos dimentos de menor porte não
tação do que no esforço de principais produtos de exportação foram ainda contemplados com
contenção dos gastos, permitia a sofreram acentuada queda dos a volta dos financiamentos. As
obtenção de superávit. O sistema preços, com reflexos negativos operações dos bancos de menor
financeiro, saneado há mais de sobre investimentos, a renda e o porte e das financeiras, tradi-
uma década com o PROER, man- emprego do setor. O outro canal cionais fontes de recursos das
teve-se imune à contaminação foi a interrupção do crédito ex- pequenas e médias empresas,
dos “títulos tóxicos” e operava terno, que atingiu não apenas os somente agora, com o aumento
com baixo grau de alavancagem. financiamentos, inclusive do das garantias aos seus títulos,
Curiosamente, os defeitos da comércio exterior, como a fuga de começam a se recuperar.
política econômica que impediram capitais da Bolsa, secando as A questão do emprego con-
o Brasil de crescer a taxas mais principais fontes de recursos das tinua a ser muito séria, pois
elevadas, como os demais emer- grandes empresas. Essa interrup- mesmo que haja uma certa esta-
gentes, transformaram-se em ção provocou uma rápida para- bilização nas demissões, ima-
vantagens após a crise. A abertura lisação do crédito interno, não ginando-se que o pior da crise já
modesta da economia reduziu o apenas pela falta dos recursos tenha passado, o desemprego na

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Matéria de Capa

Grande São Paulo, segundo patamar atual o desemprego, que lhares de pessoas terem com-
dados da Fundação Seade e do já está muito elevado, deverá provação de renda e tornarem-se
Dieese, atingiu 14,9% em março, aumentar significativamente por não apenas consumidores, mas,
o que significa 1,5 milhão de conta do ingresso de cerca de dois sobretudo, cidadãos. O que se
trabalhadores à margem do milhões de pessoas que buscam espera, também, é que essa
mercado de trabalho. Não se uma oportunidade no mercado de legislação estimule o surgimento
pode considerar que as obras do trabalho. Estima-se que seria de novas iniciativas, atraindo o
PAC, por mais propaganda que necessário um crescimento da espírito empreendedor e a criati-
se faça a respeito, possam dar ordem de 5% do PIB somente para vidade de muitas pessoas que
grande contribuição na geração absorver esse contingente de atualmente não abrem um ne-
de emprego, porque são projetos novos demandantes por em- gócio por não desejar atuar na
de capital intensivo e de longa prego. informalidade.
maturação e, além disso, não são Enquanto o cenário econômico Nada disso, porém, substitui
suficientes para compensar a retra- externo e interno for de incerteza, a necessidade de se retomar
ção dos investimentos privados. os investimentos privados, novos com urgência o crescimento da
O plano de construção de um ou em expansão, não deverão economia, o que exige novas
milhão de casas ainda demora a retornar aos níveis anteriores, reduções dos depósitos compul-
sair do papel e será implementado pelo que é preciso estimular os sórios e da SELIC, direcionamento
gradativamente, mas o estímulo à micro e pequenos empresários a de crédito para as micro, pe-
construção civil é fundamental criarem empresas e gerarem quenas e médias empresas,
para fomentar a geração de empregos. e a diminuição horizontal de
empregos, embora seja impor- Em 1º de julho começará a vi- tributos como o IOF e a CSSL, em
tante que se leve em conta que gorar o MEI (Microempreendedor vez de beneficiar apenas seg-
esse fomento não pode ignorar as Individual), resultado da sugestão mentos com maior poder de
leis do mercado e comprometer a que tive a oportunidade de en- pressão. É preciso, sobretudo,
segurança das instituições finan- caminhar ao presidente Lula e restabelecer a confiança dos
ceiras com operações de risco que permitirá aos trabalhadores empresários e dos consumidores
muito elevado. individuais, que hoje se encontram para que a economia retome o
Mesmo se a economia crescer na informalidade, se legalizarem dinamismo que vinha apresen-
este ano o suficiente para esta- sem burocracia e com uma tribu- tando até setembro do ano
bilizar o nível de emprego no tação baixa, que permitirá a mi- passado.

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Política

Democracia, Estado de Direito


e Populismo na América do Sul
1
Eduardo Viola e 2Héctor Ricardo Leis
1
Professor titular do Instituto de Relações Internacionais da UnB.
2
Professor associado do Depto. de Sociologia e Política da UFSC.

grande o retrocesso polí-


É tico que se vive
atualmente em vários
países da América do
Sul. No meio de um
ciclo de democrati-
zação ainda não con-
solidado, começado na
década de 1980, a
região registra uma
presença cada vez mais
forte do populismo. Esse
fenômeno ocupa quase
todo o cenário político na
Venezuela de Chávez, na Bolí-
via de Morales, no Equador de
Correa, na Argentina dos Kir-
chner e no Paraguai de Lugo, mas
também se expressa no resto dos
países com traços menores. Por
certo, o populismo não é algo
novo na América Latina, mas a
atual onda tem componentes sin-
gulares. O fracasso das experiên-
cias populistas anteriores na
região, assim como suas caracte-
rísticas antidemocráticas, não per-
mitiam suspeitar uma nova emer-
gência no atual contexto demo- praticamente es-
crático. quecido. Assim, o
Outrora repudiado pelos no- retrocesso possui
mes mais representativos do duas caras: com o
pensamento democrático, tanto mesmo ímpeto que o po-
da esquerda como da direita, pulismo ganha votos num
devido a sua forte carga auto- grande número de países de
ritária associada de forma ine- América Latina, também
gável a setores reacionários do ganha legitimidade ideológica
militarismo latino-americano no campo democrático. É difícil
(como entender um Vargas e saber o que é pior, já que nada
um Perón sem esses compo- poderia ser tão prejudicial para os
nentes?), o populismo retorna processos de consolidação demo-
hoje prestigiado pelas urnas da crática em andamento no conti-
democracia e com seu passado nente que confundir a democracia

JUN/JUL/AGO - 2009 - Nº 47 19
Política

com o populismo. O elogio atual mesmo espaço, sem dúvida. Mas vida. Obviamente, se algo vai mal
do populismo reconceitualiza o a partir de uma perspectiva demo- a culpa será do capitalismo e do
fenômeno em termos das supostas crática os atores que constroem imperialismo! O resultado previ-
excelências de sua racionalidade e consolidam a democracia pre- sível no curto ou longo prazo é a
política. Dessa perspectiva, o cisam evitar a exacerbação tanto degradação da democracia e a
populismo se apresenta cons- do cinismo como da inimizade. O infelicidade da nação. As promes-
truindo a democracia, fazendo repertório populista não é sempre sas da democracia são de proce-
ingressar os excluídos no sistema o mesmo. Às vezes seu cardápio dimento, apontam principalmente
político democrático. Por certo o traz mais cinismo que inimizade, na direção de garantir as liber-
grande desafio da democracia é ou vice-versa, mas as consequên- dades econômicas e políticas. A
a inclusão dos habitantes da cias deletérias para a democracia rigor, a receita populista conduz
nação enquanto cidadãos. Mas são parecidas. O populismo atenta os países ao fracasso porque
será que o populismo cria cida- contra a sustentabilidade da de- centraliza todas as decisões
dania? econômicas e políticas. Num país
Já nos anos de 1930 o filósofo como a Venezuela de Chávez,
Levi Strauss criticava ao jurista
Carl Schmitt por dar preemi-
nência política à noção de inimigo
“ Opossui
retrocesso
duas
onde o Estado monopoliza o
petróleo da mesma forma que
a opinião pública, não há lugar
e, portanto, à lógica da guerra. caras: com o para o crescimento da economia
Quando o comportamento po- mesmo ímpeto nem dos cidadãos. Pelo contrário,
lítico dos atores reproduz essa as promessas da democracia não
lógica a nação acaba, mais cedo com que o giram em torno de benesses
ou mais tarde, esfacelada em populismo ganha oferecidas pelo Estado com pas-
fatias irreconciliáveis; isso por sua votos num grande ses de mágica, mas do ofere-
vez, conduz a uma perigosa de- cimento de igualdade de oportu-
terioração da governabilidade que número de países nidades para os cidadãos cui-
deixa os indivíduos indefesos, da América darem de seu destino de acordo
enquanto cidadãos. No final de Latina, também com seus méritos. A democracia
um caminho semeado de inimigos pode se tornar sedutora quando
se encontra a ditadura como ganha legitimi- confrontada com a ditadura. Mas
única saída possível para o dade ideológica a América do Sul já não tem como
restabelecimento da ordem. no campo continuar justificando a demo-
Apesar de o século XX ter regis-
trado uma longa série de resul-
tados catastróficos em todo o
democrático.
” cracia em função de regimes
ditatoriais que aconteceram mais
de duas décadas atrás. Aqueles
mundo, derivados dos movi- que maquiam a democracia com
mentos e processos políticos mocracia e do estado de direito as soluções fáceis do populismo
guiados por essa lógica, poucos porque estes são viáveis a partir de estão, a rigor, degradando a
ensinamentos nesse sentido uma lógica onde Estado, sociedade democracia para seus fins parti-
parecem ter sido assimilados na civil e mercado definem espaços culares.
América Latina. As tentativas de de convivência e de relativa con- A diferença do antigo em
produzir transformações sociais e fiança entre os diversos atores. relação ao novo populismo é que
políticas que visem a melhorar a Para os populistas é fácil ser o primeiro não prejudicava a
vida dos indivíduos são absoluta- sedutores: eles gastam o que não democracia com seu fracasso - o
mente válidas. Nem conserva- produzem e culpam os outros qual, de fato, se constituía em sua
dores nem revolucionários podem quando a festa acaba. Em todas alternativa. Hoje as coisas são
discordar disso. A política se legi- as suas variantes, o populismo diferentes, o populismo conduz à
tima na tentativa de mudar a rea- sempre foi contrario à economia degradação do regime demo-
lidade para melhor. Mas o ver- de mercado. Para piorar, vende a crático – processo que, no limite,
dadeiro ponto de inflexão não re- imagem de que as riquezas são se traduz na morte lenta da
side nos fins propostos, mas nos um fruto mágico da nação que o democracia. As promessas de
limites que os atores devem definir Estado deve apenas administrar solução integral dos problemas
e adotar para que a política al- com “justiça”. Desse modo é fácil da nação de forma imediata
cance tais fins. A política supõe certo cair nas redes da sedução, já que implicam, com a chegada do
grau de inimizade e de mentira ninguém parece ter que fazer um populismo ao governo, uma
entre os atores que disputam o esforço maior para melhorar de segura violência contra o sistema

JUN/JUL/AGO - 2009 - Nº 47 20
Política

institucional estabelecido. O Ninguém deveria es-


radicalismo das promessas obri- tranhar isso. Sendo a
ga esses governos a queimar lógica da guerra que
etapas a fim de justificar sua conduz os movimentos
existência no curto prazo entre populistas ao poder, o
uma eleição e outra. E o que acon- Estado só pode ser
tece com a cidadania quando se enxergado como patri-
ressentem e banalizam as insti- mônio do vencedor. A
tuições? Acontece a minimização entronização do assis-
da cidadania. O populismo quer tencialismo clientelista
incluir as massas dentro do sis- e de uma tributação
tema político sem criar cidadania, excessiva, assim como a
sem criar consensos em torno dos multiplicação dos car-
verdadeiros procedimentos para gos de confiança desti-
encontrar soluções para os pro- nados às diversas bases
blemas econômicos e políticos. de apoio, a apropriação
A falsificação democrática do indevida de recursos e
populismo reside aqui: não cria outros casuísmos e
cidadania, mas maiorias despro- violências jurídicas,
vidas de consciência ao serviço destinados à perpe-
das elites de turno (tudo à custa tuação no poder, são
das instituições democráticas e do evidências de que o
dinheiro dos contribuintes). Os avanço do populismo
excluídos merecem ingressar pela está intimamente asso-
porta ao sistema político, não pela ciado à decadência do O populismo é sempre uma forma instável
dentro de uma democracia que funcione.
janela. A inclusão populista não Estado e do livre mer-
sobrevive ao passar do tempo cado. Quanto mais fracas são as entanto, não se registra nenhum
porque ela apenas promove o instituições de um país, mais caso de populismo como esse. A
clientelismo político das massas. exposto ele fica à aventura po- perversão do populismo na
A emergência do populismo pulista. Quanto mais avança o América Latina, diferentemente
muitas vezes encontra sua justifi- populismo, mas se enfraquecem do que pode significar eventual-
cação nas crises da democracia, as instituições. mente na Europa, fica clara
mas as promessas que elevam os Alguns autores sustentam que quando observamos o desenvol-
populistas até o governo nunca se o populismo se justificaria quando vimento da cidadania pelos olhos
referem ao aperfeiçoamento das surgisse para combater o déficit de Thomas Humphrey Marshall
instituições. Pelo contrário, a de democracia. Porém, se esse fosse (1893-1981), sem dúvida o maior
radicalização populista da demo- o caso, para existir um populismo teórico e pesquisador do tema.
cracia se constrói contra os realmente “positivo” sua liderança Para esse autor a cidadania é um
direitos dos indivíduos e as regras deveria ser tão populista quanto fator decisivo da consolidação de-
do livre mercado. Infelizmente, a institucionalista, o que é contra- mocrática, porém o que deve ser
democracia é uma construção ditório, já que a legitimidade do corretamente observado é que
que não sobrevive à fragilização populismo se conquista contra as existe um processo evolutivo lento
das leis e das instituições. A rigor, instituições, e nunca a favor. e gradual de aquisição de direitos
no longo prazo, sem um bom O populismo é sempre uma civis, políticos e sociais, produzidos
Estado e um bom mercado, não forma instável dentro de uma nessa ordem. Essa ordem é funda-
há democracia possível. democracia que funcione, por- mental para a democracia porque
Os cidadãos estão obrigados tanto, quando ele deixa o cenário se os direitos sociais são ou-
a serem realistas, porque com a as instituições democráticas ficam torgados antes que os políticos,
utopia não se garante o aumento piores que antes. Para que as ins- haverá sempre uma cidadania
da produtividade da economia tituições sejam fortalecidas a política imatura, presa fácil para
nem um Estado eficiente, neutro liderança populista, após cumprir cair na tentação das promessas da
e previsível. Nesse sentido, se existe sua função “positiva”, deveria ir liderança populista que oferecem
algo que os populistas não sabem progressivamente perdendo legiti- bônus e direitos sociais, não
nem querem fazer é cuidar do midade e ir “se apagando” sem sustentáveis economicamente no
Estado. Para eles o Estado é lutar, combatida pelo crescimento longo prazo, em troca de apoio
sempre um botim de guerra! de uma cidadania ilustrada. No político.

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Sindicalismo

O Peleguismo
Sindical
Rodrigo Constantino
Economista e escritor

“O poder sindical é essencialmente


o poder de privar alguém de trabalhar
pelos salários que estaria disposto
a aceitar.” (Hayek)

empre que a economia se encon-


S tra em crise, surge um espaço a ser
ocupado por nacionalistas oportunistas.
Em nome da “proteção de empregos”,
esses oportunistas avançam sobre
as liberdades individuais, conquistando
novos privilégios à custa dos con-
sumidores e pagadores de impostos.
Na conhecida “Era Vargas”, com o
mundo capitalista em crise, formou-se o
“peleguismo” sindical no Brasil. Com
uma retórica contra as “elites ex-
ploradoras” e falando em nome do
“interesse nacional”, um grupo de tra-
balhadores se junta para pleitear be-
nefícios próprios. O “pelega” era o líder
sindical que deveria mediar os interesses
do governo e as reivindicações dos
operários. Na prática ele luta por regalias
que favorecem os próprios sindicalistas,
quase sempre prejudicando os traba-
lhadores que ele diz defender.
Com a crise atual, o “peleguismo” está
de volta com toda a força. Nos no-
ticiários, vemos quase diariamente as
manifestações sindicais em prol de me-
didas protecionistas do governo. No-
vamente, esses sindicalistas usam a
desculpa de luta pelos interesses dos
trabalhadores para justificar o avanço do
governo sobre o bolso dos cidadãos.
Todos conhecem vários casos de sin-
dicalistas ricos, que desfrutam de inú-
meros privilégios, tudo isso em nome
da proteção dos pobres trabalhadores.
Os sindicatos se transformaram em
verdadeiras máfias no país. Todos os
avanços obtidos na produção de bens e
serviços foram possíveis através da mente

JUN/JUL/AGO - 2009 - Nº 47 22
Sindicalismo

inovadora de alguns, e é o da empresa, ele está agindo nos seus empregados. A função de
processo competitivo do ca- melhores interesses de seus con- empresário é muitas vezes vista
pitalismo que permite que tal sumidores. como sem valor, uma “explo-
progresso chegue às massas. Os Afinal, esses consumidores não ração” que permite a apropriação
sindicatos poderosos não passam estão dispostos a pagar mais pelo indevida da “mais-valia”. O
de uma barreira artificial nesse produto porque o trabalhador sindicalista ignora completamente
processo natural, cobrando um aumentou sua família. A inge- o fato de que as condições de
enorme pedágio para que o nuidade dos sindicalistas se mani- mercado estão sempre mudando
gargalo seja parcialmente deso- festa no fato de que eles próprios e que decisões fundamentais, que
bstruído. Mas esse resultado não nunca aceitariam o mesmo argu- podem selar o destino da em-
era imprevisível. A teoria eco- mento na compra dos produtos presa, precisam ser tomadas
nômica mostra que este é o efeito que eles consomem. O sindicalista diariamente. A visão sindicalista é
inexorável da concentração de estacionária. Portanto, o sindi-
poder em sindicatos. calismo ignora os problemas
A economia de mercado pode essenciais do empreendedorismo,
ser descrita também como a
democracia dos consumidores.
Os empreendedores e capitalistas
“criseComatual,
a
o
como a alocação de capital entre
os diferentes setores, a expansão
de indústrias já existentes, o desen-
não são autocratas que deter- “peleguismo” volvimento tecnológico, etc. Tudo
minam o que deve ser produzido que existe é tomado como certo
independentemente da demanda. está de volta com pelos sindicalistas, que desejam
Eles estão sujeitos à soberania dos toda a força. apenas uma divisão diferente
consumidores. São estes que, em daquilo já existente. Como Mises
última instância, decidem quais
Nos noticiários, conclui, não seria injusto chamar
produtos serão os vencedores no vemos quase o sindicalismo de uma filosofia
mercado. Os sindicalistas gos-
tariam de mudar isso, transfor-
diariamente as econômica de pessoas com visão
limitada.
mando tudo numa “democracia manifestações A essência das políticas sindi-
dos produtores”. A idéia é fala- sindicais em prol cais é sempre garantir privilégios
ciosa, como argumenta Mises em para um grupo minoritário à custa
Human Action, já que o propósito de medidas da imensa maioria. O resultado
final da produção é o sempre o protecionistas invariavelmente será reduzir o
consumo.
O que mais incomoda os sin-
dicalistas no sistema capitalista é
do governo.
” bem-estar geral. Os sindicatos
tentam criar barreiras contra a
competição entre trabalhadores,
sua suposta frieza na busca pelo garantindo privilégios para aque-
lucro. Mas o que eles ignoram é les já empregados. Quando esses
que essa busca é justamente o que enquanto consumidor não ques- obstáculos são erguidos (como
garante a supremacia dos con- tiona nas lojas se o bem foi pro- salário mínimo, necessidade de
sumidores. Sob a competição do duzido por empregados com diplomas, restrições de horas tra-
livre mercado os empresários são poucos ou muitos filhos. Ele quer balhadas e inúmeras outras re-
forçados a melhorar suas técnicas o melhor produto pelo menor galias), o que os sindicatos fazem
e oferecer os melhores produtos preço. E quando ele exerce essa é dificultar a entrada de novos
pelos menores preços. Por isso escolha, ele próprio está definindo trabalhadores, que poderiam
eles são levados a pagar somente como o empregador deve agir, aceitar condições menos favo-
o salário de mercado, ou seja, sempre mantendo o menor custo recidas. O resultado prático disso
aquele decorrente da produ- possível, incluindo um salário de é maior desemprego na econo-
tividade do trabalhador, sujeito às acordo apenas com o valor agre- mia, assim como preços mais
leis da oferta e da demanda. Se gado pelo trabalhador. altos para os consumidores.
um trabalhador pede aumento Uma característica presente na Sindicatos atuam como cartéis,
porque sua mulher teve mais um mentalidade sindicalista é o foco e muitas vezes abusam da
filho e seu empregador nega ale- no curto prazo. Para os sindi- ameaça de violência para atingir
gando que o nascimento do filho calistas a empresa tem um lucro seus objetivos. Como disse o
nada acrescenta à produtividade que pode ser dividido melhor entre economista Murray Rothbard,

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Sindicalismo

trata-se de uma grande curiosi- Ninguém precisa defender as decreto estatal, mas sim no
dade o fato de que esses sindica- idéias sindicalistas, muitas vezes próprio progresso capitalista. Foi
listas tenham conseguido con- impregnadas de violência, para se ele que permitiu o acesso dos
vencer boa parte da população de sensibilizar com as condições de trabalhadores a diversos produtos
que estão trabalhando em prol da muitos trabalhadores pobres. Na que aumentam o conforto de
sociedade quando se negam a verdade, pode ser justamente o maneira impensável mesmo para
trabalhar durante as greves. E contrário. A melhor garantia que aristocratas do passado.
mais espantoso ainda foi eles te- esses trabalhadores têm para Com essa teoria econômica em
rem convencido muita gente de mudar de vida está no sistema mente, fica bem mais fácil en-
que os trabalhadores que “furam” capitalista de livre mercado. Com tender os efeitos nefastos do
as greves, aceitando trabalhar nas o foco nos consumidores, os aumento do poder sindical no
condições ofertadas, representam empresários terão que investir em país. A simbiose entre os po-
a verdadeira escória humana e tecnologias que aumentam a derosos sindicatos e o governo
não passam de inimigos da produtividade do trabalho. Os acaba custando muito caro a
sociedade. Quando os grevistas salários terão aumento relativo todos. O caso da Embraer foi
atacam com violência esses aos preços dos produtos finais, sintomático. Quando a empresa
trabalhadores, a essência do lembrando que todos são consu- anunciou a demissão de milhares
movimento sindicalista fica ao midores. Os empresários no de trabalhadores, os sindicalistas
menos exposta: a verdadeira luta capitalismo desejam justamente e políticos logo aproveitaram o
não é contra a “exploração” atender as demandas das mas- momento para explorar o
capitalista, mas sim contra os sas, pois somente assim terão sensacionalismo. Ninguém pode
próprios trabalhadores que acei- expressivos ganhos de escala. Os comemorar demissões, que
tam trabalhar com menos van- produtos de luxo serão sempre causam bastante sofrimento. Mas
tagens. Os sindicatos não re- mais limitados, voltados para um muitas vezes tais demissões são
presentam todos os trabalha- público menor que aceita pagar necessárias para a própria
dores, mas sim os que já estão bem mais caro. sobrevivência da empresa e,
empregados, contra os demais, Por isso os trabalhadores de portanto, a manutenção de todos
incluindo os desempregados. E os países capitalistas desfrutam de os demais empregos. Além disso,
líderes sindicais não representam condições bem melhores que esses sindicalistas nada falaram
nem mesmo os interesses legítimos aquelas encontradas em países sobre a criação de milhares de
dos trabalhadores já empregados, socialistas. Não adianta achar empregos antes da crise pela
mas sim os seus próprios interes- que imposições legais vão me- empresa. Contratar e treinar
ses, muitas vezes em conflito com lhorar a vida dos trabalhadores. pessoal é um investimento caro,
o dos trabalhadores. A solução para isso não está no e nenhuma empresa gosta de
demitir gente. Logo, essas me-
didas drásticas serão tomadas
apenas quando necessárias. Mas
os sindicalistas ignoram a reali-
dade dos mercados, preferindo
apelar para uma retórica dema-
gógica. Dessa forma eles podem
posar de defensores dos traba-
lhadores, mantendo assim seus
privilégios intactos. Durante uma
crise aguda, como a atual, as
empresas terão que se ajustar
para sobreviver, ou correm o risco
de falência e perda de todos os
empregos. Durante a Grande
Depressão o Wagner Act assi-
nado pelo presidente Roosevelt
garantiu um poder enorme aos
sindicatos, e isso levou a um
aumento dos salários justo numa
Sindicalistas julgam grevistas que aceitam acordos como inimigos da sociedade. época em que as empresas deve-

JUN/JUL/AGO - 2009 - Nº 47 24
Sindicalismo

Não foram organizações sindicais que permitiram a melhora na qualidade de vida dos trabalhadores, e sim o progresso capitalista.

riam reduzir custos. O resultado ela foi perdendo capacidade de produtividade do trabalho. Os
prático foi o prolongamento da atender melhor a demanda dos sindicatos olham a economia como
crise e a perda de mais empregos, consumidores, que decretaram, um bolo fixo, e querem aumentar
que poderiam ter sido poupados. pelo plebiscito ininterrupto do sua fatia na marra. O capitalismo
Ninguém pode ficar feliz com o mercado, sua quase bancarrota. liberal é o fermento que pode fazer
anúncio de demissões. Mas A legislação trabalhista brasi- o bolo todo crescer.
politizar a questão dos empregos leira é ainda pior, totalmente Não foram os líderes da CUT,
é o caminho certo da desgraça retrógrada, e necessita urgen- da Força Sindical, os políticos do
para os próprios trabalhadores. temente de reformas que flexi- PDT e PT ou qualquer outro ícone
A GM é um excelente exemplo bilizem as relações entre patrão e do movimento sindicalista no país
dos perigos do sindicalismo forte. empregado. É preciso lembrar que permitiram a melhora na qua-
Ao longo dos anos, a pressão dos que sempre que for mais caro e lidade de vida dos trabalhadores,
sindicatos, com o apoio direto do complicado demitir alguém, será mas sim o progresso capitalista,
governo americano, resultou em também mais difícil contratar quase sempre a despeito das
inúmeras “conquistas” traba- alguém. Além disso, ignorar as barreiras criadas por esses gru-
lhistas, mas o custo desses bene- leis de mercado pode ser maravi- pos. Para o capitalista ficar rico
fícios acabou sendo o declínio da lhoso no mundo da fantasia, mas no livre mercado ele precisa criar
competitividade da empresa. Seus na prática é fatal. A concorrência riqueza, ou seja, atender a de-
carros chegaram a custar até US$ de livre mercado é a melhor manda dos consumidores. Já os
2.000 a mais que um similar da garantia que os consumidores têm líderes sindicais acumulam ri-
Toyota, para que a empresa de bons produtos a preços aces- queza expropriando os empre-
pudesse honrar todos os benefí- síveis. Ao mesmo tempo, a com- sários e trabalhadores. O “im-
cios cedidos. A situação foi se petição entre empresas também posto sindical”, por exemplo, é
deteriorando a ponto de atual- representa a melhor garantia de apenas um roubo legalizado, que
mente a GM estar praticamente bons salários para os trabalha- obriga o trabalhador a contribuir
quebrada, necessitando de cons- dores. Barrar essa concorrência mesmo contra sua vontade. Se
tantes injeções de capital do através de obstáculos artificiais do o Brasil realmente deseja avançar
governo americano. Como os governo gera apenas miséria e economicamente, se transfor-
sindicatos não trabalhavam em desemprego. O mais importante mar num país rico de “Primeiro
prol do aumento da produtividade para aumentar os salários dos tra- Mundo”, ele deverá antes extirpar
da empresa, mas sim para di- balhadores não é a pressão polí- o câncer do “peleguismo sindical”,
recionar uma parte cada vez tica feita através de máfias sindicais, infelizmente quase em estado de
maior do bolo aos funcionários, mas o investimento no aumento da metástase no país.

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Livros

Regulação: a solução privada


Resenha do Livro Regulação Privada - Uma alternativa real à reforma da regulação, de Yesim Yilmaz (IL/2001)

uitos tomam como certa a sumidor, e a sua própria sobre-


M necessidade de uma regula- vivência depende de um serviço
ção do governo no mercado, par- bem feito. Ao contrário do governo,
tindo da premissa da assimetria de que demanda mais recursos para
informação. A idéia original da re- cada novo fracasso, esses agentes
gulação era tornar “regulares” algu- independentes não serão capazes
mas informações de produtos para de permanecer no mercado se
facilitar as escolhas dos consu- falharem com frequência em suas
midores. Mas será que a regulação funções de fiscalização. Existe con-
deve realmente ser feita pelo corrência em testes e certificação de
governo? Em Regulação Privada, produtos, o que impede a negli-
Yesim Yilmaz argumenta que não, gência, comum nas agências es-
que há uma alternativa muito mais tatais. Além disso, os burocratas
eficiente: a regulação pelo próprio podem sempre ser capturados
mercado. pelas grandes empresas, que
Uma das grandes desvantagens podem suborná-los para burlar a
da regulação estatal é seu enorme no próprio mercado surgem enti- regulação. Já nas agências priva-
custo. Não existe um sistema de con- dades regulatórias voluntárias, das isso é bastante complicado,
tabilidade capaz de avaliar todos auxiliando o processo de escolha pois elas dependem da satisfação
os custos de ações reguladoras. No dos consumidores de forma mais dos consumidores para sobreviver.
entanto, as estimativas demonstram barata e eficiente que o governo. A American Dental Association
que esses custos, incluindo manu- O caráter voluntário da re- (ADA), por exemplo, é uma asso-
tenção da agência, cumprimento gulação privada é fundamental ciação para dentistas e estudantes
das normas e documentação, ultra- para sua eficácia. Os participantes de odontologia que há mais de 130
passavam os US$ 700 bilhões ao do mercado frequentemente optam anos estabelece normas para teste
ano em 1998. Essa enorme cifra por cumprir os critérios estabelecidos e publicidade de produtos odonto-
não inclui os custos ocultos, ou seja, pelo agente privado, sem qualquer lógicos. Seu uso é voluntário, e na
o custo de oportunidade caso esses imposição oficial. Afinal, um selo de condição de agência independente
recursos não tivessem sido gastos qualidade reconhecido pelos con- a ADA concedeu certificados de
com regulação. O gigantesco apa- sumidores por causa de sua tradi- aprovação de produtos muito antes
rato regulatório imposto às empre- ção pode ser uma questão de de a Food and Drug Administration
sas significa muitas vezes desperdício sobrevivência no mercado. O autor (FDA) ter implantado a rotulagem
de recursos, tornando o país mais lembra que é quase impossível compulsória. A FDA, aliás, é um
pobre. As empresas pequenas atualmente para um fabricante de caso típico de ineficiência estatal,
sofrem de forma mais perversa, pois equipamentos elétricos ignorar a que tem imposto um atraso preo-
pagam mais em termos relativos do aprovação da Underwriters Labo- cupante na evolução de novos
que as empresas maiores. ratories (UL), que é um agente remédios, sem que isso seja conver-
O argumento que tenta justificar independente. O que está em jogo tido em maior segurança.
esse pesado gasto costuma ser a para essas empresas é sua repu- Outros exemplos de agências
proteção dos consumidores. Mas, tação, um dos ativos mais valiosos privadas são Green Seal, atuando
como lembra o autor, “a melhor que existem. A própria competição na regulação ambiental, a Ortho-
garantia de qualidade e preço é um no livre mercado garante uma cons- dox Union, supervisionando ali-
mercado competitivo – sabendo-se tante preocupação com a repu- mentos kosher, a SafeSurf, asse-
que existem outros fornecedores tação. Ou alguém acha que os ali- gurando aos clientes a classi-
forçando cada produtor a fornecer mentos vendidos pela Wal-Mart não ficação de conteúdo online, etc.
qualidade adequada a um preço são podres por causa da vigilância A mensagem é bastante clara:
competitivo”. A regulação pode do governo? “A verdadeira reforma da regu-
reduzir os custos de informação que Existem várias entidades inde- lação deveria se basear em incen-
recaem sobre os consumidores, mas pendentes atuando para inspe- tivos de mercado”.
“é um erro presumir que a ‘regu- cionar, aprovar e certificar diferentes
lação’ necessariamente envolve o produtos e marcas. A Consumers
governo”. Inúmeras iniciativas de Union, por exemplo, tem como ob- por Rodrigo Constantino
Economista e escritor
agentes independentes provam que jetivo direto a proteção do con-

JJUN /JUL
UN/J /AGO
UL/A GO -- 2009
2009 -- NNºº 47
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26
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