Você está na página 1de 3

OS ACIMA DAS LEIS, DA CONSTITUIÇÃO E DA NAÇÃO.

(Parte II)

“O QUE DE FATO ACONTECEU E ESTÁ ACONTECENDO EM HONDURAS?”

No artigo da semana passada, nós apresentamos o depoimento contundente da


intelectual hondurenha, Profª Margarita Montes, onde a mesma atesta, categoricamente, que
os últimos acontecimentos em Honduras, quando houve a remoção do ex-Presidente José
Manuel Zelaya Rosales, foi, na verdade, um rompimento paradigmático na história política
contemporânea da América Latina. Assim, pela primeira vez, após a guerra fria – afirmou a
professora – um exército nacional depõe do poder – de forma constitucional – um presidente
democraticamente eleito com o fim de restaurar – e não romper – o Estado Democrático de
Direito, como era característico dos militares, na América Latina como um todo, em outras
épocas. Realmente – e esta é a minha leitura fáctica – o acontecimento não é meramente
episódico, ao contrário, quiça, seja a consolidação de um novo paradigma constitucional na
mentalidade do povo e das instituições estatais latino-americanas, sobretudo, neste
momento de crescente ideologia de perpetuação no poder.

Para chegarmos, analítica e conclusivamente, a esta tese acima, temos que ter em
mente, de modo claro e objetivo, o que de fato aconteceu em Honduras. A partir disso,
poderemos atestar se o rompimento paradigmático que ocorreu foi constitucional e legal ou
se foi, como a imprensa mundial e vários organismos internacionais – como a OEA e a ONU –
se posicionaram, mais um “Golpe de Estado” latinoamericano. Esse é o objetivo do ensaio de
hoje. Vejamos, então.

Desde o início deste ano – por influência da esquerda ditatorial da América Latina,
sobretudo, de Hugo Chávez, presidente “re-re-re-reeleito” da Venezuela – o então Presidente
de Honduras, Zelaya Rosales, sinalizou, politicamente, que gostaria de postergar o seu
mandato presidencial, nos mesmos termos que Hugo Chávez o fez na Venezuela e nos mesmos
termos que outros presidentes sinalizam fazer em seus respectivos países latinoamericanos
(como era o caso do terceiro mandato de Lula). Pois bem. A questão a ser levantada
inicialmente é: isso seria permitido constitucionalmente em Honduras? A resposta é
categórica: não. Só se houver uma alteração constitucional e não um simples referendo como
quis fazer Zelaya. Na realidade, ele achava que tinha o instrumental político necessário para
ludibriar o povo hondurenho, as demais instituições estatais e a imprensa do seu país, como o
fez Hugo Chávez na Venezuela. Mas não conseguiu, porque o Estado Democrático de Direito
em Honduras é mais maduro que em outras pseudo-democracias, como no caso venezuelano.

Seja como for, o fato é que em 23 de março, o então Presidente Zelaya publicou –
mesmo sabendo da sua inconstitucionalidade e forte oposição das instituições estatais – um
decreto (Decreto PCM05-2009), autorizando o Poder Executivo a realizar um processo de
consulta ao povo a respeito da reeleição do mesmo. O decreto – por ferir a Constituição – foi
julgado inconstitucional e ilegal, em 27 de maio, por um Tribunal hondurenho, exatamente,
porque, segundo este, tal decreto violentava o art. 5º da Constituição e o art. 15 da Lei
Eleitoral. Isso porque tais dispositivos do sistema jurídico hondurenho estabelecem que a
única instituição que teria prerrogativa para fazer um processo de consulta como esse seria o
“Tribunal Supremo Electoral” e não o Poder Executivo, como queria Zelaya. Assim, a decisão
judicial anulou o decreto e proibiu a consulta.

Não conformado com isso – depois de buscar apoio político-internacional para o


seu intento (e o seu mentor intelectual para isso, continuou a ser Hugo Chávez, como revelou
em entrevista à Folha de São Paulo, no dia 03 de julho, o até então assessor presidencial de
Zelaya, Moisés Starkman) – no dia 27 de junho, Zelaya publicou mais um decreto, o PCM 020-
2009 (e, saliente-se, num sábado!, com data retroativa a 25 de junho!), com o objetivo de levar
adiante, custasse o que custar, a consulta a respeito da reeleição, consulta esta que seria
realizada no dia seguinte, 28 de junho, um domingo, sob a coordenação do Poder Executivo.
Pura manipulação eleitoral, flagrante inconstitucionalidade, abusiva ilegalidade e ilegítima
proposição. Zelaya tentava, assim, assassinar a democracia hondurenha.

Por assim ser, tendo em vista a flagrante violação constitucional e legal cometida
por Zelaya – até mesmo porque este ato já tinha sido extirpado do sistema jurídico pela
decisão judicial anterior – e, sobretudo, por incorrer, ele, com a edição deste novo decreto
(por certo, atentativo aos valores democráticos), na violação ao art. 239 da Constituição
Hondurenha, a promotoria peticionou à Corte Suprema de Honduras a destituição imediata do
Presidente, sob os auspícios das Forças Armadas Hondurenhas, conforme determina a
Constituição em seus dispositivos. E assim ocorreu.

Vejamos o que diz o art. 239 da Constituição hondurenha, esculpido no Capítulo


VI – Del Poder Ejecutivo:

“El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no


podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga
su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán
de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán
inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.”

O texto do dispositivo constitucional é claro! Não pode haver reeleição e quem for
de encontro a esta norma constitucional, cessará DE IMEDIATO o exercício do seu cargo e
ainda ficará inelegível por dez anos! Na realidade, deve-se entender que o rigor desta norma
se fundamenta, tendo em vista a história político-constitucional de Honduras que, durante
muitos anos, viveu sob a égide de governos não democráticos que não respeitavam os anseios
do povo e os sistemas constitucionais estabelecidos.

Assim, ao violar o art. 239 da Constituição de Honduras – entre outros dispositivos


constitucionais –, segundo a Corte Suprema, desde o dia 27 de junho, Zelaya já não era mais
presidente do país, devendo ser tratado, inclusive, como um cidadão comum, já que, no
sistema jurídico hondurenho, desde a década de 90, o foro privilegiado por prerrogativa de
função não se estende além do mandato, de modo que, mesmo o crime tendo ocorrido na
vigência do mandato, uma vez cessado este, o agente político volta a conviver com o regime
jurídico típico do cidadão comum. Sobre a deposição, alguns objetam o seguinte: e por que o
enviaram para um outro país? A resposta é simples: por conveniência política, já que,
constitucionalmente, o país passou a viver um período de estado de sítio.
Todos nós sabemos que, infelizmente, no contexto atual da América Latina, a
Sociedade tem sido menos respeitada que os chamados Movimentos Sociais. A Sociedade
perdeu espaço para o “Movimento” que dele emerge. A Maioria deixou de ser, politicamente,
a maioria e a Minoria, politicamente, passou a ser a maioria, isto é, a real detentora do poder
político. Uma inversão irrazoável e ilegítima da ordem social é o que vivemos hoje. E o que tem
a ver isso com o caso? É que, politicamente, alguns pequenos grupos que ainda apoiavam
Zelaya e seu projeto de perpetuação no poder poderiam, com ele preso no país, iniciar uma
onda de violência, como de fato quiseram fazer e induziram a imprensa a noticiar. Nesses
últimos dias mesmo, um ônibus de militantes chavistas – vindos da Venezuela, pasmem! – foi
preso na fronteira, tentando entrar no país com o objetivo de sublevar a população e
confundir, ainda mais, a opinião pública mundial.

Isso é apenas um resumo das atitudes inconstitucionais e ilegais de Zelaya. O mais


impressionante, para nós brasileiros, em todo este cenário latinoamericano é termos que
suportar o cinismo do Presidente Lula ao criticar veementemente o que aconteceu (quando,
em verdade, deveria elogiar a estrutura e maturidade institucional da democracia
hondurenha) e alguns dias depois estar em uma conferência internacional, sentado à mesa,
desfrutando de requintados banquetes e depois pousando para fotos oficiais e da imprensa
internacional com os supra-sumos da ditadura mundial: Mahmoud Ahmadinejad, presidente
“reeleito” do Irã e Muammar Kadafi, ditador sanguinário da Líbia. Que insensatez! Que
incoerência!

Volto a afirmar peremptoriamente: Zelaya, de Honduras, Chávez, da Venezuela,


Evo Morales, da Bolívia, Rafael Correa, do Equador, Daniel Ortega, da Nicarágua e Lula, do
Brasil – entre outros líderes deste movimento de perpetuação no poder – são daqueles que se
acham Acima das Leis, da Constituição e da Nação. Próxima semana, explicaremos o que cada
um desses líderes latinoamericanos tem feito a este respeito em seus respectivos países.

Uziel Santana (Professor da UFS e Advogado)


http://www.uzielsantana.pro.br

Você também pode gostar